sábado, agosto 31, 2019

Uma realidade de que não se fala





Há não muito tempo o The Guardian contava How self-love got out of control interrogando-se sobre se o narcisismo seria o novo normal.

Vi uma conferência na qual a oradora revelava o crescente aumento do número de narcisistas na sociedade [Managing A Narcissist: Ann Barnes]. As razões serão muitas, desde o enfraquecimento da disciplina parental, passando pelo crescente isolamento pessoal até ao uso cada vez mais intensivo das redes sociais que acarreta uma permanente necessidade de aprovação e reconhecimento. 

Referia ela um estudo levado a cabo ao longo de trinta anos junto de estudantes. No início, nos anos 80, cerca de 30% da população estudada era narcisística e 70% empática. Cerca de 30 anos depois, em tempos já recentes, o que se verificou foi exactamente o oposto, apenas 30 % revelavam traços gerais de empatia. E isto é tanto mais preocupante quanto, a manter-se esta tendência, daqui por uns anos viveremos tempos complicados, com uma população cada vez mais narcisísica e menos empática. O que se tem visto a nível sindical já o demonstra bem: classes profissionais que exigem tratamento de excepção, custe o que custar junto de quem for, seja sacrificando doentes, seja prejudicando um país inteiro. Cada um acha-se com direito a tratamento privilegiado porque se acha o mais imprescindível, o mais importante de todos -- ou isso ou porque, simplesmente, se está nas tintas para os outros. 

Narcissists are everywhere — 
but they may not be the people you think they are
in The Washington Post


Claro que nem todos os narcisistas são iguais.

Segundo aprendi, estima-se que 1% da população seja composto por narcisistas psicóticos. São casos geralmente graves -- e nem vou deter-me na frieza com que alguns narcisistas criminosos agem, achando-se com direito a tudo fazerem sem quererem saber do mal que causam.

Depois há o grupo dos narcisistas extremos, cerca de 6 a 10% da população que, não sendo patológicos, são tóxicos, extramente tóxicos. A oradora compara-os a uma hera venenosa e diz que devem ser deixados sozinhos e 'untouched'. São também um perigo porque dissimulam a sua personalidade e manipulam os sentimentos e a mente dos que lhes estão próximos.

Há depois os outros, a maioria, os que são sobretudo uns maçadores, uns chatos, uns auto-centrados, com dificuldade numa boa integração, sempre propensos um clima de conflitualidade, a intrigas, uns passa-culpas, ou, então, uns eternos adolescentes, com aspirações pessoais que se sobrepõem geralmente às da equipa em que deveriam sentir-se inseridos.  Em ambiente profissional ainda se conseguirá fazer alguma coisa deste grande grupo de narcisistas moderados mas não é do melhor que se pode ter como colega de trabalho ou como amigo.

O problema sério reside, pois, no 1% de narcisistas pscicopatas e nos 6 a 10% de narcisistas tóxicos,

E se a nível pessoal, lidar com um narcisista pode desgastar e, mesmo, anular a personalidade de quem lhe está mais próximo (e, talvez por isso, os especialistas se refiram a essas pessoas como 'vítimas de abuso narcisista'), a nível social é um factor de corrosão que pode pôr em risco os fundamentos da democracia.

Tem-se visto o que tem sido não apenas a nível sindical mas também a nível político em que narcisistas doentios têm manipulado emocionalmente os eleitores, conseguindo fazer-se eleger e, uma vez lá, tem sido o fartote  que se tem visto um pouco por todo o lado (Trump, Bolsonaro, Boris, Salvini, etc). Dizem e fazem o que lhes dá na gana porque se acham os maiores, com direito a tudo -- e que se lixem os que não gostam deles, que se lixe o país, que se lixe o mundo.

Pessoas narcísicas encontram terreno fértil junto de pessoas carentes, pessoas que sentem sempre necessidade de apoio, que acreditam que, com eles, se sentirão mais seguras, melhor acompanhadas. 

Segundo li, os narcisístas são muitas vezes suportados por codependentes, pessoas que, justamente, temem ser rejeitadas e que fazem de tudo para se sentirem amadas, protegidas, apoiadas, acompanhadas.
Não sou especialista pelo que o que vou dizer é mera conjectura mas talvez seja essa a razão para que exactamente os sectores mais vulneráveis da sociedade sejam os que mais apoiam os narcisistas, acreditando em tudo o que dizem, votando neles, defendendo-os, até com violência, contra todas as evidências.
O vídeo que abaixo partilho é muito interessante e, apesar de ter a duração de dezassete minutos, vê-se de bom gosto. Foca muito as relações interpessoais e a forma de actuarem das pessoas com estas características. Não são apenas os especialistas na área que têm a palavra: são também as vítimas e é também um exemplar dessa espécie com a qual a sociedade tem sido condescendente ao ponto de os ver multiplicar-se na maior impunidade, alastrando como uma erva daninha.

Narcissistic Abuse: An Unspoken Reality



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E queiram aceitar o meu convite e ver como o fantástico Randy Rainbow lida com o mais estuporado narcisista da actualidade, o Cheeto Christ Stupid-Czar

Cheeto Christ Stupid-Czar - mais uma fantástica paródia de Randy Rainbow


Sou completamente fã do inteligente, divertido, oportuno e directo Randy Rainbow. Perante as últimas do ultra-narcisista Pato Donald da cabeça cor-de-laranja, saíu mais uma brilhante paródia. A ver, sem sombra de dúvida. 


sexta-feira, agosto 30, 2019

Uma adivinha antiga com uma solução inesperada


Ao jantar, a mesa cheia (embora seja a mesa pequena pois não está a turma completa), a conversa é sempre animada. Hoje, entre temas variados, vieram adivinhas. Às tantas, a minha filha disse a mais conhecida e intemporal de todos os tempos: 
'Qual é a coisa qual é ela que cai no chão e fica amarela?'. 
Resposta imediata do mais novo dela, aquele que durante algum tempo aqui tratei por bebé e depois por ex-bebé, até que, tendo vindo mais bebés a seguir, deixou de poder ser assim tratado: 
'Uma chamuça...?!'
E, se querem que vos diga, ainda me estou a rir ao escrever isto. E não o disse por piada, estava mesmo a admitir que poderia ser essa a resposta correcta. 

Este mesmo menino, um bocado antes, depois de ter visto com o irmão o vídeo do Pearl Harbor e de ter feito diversas perguntas sobre a guerra e estando eu a falar-lhe do dia D, do desembarque e etc, ficou uns segundos calado e depois concluíu: 'A vitória vem sempre com sacrifício'

Ficámos a olhar para ele, admirados. A mãe perguntou-lhe onde tinha ele ouvido aquilo. Disse que em lado nenhum, tinha pensado nisso.

E, antes de jantar, a caminho de ir tomar banho, veio ter comigo à cozinha perguntando-me se eu tinha o meu telemóvel. Que sim, 'para quê?'. É que não sei como era o Hitler, gostava de ver. Mostrei-lhe e contei-lhe as enormidades que aquele energúmeno fez. E disse-lhe que apesar de tudo o que ele fez ainda há pessoas, hoje, que o admiram e que pensam como ele. Ele abanou a cabeça incrédulo e disse: 'Não pode ser. Esperemos que não volte a aparecer alguém assim, senão ainda pode haver uma terceira guerra mundial. Não é?'

Este menino, um desportista completo, uma forma física fantástica, surpreende-nos sempre com as suas tiradas, uma vezes pelo humor, outras pela profundidade.

