Muito frio a partir do meio da tarde, em especial quando a aragem nos fustigou. Choveu mas muito menos do que se anunciava. À noite, frio mas, como não havia vento, talvez mais suportável.
Mas isso é pormenor. A cidade é o que se sabe: muito bonita.
Quando lhe dá o sol mostra-se quase dourada. A pedra é macia e tem aquele tom suave do ocre tingido de patine.
O que agora me surpreende, e não tem nada a ver com as vezes anteriores em que aqui tínhamos estado, é a quantidade de portugueses. O hotel está cheio deles. Nas ruas, a todo a hora se ouve falar português. Onde anda a crise que a ex-oposição mais os seus arregimentados comentadores e jornalistas apregoavam?
Em Lisboa, quer ir-se a um restaurante, só reservando. Os concertos, esgotam quase instantaneamente. As agências de turismo dizem que nunca venderam tantas viagens como agora. Os hotéis estão cheios. E chego aqui e há portugueses por todo o lado.
Das duas uma: ou a malta que hoje é governo mais os que os apoiam ou fingem que apoiam está toda redondamente enganada, e isso é chato, ou são os números oficiais que mostram uma coisa e a realidade é outra, o que não é menos chato. Cá para mim é um misto pois não tenho dúvidas que a economia paralela faz parecer o que não é e só quem não pode fugir ao fisco é que não foge, fazendo girar muito dinheiro não declarado.
Já agora, outra coisa. Não tem a ver com economia paralela mas com fisco. Tenho aqui defendido amplamente que o IRS deve baixar, mas isso ao mesmo tempo que deve haver uma verdadeira caça à economia paralela. Hoje muita gente não paga IRS pois recebe oficialmente pouco mas 'por fora' recebe, se calhar, outro tanto. E os que pagam, sobrecarregados e revoltados, fazem contas à vida antes de trabalharem mais. Já aqui falei de amigos médicos que dizem que continuar a trabalhar não lhes compensa. Muitos reformaram-se e, nos casos em que ainda trabalham, não fazem mais que 10 horas por semana senão ficam prejudicados. Com a falta de médicos que há... E é lógico que assim raciocinem. O que não é lógico é que os impostos para este tipo de rendimentos sejam o exagero que são. O Fisco trata a classe média como se fossem bandidos capitalistas que devem ser espoliados até ao tutano, e ala moço, vá de espetar com eles no escalão dos ultramilionários. Seria bom que este Governo agarrasse o assunto mas agarrasse a sério, sem demagogias, com cabeça.
Mas, pronto, hoje não me apetece falar mais em impostos.
Hoje apetece-me é partilhar imagens de filigrana em pedra. Tudo muito sereno e belo.
Claro que o dia foi pessimamente escolhido. Chuva e um impossível frio antártico, dentro e fora de casa.
Mas, nas actuais circunstâncias -- antes, antevendo o que estava por vir, depois, os exames e consultas, depois as idas aos hospital e, em cima disso, sempre temendo que alguma coisa aconteça --, já não íamos ao campo talvez há um mês. Tempo demais.
Como a minha mãe felizmente está francamente melhor e esta segunda-feira a minha filha lá ia, resolvemos tirar, nós os dois, o dia de folga e, depois da visita no domingo, seguimos para o campo.
Chegámos de noite. Não vos digo nem vos conto... Um gelo. Mal abrimos a porta sentimos logo: parecia que estávamos a entrar numa câmara frigorífica. A casa gelada, gelada, gelada.
Ainda por cima, como há algum tempo, creio que no verão, estiveram a colocar tubagem nova na salamandra, agora, ao acendê-la, desatou a sair uma fumarada. Portanto, noite gelada, tivemos que abrir as portas para limpar o ar. Ou seja, mais frio entrou.
Afinal, hoje, de dia, o meu marido esteve a inspeccionar a situação, voltou a colocar lenha e a deitar-lhe fogo e percebeu o que se passava. Quem lá esteve, instalou um registo no tubo. Pelo menos foi o nome que ele deu a uma coisinha que roda que, se bem percebi, ou deixa ou não sair o fumo. Portanto, rodou aquilo e imediatamente o fumo deixou de sair e a sala ficou quentinha.
Só que hoje, para além do gelo cá fora, choveu todo o dia. Portanto, não esteve agradável. Se fosse para estarmos mais dias, ao segundo ou terceiro dia já a casa se teria climatizado e já se estaria bem. Além disso parece que esta terça-feira já nem vai chover. Mas querendo vir esta segunda-feira, mal deu para usufruir. Chegámos no domingo à noite e saímos esta segunda, por volta das seis e meia. Não deu para nada. Ou melhor, para quase nada. Quase.
