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sábado, janeiro 25, 2025

Fujo do resto para coisas mais assim.
Por exemplo: Fernanda Torres - faz muita coisa e, pelos vistos, tudo bem.
E, com sorte, ainda vem um Oscar a caminho
- E, para além disso, segundo aqui se diz, também uma boa pele

 

Continuo ocupadíssima. É assim que gosto de estar. Gosto de fazer coisas que nunca fiz antes, gosto de aprender a fazer. De forma geral, gosto de aprender por mim e, espero que percebam que o que vou dizer é fruto da minha sinceridade e não da minha imodéstia: é que acho que aprendo depressa e não tenho muita paciência para as formações ministradas por outros, step by step, demoradas e repetitivas. E, quando estou neste processo, entusiasmo-me e, imoderada como sou, ponho o pé na tábua, acelero e é de sol a sol. 

Claro que não será totalmente assim pois há as caminhadas, as lidas da casa, as conversas, seja por telefone seja por mensagem, há tudo o resto que faz parte da vida. Mas, no resto do tempo, estou atirada ao que agora me mobiliza e de que, um dia destes, vos contarei.

Claro que, sendo isto tudo novo para mim, de vez em quando tropeço. Mas como tenho impresso nas minhas células aquela velha máxima de que para a frente é que é caminho, reajusto-me, corrijo, refaço, e bola para a frente.

Claro que, com isto, não tenho grande disponibilidade e, sobretudo, disposição para me pôr a falar da delirante pinderiquice de um deputado larápio ou, sobretudo, muito, muito, muito menos, da desordem mundial  a que provavelmente estamos a assistir. Ainda por cima faltam-me bases para poder perceber se é normal, de vez em quando, o mundo desatar aos soluços ou aos coices e mandar a ordem às malvas, colocando tudo num caldeirão em que a insensatez, a ganância, a malvadez, a arrogância, o medo, o ódio, o disparate, tudo, tudo se mistura sem se saber o que, no fim, se aproveitará. Mas, na minha ignorância e com o meu optimismo, custa-me muito ficar assustada e pessimista a achar que nos aproximamos a passos largos do fim dos tempos. Quero acreditar que desta caldeirada meio infecta a que assistimos haverá de nascer uma nova ordem, mais harmoniosa, mais generosa, mais inclusiva, bondosa, mais influenciada pela ciência e para verdade.

Mas, portanto, chego a esta hora e, antes de voltar à minha vida, passo os olhos pelas notícias ou espreito a televisão. Por exemplo, neste momento vejo e ouço um programa (Em Casa d'Amália) conduzido por um tipo muito castiço, o José Gonçalez, que pode não ter um jeito por aí além para apresentar programas de televisão (ou para se vestir) mas que leva gente incrível para cantar. Tenho conhecido ou revisto cantores fantásticos, tenho visto malta nova a cantar maravilhosamente, muitas vezes ali meio à desgarrada. Por exemplo, neste mesmo momento está o Luís Trigacheiro, maravilhoso Trigacheiro, a cantar a Chamateia em conjunto com o que creio que se chama Tiago Nogueira dos Quatro e Meia. Que momento lindo.

Mas, ao mesmo tempo vou espreitando vídeos e hoje vou partilhar um que não tem nada a ver com nada disto mas que sabe bem, aligeira, põe as ralações para lá.

Fernanda Torres conta os segredos de sua pele | Superbonita

Os cuidados com a pele ganharam um novo nome nestas duas décadas: é a rotina de skincare, alavancada pelas influencers do mundo digital. Os tutoriais de maquiagem também criaram uma nova cultura no universo da beleza e a pele negra foi valorizada. Isso sem falar em todos os modismos e cores de make! Todos estes assuntos são abordados por Taís Araújo, que revisita os arquivos do SuperBonita ao lado de Fernanda Torres.

Um bom fim de semana

domingo, setembro 15, 2024

Há casas e casas...

 

Enquanto escrevo, estou a ver um programa fantástico na RTP 1, 'Em casa de Amália' em Elvas. Muita gente na rua a assistir a contagiantes momentos de partilha com o António Zambujo, o Buba Espinho e o Luís Trigacheiro, apresentado por um José Gonzalez que eu não conhecia mas que é um tipo bem simpático. 

Muito bom. Penso que o país caminha no bom sentido quando se fomentam momentos assim, de comunhão em torno de uma língua comum, em que as pessoas saem à rua para ouvir cantar, quase tudo canções que toda a gente canta, em que há sorrisos no ar. O cante alentejano é maravilhoso. 

Mas não tem que ser o típico cantar alentejano. Canções que muita gente conhece, melodicamente ricas, em que se toda a gente se junta a cantar, são uma riqueza cultural inesgotável.

E estes três jovens cantam lindamente. Estou impressionada. Por exemplo, não conhecia bem o Luís Trigacheiro e tem uma voz e um poder de interpretação extraordinários. Neste momento está a cantar uma que não é muito conhecida (digo-o pois não o acompanham a cantar) mas que é uma canção linda. Estou encantada.

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Mudando de assunto. Ontem à noite, sem querer, dei com um documentário tocante. Fiquei a ver até ao fim. Foi na RTP 2. Feito pela Charlotte Gainsbourg sobre a mãe, Jane Birkin, mulher de uma inocência e franqueza totais.

Se não viram, sugiro fortemente que ponha a box para trás e o vejam. Partilho o trailer só para se perceber o género. 

Jane by Charlotte - Official Trailer (2022) Charlotte Gainsbourg

Watch the trailer for Jane by Charlotte, a documentary by Charlotte Gainsbourg about her mother, Jane Birkin. It features intimate conversations between parent and child, as well as footage of Birkin performing onstage, and explores the emotional lives of two women as they talk about subject matter that ranges from the delightful to the difficult: aging, dying, insomnia, celebrity, and their differing memories of their shared past, which includes Charlotte's father and Jane's husband, Serge Gainsbourg. 

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Como estou com um olho no burro e outro no cigano (e espero não ser censurada pela utilização deste ditado popular), não me dá para me pôr para aqui agora com divagações. Vou já direita ao assunto.