Os dias com eles são sempre dias divertidos, felizes.

quinta-feira, agosto 29, 2019

A professora Carmo Miranda Machado na TVI e o valente coice que o Jumento lhe envia


in TVI
Com família em casa, incluindo crianças, obviamente o tempo dedicado à televisão é mínimo. Ontem à noite, de raspão, passou-se por um canal onde uma professora mal encarada e manifestamente maldisposta questionava António Costa, fazendo-lhe perguntas fúteis, como se o mundo, mormente o Primeiro Ministro do Governo de Portugal, tivessem que cuidar de lhe mudar a disposição de intragável para minimamente aceitável. 

Todos os que ali estavam em minha casa, com exceção dos miúdos, trabalham. Nenhum, por acaso, trabalha para o Estado ou em empresas públicas. Todos nós, em dado momento das nossas vidas profissionais, precisámos (e, certamente, precisaremos) de nos auto-motivar para ir trabalhar. E, quando estamos de férias, ainda mais temos que apelar à nossa auto-motivação para sair do regime livre do dolce far niente para ingressar na disciplina de dias com horários, obrigações e contrariedades. Curiosamente, nunca a nenhum de nós ocorreu solicitar aos nossos patrões que nos forneçam argumentos para conseguirmos ir trabalhar e, claro, só se fossemos burros de todo, quereríamos que o Primeiro-Ministro se preocupasse com tal coisa.

Claro que nem dois minutos conseguimos suportar a má catadura da senhora questionando António Costa com argumentos não apenas fúteis mas, até, pueris.
Volto a dizer o que neste blog já disse muitas vezes: não haverá classe profissional que não tenha razões de queixa seja do que for. No público ou no privado, a lidar com crianças ou com velhos, com saudáveis ou com doentes, com inssurrectos ou acamados, com gente mal educada, seja das barracas, seja da Linha, com vagabundos ou com meninos do coro (não é piada para si, Francisco...), com incompetentes ou convencidos, não haverá gente cem por cento feliz da vida no trabalho que tem. Ou as condições de trabalho não serão as melhores, ou o que ganham será insuficiente, os os colegas uns estafermos, ou o chefe um anormal, ou o local de trabalho distante de casa ou mal amanhado, etc. Tudo certo. Portanto, quem se queixa, seja do que for, terá sempre a sua razão. Mas daí a cada um se achar o centro do mundo, com direito a que toda a gente se preocupe consigo e a ter direitos especiais, pretendendo, inclusivamente, que o Primeiro-Ministro ajude a que a sua beleza não se canse tanto, é coisa que não lembra a quem tenha dois dedos de testa.
Hoje, ao espreitar os blogs aqui ao lado, foi com curiosidade que li o post do Jumento, perfeito na sua acutilância, e onde mostra a dita senhora professora, Carmo Miranda Machado de seu nome (se bem percebi do que vi no site da TVI), toda contente da vida, acocorada ao lado de uma vietnamita, em pose gaiteira para se exibir ao mundo em toda a sua auto-motivação.

O texto do Jumento chama-se ESTRATÉGIAS AUTOMOTIVACIONAIS PARA IR TRABALHAR e recomendo que o vejam.

Caso tenham curiosidade googlem também o nome da senhora e escolham a opção de ver as imagens para verem as poses esparramadas, cinéfilas ou artísticas da dita senhora professora que, pelos vistos, sempre que não trabalha está toda motivada. Tem graça. Provavelmente está também tudo no facebook mas não me apetece gastar o meu precioso tempo com pessoas que gostam de mostrar ao mundo a sua futilidade e falta de cabeça (até porque facebook é coisa que não frequento).

E, de novo, assoma ao meu espírito a desagradável dúvida: estaremos mesmo, inexoravelmente, a caminhar para tempos em que a maioria das pessoas é egoísta, fútil e estúpida?

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Entretanto, recebi, através de comentário (ver abaixo), o link para mais uma extraordinária pérola da mal-encarada professora que precisa que o Primeiro-Ministro a ensine a auto-motivar-se:

https://www.facebook.com/carmo.machado/posts/10157239465558749?hc_location=ufi

Ver para crer.

Mas então, de facto, ter uma rainha a sério é o mesmo que ter a figura de cera dela no Madame Tussauds?
Não serve mesmo para nada, nada, nada?
Nem mesmo quando um palhaço que nem eleito foi resolve suspender o Parlamento?
Está bonito aquilo por lá, está...


E digo 'por lá' sabendo que, num desastre como o que pode estar na forja, não há 'lá' nem 'cá'. Votar por votar ou não votar porque 'são todos iguais' ou ficar em casa porque 'não vale a pena' dá nisto. Quando se dá por ela, está um palhaço no poleiro. E, de novo, esclareço: nada contra palhaços. Só que os palhaços estão fadados para fazerem palhaçadas e para fazerem rir. Ora como um Governo de um País não é um circo, as palaçadas lã são deslocadas. Para além disso, como se dizia no cartoon que aqui partilhei no outro dia, o que se vê é que não há ninguém a rir com as palhaçadas destes imbecis.

Os últimos dias têm sido férteis em produção de estrume por parte destes animais: desde o Trump ao Bolsonaro, passando agora por este quadrúpede de nome Boris, é só porcaria. Mas poderia ser porcaria em escala limitada, apenas o suficiente para os próprios se atulharem nela. Mas não, é tal a quantidade de esterco produzido que desestabilizam o mundo, estragam o equilíbrio planetário, causam danos porventura irreversíveis em todo este frágil edifício que é este mundo que os humanos tão desajeitadamente vêm (des)construindo.

Claro que há gente que fica passada com o que está a passar-se mas, do que se tem visto, não há ninguém com poder suficiente para dar um valente murro na mesa, para virar a mesa, para se pôr ao alto, obrigando a matilha de canzoada a bater em retirada.

Partilho um vídeo onde se podem ouvir algumas vozes revoltadas e, ouvindo-os, resta, ao menos, o consolo de pensar que ainda há alguns sobreviventes desse velho e antiquado regime que dá pelo nome de democracia.




Uma lástima, isto.

quarta-feira, agosto 28, 2019

A relação entre ansiedade e ataques de pânico e o narcisismo.
Como perceber que o seu companheiro é um narcisista?
E Narcisssism and its Discontents pela Drª Ramani Durvasula


Em dia de computador sem carregador e à beira de se apagar, limito-me a partilhar os vídeos e respectivas legendas que o amigo algoritmo do YouTube me mostrou hoje e que, na sequência do post de ontem e da surpresa que foi para mim o facto de que que muitas vezes as pessoas que sofrem de ataques de pânico ou de ansiedade são vítimas de uma relação com uma pessoa narcisista, me fez pensar que talvez seja útil partilhar esta informação.

Estive a ler sobre o assunto e a ouvir especialistas na matéria e, de facto, quando se está fora das situações, não é fácil perceber as dificuldades por que passam os que estão dentro delas (muitas vezes nem se dando conta disso ou não querendo percebê-lo ou assumi-lo). Não posso fazer uma selecção dos textos ou escrever, por mim, uma síntese do que li sob pena disto se apagar e ficar a meio, sem post que possa apresentar. Por isso, tenho que abreviar e ficar-me pelo que abaixo verão.

Dr. Ramani Durvasula, tal como ontem o referi, tem inúmeros vídeos sobre ansiedade, depressão, sobre os efeitos devastadores de conviver de perto com uma pessoa narcisista e, sendo uma boa comunicadora, são vídeos que se vêem com muito interesse.

