Isto deve ser praga. Se não for praga, é sono. Alguma coisa é: tinha aqui uma incumbência para cumprir e, talvez porque intimamente estava era numa de vão-se catar, encostei a cabeça para reflectir no assunto -- e foi tiro e queda: desliguei na hora.
Portanto, agora que passa bem da meia-noite, continuo com a incumbência tal como a trouxe e, acabada de acordar, o meu estado de espírito evoluíu para faço, faço...vão mas é dar banho ao cão.
De vez em quando ainda deito um coup d'oeil à obrigação aqui pousada a meu lado mas o meu contumaz relapsismo encarrega-se de me desobrigar. E, em surdina, quiçá até tomada pelo espírito Maio de 68, penso: que se danem as obrigações.
E foi, nesta linda e pouco recomendável disposição, que -- em vez de ir trabalhar, fazendo de conta que o dia útil tem para aí umas vinte horas -- me pus a ver fotos dos vestidos mais surpreendentes que este ano passaram por Cannes.
Para quem não saiba, em Cannes há moda, ousadia e irreverência e, sobretudo, vestidos que passeiam as donas.
De cada vez que vejo os fantásticos desfiles, penso na decepção que senti quando vi pela primeira vez, in loco, o lugar por onde tanta diva todos os anos desfila. Imaginava um edifício enorme, imponente, uma estonteante escadaria. Qual quê. Pensei: na volta é a força do make-up que ali se concentra e o barulho das ofuscantes luzes que transforma um espaço que mais parece mixuruco numa deslumbrante mini-hollywood.
Mas isso agora não vem ao caso até porque ilusões há-as em Cannes e em todo o lado.
O que vem ao caso é o seguinte. Conto.
É que estava eu, euzinha, aqui nisto, avaliando se poderia usar algum daqueles modelitos da próxima vez que fosse passear à beira-rio -- e, neste tranquilo preguiçar, vendo toda a espécie de beldades, actrizes, modelos e ex-modelos, de decote à frente e atrás e de lado, perna ao léu por dentro e por fora do vestido, tecido meio transparente, totalmente transparente, de rendas, de flores ou de fresca alvura -- quando a minha boca abriu e o meu queixo caíu.
E ainda assim permanece.
Depois racionalizei e acabei a pensar: pronto, achei. É este mesmo. Era mesmo assim que eu ia, se calhasse ter um chá dançante à beira-rio.
Mas, calma, com sapatos de descanso ou alpercata é que não. Vestidinho assim só com sapatinho de salto alto. Tirando isso, é perfeito.
Bem. Perfeito, perfeito... não será. É que é pena ser preto. Roupa preta aquece e sou encalorada. Mas talvez em branquinho fique mais fresquinho, pensei. O pior é que um modelo assim em branquinho não favorece, não disfarça algum pouco de pneu a mais que o preto, parecendo que não, sempre faz parecer que não é tanto. Aliás, sabido é, com um vestidinho preto nunca me comprometo.
Porque o preto, sim, o preto ajuda. Oh la la, se ajuda. (Refiro-me ao vestido, bem entendido). Embora... Claro que, por vezes, não chega. Parece que no caso da coxa grossa não basta mas, enfim, sem o tule, na volta, sabe-se lá, capaz de ficar ainda pior.
Portanto, não sei não. Sendo eu, não sei como optaria. Claro que a minha filha é mais conservadora que as meninas Cátia e Elma que, pelo que se sabe, são todas prá frentex. A mãe deve dizer destapo e elas devem desatar aos risocos e às selfies e a dizer: destira, destira tudo!!! A minha filha, não, a minha filha haveria de tentar que eu desousasse, que convencionasse, tentaria forçar-me a ir mais normalizada, aconselhar-me-ia a ir na base das flores, do decote tapadinho, das coxas a bom recato. Estou mesmo a ver. Coisa na base do mesmo sem gracinha nenhuma. Assim como aqui a Cate. Puxa vida, que contraste para a Dona Dolores que essa, sim, se apresentou gloriosa.
Mas, na volta, Dona Dolores, vampe de orgulhosa coxa grossa, também timidou e, à última, resolveu tentar ocultar o pernão, pôr umas leggings em transparência mas num tonzinho para que a celulite não fosse divisável e, em vez de se apresentar de fogosa de mini-saia, apareceu assim, com as pernas de sua graça meio encobertas.
Mas pronto, ia gira sim senhor.
E, sem ironia, imagino que ia feliz da vida -- e isso é que interessa.
As cagonas que se roam.
____________________________________________
E agora que vou pôr o despertador para daqui a nada -- porque nasci para sofrer e volta e meia há gente do piorio que me obriga a madrugar -- vou raciocinar se isto de me aparecer aqui a Dona Dolores Aveiro, de corpinho bem feito quase todo ao léu, no meio das divas e vampes que desfilaram na Croisette, é coisa normal ou se é uma das muitas derivadas do louco mundo do futebol
___________________________________
_____________________________