É que, seja como for, vá lá eu saber porquê, tal como sempre acontece quando lá estou, dormi que me fartei. E só isso já é bom. E dormi sem acordar a meio, sem sonhos maus. Dormi que foi um regalo. Acordei descansada.
E ainda consegui dar uma esticadinha pelo campo. De sombrinha aberta, com frio. Mas que se lixem as condições atmosféricas adversas quando se está in heaven.
A terra está verde, atapetada de musgo, há zonas cobertas de etéreos líquenes, o feto que nasce todos os anos de sob uma pedra está viçoso, pujante de vida, um tronco caído de uma pequena árvore, descarnado, parece uma espada esperando o momento de ser garbosamente empunhada, há cogumelos carnudos, húmidos, de um rubro antigo, e encontrei um, imagine-se, lilás, irreal.
Fascino-me.
Não preciso afastar-me da minha casa para descobrir maravilhas do outro do mundo.
E depois confirma-se o milagre pelo qual eu tanto esperava: os esquilos voltaram. Sob alguns pinheiros voltaram a aparecer as pinhas roídas. Que alegria. Espero que nunca mais tenhamos que fazer alguma coisa que os assuste e afugente. Gosto de sabê-los por lá, confiantes, livres, como se aquele fosse o seu heaven.
Agora que tenho estado cara a cara com os mistérios da finitude da vida, com a fragilidade e, ao mesmo tempo, a força dos fios que unem os corpos à vida, gostei imenso de ver o vídeo que abaixo partilho. Também eu me tenho interrogado sobre muitas coisas e me tenho imposto a necessidade de degustar com prazer os pequenos prazeres: olhar o céu, deixar-me estar a ver o voo de um pássaro, encantar-me com a perfeição de uma flor efémera e campestre, contemplar os muitos tons de verde, ouvir uma música de olhos fechados, pensar naqueles que mais amo, sentir e agradecer a paz à minha volta.
The beauty of living
Wrinkles, lines, scars - there are many ways that time leaves its mark on our bodies. Yet mainstream culture dreads getting older - we are urged to fight the ageing process, and many feel pressure to lie about their age. But as Betty Friedan famously said: "Ageing is not 'lost youth' but a new stage of opportunity and strength."
With age can come confidence, and freedom to realize who we really are. As we age, we grow into a deeper kind of beauty, one which works its way from the inside out. It’s a more authentic beauty because it radiates from within. So let’s celebrate lives well lived. And feel lucky to wake each morning to appreciate what the new day has to offer.
As belas cores italianas feitas de sol, de terra, de mar, de sinais do tempo nas coisas estão ali muito presentes. Há uma harmonia antiga que nos cativa.
Muitas pessoas associam as coisas antigas a mausoléus, a móveis 'de estilo', escuros, sofás de pele escura ou veludos soturnos, tapetes em tons bordeaux escuros, pinturas sombrias com molduras de madeira escura, casas mal iluminadas em que o sol, se entrar, não tem onde se reflectir.
Há ainda quem preencha todo o espaço com móveis, sofás e traquitanas de toda a espécie não deixando espaço de circulação. Ou quem, em contrapartida, deixe espaços vazios, não como um espaço de luz e respiração mas como prova acabada de abandono ou de falta de inspiração.
Em qualquer dos casos, os espaços serão inóspitos, pouco acolhedores, pouco felizes.
Claro que, falando assim, tenho que pensar nas pessoas que têm casas pequenas porque não conseguem pagar maiores e que, portanto, não têm como pensar em decoração quando as primeiras necessidades são as que falam mais alto. Ou nas que mobilaram a casa de uma maneira e agora não têm meios para a renovar. Ou, ainda mais, claro, as pessoas que não têm casa.
Mas sempre haverá quem passe por situações que não lhes permita fazer aquilo que tanto gostaria de fazer.
E, aliás, estou em crer que mesmo para pessoas que gostavam mas não têm como viver em casas organizadas e decoradas de outra maneira, ver casas bonitas pode ser um bálsamo, uma escape, uma porta para o sonho, um pretexto para imaginar outros voos.
O que Isabella Ducrot (nascida em 1931 em Nápoles e agora a viver e trabalhar em Roma) aqui nos mostra é, a meus olhos, extraordinário. Há conforto, há luz, há modernidade, há antiguidade, há uma sã convivência entre tudo, talvez favorecida pela luz clara e serena que a envolve.