Tal como ontem referi, o conselho dela e dos outros psicoterapeutas cujos vídeos ou textos vi e li são sempre claros: um narcisista é tóxico e não muda e, se uma pessoa quiser manter a sua sanidade mental, deve afastar-se o quanto antes.

Caso contrário. viverá uma vida frustrada, combatendo crises de ansiedade e, mesmo, de identidade. Mas, tal como ontem referi, há que avaliar bem os riscos. Diz ela, num dos vídeos, que há algumas razões que quem se sujeita a viver com um narcisista, apresenta: dependência económica, não querer separar a família quando há filhos, ou medo de se ficar só. Mas, tudo isso deve ser sopesado pois a vida em conjunto com um narcisista será sempre uma vida incompleta, suportando situações que causarão feridas psicológicas profundas nos que lhes estão perto. Daí o conselho: afastar-se dos narcisistas enquanto é tempo.


Como perceber que se está numa relação com um narcisista?




Narcisismo e ansiedade

Narcissism and anxiety go hand in hand.  The narcissist, by design, uses fear, intimidation and stress to kept you confused and bewildered.  The effect of this causes a tremendous amount of stress, anxiety, depression and even anger.  When you are under this much anxiety it can manifest as eating problems, sleeping issues, nightmares, insomnia, and trouble concentrating.  Even when you are complete and out the residual effects of narcissistic abuse can continue and in some situations it can get and/or feel worse because your body knows *now* it can “handle” the pent up emotions.  The other issue around this time is how nearly anything can trigger you and cause a backslide.  You have to recognize what is going on - identify it - so that you can calm yourself down process what you are going through.  Unfortunately this is a slow process and you have to give yourself time to heal.



Narcissism and its discontentes

Narcissism has not only become a normalized social condition, it is increasingly being incentivized. The framework of narcissism with the central pillars of lack of empathy, entitlement, grandiosity, superficiality, anger, rage, arrogance, and shallow emotion is a manifestation of pathological insecurity – an insecurity that is experienced at both the individual and societal level. The paradox is that we value these patterns – and venerate them through social media, mainstream media, and consumerism, they represent a fast-track to financial and professional success. These traits are endemic in political, corporate, academic, and media leaders. There are few lives which are not personally touched by narcissists – be it your spouse, partner, parent, child, colleague, boss, friend, sibling, or neighbor. Whether societally or individually, the toxic wave of narcissism, entitlement, and pathological insecurity is harming us all. The enticements of charm, charisma, confidence, and success can draw us in or blind us to the damaging truths of narcissism. The invalidation inherent in these relationships infects those are in them with self-doubt, despair, confusion, anxiety, depression and the chronic feeling of being “not enough,” all of which make it so difficult to step away and set boundaries. The illusion of hope and the fantasy of redemption can result in years of second chances for narcissists, and despondency when change never comes. It’s time for a wake-up call. Health and wellness campaigns preach avoidance of unhealthy foods, sedentary lifestyles, tobacco, drugs, alcohol, but rarely preach avoidance of unhealthy or toxic people. Yet the health benefits of removing toxic people from a life may have a far greater benefit to both physical and psychological health than going to the gym. We need to learn to be better gatekeepers for our minds, bodies, and souls. Instead of habituating to the global shift of validating narcissism and other toxic patterns, it’s time to understand it and take our lives back. Dr. Ramani Durvasula is a licensed clinical psychologist in private practice in Santa Monica and Sherman Oaks, CA and Professor of Psychology at California State University, Los Angeles, where she was named Outstanding Professor in 2012. She is also a Visiting Professor at the University of Johannesbur



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E tenham um dia feliz

[Pelo menos consegui chegar até aqui mas com vários avisos de que a bateria está no limite]

terça-feira, agosto 27, 2019

Como se identifica um narcisista?
O caso de Trump. E os outros narcisistas entre nós.


O mundo tem pasmado com as atitudes narcisísticas de Trump e com o perigo que comportam.

Segundo Trump, tudo o que se relaciona com ele é fantástico, tudo o que faz é do melhor que o mundo já viu, todas as pessoas gostam dele, todas as pessoas querem lidar com ele porque ele é o maior. É o centro do mundo, o rei dos judeus, o escolhido, o descendente de deus na terra -- e isto não é anedota, é mesmo verdade. Em contrapartida, se alguém o contraria, ele zanga-se, amua, irrita-se, despede liminarmente e, de seguida, exerce a malediência activa nas redes sociais. Não sabe lidar com o sentimento de rejeição.

O Dr. Lance Dodes, um reputado psiquiatra americano, professor em Harvard e membro de conceituados organismos que se dedicam ao estudo das disfunções psicológicas e à psicanálise, traça o retrato de Trump. É muito interessante o que ele diz e convido-vos a verem o vídeo que abaixo partilho. Como todos os narcisisistas, Trump adora-se. E, quem estuda a sua personalidade, idenfica-o como vazio, egoísta, manipulador, alguém a quem tudo serve para se auto-promover. 

Kim Jong-un é outro que tal. Porque pode e porque a cultura coreana o propicia, ele estimula o culto exacerbado da sua própria personalidade, fazendo com que os outros o aplaudam e o mostrem que o amam. Em contrapartida, ofende-se e rejeita, por vezes até à morte, aqueles que não se curvam perante ele.

Como qualquer narcisista, Trump tem sempre a palavra amor na boca. Ele ama os americanos, ele quer fazer a América grande outra vez. Os narcisistas dizem que amam os outros, sabem convencer os outros que não haverá quem melhor os proteja, os acarinhe, os ame, sabem ser simpáticos. Contudo, todos os estudos comprovam que, na realidade, querem apenas que os outros se sintam amados para retribuirem esse amor. O foco deles, mesmo quando simulam o contrário, é sentirem-se alvo de atenção, merecedores de agradecimento e admiração.

Para um narcisista, qualquer ocasião é boa para falarem de si próprios: dos seus feitos -- e, mesmo que sejam feitos insignificantes, eles relatam-nos como se fossem feitos extraordinários --, das sua recordações, das sua opiniões que, em regra, são vagas, primárias, irrelevantes mas que apresentam de forma exultante como se fosse importante que toda a gente as conheça. Perante qualquer situação, arranjam maneira de auto-referenciarem o tema e, se possível, de se autovalorizarem. Por exemplo, mesmo que estejam a ouvir um assunto pela primeira vez, imediatamente começam a explicar o que acabaram de ouvir a quem está junto a si, como se os outros fossem intelectualmente inferiores e precisassem das suas explicações.

Acompanham com curiosidade quase ansiosa o que se diz nas redes sociais querendo perceber como se posicionam, que novidades há ou se alguém falou de si. Poucos ou nenhuns livros lêem e são, na verdade, geralmente incultos, limitando-se a dissertar, com eloquência e simulando erudição, o que vão apanhando nas redes sociais. E estão sempre presentes, twitando, postando se for o caso, enviando mensagens ou telefonando, telefonando, telefonando. E gostam de falar em voz alta para que todos percebam como é importante e como são importantes os assuntos de que se ocupa. Estão sempre ligados. Aparentemente estão a mostrar a sua atenção junto dos outros: de facto, estão apenas a garantir que a atenção dos outros está virada sobre si.

Com o tempo, não conseguem esconder que não sentem apreço pelos amigos dos que lhe são próximos, levando a que estes apenas convivam sobretudo com o seu próprio círculo, um círculo que aparentemente o endeusa, o que serve para exibir o quanto é apreciado.

