Passei quase todo o dia na rua, debaixo do alpendre. Vesti uma blusinha de alças, desencantei uns calções curtinhos e, descalça, estive a trabalhar. Quando tive reuniões, vesti uma blusa de manga curta por cima do top. Pus uns brincos, passei um gloss nos lábios. Da cintura para cima fiquei decente, com sorte até executiva. No resto, fiquei como estava (ie, como sou).
Ao fim do dia, reguei. Descalça, os pés sentindo a relva morna, macia, molhada. Depois, reclinei-me na espreguiçadeira. Descobri um recanto na relva, perto do alpendre, em que a privacidade é total. Isso agradou-me muito. Estive a apanhar o restinho de sol e a ler. Quando o sol se pôs, ficou frio de repente. Vim para casa a pensar que teria que vestir outra coisa. Depois de andar há que tempos vestida à fresca parece que já nem sei bem o que hei-de vestir por casa. Felizmente, a casa é bem isolada, não estava fria. E ainda estou vestida como estava.
Durante o dia passaram-se várias coisas mas digno de destaque, que me lembre, nada. Só as guerras do costume. Mas alguma coisa em mim parece ter-se distanciado de tudo o que me parece disparatado ou inútil.
Durante uma das reuniões, estava a ver que um se mostrava desligado, desinteressado. Tem outras ideias, outras ambições. Quando me pareceu oportuno, dirigi-me a ele, pedi que expressasse objectivamente qual a sua ideia. Entrou em contradições, não disse coisa com coisa. Há pessoas que simplesmente são do contra, mesmo que não tenham melhor alternativa. Ou que, alimentando sonhos de ávida ambição, não conseguem esconder a frustração se alguém lhes cerceia o caminho. Sinto alguma impaciência para lidar com pessoas assim mas, ao mesmo tempo, alguma pena. São pessoas que tendem a entusiasmar-se muito com as expectativas que criam para, pouco depois, caírem no maior desalento. São pessoas emocionalmente instáveis que, geralmente, contribuem para aumentar os problemas, não para resolvê-los. Mas não o percebem pelo que, em cima de tudo, se sentem injustiçados, acham sempre que, se fossem eles, fariam tudo bem e que, inexplicavelmente, os outros não entregam o destino das coisas nas suas mãos. Não há pachorra. Mas, fazer o quê?, tenho que desencantá-la. O que me vale é que, mal acaba a reunião, me desligo.
Como tinha dito, voltei ao Narciso e Goldmund. Reclinada ao sol, foi com prazer que estive a ler a bela escrita de Hermann Hesse. Até dobrei a ponta de uma folha para hoje aqui a transcrever. Mas ao fim do dia, o meu marido, ao chegar a casa, resolveu convencer-me a ir ao supermercado, que seria a melhor hora, o supermercado vazio, etc. Não fazia parte dos meus planos mas lá fui. Claro que, com este enxerto, o meu programa de festas acabou por dar para tarde. Não conhecia ainda bem aquele supermercado. Hoje consegui vê-lo com mais calma. Gostei. Tem bons pães e isso para mim é um factor de diferenciação. E tem boa fruta.
Chegámos tarde a casa. Como comprámos muita coisa, a seguir foi aquele protocolo de lavar tudo, de deitar embalagens fora, de pôr coisas em quarentena, uma coisa que cansa e maça e desgasta. Como vamos aguentar isto por mais uns meses? Raios partam o merdinhas do corona. Para esse é que já não há mesmo pachorra nenhuma.
Resultado: agora não dou com o livro e já é tarde para, a esta linda hora, ainda ir desencadear uma caça ao tesouro. Na volta, ainda ficou lá fora. Gostava de aqui ter, para partilhar convosco, algumas das belas palavras que, ao fim do dia, dentro de mim, fizeram companhia ao canto dos pássaros. Parece que as coisas só são verdadeiramente boas quando as partilhamos, não é? Eu, pelo menos, quando gosto de alguma coisa, gosto que outros possam degustar aquilo que me parece pitéu bom demais para uma única boca.
Como não tenho, vou em busca de palavras ditas que me soem bem. Podem aqui parecer deslocadas mas será mera aparência. É que podia não ter escrito nada -- porque nada de relevante disse -- e ter apenas partilhado o Los amantes de Cortázar por ele mesmo (poema de que extraí o título deste post) ou as curiosas fotografias de Boris Mikhailov ou a Melody Gardot a interpretar o Love me like a river does. E teria sido suficiente. Tudo sem muito a ver umas coisas com as outras tirando o facto de eu gostar de qualquer delas.
Como não tenho, vou em busca de palavras ditas que me soem bem. Podem aqui parecer deslocadas mas será mera aparência. É que podia não ter escrito nada -- porque nada de relevante disse -- e ter apenas partilhado o Los amantes de Cortázar por ele mesmo (poema de que extraí o título deste post) ou as curiosas fotografias de Boris Mikhailov ou a Melody Gardot a interpretar o Love me like a river does. E teria sido suficiente. Tudo sem muito a ver umas coisas com as outras tirando o facto de eu gostar de qualquer delas.
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Desejo-vos um dia feliz.