E a maneira como ela trabalha, o despojamento, a leveza e harmonia das formas e das cores, o prazer das texturas, do toque, a dimensão arrojada, tudo nela é surpreendente e, ao mesmo tempo, reconfortante (digamos assim).
E já nem falo nos seus 92 anos. Noventa e dois. Senhores, como é bela e jovem e serena esta mulher.
De novo, lamento que o vídeo não tenha legendas em português. Mas o italiano de Isabella é pausado e aberto, percebe-se bem e é muito saboroso. E, para quem não perceba, lá estão a legendas em inglês.
Touring A 16th-Century Italian Palace: Isabella Ducrot’s Private Art Collection | Visitors’ Book
The World of Interiors presents Visitors’ Book with Isabella Ducrot at Palazzo Doria Pamphilj in Rome, Italy. Step inside Isabella’s beautiful 16th-century apartment situated above the prestigious Doria-Pamphilj gallery, as we explore her private art collection.
Together with her late husband, Vittorio Ducrot, Isabella has collected an array of art that reflects their intimate travels — from Giaquinto’s Madonna to a number of Indian miniature paintings. “Our collection of Indian miniatures is the fruit of our travels to India, where we went every year for sixty years.” Watch the full episode of Visitors’ Book as we explore Isabella Ducrot’s slice of the Palazzo Doria Pamphilj in Rome.
Virá o dia, talvez não muito longínquo, em que os russos, em geral, vão revoltar-se contra o que está a acontecer na Ucrânia. Quando as avós, as mães, as mulheres, as namoradas e as irmãs começarem a perceber que os seus bem amados jovens que foram para uma "operação especial" na fronteira e de quem nada sabem afinal não vão voltar, nem vivos e, se calhar, nem mortos, quando souberem que há dezenas de milhares de rapazes russos mortos nas morgues da Ucrânia que a Rússia não reclama, quando for público que, quando tinham tempo, oz próprioz colegaz de armaz queimavam os que tinham morrido ou os escondiam em valas comuns, a revolta vai ser incontrolável. In-con-tro-lá-vel.
Que ninguém subestime a ansiedade de uma mãe que não sabe do seu filho e a sua raiva quando suspeita que alguém o tratou mal. Todas as mães viram lobas, todas as mães lutam seja contra quem for pelos seus filhos. No receio e na raiva de que a vida dos seus filhos tenha sido ceifada, qualquer mãe arrisca tudo -- porque nada mais tem a perder.
Se agora os que se manifestam são presos -- e desde a invasão mais de 15.000 russos já foram presos --, depois será impossível reprimir a revolta popular e prender todos quantos se insurjam. As ruas encher-se-ão de gente que chorará, gritará, exigirá a verdade -- e os corpos dos seus filhos. As mulheres russas não perdoarão o que Putin fez aos seus meninos. Mesmo os meninos que sobrevivem, virão transformados, loucos de arrependimento pelos roubos, pelas violações, pelas torturas, pelas mortes que cometeram. Virão loucos de raiva pelo que foram obrigados a fazer. E as suas mães, as suas mulheres, não encontrarão desculpa para o que Putin obrigou os seus meninos a fazer.
Além disso, a contestação pública começa a ganhar novos contornos: na televisão estatal um comentador militar já teve coragem para assinalar o fracasso da dita "operação" bem como a rejeição mundial generalizada.
Os russos vão acordar. Vão perceber que afinal andaram a ser manipulados, enganados, vão perceber que estão mais pobres, mais isolados e que os seus familiares, involuntariamente, causaram crimes imperdoáveis contra um país que não tinha feito mal a ninguém.
Não vão perdoar.
Cercado, humilhado, derrotado em toda a linha, não haverá, então, quem defenda Putin.
Apenas aqui, na ponta da Europa, encostados ao Atlântico, uns quantos sobreviventes do comunismo lusitano continuarão a defendê-lo. Talvez não mais que uma dezena. Talvez ainda mais uns quantos, que se contarão pelos dedos da mão, de pessoas baralhadas, daquelas que, desnorteadas por teorias da conspiração e filosofias descontextualizadas, nunca sabem bem como interpretar o que se passa à sua volta.
Não sei como vai acabar Putin mas a sua história não terá um final feliz.