A forma como as pessoas vivem por esse mundo varia de uma maneira que se calhar não julgamos possível. Eu, se fizesse programas educativos, incluía o conhecimento de hábitos, dificuldades, excentricidades e gostos ao longo de todo o planeta. Penso que é bom que tenhamos noção das disparidades, da diversidade. O que aqui podemos observar atesta a criatividade humana quer a nível arquitectónico, quer tecnológico, quer estético ou económico quer a nível da própria sobrevivência.

Pode ser difícil de acreditar, mas as pessoas realmente moram nestas casas


A tod@s desejo um belo dia de domingo

segunda-feira, outubro 23, 2023

Tendo o Bernard rumado a sul, aventurámo-nos e fomos dar ar à pluma. Mas coisa pouca.
Disto, hoje, salva-se uma casa muito interessante

 

Adaptámos o programa de festas às anunciadas façanhas do Bernard. Afinal o moço, pelo menos por aqui, não deu as caras. Não que o tempo estivesse de feição mas ventania e chuveiral, não.

Caminhámos por aqui mesmo, depois fiz uma bacalhauzada apenas para os dois e, mais para o fim da tarde, quando percebemos que o bom do Bernas tinha desandado para o Algarve, fomos comprar um livro que tinha despertado o interesse ao meu marido. Acabei por trazer também o Post-Scriptum do Jorge de Sena que está aqui ao meu lado e que vou abrindo de quando em quando. 

E demos uma caminhada por aqueles lados, pelo parque, tudo verdinho e lindo, o dog num excitex, a correr, a saltar, feliz da vida, tanto cheiro novo e bom.

E fomos dar um beijinho à parte da família que mora mais perto. Os pimentinhas todos crescidos e lindos. Estão na fase de espigar, espigar. Coisas mais fofas. 

Soube depois que, do outro lado, um deles está constipado. Talvez seja frio que apanhou. De resto, está é aquela altura do ano em que aparecem viroses, em que apanham frio. Tomara é que se ponho logo bom.

E depois, quando vínhamos, eu disse: 'Com um tempo destes, calhava bem era um bolo daqueles bonzões, nem sei se com um chocolate quente.'

Dito isto, logo me arrependi: tento manter-me bem comportada, não comer daquelas coisas que se alojam directamente nos pneus que encontram pelo caminho. Pensei que o meu marido iria ironizar: 'Isso faz parte da dieta?'

Mas não. Perguntou: 'Onde é que se arranja disso?'

E eu: 'Mas é porque também te apetece?'. É porque se fosse só para ser simpático, eu não aceitaria. Seria o pretexto de que precisava para esquecer as guloseimas. Mas afinal ele disse que, de facto, também estava in the mood.

Assim sendo, não quis que se privasse, não é? Portanto, dali fomos até uma Padaria Portuguesa. Infelizmente, àquela hora, a coisa já estava nos finalmentes. Nada de bolos radiosos a escorrer creme. Comi a última fatia de folhado com doce de ovo. O meu marido ficou-se por um scone. E, para beber, um simples sumo de maçã e tangerina. Mas soube bem.

Logicamente, para compensar, o jantarinho foi inho-inho, minimalistazinho.

E agora não tenho mais nada para contar. Estou a ver o The voice embora o meu marido, volta e meia, faça zapping. 

Gosto imenso da Sara Correia. Acho-a das mais extraordinárias vozes da actualidade, uma fadista de mão cheia. Nunca tive vontade de ouvir cantar o fado ao vivo mas estou com vontade de ir ouvi-la. É genuína, intensa, tem o fado a correr-lhe nas veias.

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E, por ora, nada me ocorrendo ou apetecendo dizer mais, passo ao tema que o Youtube anda a sugerir-me e que me tem trazido coisas bem interessantes. 

Inside The Art-Filled Home/Studio This Textile Designer Has Rented For 48 years

Pauline Caulfield’s home and studio has long been an artist’s haven. Before she and her ex-husband, the late painter and printmaker Patrick Caulfield, began renting their red-brick cottage in north London nearly 50 years ago, it belonged to, among others, the book illustrator Arthur Rackham, the abstract artist John Hoyland and the Pre-Raphaelite painter John William Waterhouse. It was already a place of creative legacy – and now it’s one that Pauline has become a part of. Much like her large-scale hand-printed wall hangings, Pauline’s interiors are full of pattern, personality and punchy tones aplenty – as we discover for our new episode of Seven Wonders.


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Desejo-vos uma boa semana a começar já por esta segunda-feira

Saúde. Esperança. Paz.

quinta-feira, junho 09, 2022

Paula
-- ser, recordar, brincar, desenhar, encenar, pintar

 



Não foi desde sempre que gostei da Paula Rêgo. Lembro-me de um dia me cruzar com uma prima, dada às artes, que ia a entrar para o CCB e eu a sair. Eu tinha vindo de um daqueles eventos em que se comia muito bem e, ao sair, ia apressada para não sei onde. Ela disse-me que ia ver a exposição da Paula Rêgo. Eu disse que não achava muito piada e ela ficou muito admirada, acharia que eu gostaria bastante. Mas eu que não, nem por isso. Tudo meio estranho, devo ter dito.

Fiquei a pensar naquilo. 

Quando a gente não está predisposta a encarar a diferença ou está sem disponibilidade para ver com olhos de ver o que não é vulgar, acontece isto. Achamos que as coisas não nos dizem nada e seguimos adiante. Mas não são as coisas que não dizem nada, a gente é que não pára para as ouvir.

Algum tempo depois, tive ocasião de ir ao lançamento de um livrinho maravilhoso com ilustrações dela sobre texto de Tabucchi. Foi no Palácio Fronteira e tudo ali era maravilhoso: a luz, o ambiente, os sorrisos, a afabilidade que circulava entre todos. O sorriso da Paula Rêgo e a forma como olhou para mim quando lhe disse o meu nome. Não me esqueço. A simpatia doce, inocente, a surpresa. Fez-me sentir ainda mais que o meu nome era inseparável de mim.

Por essa altura já eu tinha despertado para a beleza insólita dos seus desenhos, para a forma impactante como as suas figuras chegavam até nós, para os pormenores desconcertantes, para os franzidos das saias e para as sombras nas rugas dos tecidos, para a pele imperfeita das mulheres, para a rudeza e para a má sorte, para a carnalidade, para a perversidade de alguns personagens.