São, pois, quase incapazes de se relacionar com os amigos dos outros, especialmente se esses amigos dos outros forem indiferentes ao seu 'brilho'. Se necessário for, forjarão compromissos ou doenças para se esquivarem ao relacionamento com eles. A questão é que não têm paciência para estar num espaço em que não são o centro das atenções. Não conseguem mostrar interesse pelos outros a menos que consigam reverter a conversa a seu favor. Se isso não é possível, então, o que é que lá vão fazer? Por isso, não vão. Ou, se forem, arranjarão maneira de se pôrem de lado. O mundo dos outros não lhes interessa.

Mas, de facto, tendem também a vitimizar-se: qualquer pessoa que os contrarie fá-los sentir miseráveis e veêm esses ingratos como gente perversa que quer o seu mal, que quer deliberadmente menorizá-los -- procurando, de seguida, a solidariedade e compaixão dos que lhe estão próximos, para que fique claro que o problema está nos maus, não neles.

E irritam-se, por vezes com agressividade: não toleram ser interrompidos, não gostam de ser contrariados, não gostam que não lhes condescedam todo o espaço e atenção a que se acham com direito. Quando confrontados, desculpar-se-ão com o stress, com o nervosismo pela incompreensão alheia, ficarão ainda sentidos por não terem compreendido as suas reacções agressivas.. 

É dos livros que gente assim é tóxica e, por vezes, perigosa.

O vazio que os habita, a forma persistente como o disfarçam, a atenção que exigem e o pouco que, de facto, oferecem em troca, esvazia os outros. Os narcisistas sentem-se com direito a tudo: a serem tratados como especiais, a terem quem os sirva, a terem quem os ouça, a terem quem os acompanhe, a terem quem os console, compreenda em tudo, os apaparique -- isto apesar de eles pouco ou nada darem em troca. E, se os outros não o fazem, então, voltam a vitimizar-se ou a amuar ou, se têm poder para isso, a reagirem violentamente, afastando quem não os venerou. Contudo, se receiam que os outros percebam o que são, logo disfarçam e, em novo passe de mágica, voltam a ser atenciosos, amorosos, prestáveis. E mais um novo ciclo se abrirá, num percurso cada vez mais desgastante.

A Dr. Ramani Durvasula é uma conhecida psicóloga clínica, especializada em narcisismo, e que tem feito carreira também como comunicadora nesta área. Há inúmeros vídeos com conferências e entrevistas onde explica  o que é um narcisista, o mal que faz aos outros.

Um narcisista não conversa no sentido em que não quer saber dos outros, não procura as opiniões dos outros, não tem paciência ou curiosidade para os ouvir, ele quer apenas que o ouçam a ele. Um narcisista não tem empatia. É uma das suas características: ignora os sentimentos dos outros. Pode fingir que sim mas logo se percebe que não está nem aí. Pior: um narcisista não muda, nunca muda. Pode iludir temporariamente quem convive com ele, pode até criar a ilusão de ser pessoa para desenvolver sólidas amizades ou interessantes casos amorosos, mas, ao fim de algum tempo, percebe-se que apenas duram enquanto lhe são úteis ou enquanto lhe prestam toda a atenção que requer. Ao fim de algum tempo, a sua doentia personalidade fica evidente.

E o melhor é as pessoas afastarem-se antes que seja tarde demais, antes que fiquem com o seu amor próprio e a sua própria consistência psicológica abalada.

Get away, get out -- é o conselho que os especialistas dão a quem convive com um narcisista. Afastar-se dele antes que seja tarde demais. Contudo, o afastamento pode não ser coisa simples  e alguns cuidados deverão ser acautelados (ver How do you break up with a narcissist?)

Tenho lidado de perto com algumas pessoas assim.

Trabalhei directamente com um. Em qualquer circunstância, fosse numa reunião ou num almoço, mesmo que o motivo do encontro fosse outro, ele monopolizava a conversa junto dos que o rodeavam e  falava sem parar: relatava os seus feitos, desfiava memórias, opinava sober tudo, sem querer saber do que os outros pensavam. Esgotava quem lidava de perto com ele. Quando eu saía de perto dele vinha anestesiada, esvaziada. Muitas vezes pensei que não aguentaria muito mais, muitas vezes pensei que devia apresentar a demissão. 

Ler aqui
Infelizmente, não foi o único que conheci de perto.

Gente assim, geralmente começa por cativar mas, ao fim de algum tempo, já começa por surpreender, depois desiludir, depois por cansar e, se as pessoas não se afastam a tempo, acabam por corroer a personalidade e a estabilidade emocional de quem os rodeia.

Dizem os experts que, quando a nível pessoal, os narcisistas geralmente começam por se mostrar encantadores, sabem ser sedutores, sabem fazer com que o outro se sinta especial, fazem com que o outro sinta que, finalmente, encontrou quem o trata bem e quem reconhece o seu valor. Ou seja, ardilosamente, fazem com que a 'vítima' se sinta em dívida pelo suporte que encontraram nele.

Mas é uma questão de tempo. Aos poucos, vão anulando os outros. Se isto se passa a nível amoroso, destroem qualquer relacionamento e a única solução possível para quem lhe saíu um narcisista na rifa, é rifarem-no o mais rapidamente possível.

Em ambiente profissional é também muito mau A única solução possível para quem não tenha fortuna pessoal ou outro emprego na forja, é aguentar, encontrar resiliência, e esperar: um narcisista invariavelmente, com o tempo, cansa-se de onde está (porque chega a um ponto em que os outros lhe viram costas e eles só vivem rodeados de quem os admire, indo, pois, reiniciar o seu exercício de sedução para outra freguesia) e, portanto, mais tarde ou mais cedo, as pessoas que, profissionalmente, tiveram que se sujeitar a suportar a sua existência acabam por se ver livres deles.

Agora, ainda mais grave, muito, muito mais grave (porque muito mais extenso o âmbito dos danos que causam), é quando um psicopata destes está à frente de um país. Aí, a única solução é pensar com a cabeça, é avaliar bem a razoabilidade do que fazem e dizem, é denunciar as suas fanfarronadas, ou, se inócuas. é ignorá-los e, na primeira ocasião, correr com eles. Se não puserem pé em ramo verde que seja motivo para serem legalemente corridos, então que, nas eleições, o ajuste de contas seja feito.

Mas vejam, por favor, os interessantes vídeos que hoje o YouTube tinha para mim, talvez por eu ter estado a ler sobre o comportamento do Trump naquilo da Gronelândia e na forma absurda como lida com o Irão, com a China e, de facto, com tudo:

Psychiatrist On ‘The Essential Emptiness Of President Donald Trump’ 

| The Last Word | MSNBC

Dr. Lance Dodes, one of the first mental health professionals who questioned Donald Trump's stability, discusses with Lawrence O'Donnell how Trump has devolved since the beginning of his presidency.


E para perceber a diferença entre um parvo, um simples parvo, e um narcisista doentio de quem se deve evitar estar por perto:

Jerk or Narcissist: What's the Difference?  | Dr. Ramani Durvasula


We all have those difficult people in our lives. But did you know that the boss who never has a nice word to say, or the family member who always puts you down could actually be a narcissist ? Learn what red flags to watch out for in this video. 

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E talvez até já.

segunda-feira, agosto 26, 2019

Não sei se é ela que não é humana como eu ou se é a mim que me faltam asas, molas e capacidade para desafiar as leis da Física.
Simone Biles.
A arte do impossível. Apesar de todos os pesares.