Entretanto, mais de oito milhões de pessoas foram desalojadas, muitas das quais fugindo do país, muitas das quais perderam empregos, casas, familiares. Pessoas mortas não têm ainda um número. Vão-se descobrindo. Gente que ficará traumatizada para o resto da vida é algo que talvez nunca se consiga contabilizar.
Gente que viu morrer outros, alguns viram morrer os pais, os filhos, as mães, os irmãos. E gente que viveu com familiares mortos ao seu lado. Dores que não se esquecem nem se perdoam.
E agora mais uma história: um de três irmãos sobreviveu depois de ter sido enterrado vivo. Os irmãos não sobreviveram.
E isto porquê? Porque Putin e a seita que o acoberta têm como ambição reconquistar os países que antes pertenceram à União Soviética, porque Putin e os seus só conhecem a força bruta, porque Putin e os seus ignoram a sua condição humana e a condição humana daqueles a quem destroem.
Há quem pense que deveríamos todos ter achado muito bem que os russos os tivessem tentado matar à fome e à sede, destruindo, en passant, completamente um dos grandes complexos siderúrgicos da Ucrânia. Eu não penso. Há quem pense que são, todos eles, nazis. Eu não penso.
E acho que, independentemente de tudo, são heróis e comovo-me quando penso no que sofreram, tanto, tanto, e na sua inacreditável coragem.
É hoje claro e documentado que se alguns dos militares de Azov são da extrema direita há muitos que são apenas tropa de elite, militares de eleição, certamente muitos daqueles que gostam de lutar até ao fim, gente com alma de comando ou fuzileiro (conheço alguns, daqueles que falam com saudade de quando andavam a rastejar na lama, às escuras, daqueles que passavam fome e sede e não se queixavam, daqueles que achavam, e acham, que se a missão era defender um pedaço de terra ou levar até porto seguro os 'seus homens', era isso que fariam até ao último pingo de sangue).
Estes, nos subterrâneos da fábrica, defenderam os milhares de civis que lá se abrigaram, defenderam os camaradas que caíram feridos, defenderam aquele pedaço de terra, defenderam os corpos dos que morreram e lá ficaram. Defenderam o que puderam até que, humanamente, não conseguiram mais.
E quero aqui dizer uma coisa. Se o meu país estivesse a ser atacado, destruído, se a população do meu país estivesse a ser dizimada, se os russos atirassem mísseis e uma verdadeira chuva de munições sobre o meu país, se os russos quisessem anexar o meu país, se eu fosse corajosa como gostaria de ser eu aceitaria ajuda de quem nos quisesse ajudar a defender a nossa independência e a nossa liberdade, mesmo que fossem de extrema direita. Depois de expulso o agressor, eu e os de extrema direita ou de extrema esquerda ou quem quer que tivesse sobrevivido logo nos entenderíamos.
Contudo, há que ter em atenção que nas últimas eleições na Ucrânia, a extrema-direita ficou-se pelos 2% (quanto teve o Chega...? Tomáramos nós que tivesse tido apenas 2%).
Ukraine does have a far-right movement, and its armed defenders include the Azov battalion, a far-right nationalist militia group. But no democratic country is free of far-right nationalist groups, including the United States. In the 2019 election, the Ukrainian far right was humiliated, receiving only 2% of the vote. This is far less support than far-right parties receive across western Europe, including inarguably democratic countries such as France and Germany.
Ukraine is a democratic country, whose popular president was elected, in a free and fair election, with over 70% of the vote. That president, Volodymyr Zelenskiy, is Jewish, and comes from a family partially wiped out in the Nazi Holocaust.
Ao som de um basso profondo da Rússia, todas as fotografias pertencem ao Guardian (daqui e daqui) com excepção para a segunda que pertence a um vídeo dilacerante, daqui
Serhii, pai de Iliya, chora sobre o corpo do seu filho
Сергей, отец Ильи, оплакивает тело сына
Fotógrafo: Evgeniy Maloletka/AP
Kyrie Eleyson- Ukrainian Orthodox Chant of the XV Century by Kyiv Chamber Choir
Há dois dias, ao falar com a minha filha, um dos meninos, o mais novo, quis fazer-me uma pergunta. Queria saber se eu achava que ia haver guerra nuclear. Nunca lhes minto mas, num caso destes, receio alarmá-los. Creio que disse que não, que acho que não vamos por aí, mas que já não dizia nada pois achava o Putin perigoso.