Aos poucos fui ficando incondicional. Cada pequeno detalhe, uns olhos muito abertos, um corpo abandonado, um movimento atrevido, a ruralidade assombrada, o abandono dos corpos à sua sorte, a força, a destreza, a ousadia das mulheres. O sangue, o olhar, as pernas grossas, o cabelo apanhado das mulheres e a sua manha, a malícia das crianças, a fragilidade de alguns homens.

Nessa altura já me era difícil compreender os que diziam não gostar da sua obra. Esquecida da minha anterior cegueira, não percebia a cegueira dos outros.

Agora continuo a não perceber. Mas já aceito. Há vários tipos de cegueira. A da ignorância, a do desdém, a da indisponibilidade para ver, a da superficialidade. Mas é a vida: uma mescla de tudo. E tudo é relativo e tudo é passageiro.

E, para além da obra, há a autora. As suas entrevistas, o documentário que o filho fez sobre ela, a  aproximação de Agustina* -- tudo foi construindo, em mim, a imagem de uma mulher admirável, meio louca, meio menina, meio diaba, meio de outro mundo, meio desbocada, meio dramática, meio divertida, meio sofrida, meio desabrida, muito vivida.


Mesmos os deuses não são eternos. Chegaria o dia em que Paula Rego partiria. Mas parte o invólucro que, como em todos nós, era perecível. Fica a sua vasta obra -- e isso é uma dádiva sua para connosco que nunca poderemos agradecer como deveríamos pois é uma dádiva demasiado grande -- e ficam as suas palavras nas entrevistas que podem ser lidas e vistas em vídeo. 

A sua obra, intemporal, imoral, amoral, moral, imensa, tem ainda uma característica especial: é intrinsecamente portuguesa. 


E, por isso, por sentir essa proximidade com estas mulheres que saíram da imaginação, da memória e das mãos de Paula Rêgo, a admiração que me desperta é ainda maior.


Maravilhosa e eterna Paula Rêgo. 





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Mas As Meninas não são crianças. Estão sempre alerta, sabem coisas proibidas, em volta delas as mulheres conspiram, inspeccionando a sua roupa de baixo. As Meninas são profundamente perigosas. Não devem andar pela cozinha nem pelos lugares desertos da casa. Sabe Deus que coisas podem fazer…

[Palavras de Agustina em as Meninas

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Desejo-vos um dia bom

Saudade. Agradecimento. Saúde. Paz.

quarta-feira, setembro 29, 2021

Paulo B. desanca a liberal UJM
(a qual subitamente saiu do armário para se revelar uma potencial candidata ao programa da Cristina)

 


Tudo muito bem, mas... "É o mercado, nada a fazer." ?! 

Será a UJM uma liberal (no sentido português do termo) no "armário"? Qualquer dia teremos uma revelação da UJM liberal no programa da Cristina? :D

Discordo. Claro que há muito a fazer. 

Especialmente quando se reclama como um socialista (ou até um social democrata!). A intervenção urbanística é uma das mais poderosas máquinas de imprimir e distribuir riqueza. O mercado imobiliário é ainda por cima dos mais ineficientes e cheios de externalidades negativas. Conjugar estas duas observações e concluir que não há nada a fazer é desistir de um qualquer programa político que promova a coesão, equidade e justiça socioeconómica.

O programa de desenvolvimento territorial de A. Costa e de Medina é, essencialmente, uma célebre ideia neoliberal - conhecida como "trickle down" - com um óbvio empurrão do orçamento camarário. Eu percebo: não havia (e não há) propriamente capacidade (financeira e política) para o necessário investimento pública em habitação e na necessária infraestrutura básica da cidade, mas daí a aclamar esta nova cidade como um modelo de desenvolvimento... acho exagerado. E apesar de tudo, os que ainda resistem na cidade, rejeitaram-no.

PS: 

Quando uma câmara municipal executa obras de requalificação profundas no espaço público isso gera renda fundiária aos proprietários envolventes. Essa renda fundiária não tem uma materialização óbvia e é difícil de tributar (nem sequer o IMI é um mecanismo eficiente...). 

Assim, um programa de grandes obras de requalificação urbana tendem a ser uma distribuição de riqueza não tributável a uma parte específica da população. 

Mais, como essas operações urbanísticas ocorrem em pontos específicos do espaço, geram dinâmicas de distribuição de valor muito diferentes espacialmente - ou seja, se se reabilitarem áreas premium tendemos a oferecer renda fundiária a quem já tem, per si, mais rendimento (sendo, portanto, uma política nada progressista!). 

Acresce que Lisboa é das cidades portuguesas onde há uma maior proporção de residentes que são arrendatários e, logo, há uma proporção significativa que não beneficia dessa distribuição de renda fundiária sofrendo ainda a pressão dos proprietários que procuram capturar mais uma parte do valor gerado com a intervenção pública através do aumento das rendas justificando-o com o valor intrínseco da localização (que aumentou, também por uma política ativa pública de promoção dessa localização).

É verdade que as soluções para isto são complexas e não dependem só da câmara municipal. Mas é verdade que se pode fazer mais. Sobretudo, é verdade que se pode fazer diferente.


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Lisboa em aguarelas de Paulo Ossião ao som da Gaivota segundo Carlos do Carmo

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E obrigada, Paulo. Como sabe, aprecio bastante os seus sempre oportunos comentários. Dão que pensar.

Claro que, na pureza das ideias, lhe dou razão. Só que as coisas não são assim tão simples. Mil interesses contraditórios se levantam e a gestão disso é daqueles equilíbrios instáveis que ao mínimo deslize se perdem. Mas quando disse 'nada a fazer' não queria dizer que nada se pode corrigir. Pode e deve. O que queria dizer é que o 'alojamento local' ao nível 'viralizado' a que chegou é um fenómeno recente, comum a inúmeros polos urbanos, um pouco por todo o lado. Perante a explosão da procura, antes que os poderes políticos conseguissem reagir com a necessária regulação, já a oferta estava a reagir. É sempre assim. Os fenómenos imprevisíveis que assentam no mercado  desenvolvem-se sempre mais rapidamente do que a reflexão social e a legislação. Mas a pandemia veio acelerar a evidência da fragilidade do que parecia ser uma galinha de ovos de ouro e agora as eleições vieram também mostrar que alguns residentes identicamente não apreciam a invasão que se verificava.

