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terça-feira, maio 09, 2017

Acho que hoje, por aqui, a noite não está estrelada, Vincent


Leio que Vincent Van Gogh não estava certo da sua arte e que, de cada vez que pintava uma coisa, achava que era um fracasso.

Tal aconteceu também com The Starry Night. Achou que era obra sem préstimo. 




Consta que, de facto, apenas vendeu um único quadro enquanto vivia. E se era um pintor prolixo. Apesar de apenas ter pintado durante dez anos (entre os 27 e os 37 que tinha quando se suicidou), deixou cerca de 900 pinturas e mais um monte de desenhos e esboços, num total de cerca de 2.000 trabalhos.

Igualmente prolixo a escrever, foram também da mesma ordem de grandeza as cartas que escreveu, nomeadamente ao seu bom irmão Theo. Nas cartas ou postais, por vezes fazia o esboço do que estava a pintar e escrevia sobre isso.


Lendo sobre isso e vendo as suas cartas e constatando a prolixidade, fez-me lembrar a Gina G. que também fotografa, cria e escreve e descreve. E não venham os puristas dizer-me que a Gina está a milhas do Vincent porque não sei, não -- e, de resto, acho que a vida não tem que ser um pódio nem sequer há uma única escala. Gosto imenso de ver a torrente criativa das palavras da genuína Gina, das suas fotografias tantas vezes surpreendentes. Tudo lhe é motivo, tudo ela transforma em algo que, depois, partilha com o mundo. E é sempre uma surpresa e uma graça (mesmo quando há alguma sombra a toldar-lhe os dias).



Na altura, também havia muito quem achasse que o que Vincent não tinha a ver com nada. Ainda hoje o que não devem faltar são pessoas que, perante uma 'noite estrelada' ou uma jarra com girassóis, pensam: 'Tretas, como se eu não fosse capaz de fazer igual. Não, igual não... Qual igual...? Melhor, muito melhor'


A vida muda a perspectiva segundo a qual observamos o mundo. 

Lembro-me de, em tempos, uma prima me ter recomendado uma exposição da Paula Rego e de eu, com inabalável convicção, lhe ter dito que nem pensar, que não gostava nem um pouco da obra de tal pessoa. Hoje acho-a extraordinária.


Identicamente lembro-me de, numa outra vida, ter ido ver uma exposição de Miró e de ter vindo de lá desconcertada. Nada daquilo parecia fazer-me sentido. Tempos houve em que eu procurava o sentido de tudo e, não o encontrando, rejeitava-o. A vida tem vindo a ensinar-me que o sentido das coisas não tem que ser percepcionado para que as coisas nos emocionem. Agora gosto imenso de Miró. E gosto especialmente se olhar para as suas pinturas sem tentar reconhecer o que quer que seja. Acho que há uma elegância intrínseca, uma leveza, uma harmonia cromática e espacial. E uma simplicidade que afasta pretensas explicações.


Não será exactamente pelos mesmos motivos que gosto de Miró e de Paula Rego. Na Paula Rego é outra coisa, aí penso ser a afinidade -- e o grão de loucura, o agudo sentido de observação, a ironia, o desprendimento em relação à opinião alheia.

Igualmente era completamente insensível em relação à pintura renascentista. Nos museus passava por essas salas sem me deter nem um minuto. Agora, não que seja de minha predilecção ou que lhe seja particularmente sensível, mas já olho, já tento encontrar alguma estética que, de alguma forma, chegue até mim.  No entanto, ainda não cheguei completamente lá. Tudo o que me pareça querer ser fiel à realidade me maça. Se algum ângulo de visão ou alguma figura é imprevista ou parece deslocada no contexto, então já talvez me desperte interesse. Procuro o que é incomum, desconhecido, incompreensível. Procuro o que não existe a não ser ali.

Parte de O Juízo Final - Fra Angelico
(E desta parte eu que gosto bastante)

Somos diferentes uns dos outros e somos diferentes ao longo das nossas idades. O meu gosto tem vindo a evoluir no sentido do despojamento, do silêncio.

Rothko, claro. Mas muitos outros. Contudo, quando penso na atracção pela pintura do nada e do silêncio, é em Rothko que logo penso.


No entanto, acho que o meu sentido estético sempre assentou numa matriz de desconcerto. Lembro-me de ser bem miúda, ainda desconhecedora de tudo, e ter visto numa revista uma imagem que me fascinou. Recortei-a. Pedi à minha mãe para a emoldurar. Ela fez-me a vontade. Uma moldurinha pequenina. Era de Paul Klee. Não fazia ideia, na altura, de quem fosse. E, no entanto, era como se fosse coisa que me fosse familiar, um ser imaginário que existia sem propósito, apenas para estar ali. Um mundo perfeito onde tudo tem lugar, sem explicações.


E estava eu a ler o texto 10 Things You Might Not Know About Vincent van Gogh no Google Arts & Culture quando reli que uma das músicas de que muito gosto tinha sido inspirada em Van Gogh. E lembrei-me de como, não há muito, dei por mim a sentir-me como tantas vezes me sinto: a mais burra de todas as burras. Parece que, por vezes, sou distraída para além do que é normal e admissível. A desatenção das coisas faz-nos ignorantes e, talvez por isso, tantas vezes distantes.

Por inacreditável que possa parecer nunca, antes desse dia, tinha reparado que a canção se referia à pintura de Van Gogh e a ele mesmo. E se a ouvi e ouvi. Gostava sem motivo racional, sem pretender descortinar-lhe o sentido, gostava apenas por gostar. E, no entanto, depois que o soube, parece-me tão estupidamente óbvio que não compreendo como é que nunca o tinha percebido.

Mas, enfim, as coisas são o que são e nem vale a pena tentar perceber tudo o que nos rodeia. Muito menos o que se passa dentro de nós.

Fresh snow in distant mountain by Okuda Genso

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Sobre pinturas de Van Gogh, A Prayer de Max Ehrmann lido por Tom O'Bedlam


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Um dia feliz a todos quantos por aqui passam.

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