Nesta de -- desde que os pimentinhas, em dias consecutivos, terem tido o computador por sua conta -- no YouTube, agora me aparecer toda espécie de vídeos com feitos e desfeitos desportivos, acaba de me aparecer uma exibição do mais surpreendente que já vi. 

Sou muito fã de Katelyn Ohashi, a menina de borracha que tem uma alegria benfazeja a correr-lhe nas veias que, por sua vez, lhe dá uma elasticidade, uma graça e uma música ao corpo que a faz parecer uma boneca reboludinha a fazer proezas insólitas. Já Simone costuma parecer-me uma boneca de outro tipo, uma boneca mecanizada, um pequeno robot humano programado para dar saltos maiores do que as leis da física o permitiriam. Mas tendo a achar que falta ali aquela pitada de irreverência e de efeito surpresa que parece que condimenta a perfeição.

Mas hoje, ao ver o vídeo que abaixo partilho convosco, tenho que me render. O que aqui se vê mais parece uma coisa fake do que algo em que se possa acreditar. A altura a que ela se eleva nem sei a partir de que impulso, as reviravoltas que dá no ar no espaço de um único salto... Não é possível.
Se eu der um salto não sei a que altura me elevo. Meio metro? Talvez, se der balanço, um pouco mais? E que habilidades serei eu capaz de fazer durante a fracção de tempo em que estiver no ar? Uma tesourinha? 
Gosto sempre de me pôr no lugar dos outros para melhor poder avaliar o que fazem. É que, se me mantiver distante, acabo por não conseguir perceber tão bem a dimensão dos feitos. Assim, imaginando-me eu, humana e mulher como ela, a coisa ganha outros contornos. É certo que a minha idade, a minha altura e o meu peso são outros, é certo que o treino dela também ajuda. Mas, mesmo descontando ou acrescentando tudo isso, nunca na vida eu poderia ter feito tal coisa. Nunca. Creio que nem eu nem a grande maioria de seres vivos. O que aqui se vê é realmente ímpar.
E, se pensar no que ela já passou, em especial na infância, e, agora em particular, no facto de ter sido abusada sexualmente pelo choninhas Larry Nassar, o médico que supostamente a deveria acompanhar numa perspectiva puramente clínica e desportiva, ainda mais me espanto. Como é que alguém que sofre a violência e a vergonha* de um abuso sexual consegue, ainda assim, abstrair-se desse peso e desse tremendo sofrimento e continuar a treinar, a superar-se? É uma coisa extraordinária.

* E se falo em vergonha é apenas porque Simone, como muitas vezes acontece com as pessoas que são sexualmente abusadas, sofria em silêncio, temendo que a culpa tivesse sido sua, envergonhada pelo que lhe tinha acontecido.

Mas vejam, por favor, esta sua irreal actuação. Foi há dias em Kansas City, mais propriamente em 11 de Agosto.


E as palavras sentidas de Simone sobre os abusos que sofreu (ela e várias outras atletas) e da revolta que sente por não ter sido protegida pela organização que deveria ter zelado para que situações destas jamais acontecessem.


Salve Simone.

Boris & Trump.
[Estando o mundo de comediantes, porque é que ninguém está a rir?]


Ao fim de mais um dia no campo, sem ver televisão, sem ler notícias, sem querer saber de nada do que será, certamente, destaque dos media, com a casa cheia de brincadeiras, risos, birras, ciúmes, alegrias, com a mesa cheia de gente com bom apetite, e depois de um breve descanso na espreguiçadeira ao sol brando do fim do dia enquanto iniciava o livro das Urtigas seguido de um passeio por entre as figueiras para satisfazer a gula e fazer umas fotos para tentar captar a maravilha da luz pré-entardecida e pré-outonal, e depois de mais uma ida ao supermercado, ao fim do dia, para reaprovisionamento de víveres, e depois de um jantar leve à base de sobras, eis que aterro no sofá, a ventoinha de pé alto fazendo dançar e refrescar o ar, e eu conferindo se o Youtube já voltou a reconhecer-me ou se ainda pensa que mudei de personalidade.

E concluo que está com mixed feelings: muita coisa bizarra, muitas jogadas fantásticas de futebol, muitas defesas inacreditáveis, muitas habilidades de ginástica, muito mais momentos divertidos no desporto, mas, como que a medo, se calhar a ver se mordo o isco, um vídeo com dois parvos, cada um montado no seu país, fazendo-o regredir no tempo, envergonhando-o. Dois estarolas que estariam bem na comédia, stand-up para burros. 

E isto enquanto no The Guardian vejo uma ilustração essa, sim, fantástica para um artigo com o título The world is run by comedians, but is anyone laughing? e resumido assim: The dialectical relation between politics and comedy is taking us somewhere deeply unfunny.

 Illustration by David Foldvari

Não sei o que este mundo nos reserva. Orwell avisou-nos, ao escrever a Quinta dos Animais: um mundo governado por animais não é coisa boa de se ver.

Como poderemos inverter isto? Como impedir que as pessoas votem nas bestas quadradas que destroem o mundo?

Como é possível que o Reino Unido e os Estados Unidos da América estejam na mão destes dois?!

Donald Trump tells Boris Johnson at G7 he wants a 'very big' trade deal


The US president talks up the prospects of a US-UK trade deal after meeting Boris Johnson at the G7 summit in Biarritz, praising the PM as 'the right man' to deliver Brexit and suggesting a trade agreement between the two countries could be struck quickly

Até as patas em cima da mesa ele põe. Que o faça em casa, ainda vá que não vá, agora num encontro político...? 

 Foto de Christophe Petit Tesson/ REUTERS

Custa a acreditar numa coisa destas. E nem me refiro à falta de educação. Isso são peanuts.

domingo, agosto 25, 2019

Crónica de um dia feliz in heaven, dia de casa cheia com um novo bebé que deixa o bebé pimentinha varado de ciúmes
[E, de bónus, um vídeo com imagens embaraçosas no desporto]




De manhã foi dia de check-up. Estava marcado há tempo e parecia boa ideia: sendo ao sábado de manhã, não haveria stresses nem risco de poder vir a colidir com reuniões ou com outros compromissos. E dali seguiríamos para o campo, nas calmas. Afinal, não foi bem assim pois soubémos há dias que os planos seriam outros. Temos cá, in heaven, família e amigos e, portanto, ontem, antes da festa da leoa quase virgem, fomos abastecer-nos já que hoje seria complicado e, de manhã, arrumámos geleiras e sacos para que, depois dos exames médicos, seguíssemos logo viagem, sem demora. Afinal, só já a caminho percebi que me tinha esquecido de uma coisa insubstituível e, portanto, tivemos que fazer um desvio para a irmos comprar. E aproveitámos para almoçar porque já passava mais do que da hora e estavámos com fome. 

Claro que, quando chegámos, já cá estava o pessoal todo. E um novo bebé. Um bebezão, comilão e bem disposto, que desestabiliza o bebé-pimentinha, despertando nele reacções violentas, sempre a querer agredir o mais novo, vendo aquele rival a querer os brinquedos cá de casa. E quando eu lhe pergunto: 'Mas, olha lá, afinal de quem são os brinquedos?' diz, convicto, 'São meus!´. Corrijo, digo que não, que são de todos, que deixe o bebé brincar à vontade -- mas não me liga. Tenho um enorme carinho por estes brinquedos transgeracionais que têm feito as delícias das crianças da família ao longo de décadas. 


Há bocado, quando fui ao estúdio para levar mais umas fronhas, estava ele a perseguir o outro, gatinhando. O bebé mais novo tentava fugir dele e ele, que nunca gatinhou, perseguia-o gatinhando também. O bebé olhava-o, intrigado. 