Nada do que é exagerado perdura. Apenas o que é equilibrado é aceite como natural.

Vejamos o que o Moedas tem para oferecer a esta Lisboa que já começa a refazer-se da pandemia e que, pelo clima, pela beleza e pela hospitalidade, tanta gente de fora atrai.


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Desejo-vos uma bela quarta-feira

quarta-feira, setembro 01, 2021

Antes paneleiro que populista, diz o António Guerreiro


 

Dia de férias. Sem canseiras, sem stress. Finalmente. Ainda assim, foram compradas e depois postas prateleiras na despensa para arrumar melhor os sapatos, cabides para bonés, cabides para panos do pó em uso, um cabide com uma coisa com compartimentos que o meu marido diz que é para pôr sapatos mas que eu não sei se é e usei para acondicionar produtos de limpeza (de madeiras, de vidros, de fornos, de tapetes). E acho que ainda temos que adquirir caixas de arrumação para ter numa as pilhas, noutra as lâmpadas, noutra as extensões, etc. 

De manhã, quando fomos ao Leroy, à cidade mais próxima, quis logo trazê-las mas ele não quis. Aquele é o seu território  e não me quer a arrumar as suas coisas. Diz que a minha lógica não é a dele e teme nunca mais encontrar o que hoje tem à mão de semear. Só que eu olho para aquilo e vejo um caos. Ele espanta-se, diz que durante vinte anos eu não quis saber de nada daquilo e agora quero organizar tudo. Explico que é uma questão de prioridades. Agora já estamos no fundo dos fundos, na despensa.

Quando estávamos a ir de carro para o Leroy ele deu-me uma novidade: 'as gavetas do móvel da despensa estão vazias'. Fiquei sem perceber: 'Quais gavetas?'. Nunca dei por gavetas nenhumas. Ele respondeu: 'Como queres que te responda? As gavetas do móvel'. Não estava a ver. 'Mas onde estão as gavetas?, nunca as vi'. Ele disse: 'Não me admira que não tenhas visto, nunca vês esse tipo de coisas. Como queres que te explique?'. E eu, admirada: 'Mas é que nunca vi mesmo. Parece que aquilo tem só portas e portinhas, umas de madeira, outras de vidro, prateleiras, prateleirinhas e nichos. Explica: estão em cima ou em baixo, entre o quê? Entre portas?'. E ele: 'Sim, isso, em baixo, entre portas'

Aquele móvel imenso, atafulhado de coisas e mais coisas, sempre foi, para mim, território a ignorar. Mal cheguei a casa fui logo conferir. Três grandes gavetas. Como é possível que nunca tenha reparado nelas? Há com cada mistério... E, de facto, vazias. Um desperdício. Portanto, vou dar-lhes um destino. Se calhar, uma vai ser para panos do pó, panos de limpeza e coisas afins. Hoje tenho uma gaveta da cozinha com isso. Outra se calhar vai ser para individuais e/ou toalhas de exterior. A terceira ainda não sei. O meu marido diz que se calhar para papéis que hoje estão em caixas num móvel da cozinha. E na cozinha posso pôr toalhas de mesa que estão num móvel que, às tantas, pode ficar para outra coisa.

Ou seja, a so called despensa que, na prática, é uma arrecadação, está a ficar um lugar bem aproveitado, e, além do mais, civilizado e transitável. 

Tirando isso, os novos habitantes. Estive na espreguiçadeira, à sombra, a ler. Às tantas, levantei-me para ir buscar água e tive uma visão. 

Temos um portão alto que separa a zona das traseiras (se é que, numa casa como esta, faz sentido falar em traseiras). Antes de termos parte da propriedade vedada, pusemos aquele portão para tentarmos que não acontecesse uma coisa que uma vez aconteceu e que nos incomodou bastante. Estávamos na sala, de janela aberta, descontraidamente em família, e, às tantas, ouvimos vozes mesmo ali. Olhámos pela janela e estavam umas pessoas a passear mesmo junto à casa, dá ideia que, inclusivamente, a olharem para dentro. Quando nos viram, disseram com a maior descontração: 'Parabéns, está tudo muito bonito'. Habituados à total privacidade citadina, aquilo pareceu-nos uma tremenda invasão da nossa privacidade. Não me passaria pela cabeça que um dia estivesse a sair da casa de banho, nua, e algum curioso estivesse ali a passar e a observar. Portanto, pusemos um portão para ver se, ao menos, quem passasse na rua se sentisse inibido e sem à vontade para circular por ali, junto à parte mais privada da casa. Mais tarde, quando os caçadores andavam por todo o lado, deixando-nos com medo por causa dos miúdos, vedámos parte do terreno, a parte mais ou menos circundante da casa. O portão intermédio perdeu o seu propósito mas não o tirámos pois gostamos dele. Está, contudo, quase sempre aberto. 

E, então, deitado no chão, no recanto formado pelo portão aberto e pela parede, estava o cão. De vez em quando, damos por ele cá dentro. Parece que está em sua casa. Olhou para mim com interesse. Quando passei lá perto, levantou-se e foi deitar-se num banco de pedra que há colado àquele lado da casa. Mostra conhecer os cantos à casa.

Também vi o gatinho malhado de branco e dourado. Também por aí anda, como se este fosse o seu território.

Tenho estado a ler o livro do António Guerreiro 'Zonas de baixa pressão'. Gosto das suas crónicas. É daquelas pessoas que atravessa o seu caminho sem desvios ou concessões. Diz o que pensa e tenho ideia que, como a malta o respeita, não se vê metido em alhadas ou confusões verbais. É como o Vice-Almirante Gouveia e Melo que soube impor respeito. Aquela maralha do comentário a metro ou os jornalistas de meia-tigela batem a bola baixinho quando falam com ele ou de algum tema que o envolva. E tenho ideia que com António Guerreiro passa-se o mesmo. E nem tem que andar de camuflado.

É daquelas vozes lúcidas, que não vai em modas e que, aparentemente, não tem grande medo de represálias. E é inteligente. E isso, parecendo que não, faz muita diferença. 

Leio uma crónica, fecho o livro e volto a abrir ao acaso. Como se fosse um baralho de cartas que se abre e se distribui a partir de onde calhar. Assim eu a ler este livro de crónicas. Os temas são variados, alguns absolutamente actuais, outros intemporais, e não há cedência ao facilitismo. Pelo menos, assim me parece. 