Hoje estava a falar com o meu filho e, às tantas, ele disse-me que o menino do meio estava no carro e que estavam em alta voz. Presumo que, no meio do percurso e da conversa, tenha ido buscá-lo ao pavilhão em que pratica desporto. O menino disse: 'Não faz mal, eu gosto de ouvir'. Eu e o meu filho fomos conversando. O tema da invasão e da guerra e dos riscos medonhos inerentes a tudo isto assustam-nos a todos. Queremos compreender o que se passa, encontrar causas remotas, causas próximas. No meio da conversa contei-lhe que tinha tido um pesadelo, que estava a passar mesmo por cima de nós uma espécie de avião largo com mísseis. Contei que, quando tinha ido dormir, estavam as sirenes a tocar a Kiev e que, mesmo tão distante, tinha sentido medo. Ouvi o menino a perguntar ao pai o que são sirenes.
Depois da covid e do confinamento e de todos esses medos agora assistem, pela televisão, a uma bárbara invasão, à guerra, à destruição. Não sei que efeito terá isto na maneira de ser de uma criança. Tentamos informá-los, tentamos que se sintam seguros e que cresçam protegidos e muito amados. Mas sabe-se lá.
E o que é isto comparado com o que as crianças ucranianas estão a passar? Crianças sem casa, separadas das famílias, abandonando o conforto das suas vidas anteriores para irem não se sabe para onde, em condições precárias, no meio da confusão, vendo as mães a chorar, cheias de medo.
Enquanto escrevo, tenho a televisão ligada. De vez em quando faço zapping. Não há uma única notícia tranquilizadora. Pelo contrário.
Agora vejo que há um incêndio numa central nuclear, Zaporizhzhya, depois de um bombardeamento russo. Não se sabe ainda o que vai agora acontecer. Pode um quarto do país ficar sem energia, e isso seria dramático, ou pode haver uma desgraça muito mas muito mais grave do que foi Chernobyl. Do que percebo não se sabe se foi mais um crime deliberado ou, o que pode ser provável, uma asneira resultante de impreparação ou desgoverno no terreno. Qualquer das hipóteses é deveras preocupante e péssimo prenúncio para o que ainda pode estar por vir.
Estamos a assistir a uma situação a todos os títulos trágica -- e não me refiro apenas a esta situação agora da central nuclear. Refiro-me a tudo.
É incrível como a segurança da população (não apenas do país atacado mas de todo o mundo) pode estar dependente de um mitómano tresloucado.
Quando me foco em Putin dizem-me que não é apenas o Putin, é todo o seu regime. Mas tenho para mim que é Putin que polariza o ódio que está por detrás desta ofensiva que não é apenas contra a Ucrânia mas contra a humanidade. Ou seja, acredito que caindo Putin, se desconstruirá todo o actual regime autocrático russo.
Estamos a assistir, em directo, ao dizimar de um país. E, no fim, se cá estivermos, faremos o inventário do mais que foi dizimado.
Entretanto, tentando compreender o que se passa e como foi possível chegarmos até aqui e, sobretudo, tentando antever como será possível que este pesadelo acabe antes que mais gente morra e que a nossa confiança na inteligência da humanidade.
Captured Russian soldier cries whilst being allowed to speak to his mother |
Russia-Ukraine war
Russian soldiers have accused Vladimir Putin of using them as “meat shields” and lying to them about their mission, in videos posted online by the Ukrainian Security Service.
One prisoner of war says that everything he was told by his Russian superiors was “bull----” while another breaks down in tears as he says there was no attempt to pick up the corpses of his fallen comrades.
______________________________________-
Ukrainian citizen volunteers take up arms to fight Russian invasion - BBC News
As the Russian invasion continues, thousands of ordinary Ukrainians are volunteering to fight to defend their neighbourhoods, despite many having no previous military experience.
Men between the ages of 18 and 60 are banned from leaving the country and have been urged to fight.
The Ukrainian defence minister says that 25,000 guns have been handed over to territorial defence members in the Kyiv region alone.
_______________________________
Ukraine war: Is Putin’s attack plan coming unstuck? - BBC Newsnight
It's been one week since Russia invaded Ukraine and attacks are intensifying on key cities.
Russian advances have slowed in many places, revealing an army struggling to make progress.
Reports suggest Russian troops near the capital Kyiv have barely advanced in the past 48 hours.
Instead, bombardments have started, as seen in the seizure of of a key port city in southern Ukraine, Kherson.
Does the Russian military has the will, means and agility to finish off this campaign?
________________________________
What are Vladimir Putin’s goals? l ABCNL
What is driving Russia’s offensive in Ukraine? Chris Costa compares the invasion of Ukraine to the Soviet invasion of Afghanistan and other past Russian invasions.