Uma alegria, tudo isto. Chega-se ao fim do dia e nem se dá por ele ter passado, tanta a ocupação, tanta a animação permanente que as crianças e a boa companhia proporcionam. Penso que é por tudo isto que nunca dou pelo tempo a passar. Faz, na verdade, tanto tempo que, noutros verões, primeiro nasceu a minha filha e depois o meu filho. E agora já eles têm os seus filhos. E os seus amigos que eu conheci jovenzinhos e, em alguns casos, com três anos, agora já é tudo gente crescida, também já com filhos.

Tenho a trabalhar comigo em equipas distintas e, na verdade, em empresas distintas, jovens de vinte e poucos anos. O mais velho deste grupo de jovens que injectei no meio das equipas existentes, tem trinta e poucos. Puxo por eles, dou-lhes responsabilidade e proporciono-lhes visibilidade. E eles ficam contentes. No outro dia, mais um veio querer saber o que achava eu dele. Lá lhe disse. E, enquanto falava com ele, pensava que são bens mais novos que os meus filhos. Penso que o tempo tem passado a toda a bisga, ainda me lembro tão bem de estar grávida, deles a saírem de dentro de mim, deles, ensanguentados sobre mim, deles pequeninos a maravilharem-me com as suas gracinhas, depois a ficarem grandes, depois adolescentes, a casa sempre cheia dos seus amigos, dos namorados e namoradas. E agora já aqui tenho os seus filhos e os filhos dos seus amigos e já tenho nas minhas equipas miudagem bem mais nova que os meus filhos. Não sei se a teoria da relatividade também explica isto, a aceleração do tempo quando a gente está entretida a ver crescer e multiplicar-se os outros.
A minha menina, já vos contei, é uma verdadeira mini-me. Ontem, na festa de aniversário, conseguiu que um dos convidados (que ela nunca tinha visto mais gordo) lhe emprestasse uma máquina e, então, andávamos as duas de máquina pendurada ao pescoço, a fazer a reportagem. E como a dela era de polaroids, toda a gente queria ser fotografada por ela para receber logo o output. O prazer dela, o à-vontade dela a fotografar pessoas, a forma como faz os enquadramentos, impressionou-me porque me revejo tanto nela.

Hoje, estava eu na cozinha onde gosto de reinar sozinha, aparece-me ela. Vinha para me ajudar. Se fosse outra pessoa eu teria dito que não precisava de ajuda. Com ela pareceu-me natural partilhar o meu reino. E ali estivemos as duas a dividir tarefas, ela que nem eu, a querer fazer tudo, a mexer em tachos e panelas. O pior é que se queimou um bocado pois, quando estava a moer o refogado de tomates, cebolas e coentros para fazer molho de tomate, levantou demais a varinha e o molho salpicou, atingindo-a numa mão. Claro que a pôs logo debaixo de água fria e pus creme mas ficou encarnado. Devia eu ter tido mais atenção mas quando se aproxima a hora de jantar é tanta a pressão, tudo cheio de fome, que tenho que me dividir entre as muitas tarefas e tenho que acelerar. Mas é uma valente e assim irá aprendendo a defender-se melhor. Fez há dias nove anos. Gosta muito de ler, de usar roupa bonita, de se maquilhar, gosta de liderar os outros, não liga a pormenores e é de uma franqueza assombrosa. Uma menina muito querida e muito linda que não me canso de fotografar. E de olhar com espanto.

Outro pimentinha quis ver o Benfica. Dissemos que aqui no campo não temos esses canais. Mas isso é o que nós dizemos  -- nós, duas pessoas de outra era. É que eles num ápice transformaram-me o computador na NOS TV.  Nem sei como.

Esse, com sete anos acabados de fazer, falando de um dos tios que vive agora noutro país e a quem os outros avós agora foram visitar, dizia-me: 'E, portanto, agora os avós também são emigrantes. Sabias?'. Pensei que não, que os avós não são emigrantes, são turistas, mas, por facilidade e simpatia, disse: 'Pois, tens razão'. E não é que ele soltou uma boa gargalhada, desatou numa risota: 'Acreditaste? A sério...?! Achas mesmo que são emigrantes...?! Mas tu não pensas...?' Tive que engolir o riso. Pensei: 'Não tarda são adolescentes e, então, é que vão dar-me a volta cá com uma pinta...'

Tirando isso e tirando tudo o que brincaram e que não foi pouco, foram lá abaixo, às figueiras, apanhar figos e, à noite, depois de jantar, fomos todos ao sítio, longe, onde costumo deitar os restos de comida. O bebé levava a janténa. Uma expedição nocturna. Mal saímos de casa, apareceu um dos caezinhos pequenos da quinta lá mais à frente, do outro lado da rua. Os caezinhos mais pequeninos aprenderam o caminho para a nossa casa. Saltam por entre o gradeamento e andam perto de nós. Os miúdos acham-lhes graça. Só o bebé se vira a eles, todo bravo: 'Xô!!! Vá-bora!' Xô!!!'. Mas os caezinhos percebem que aquela voz ainda não é propriamente de comando e continuam na deles. Mal acabei de despejar os restos, logo o pequeno cão se atirou ao banquete para agrado da miudagem.


Bem. E isto tudo para dizer que entre os que ontem viram ginástica e mais não sei o quê e os que hoje viram futebol e também mais não sei o quê, o que sei é que hoje, ao espreitar o YouTube só me aparecem bizarrias, vídeos malucos. Parece que todos aqueles vídeos com que costumo ser presenteada desapareceram. O algoritmo também deve estar a pensar que pifei, que os meus gostos agora são outros, que não penso, e tudo o que me mostra é na base das fails, dos jumps, nas jogadas impossíveis, dos momentos bizarros. E eu, pronto, fazer o quê?, rendo-me. E partilho convosco.



E agora acho que vou já descansar até porque, nestes dias, é certo e sabido que a alvorada é bem cedinho. Não tenho galos in heaven mas, em dias de casa cheia, não são precisos já que a chilreada é grande e madrugadora. E eu presumo que seja ao que se vive em dias assim que se chama felicidade.

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Andar no campo, de noite, por entre as árvores, deu-me vontade de aqui ter as fotografias de Peter Solness e o facto de ter, por cá, um querido pimentinha que canta a toda a hora deu-me vontade de trazer Claire Ryann, aqui ainda com quatro anos, com o seu pai.

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E a todos desejo um feliz dia de domingo

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sábado, agosto 24, 2019

A mensagem que umas toalhas sobre a cama podem transmitir


Hoje cheguei mais ou menos cedo mas, ao chegar, tive muita coisa que fazer e depois também e, ao pôr do sol e à noite, festa que só leões são uns poucos e depois, de lá, trouxémos uns meninos que aqui estiveram a ver fotografias  e eu a enviar-lhes para eles (sim, os pimentinhas já têm mail) e para os crescidos mas agora já cá não estão mas eu também não, porque o sono já me envolve e é como se eu já aqui não estivesse.

E este sábado de manhã tenho programa e de lá sigo para outro e, para esse, é que eu hoje também já preparei as coisas. 

A minha mãe, quando de tarde falei com ela, disse: 'Vocês não param. Descansem.' Mas é o que é. 

E, tirando isso, nada mais sei porque, em boa verdade, nestas últimas vinte e quatro horas estive como que ao lado do mundo. Foi muita concentração de muita coisa.