Leio e penso que deveria ter um lápis para ir sublinhando algumas passagens, talvez para reler, talvez para partilhar convosco. Mas a preguiça tem-me impedido de me levantar para ir procurar um lápis. Portanto, agora, népias.

Aliás, agora que peguei nele reparei numa página a que, à laia de marcação, tinha ao de leve dobrado um cantinho. Transcrevo parte de uma frase:

A natureza gosta de se esconder, tanto quanto a ignorância gosta de se mostrar

Mas é a excepção. Não assinalei mais nada. Aliás, só mais uma. A crónica à qual pertence o título deste post chama-se: 'Se eu fosse...' e numa nota, no seu final, António Guerreiro explica:

No título, a palavra 'paneleiro' é substituída por três pontos. Não por motivos de censura ou auto-censura mas porque seria um foco de atracção dos clicks  Antes paneleiro que populista.

E eu, que sou uma descarada, apesar de também não suportar o populismo, puxei este statement para o título pois acho um daqueles sound bites de estalão. 

The Harbinger of Autumn - Paul Klee

E, por ora, nada mais. Não tenho conseguido dormir a sesta nem, de manhã, dormir até mais tarde. Não sei porquê pois bem precisada ando. Por isso, ainda não pus o sono em dia. Uma chatice. Parece que ainda não fiz o desmame do estado de habituação (ou dependência?) a elevados volumes de trabalho. Nos pequenos momentos de descanso, sinto-me entediada como se a ausência de ocupação útil quase me pusesse doente. Mas pior ainda que isso: sinto-me como que a desleixar-me com as minhas obrigações se, em horário de trabalho, me puser estendida ao sol, a ler. Que coisa esta.

E o tempo que tem estado tão afável, tão a abrir a porta ao outono, tão bom para uma pessoa se sentir serenada... Só me falta mesmo é reaprender a não fazer nada e a gostar disso.

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Pinturas de Paul Klee ao som da Estrela da Carminho

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Desejo-me uma boa quarta-feira
Saúde. Esperança. Ânimo.

sábado, abril 18, 2020

Uns vídeos que mostram a inteligência e os bons sentimentos de alguns animais





Chego a sexta-feira a desejar que seja friday e que só me apeteça dizer que thanks god it's friday. Mas os astros não se alinharam. Foi do piorio. Aliás. Corrijo: não foi todo o dia que foi do piorio. Até ao meio-dia eu estava in the mood for the soi disant fds. Mas a partir daí a coisa começou a descambar.

Há fulanos que só estão bem a chatear os outros. E outros que se agarram às suas vacas sagradas como se não houvesse outras, profanas e boas. E outros que gostam de andar a pisar ovos, cautelosos, caguinchas, fazendo de um tudo para não partirem um prato. E a minha paciência vai enfraquecendo e eu a pensar que, afinal, era para ser uma santa antecâmara para um abençoado fds e está é a ser um longo e penoso calvário. Ninguém merece, penso eu quando tenho que aturar burro e estúpido.


Caneco.

E, à tarde, eu farta, farta, farta, fartinha, aparece-me um estupor, um velhaco, um estafermo, e eu, capaz de o mandar bugiar e a ter que me conter mas sem conseguir, acabei, já com a voz alterada, em crescendo: 'Faça o que quiser. E ficamos por aqui. Bom fim de semana' e pimbas, deslarguei-me da videoconferência.

E, acto contínuo, suspirei e disse, alto e bom som: 'Porra!' e vesti um casaco, peguei na máquina e no telemóvel e fui para a rua, andar, espairecer.


Depois, já mais descontraída, vim pôr meio franguinho no forno, temperado com fio de azeite, alho, alecrim. E. com os miúdos do frango, fiz um arroz com ervilhas, bacon, cenourinha. 

E, até que o franguinho tostasse, voltei à rua. 

Ainda não tinha soltado todas as feras que se tinham acoitado dentro de mim. Quando estou esbaforida, asfixiada, doida da vida de ter tido que aturar bandido disfarçado de executivo, preciso de bater perna. E ver o dourado do sol através das folhas, das flores. E sentir o frio e o cheiro limpo do eucalipto. E andar à pressa, subir, descer, andar -- até ficar cansada e pensar que tomara chegar a casa para descansar.


Meanwhile, falei com a minha mãe, falei com a minha filha.
A minha mãe diz que já sente falta de ir ao mercado, ao supermercado, à farmácia, dar umas voltas. Pois. Convenço-a a subir e a descer escadas, a regar o jardim -- mas ela diz que com o que tem chovido não faz sentido regar e eu digo que pois não mas que apanhe sol quando houver, faça respirações. E ela diz que sim. 
Entretanto, de tarde, enquanto estava a aturar gente insuportável, tinha visto, em fotografias, os dois meninos a jogar squash na parede da cozinha ou a jogarem à bola no quintal da outra avó, ali perto deles. Para eles, a quarentena deve ficar na memória como um tempo bom, cheio de coisas inabituais. Meus meninos queridos, crescidos. A minha filha conversou sobre o seu trabalho, sobre eles, sobre como lhe apetece ir à praia ou passear junto ao rio e eu conversei sobre o que calhou.

Dantes conversava enquanto conduzia. Gostava. Agora converso enquanto caminho e ouço os passarinhos. 
Ainda não contei que os passarinhos andam a saltitar do lado de fora e eu, do lado de dentro, a vê-los, pois não? Mas é. Se calhar, se abrisse a porta, ainda eram capazes de entrar. Pequeninos, peitinho amarelo, muito bonitos e mimosinhos, aos saltinhos, a cantarem, tão lindos. E eu, em videocoisa, a vê-los. A invejá-los.
Depois regressei, horas de jantar. O frango estava dourado e cheiroso de bom, o arroz bom, a saladinha a acompanhar, fresquinha, o pãozinho de sementes mesmo a calhar.