A improvável indiferença pelo conhecimento de si. É o que eu sinto sobre mim e o que aprecio nos outros.
Há pouco passei na rtp2. Não me toques.Touch me not. Mulheres falando de si, um homem que quis ser mulher, uma mulher dizendo que não saberia o que dizer do seu corpo, homens dizendo coisas que talvez façam sentido, mulheres confidenciando sobre medo, raiva. Ouvem-se com atenção. Há silêncios, hesitações. Adina Pintilie quer saber, presta atenção à intimidade descrita. Parece haver ansiedade entre os participantes. Outras vezes, indiferença. Não alegria.
Nada disso me interessa muito pois a racionalização sobre si-mesmo é matéria que me parece frívola. Bem sei que há quem a ache profunda e bem sei que em certas circunstâncias é fundamental para que algumas pessoas possam ultrapassar alguns demónios ocultos. Que seja. Não julgo. Apenas não me identifico.
Não sei se é essencial uma pessoa conhecer-se. Acho que a pretensão do conhecimento de si é uma pretensão estulta. Ninguém poderá alguma vez conhecer-se. Nem que todas as suas células fossem desdobradas e mapeadas e estudadas à lupa, nem assim alguém ficaria com o conhecimento de si. Não somos células, somos bem mais que isso. Não somos memórias, somos muito para além disso. Mesmo que descodificássemos as nossas emoções ficaríamos na mesma: somos muito mais do que isso. Somos a mais pura abstração. E, para melhor nos identificarmos com abstrações, deveremos olhá-las de longe, sem as querer perceber ou interpretar. A interpretação de uma abstração não é apenas um exercício desnecessário: é, sobretuto, absurdo. Deveremos manter-nos desconhecidos, misteriosos, relativizar-nos, olhar-nos de longe, ignorarmo-nos.
Digo isto sem certezas, só com intuições. Há quem ache que o passado deve ser desenterrado, escalpelizado, interpretado. Mas eu tenho dúvidas. Não é preferível pensar, antes, no futuro? Não é preferível apostar antes na tolerância, na generosidade, na capacidade de ver o outro lado, na ousadia?
Não sei.
Se uma mulher não sabe sobre o seu corpo, em vez de tentar perceber as causas desse desconhecimento, não seria preferível incentivá-la a ousar, a arriscar, a perder o medo ou a vergonha e, sobretudo, a deixar de pensar tanto no assunto?
As palavras são importantes mas devem ser como véus que se vão deixando cair. Quando, pelo contrário, as palavras são usadas como véus que se vão colocando sobre as emoções, sobre os sentimentos, então é como se fossem escolhos que se vão colocando no caminho.
Que interessa ter a pretensão de conhecer o corpo? Conhecer como? O corpo muda ao longo do tempo. Conhecer o que faz bem ao corpo? Como? A cada dia que passa vamos descobrindo novos benefícios de cuja existência antes nem suspeitávamos.
Entrar no mar, mergulhar. Nadar. Apanhar sol na pele nua. Sentir umas mãos sobre o nosso corpo. Ouvir um poema. Beber um sumo fresco num quente fim de tarde. Ouvir contar histórias cheias de mistério. Entrar numa montanha.
Tudo melhor do que falar sobre o próprio corpo, sobre si.
Na rtp 2 vejo agora um encontro de excessos. Corpos nus como que exorcizando fantasmas. Também não me interessam. Há alheamento, alienação nisso. Ou exploração e condescendência face à diferença. Não me identifico. Prefiro os momentos simples, animais que se procuram. O corpo prefere o silêncio. Quanto muito, um poema dito, quase num murmúrio, ao ouvido. Ou, quase em silêncio, rente à pele. As palavras, quando são demais ou quando acontecem em momentos inoportunos, são mera poluição.
Mas, lá está, posso estar enganada. Se calhar não percebi nada.
No fim, a mulher, nua, dança. Os pesados seios dançam também. A mulher ri, os seios também. Disso eu gostei.