E, assim sendo, vou já ao que interessa. E não é que interesse. É mesmo falta de assunto, falta de energia e de imaginação.

Cenas com piada em hotéis. Isto deve ser porque estou com a cabeça nas vacances, com vontade de desligar deste pára-arranca, semáforo, pára-arranca, semáforo e isto numa ponta e aquilo na outra e semáforos que não acabam a cansar a minha beleza.

Hoje seleccionei três de entre muitas que acabei de descobrir no Bored Panda. Três cenas que os empregados da limpeza dos quartos resolveram montar sobre a cama, com recurso a toalhas, para que os hóspedes prestassem atenção.

Olha... Encontrámos os óculos que andavam perdidos...!


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Upsss... Cá estão eles... Os óculos. Again os óculos. Mas venham cá você buscá-los que este crocodile é dos maus. Ui.... Medo.... O patinho já era.


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Ui. Que noites loucas, hein, meu...? Com que então a ler as não sei quantas sombras de grey à socapa, à noite...? Veja lá, se tão bem escondidinho que estava o livrinho, não se esquece cá dele. Deixámo-lo aqui para ter a certeza que o vê, ok? 

Mas olhe lá, conte-me cá, gosta mesmo assim tanto? Não são mais as solteitas, divorciadas e viúvas que se entusiasmam com essas brincadeirinhas...? Pensei que sim, veja lá. Mas, pronto, sempre a aprender.


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E um bom sábado a todos, a todas e a todes.

E só não escrevo a tôdolos para não dizerem que estou a copiar a Alexandra, até porque se fosse para copiar teria que ir ver se leva mesmo circunflexo ou se deveria era ser enfeitado com um hífen, que um hífen enfeita sempre qualquer palavra, mas, com a pancada de sono com que estou, só consigo mexer-me daqui para ir para a cama. E mesmo assim a ver se não tenho que ir de gatas. Portanto, não. Fico-me pelo português d'aujourd'hui e pelo algarvio. Deixo os tempos medievos para quem sabe manuseá-los. 

Até e boa continuação. E be happy, ouviram?

sexta-feira, agosto 23, 2019

E o cristal vai crescendo, com as memórias que acodem, com as notícias que não tinhamos tido, com a descoberta de vergonhas escondidas...

Quiçá um mundo onde humanos deixarão de existir e dar lugar a outros melhores que nós.

O conhecimento é cumulativo e ferramentas analíticas do passado servem muitas vezes no presente


[A palavra a três Leitores de Um Jeito Manso]


Hoje é daqueles dias em que os assuntos se atropelam, fervilham. Mas são todos daqueles em que tenho que ter largueza mental e disponibilidade, toda eu entregue a cada um. Só que, como são vários, teria que ter engenho e arte para os cerzir de forma natural, sem costuras e pontas à vista, para não estar a escrever sobre um e, desconcentrada, a pensar noutro.

Mas não é hoje o dia até porque os comentários entretanto recebidos meteram o pé à porta, querem entrar, passar à frente. E têm razão. Não desfazendo, bons demais para ficarem na cave.

Por isso, agradecendo cada um dos comentários de ontem, permitam que, em vez de responder e agradecer a cada um em particular, opte antes por repescar três para os quais peço a vossa atenção.

O que aqui transcrevo em primeiro lugar emocionou-me muito. Se isto se tem passado ao vivo, seria daquelas vezes em que, depois de ouvir palavras tão tocantes, eu ficaria calada, a olhar em silêncio para quem as proferiu, sem saber o que dizer. Talvez, para disfarçar, me limitasse a dizer que sim, um Museu da Liberdade. E ficaria a pensar no que se esconde por detrás de cada palavra dita, sem saber como estender a mão até elas.

Depois o segundo. Tão desanimado, tão lúcido, palavras de uma clareza tão cristalina, tão cortante. O que diria eu? Tenderia talvez a falar em esperança, sabendo eu que a esperança, nestes tempos, é luz distante, difusa, dir-se-ia que morrente. Em esforço, talvez dissesse que não podemos baixar os braços, fechar a porta à esperança. Em esforço, quase descrente.

E o terceiro também quase descrente mas disposto a pegar nos tijolos, na pá de pedreiro, começar a construir caminhos, disposto a puxar velhos e novos para a roda, para que, juntos, cantando e dançando, de mãos dadas, ergam um novo edifício moral onde caibam todos.

Não me perguntem porque escolhi pinturas de Sidney Nolan, Sir Sidney Robert Nolan, um australiano que viveu entre 1917 e 1992, ou Daiqing Tana, nascida em 1983, para nos acompanhar com a sua voz que canta palavras que não compreendo. Não me perguntem porque não saberia o que responder.




A palavra a Abraham Chevrolet


Com mais tempo agora, quero contar-lhe o seguinte: preso pela PIDE ainda na Universidade e logo obrigado a fazer a Guerra Colonial, como combatente, quase 30 meses no mato angolano numa guerra cruenta...

Difícil não ter uma firme posição tomada. Posição que cristaliza em camadas sucessivas de desprezo... um núcleo original de desprezo, recoberto segundo as regras estritas do sistema de cristalização. E o cristal vai crescendo, com as memórias que acodem, com as notícias que não tinhamos tido, com a descoberta de vergonhas escondidas...

Falar em Museu do ditador antes de se falar do Museu da Liberdade? Museu da Liberdade onde se demonstrassem todos os atentados que Ela sofreu!!!

Desprezo, desprezo,desprezo...

A vida trouxe-nos para um patamar claro e quase limpo. Temos que ser alegres, solidários e felizes...





A palavra a JV


Infelizmente, o problema não é Pardal. Nunca é Pardal. Chame-se Trump, Bolsonaro ou Mussolini... 


O mundo de hoje é um mundo cheio de oportunidades. Um mundo novo, de partilha imediata, de uber à mão de semear, de apartamento em Amesterdão à distância de um clique. É um mundo de onde será possível nascer uma civilização melhor, mais avançada, mais interligada. 

Quiçá um mundo onde humanos deixarão de existir e dar lugar a outros melhores que nós. 

Por enquanto... até esse mundo novo emergir, milhões, milhares de milhões de pessoas vão ficando para trás. 

Sem oportunidade de entrar no mundo onde as oportunidades surgem como os cogumelos que brotam em redor das árvores. Cada vez mais para trás. Sem voz e sem escape. 

Então outros, oportunistas de má índole, idiotas cujo mantra se limita a fazerem pela sua vidinha, usarão cada vez mais a vida desgraçada dos outros para se auto-promoveram na sua caminhada em crescendo de agigantamento da idiotice mascarada de ódio.




A palavra a Paulo Batista


Apesar de o meu discurso parecer ancorado no passado, não sou um saudosista de soluções engendradas em contextos históricos. 

No entanto, o conhecimento é cumulativo e ferramentas analíticas do passado servem muitas vezes no presente, ainda que com as devidas correções. A divisão da riqueza e do poder são elementos estruturais e quase invariantes, sendo nesses que urge atuar. As soluções não são fáceis e exatamente por se colocar tanta energia a destruir estruturas sociais, supostamente "do passado", ao invés de ir construindo soluções de futuro.

Eu percebo e aprecio a energia que os jovens podem imprimir à sociedade, mas os jovens, infelizmente, parecem cada vez mais tolhidos financeiramente, atomizados e avessos ao risco social. De qualquer forma discordo. Esta é uma responsabilidade intergeracional, até porque não podemos abandonar os mais velhos. E eles estão a ser abandonados em larga escala.