Enquanto jantávamos, o telefone. O bebé, já tão crescido, agora com o cabelo curtinho, sem os caracóis de bebé. Mostrou-me a janela para dizer que estava escuro. Perguntou se aqui também estava escuro. Fui lá fora mostrar que sim. Depois de termos conversado, apareceu o mano do meio, sempre alegre e brincalhão. Falei-lhe da fotografia que a mãe me tinha enviado, ele na escola, todo compenetrado. Depois a menininha mais linda, que já tem um quarto só para si, falou sobre as aulas e sobre o seu quartinho, tão bonito, ela já tão independente. E o mano do meio passou para a cama de cima e o bebé para a a cama do mano e, portanto, já não dorme na cama dos pequenos. Todos contentes.

No outro dia, pensando neles, disse: 'Quando estiver com eles vou agarrar-me completamente, dar-lhes mil abracinhos, mil beijinhos, não os vou largar, vou andar colada a eles, a dar-lhes beijinhos'. O meu marido, que não é disso, limitou-se a tentar esfriar-me os ânimos: 'Acho que não vais poder fazer nada disso'. Fiquei espantada: 'Ora essa, porque não?'. Mas ele, secamente, explicou que o distanciamento social vai continuar. Quero lá saber. Aqui no campo não há covid que me apanhe. Portanto, posso abraçar à vontade que não contagio ninguém. (O pior é se eles têm medo e não querem).

Bardabolas para o merdinhas.

[Aliás, para rematar aquela conversa, o que me apeteceu dizer foi: que se fornique o covid. Mas não disse. De resto, se dissesse, não era tão erudita no dizer para além de que prefiro verbos da segunda conjugação].


E, aqui chegada, a meia-noite dobrada, fico a pensar: em vez de estar para aqui a descrever dias sem história, na realidade a chover no molhado, não deveria eu antes escrever sobre ginástica em tempos de quarentena? Sobre truques para parecer mais gira e mais nova? Sobre sumos detox de uva temperados com framboesa? Sobre técnicas de relaxamento mental? Sobre como confeccionar máscaras fashion a partir de baby dolls vintage?

Mas não, tudo isso é too much areia para a minha pequena caminheta. Portanto, pus-me a fazer o do costume: a pastar por entre os campos de vídeo do YouTube.


E, para atestar o quão fraca é a esta little cabeça, tudo o que chamou a minha fútil atenção foi coisa de bicho. Vá lá saber-se porquê.


Aqui é uma mãe elefante a agradecer a quem salvou o seu bebé



Aqui é a mamã vaca a pedir ajuda para salvarem o seu bebé recém-nascido



E vi mais uma data deles. Tudo nesta onda. Tenho é a decência que não vos maçar mais.
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As fotografias que usei provêm do site 2019 Comedy Wildlife Photography Awards Winners e claro que nada disto tem a ver com a malta da Estudantina a cantar à uma em quarentena style. Portanto, façam o favor de dar o devido desconto.

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Fiquem bem, está bem? 
Enjoy. 
E saúde, malta.

segunda-feira, março 02, 2020

Santa Comba Dão -- a surpresa das surpresas






Os tanques de lavar a roupa com a água do rio

Ontem falei. Imaginava uma terra de casas escuras, sem flores, sem ponta de graça, tudo gente mumificada em casas quase abandonadas e lúgubres. A minha filha ajudou-me a definir o que eu imaginava: uma terra austera. Mas era pior que austera, o que eu imaginava.
Quando penso que não sou preconceituosa, sou confrontada com o meu absurdo preconceito. Sou preconceituosa, sim, e da pior espécie, da espécie que ignora que o é.
Até hoje nunca tinha sentido qualquer vontade de visitar Santa Comba. Mas nem eu nem o meu marido. Era como se, sem ser necessário verbalizá-lo, achássemos que o espírito do velho das botas -- o supremo beato da voz de cana rachada, o sinistro parceiro da D. Maria, criadora de galinhas em S. Bento, santo patrono da PIDE e apascentador de visõezinhas cinzentas e pequeninas, grande fomentador do permanente atraso de vida, do crónico sentimento de culpa e do medo da liberdade, fascistazeco de trazer por casa -- vivesse ainda por entre casas sombrias e para sempre tocadas pelo venenosa baba do dito.

Passámos, pois, sempre ao largo.

Mas ontem, estando a passar perto, sugeri: vamos lá espreitar.


E em boa hora o fizemos. Que surpresa. Uma preciosidade, uma beleza, uma pérola florida, chilreante de água. 

Por aqui tem chovido que deus a dá. Por isso, ontem, descuidadamente sem chapéu de chuva, a meio do passeio a pé, tivemos que correr para o carro. Mas o que vimos, fez-me sentir pena.

Porque é que nunca eu tinha ouvido dizer que esta terra é tão bonita? Mas bonita, bonita mesmo. Será que, tal como eu, há mais gente presa a preconceitos, sem vontade de ir conhecer? Ou será que quem lá vive ou conhece o segredo da sua graça, se envergonha de mostrar orgulho? É que parece uma heresia daquelas de que qualquer pagão ou santo se deveria arrepender. Morar aqui deve ser um privilégio. O som da água, dos passarinhos, a tranquilidade do lugar só pode ser uma benção. Quanto ao espírito ruim do velho das botas pois que se dane ou descanse em paz, tanto faz. Já era. Saltemos a pés juntos em cima da lembrança dele, sempre que tal se nos ocorra, para que nenhum outro vírus da mesma estirpe volte a atentar o nosso juízo. E abençoemos a beleza desta terra que não tem culpa nenhuma de quem lá nasceu.


De resto, parece que não foi bem em Santa Comba Dão mas no Vimieiro, outro lugar abençoado de que daqui a nada já falo, que o sinistro rato de sacristia nasceu. Mas tanto dá. Era o que faltava que um rato merdoso pudesse destruir a beleza do lugar que o viu nasceu. Não pode.

Portanto, viva Santa Comba Dão.


A terminar e num àparte. Quando estava a andar e a fotografar, reparei como dois prédios estavam tão inacreditavelmente juntos. Quase que de um, estendendo o braço, se poderia tocar no outro. Apontei e fotografei. O meu marido disse 'a senhora não deve ter achado graça nenhuma a que a tivesses fotografado'. Fiquei espantada. Míope como sou não tinha visto senhora nenhuma mas fiquei arreliada comigo mesmo. Coitada da senhora, estava na sua vida e passa uma qualquer na rua e fotografa-a. Contudo, à noite, ao ver a fotografia, verifiquei que a senhora sorriu para mim. Tivesse eu reparado nisso e tê-la-ia cumprimentado. Coloco aqui a fotografia ou, melhor, a ampliação da parte da fotografia em que se vê a senhora (como a ideia foi fotografar os dois prédios encostadas, a senhora, na fotografia original, é quase um pormenor no infinito) como forma de retribuir o seu simpático sorriso. Muito obrigada.