_________________________________
As pinturas são, respectivamente,:
Red nude, Marino Mazzacurati, ~1936 circa
Lily and the Sparrows, Philip Evergood, 1939
Portrait of Madame Tallien, Jean-Bernard Duvivier,1806
Portrait of the Dancer Aleksandr Sakharov, Alexej von Jawlensky, 1909
Saint Sebastian, Bronzino, ~1533
Sleeping Woman, Alexej von Jawlensky, 1910
na companhia de Hildegard von Bingen que compôs De virginibus
Grande parte da minha vida profissional tem sido passada maioritariamente entre homens. Conheço bem a sua maneira de agir, em geral. Em lugares de gestão ou de poder, a larga maioria, a esmagadora maioria, é de homens. Durante muitos anos eu era a única mulher numa equipa de gestão totalmente masculina. Aliás, toda a sociedade foi, até há não muito, uma sociedade maioritariamente dominada por homens. Se calhar até deveria dizer: até aos dias de hoje. Basta ver a percentagem de mulheres que, por cá, já ocuparam os primeiros lugares da hierarquia de Estado. Se arredondar às unidades, zero. Na Igreja, então, o atraso de vida é ainda maior. Nas Forças Armadas, idem.
No entanto, tenho que reconhecer que, apesar de tudo, tem havido consideráveis avanços. Custa até pensar como, até não há muito, as mulheres não podiam votar ou careciam de autorização do marido para exercer direitos que hoje parecem básicos.
Mesmo se me situar no domínio das artes, ao longo dos tempos, quantas mulheres artistas ocultaram a sua identidade pois também não era aceitável que as mulheres pudessem ombrear com os homens na criação artística?
Como foi possível que os homens exercessem tão absurdo domínio durante séculos é enigma dificilmente explicável.
Com o pretexto da sua maior força física e com notável espírito de corpo, os homens blindaram todo o espaço que tinham ocupado recusando a entrada das mulheres. No fundo, os homens sentem-se intimidados perante as mulheres. Sentem-nas imprevisíveis, destemidas, versáteis, ousadas, persistentes, determinadas e sabem que, perante uma mulher desinibida e focada num objectivo, pouco podem. Temem-nas, não o duvido. Sabem que, além disso, as mulheres encerram mistérios, sabem de manhas ancestrais e sabem fazer uso de forças que lhes nascem das entranhas. Os homens temem as mulheres por tudo o que elas são.
Podem os homens, nos bastidores, fazer grupo, uns com os outros, fingir que desdenham delas, ensaiar ares de superioridade, gozar com o que dizem ser os seus humores ou hormonas. Mas é tudo disfarce. No fundo, sabem que jamais terão pior adversário do que uma mulher que lhes faça frente.
Pretextos, enredos, intrigas, tudo tem servido para manter as mulheres a bom recato, inofensivas à força. Quando penso que tempos houve em que o sangue menstrual era pensado como impuro, motivo de repulsa, motivo para o afastamento das mulheres... Como é possível? Impuro o sangue que sai do ventre de uma mulher? Como pode ser impuro? Quando penso que talvez ainda hoje se preterem mulheres para algumas funções por poderem ter filhos, afectando a sua produtividade... Como é possível...? Há lá mérito maior do que poder gerar uma vida? Como falar de improdutividade a propósito de alguém que produz uma vida?
Só por ignorância, obscurantismo ou muito medo alguém pode pensar assim.
Gostava de ainda poder ver, no meu País, uma mulher como Primeira-Ministra ou como Presidente da República. Ou, no mundo, uma mulher como Papisa, talvez não entre os luxos do Vaticano mas num lugar modesto.
O mundo seria um lugar tão mais de paz, tão melhor, haveria tanta mais criatividade e generosidade se houvesse mais mulheres em lugares de poder.
Eu sei que a própria palavra 'poder' tem más conotações, como se fosse sinónimo de ganância, prepotência, nepotismo, coisas que tais. No masculino, de facto, muitas vezes é bem assim, Mas 'poder', no sentido que aqui refiro, significa apenas influir ou determinar o rumo das coisas.
Por isso, foi com particular prazer que ouvi as palavras de Eduardo Galeano no vídeo abaixo. E a música que acompanha as palavras também é de se lhe prestar atenção.
La vida según Galeano
________________________________
Fotografias de Alba Yruela ao som de O viridissima virga, Hildegard Of Bingen
Será talvez por preguiça ou comodismo que não vão conhecer-se lugares lindos que, facilmente, se podem ver indo e vindo no mesmo dia. Isto, bem entendido, para quem tem meios de locomoção e condições para o fazer.
Faço esta observação porque tendo a escrever como se todas as pessoas que me lêem tivessem condições idênticas às minhas. Mas basta a gente andar pelo interior do país para perceber que uma coisa é viver numa cidade grande, onde, mal ou bem, se pode fazer quase tudo o que se quer e outra é viver numa aldeia ou numa pequena vila em que as possibilidades de tudo são, a todos os níveis, bem mais escassas.