A melhor proteção para os mais desprotegidos é exatamente integrá-los neste processo de transformação imparável, trazendo-os para as decisões, para as reflexões. Isso implica capacitar as pessoas com os recursos básicos (e isso só o consegue fazer quem tem poder para tal...). 

E sim, passa também pela cultura: a este respeito, em Lisboa, sois uns priveligiados!

Um exemplo de um interessante laboratório de energia criativa intergeracional que merecia mais projecção? Isto, por exemplo: http://www.outfest.pt/



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Muito obrigada ao Abraham Chevrolet, à JV e ao Paulo Batista e a todos os que aqui vêm por bem e comentaram ontem e nos outros dias e a todos os que, não comentando, aí estão desse lado a fazer-me companhia. 

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E talvez queiram ainda descer um pouco mais para verem o presidente de um Parlamento civilizado, em plena sessão, a dar biberão ao bebé de um deputado. Imagens Ímpares.

Vídeo com o Presidente do Parlamento Neo-Zelandês a dar biberão ao bebé de um deputado enquanto preside a uma sessão


Acredito que se percebe que a democracia é verdadeira e madura quando a aceitação das diferenças e de supostas extravagâncias acontece com naturalidade. Acredito também que uma sociedade é mais feliz se, em vez de haver permanentemente uma culpabilidade latente por parte de uns e uma apetência pela censura e pela maledicência por parte de outros, houver, isso sim, uma predisposição geral para a aceitação e para a generosidade.

Tāmati Coffey, Natasha Dalziel (a mãe de 'aluguer') e Tim Smith
com o bebé Tūtānekai.


No vídeo que abaixo partilho, aos meus olhos de democrata ainda primeva, tudo parece relativamente  atípico. Os pais do bebé são dois homens casados que recorreram a uma barriga de aluguer. Um deles é um deputado que, ao regressar da sua baixa de parentalidade, levou o bebé para o parlamento. 

Como se só isso, por si, já não fosse uma maravilha, Trevor Mallard, o Speaker do Parlamento, resolveu levar o bebé para o seu colo e, ali mesmo, alimentá-lo. E isso enquanto continuou a cumprir o seu papel de moderar o debate, presidindo à sessão.
Não nos esqueçamos que já Jacinda Ardern, a primeira-ministra, tinha levado o seu bebé para o Parlamento. Os exemplos têm que vir de cima. Sempre assim foi e é assim que deve ser.

E estou a lembrar-me da deputada australiana que, o ano passado, no parlamento, fez uma intervenção enquanto estava, justamente, a amamentar.

Larissa Waters e o seu bebé

E eu vejo isto e fico contente e a pensar que era tão bom que um dia isto fosse possível em Portugal.

As dificuldades que eu tive quando os meus filhos eram bebés e eu ainda os amamentava, o peito cheio, cheio, muitas vezes os seios a jorrarem leite e eu ainda com Lisboa inteira para atravessar primeiro que chegasse ao pé deles. Como a minha vida teria sido mais fácil se eu pudesse levá-los comigo para o trabalho. Em vez de dois filhos, se calhar tinha tido mais uns quantos. Que bom. Tanto que eu gostava de os ter junto a mim. E tinha que os deixar de manhã e só ir buscá-los ao fim da tarde, sempre em stress.


Ainda a semana passada um 'boss' me dizia que tinha estado a entrevistar um homem jovem para uma função exigente e que lhe tinha perguntado se já tinha filhos. O pobre disse que não e ele perguntou-lhe se estava a pensar ter nos próximos anos. O pobre disse que não. E eu, ao ouvir isto, não consegui esconder o meu incómodo: 'Não acredito que tenha feito isso. A sério? Não acredito! Mas que ideia. Que mal tem se tiver filhos?' e ele, admirado, 'Ah, é que é a licença de paternidade, depois é o menino que está doente ou que é preciso ir buscar o menino à escola. Então eu não sei como é?'. E eu: 'Mas e então? Vamos querer que a espécie se extinga para não beliscar a produtividade? Que coisa. Peço desculpa mas essa mentalidade já não está com nada'. Aí ele mudou um pouco o tom: 'Pois, se calhar tem razão. Mas, olhe, já fui muito pior. Nem queria que se contratassem mulheres que ainda não tivessem os filhos já criados. Aliás, preferia homens porque faltam menos que as mulheres'. Voltei a mostrar o meu desconforto: 'Claro que faltam menos. Pois se são as mães que têm que ficar com as crianças... Se a responsabilidade pelos filhos passar a ser assumida por ambos, a ver se os homens não passam a faltar tanto como as mães...'

E ainda me lembro quando, há uns anos, seleccionei uma jovem para a minha equipa. Não veio de imediato, tinha que dar um tempo à empresa onde ainda estava. Então, decorrido talvez um mês de lhe ter sido comunicada a nossa decisão, liga-me ela para me dizer que tinha descoberto que estava grávida e queria ser franca comigo e que eu estivesse à vontade para lhe dizer que já não iríamos admiti-la. Felicitei-a e sosseguei-a: 'Boas notícias. Vir uma criança a caminho é uma maravilha. Fico contente. E claro que será muito bem-vinda'. Quando transmiti a minha decisão aos meus colegas, ficaram a olhar-me um bocado de lado: 'Então entra para, logo a seguir, entrar em baixa?'. E eu: 'Isso mesmo'.

Teria a criança uns dois anos, voltou a ficar grávida e voltou a aparecer-me como que a medo e, de novo, a felicitei. Contudo, lembro-me de um administrador (um todo moderno, um que parece todo prá-frentex) me ter dito, com ar aborrecido: 'Mas essa veio para cá para ter filhos ou quê?'. E eu, furiosa: 'Mas isso diz-se? Queremos que nasçam muitas crianças no nosso país e é nossa obrigação não dificultar a vida a ninguém. Fazemos é pouco.'

Ele olhou para mim de lado, como sempre fez, quando achava que as minhas atitudes eram feministas. E, se calhar, eram. Se calhar, deveria era manifestar-me mais graficamente.


Como as ideias cavernículas de alguns portugueses (homens e mulheres) -- dos portugueses e de todos os estúpidos de todo o mundo -- devem parecer impensáveis aos felizes neo-zelandezes quando sabem delas...
Um desfasamento desta ordem tem a ver com o quê? Clima? Cultura? Um somatório de circunstâncias que, vulgarmente, dá pelo nome de história? Ou é apenas sorte, sorte dos que nasceram abençoados, sabendo ser boas pessoas?
E, quanto à maneira como ainda há quem olhe de lado para os casais gay ou para os gays em geral, nem é bom falar. Parece coisa antiquada, intolerante, inaceitável. Mas existe a faz sofrer muita gente. 

Mas vejam, por favor, o vídeo que obtive via Guardian, do qual transcrevo
Trevor Mallard, New Zealand's House of Representatives speaker, cradled and bottle fed a lawmaker's baby while he presided over a debate.
Baby Tūtānekai Smith-Coffey, the son of Labour MP Tamati Coffey and his husband Tim Smith, was born in July via a surrogate mother
Encantem-se, please. Isto é real. Aconteceu.


E até já

[E estou aqui a torcer-me para encontrar o registo certo para falar do que está a acontecer à Amazónia e de quão perigoso é estar parte do mundo na mão de imbecis. E é que, de caminho, a seguir ao Bolsonaro teria que falar no Trump, no Salvini, no Bannon, e em todas as bestas quadradas que se puseram a cavalo no mundo. Mas não estou a encontrar a forma moderada para falar disto com calma]