Até já, no Vimieiro.

domingo, março 10, 2019

Escuta-me





No outro dia, para guardar a lenha mais recente, resultante dos infindáveis desrames, o meu marido andou a limpar a mais antiga e, para despachá-la mais rapidamente e para aquecer a sala, encheu a salamandra. Acontece que aquilo desatou num fogaréu dos diabos, fez quase imediatamente um calorão insuportável, num ápice aqueceu esta sala e todas as divisões da casa e, tanto o calor, uma prateleira vergou e derramou a pilha de livros que tinha em cima, aqueceu-me estupidamente o estojo da máquina fotográfica que estava a mais de um metro e, de repente, percebemos que, se não interrompessemos rapidamente aquilo, todas as coisas da sala e, se calhar, também nós próprios derretíamos.


Então, o meu marido abriu a porta da salamandra e a porta da sala e, com uma daquelas pinças de lareira, tirou, um a um, todos os troncos que estavam a arder e pô-los lá fora. Depois, foi buscar a mangueira e apagou-os. Assunto resolvido. A casa manteve-se quente até ao dia seguinte, até nos irmos embora.

Hoje voltou a acender a salamandra mas com uma quantidade normal de lenha. Estávamos aqui sossegados, no sofá, eu a escolher umas lãs e a estudar a progessão do bordado, ele a ver televisão, quando começámos a sentir o cheiro da madeira mais intenso do que o costume, depois os olhos a quererem arder. E, de repente, olhámos em volta e reparámos que a sala estava a encher-se de fumo. E, ao mesmo tempo, vimos o que estava a acontecer. O tubo que leva os fumos da salamandra e que atravessa o tecto até à chaminé tinha-se desencaixado e o fumo saía livremente para a sala. Num salto, em simultâneo, abrimos porta da sala e ele, de imediato, voltou a tirar os troncos e a pô-los na rua. 


Presumo que, com o calor excessivo da semana passada, o tubo deve ter dilatado demais e, ao arrefecer, rachou e, ao rachar, desencaixou e deu no que deu. 

O que acontece é que, durante o tempo em que durou até que dessemos por isso, não foi apenas a sala que se encheu de fumo: foi toda a casa. De repente, por todo o lado, uma nuvem densa, o ar irrespirável. Portanto, tivemos que estar com portas e janelas todas abertas, o frio da noite a entrar para a casa, tivemos que ir para o lado de fora abanar as portas para ajudar a sair o fumo. No meio disto, uma coisa boa: a noite límpida, estrelada, um céu planetário, luminoso, lindo.

Até fui buscar a máquina e disparei-a contra a noite. Quando olhei as fotografias, não estavam as estrelas, estavam, sim, os ramos nus das árvores. Mas, uma vez mais, a preguiça impede-me de me levantar para as importar para aqui.


Agora ainda cheira imenso a fumo e temo ficar com as roupas e os livros e tudo o mais a cheirar a fumo mas, pelo menos, já não se sente, não se me choram os olhos, já não há névoa dentro de casa.

De tarde, depois de termos vindo de casa dos meus pais, estivemos, de novo a cortar ramos de árvores. Um dia ainda as árvores ficam descaracterizadas, apenas um penacho no alto da cabeça. Antes gostava de ter um bosque denso. Agora, com a consciência do risco dos incêndios, transformámos a nossa floresta num conjunto de seres disciplinados, aperaltados. Custa-me um bocado. Mas contra factos não há argumentos e eu adapto-me à força das circunstâncias. Tem que ser, pois que seja. Heaven pode ser lindo e, ao mesmo tempo, um lugar seguro, onde não cheguem as chamas dos infernos.


Agora temos um mar de ramos cortados e não os vamos poder queimar enquanto não nos inscrevermos no site das queimas. Tentámos mas a aplicação ainda não está afinada, identificou o local como se estivessemos no portugal insular. Sugeri que ligássemos para os bombeiros mas o meu marido não lhe apeteceu. Espero que consigamos resolver isto a tempo. 

Enquanto escrevo, estou a ver a Proposta Indecente. Apesar de já o ter visto há séculos, estou, na mesma, a achar-lhe piada. Ainda por cima, é uma história de amor e eu gosto de histórias de amor.

Tenho tantos assuntos atrasados para falar. Por exemplo, gostava de vos falar de um tema que está na base de um filme sobre o qual vi a entrevista com a actriz principal. É um tema meio misterioso, coisa muito fruto dos tempos actuais, coisa pela qual já me fizeram passar. Mas a verdade é que muito hard work no campo, algumas contrariedades no dia a dia da cidade, tudo muito longe umas coisas das outras, muito trânsito, muita agitação -- tudo junto faz com que, aqui chegada, não tenha grande vontade de navegar em águas profundas. Por isso, sobrevoo de mansinho, saltito por entre folhagens, palavras breves, aflorações, não mais que isso. Os temas da actualidade vão passando, pouco rasto deixam e eu mal lhes toco, apenas espreito e é quando é. Hoje, à vinda, pensei: um dia deixo-me disto, um dia, em vez disto, escrevo só para mim, escondo a escrita, escrevo sobre desactualidades, sobre suposições, ficções, pensamentos à toa, sobre coisas cá minhas, só minhas.


E assim é que, sendo duas da manhã e nada tendo de concreto para vos falar, vou apenas partilhar um vídeo que me pareceu bonito e que aborda um tema que me interessa: o da tolerância inclusiva. Segregar alguém ou, pior ainda, parodiá-la, menosprezá-la ou, de qualquer outra forma, fazê-la sofrer não apenas me parece indesculpável como, na medida das minhas possibilidades, faço tudo para o evitar.
Apenas tenho dificuldade em ser assim com os estúpidos, os cagões, os burros armados em doutores. Com esses, se puder, sou tudo menos inclusiva. Provavelmente, quando atravessar a célebre parede de luz branca e me crescerem asinhas etéreas nas costas, a entrada no céu ser-me-á barrada como paga por todos os pecados que cometi, nomeadamente por cada um dos estúpidos relativamente a quem fiz de tudo para guardar distância. Mas não faz mal, mais vale ficar in hell, de shortinho e alcinha (por causa do calor), do que ficar sentada em cima de uma nuvem a receber medalhas por ser boazinha para gente que não vale uma casca de caracol furada.