Acabei de vir de lá e já estou com vontade de lá voltar. Não é a primeira vez que passeamos por aquelas bandas. Mas o país é tão micro maravilhoso que a gente pode estar por ali perto e ficar sem conhecer lugares lindos mesmo ali ao lado.
Quando começo a escrever penso que tenho que me conter, dosear nos adjectivos. Penso que quem não vê as coisas com um olhar inocente como o meu, é bem capaz de achar que exagero, que não é nada assim como o descrevo, transbordante de belezura. Mas, mal começo, já estou a contar tal como a minha cabeça processa o que vê, uma torrente de encantamento.
Atrás do comboiozinho feito de troncos de madeira, a escada que leva ao Cantinho do Alfredo
Esta segunda-feira, mal acordei fiz o que faço quase todos os dias: fui ver a rua, banhar o olhar nas águas do rio. Mas desta vez o rio era outro. Chovia e estava frio, não consegui ir para a varanda. Fiquei à porta do quarto e, com a máquina, ia aproximando a imagem até onde a minha visão míope não alcançava. Os patos que voavam e desciam para continuarem deslizando, aproveitando a corrente, os ramos nus e argênteos das árvores, os pássaros que atravessam os ares soltando gritos que se perdem entre as ramagens -- e eu, quase em êxtase, longe de tudo, apenas e toda ali. Eis senão vi uma coisa estranha, clara, por vezes quase parecia que era luminosa, uma coisa que vinha à superfície, ondulando sob e sobre a água. De vez em quando levantava a cabeça, quase como um periscópio branco e orgânico. Quis fotografar e quase não consegui. Estava distante, as águas corriam, a coisa serpenteava e a chuva ainda menos ajudava. Impossível de focar. Pensei que estava a ver o monstro de Loch Ness mas em ponto pequeno, talvez uma cria do dito. Agora estive a ver as tentativas de fotografia e o melhor que consegui foi isto que aqui abaixo vos mostro. E reparo agora como a coisa é comprida. E diga, sem souber, de que se trata. Uma lampreia?
Mas hoje quero contar-vos a visita que fizemos ao Lorvão. Estando nós instalados sobre um braço de rio na Barragem da Aguieira e tendo tão pouco tempo, circunscrevemo-nos aos lugares mais ou menos em redor, que são vários e todos lindos.
Um deles foi o Lorvão. Parece um daqueles lugares mágicos, envoltos em esquecimento, em neblina e em beleza. É certo que o dia chuvoso ajudou à imagem mas estou em crer que, mesmo em dias de sol e calor, a beleza se mantém.
Dado o adiantado da hora, não vou deter-me no Mosteiro que é imponente, austero e que, para falar francamente, me pareceu triste e meio abandonado, com um senhor com cara de poucos amigos a enunciar que poderia fazer uma visita. Uma vez mais fiquei com pena. O País tem obras extraordinárias e tantas delas são pouco conhecidas, mal divulgadas.
Mas do que quero falar é do Cantinho do Alfredo. Instalado numa sala do mosteiro aberta ao exterior, ali está o Mestre Alfredo, artesão de Lorvão, fazendo as suas peças em xisto e madeira que representam a memória do lugar.
Segundo ele, muito do que as freiras fizeram, casas no exterior do mosteiro, está hoje ao abandono. E ele, com a ajuda de fotografias ou da sua memória ou da memória local ou dos conhecimentos do historiador da terra vai tentando reproduzir. E com que pormenor e cuidado o faz e com que entrega delas fala. Tem também peças para vender e eu trouxe uma casinha de xisto.
Mas a graça maior de tudo aquilo é que as peças têm vida, a água corre, a nora move-se, as luzes acendem-se. Mostrou e explicou cada peça, com orgulho no seu trabalho e na beleza da sua terra e, ao mesmo tempo, mostrando preocupação pelo abandono das coisas, pela terra com pouca vida, com receio de que tudo se perca.
E, lá dentro, mostrou-nos também a terrível roda dos enjeitados, mostrando como funcionava. Tempos de miséria. Olhei sentindo tristeza por todas as mães que ali foram entregar os seus bebés por não terem como criá-los.
No fim, perguntei se me autorizava a fotografá-lo e logo se dispôs a isso. Não tem mail para eu lhe enviar as fotografias ou o link para esta minha humilde homenagem mas talvez lhe escreva um postal a dizer-lhe que gostei muito de conhecê-lo.