Mas da gente boa que é posta de lado apenas por ser diferente, da gente que sofre por não se sentir integrada, dessa eu quero estar perto, quero escutá-la mesmo quando a sua voz não se faz ouvir. 

Listen to me



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As imagens mostram arte japonesa e Camões aparece-nos através da voz de Amália

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A todos desejo um belo dia de domingo

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domingo, janeiro 20, 2019

Lisboa tem livros, objectos, fotografias e memórias, muitas memórias
Lisboa, minha linda.
[Postal nº 1 de 8]






É o que digo: parece que só prestamos atenção ao que já conhecemos. Ou que não reparamos naquilo para que não estamos previamente despertos. 

Tinha para mim que a Sá da Costa ia fechar. Depois, tinha para mim que tinha fechado. Quantas vezes já ali passei depois disso? Nem sei. 

Só sei que, desta vez, a montra me chamou a atenção. Aproximei-me. Olha, afinal não fechou!, admirada. Mas não tinha fechado? Os dois espantados. Se calhar, não. Pensei: será que, afinal, se salvou? Entrei. Intrigada. Assim de repente até me pareceu maior, aberta até lá mais atrás. Se calhar, confusão minha. 


Admiradíssima, fui andando. O meu marido deu uma vista de olhos panorâmica e disse: São usados. Livros antigos. Ainda pensei: Restos? Fundos? Olhei em volta, a ver onde estavam os livros novos. Não. Comecei a ver melhor. Se calhar. Livros e outros objectos, todos antigos.

Perguntei: Mas, então, agora é um alfarrabista? A resposta óbvia: Mas não estás a ver que sim?

Curiosa, fui folheando. Primeiras edições. Livros com dedicatória. Primeira edição dedicada a. vários de Urbano. Seria a sua biblioteca? Mas muitos, diversos. Salas e salinhas lá dentro. Recantos. Vitrines com livros ainda mais antigos, peças especiais.


Eu estava sem conseguir perceber o que é que tinha acontecido. Googlei logo ali e obtive o esclarecimento: de facto, a Sá da Costa tinha estado insolvente mas felizmente houve um aproveitamento do espaço, uma nova vida. Agora, ali, apenas o local e o nome são Sá da Costa. Pertence agora à Livraria Castro e Silva e dedica-se, como se estava a ver, ao alfarrabismo. 

Um fascínio. Tanta coisa, tão bem exposto. Coisa para se estar ali durante horas. Como é possível ter passado tantas vezes ali e, convencida que tinha fechado, nem ter reparado que estava aberta com tais tesouros lá dentro?


É que não são apenas livros: há restos de livros, sebentas, cadernos, restinhos de azulejos, molduras, quadrinhos, objectos decorativos, coisas que não sei o que são ou para que servem. Um mundo.

Fiz muitas fotografias. Não as ponho aqui todas pois talvez fosse fastidioso. Mas, acreditem, é daqueles lugares onde se pode estar uma tarde. Ou um dia. Ou muitos dias ao longo de semanas. Ou de meses. Vai fazer parte do meu roteiro. 

O meu marido que é muito sensível a pós e cheiros, foi lá para fora. Mas foi mais porque não é de estar a observar detalhadamente ou mexer nestas coisas pois o espaço não tem aquele cheiro empoeirado e abafado que muitas vezes torna quase irrespirável o ar dos alfarrabistas escusos, escuros, encafuados. Não, este espaço é arejado, luminoso. Muito agradável.


Gostei de tudo. Mas onde me perdi mesmo foi nos caixotinhos que, à direita de quem sai, se perfilam ao lado uns dos outros com folhas soltas, postais, fotografias.

Uma coisa fascinante mas, ao mesmo tempo, um bocado triste. Objectos pessoais, recordações de família ali à venda.

Mas sobra-me algum pragmatismo: quando alguém herda uma casa cheia de objectos, gavetas cheias de cartas, papelinhos, retratos de amigos e familiares e não tem onde guardar toda esses restos de uma vida -- de facto, montes de tralha -- mais vale que o entregue para que se encontre quem os estime.

Também eu tenho um leque maravilhoso com mais de cem anos, com dedicatórias, uma caixinha de cartas, um espelho de toucador, uma cadeira, um candeeiro, tudo comprado num antiquário. E também eu passei pela situação, já aqui referida algumas vezes, de, ao fim de vários fins de semana a 'desmanchar' uma casa, acabar por assistir passivamente a ver despejar gavetas cheias para sacos grandes do lixo. Já não havia disponibilidade mental e emocional para continuar a ver coisa a coisa, para resover para quem ia isto, aquilo e aqueloutro, para ali estarmos confinados durante o fim de semana a ver coisas velhas. Trouxe muitas coisas, algumas nem sei para quê. Daqui por uns anos alguém andará a pegar em tudo isto que aqui tenho também sem saber bem o que fazer a cada coisa.


Tirei algumas fotografias das caixas. Vi as dedicatórias. Por exemplo, esta que aqui vos mostro. Há cerca de sessenta anos, alguém ofereceu a fotografia desta menina aos seus padrinhos. Se calhar, a menina, hoje uma mulher talvez já com netos, não saiba que a sua fotografia está a venda, muito menos aqui no meu blog, atravessando o vasto espaço que liga o mundo. Talvez alguém se enterneça como eu me enterneci, talvez alguém sem família venha a comprar a fotografia, talvez a emoldure e reconstrua uma memória que não é sua. Sabe-se lá.


É esta a magia dos alfarrabistas, dos antiquários. Um mundo que se desdobra desde o passado até ao presente, transportando memórias, vestígios de outras vidas, vislumbres de outros tempos. 

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E aqui termina a reportagem fotográfica pela Lisboa bela e eterna. Por aí abaixo há mais sete posts que contêm apontamentos colhidos no domingo passado. O último foi o que fiz dedicado a montras. dele poderão ir saltando para os anteriores.

E porque Chiado e livros nos fazem evocar o nosso Eça, despeço-me com ele.


Até já