terça-feira, julho 31, 2018

Depois de uma bela sardinhada acabada de chegar da xávega, cultura geral da boa.
É como nas sardinhas assadas: é tudo útil. E bom.



aa

Vejam-me lá vocês bem se o algoritmo do youtube não é do mais inteligente que há. Percebendo que não estou para dramas, dissertações, evasões ou para falar de figuras efémeras e irrelevantes como o tal do robles especulatrix, agora deu em sugerir-me truques domésticos super úteis, verdadeiros ovos de colombo. E eu ponho-me a ver de gosto e nem dou pelo tempo a passar.

À hora a que começo este meu turno da noite já não estou com inspiração ou energia para muito mais do que ligar o computador e deixar que alguém me entretenha, sendo que este alguém pode muito bem ser um algoritmo. A esta hora até aceitava que aqui se sentasse ao meu lado, mas a alguma distância para não me dar calor, um boneco equipado como deve ser (calma -- refiro-me à inteligência artificial). Podia ler-me poemas ou fazer-me rir. Mas fazer-me rir sem ser na base das cócegas: tudo na base do intelecto, nada de pôr as mãozinhas aqui em cima da je. Com o calor que está, só se tivesse as mãos devidamente refrigeradas. Aí, sim, aí teria umas quantas mais-valias para se fazer valer.

Bem. Adiante.


Cheguei há pouco a casa. Por volta das oito e tal da noite, estávamos nós quase a terminar a nossa caminhada, começámos a equacionar o que haveria de ser o jantar. Pensei em pescada cozida. Comprei uma pescada de anzol, fresquinha, boa -- gabei-a eu. Mas o meu marido não estava afim. Ainda fazeres peixe cozido a esta hora...? Falei, então, no resto da carne do almoço de domingo. Seria uma alternativa. Havia arroz. Fazia uma salada. Franziu-se. Lembrou-se, então, de piza em forno de lenha, aquela boa com chèvre, frango, nozes. Estávamos nisto, ouvi chegar uma mensagem. Pensei que fosse a minha filha a mandar alguma fotografia dos meninos. Não. Era o meu filho a dizer que tinha acabado de trazer sardinhas e cavalas da xávega da Costa e que ia assá-las, para lá irmos. Ainda hesitámos: ia fazer-se, outra vez, tarde. Mas depois, olha, fomos. Em boa hora. Por todas as razões e mais uma: belas, gordas, boazonas. Não provei as cavalas: os meninos é que as comeram. Os adultos ficaram-se pelas sardinhas. Mesmo gordas. Fresquinhas, fresquinhas. Com batata cozida com pele, salada de tomate biológico, pão saloio.

Claro está que o bebé também comeu de gosto -- e sozinho. No fim, comemos melancia e o bebé idem, até se fartar. Um prazer ver aquela criança: tão bebé mas tão divertido, tão independente.

Os meninos contaram que, na véspera, ao fim da tarde e início da noite, tinham estado na feira com os primos e depois o meu menininho mais lindo, o mano do meio, chegou-se a mim e disse-me: 'Sabias que eu gosto muito de estar com os primos?'. Abracei-o e disse que sim. É das minhas maiores alegrias: ver como gostam tanto uns dos outros.

Depois da jantarada, fomos para a sala dançar: disco time. Eu, a menininha e o seu mano baby. O mano do meio estendeu-se no sofá, estava cansado. Perguntei-lhe se não gostava de dançar. Respondeu que não, que gostava mais de jogar futebol. Pensei: quem sai aos seus... O pai e o avô também estavam refastelados, a ver. Também gostam mais de jogar futebol. E a minha nora, cansada, a precisar de férias, ainda deu um arzinho de sua graça mas depois deixou-se cair, a descansar.

Portanto, com isto, como comecei por dizer, mais uma vez chegámos tarde a casa. Por isto ou por aquilo, é sempre este forró. Mas quando é por um bom motivo, está tudo certo.


E já estive a arrumar roupa e a preparar as coisas para amanhã e, quando aqui aterrei, pensei que para ser ainda melhor era se já estivesse de férias. Que soneira do caraças, credo. Ainda por cima, a noite passada dormi mal, estava sem sono. Na volta foi porque tomei café a seguir ao almoço e já não era cedo. Comigo, café só antes de almoço.


E foi aí, apeadésima e podre de sono, que apelei aos bons ofícios do Youtube -- e que ele, safado e espertalhão, me sugeriu o vídeo que agora vos mostro. Coisas úteis, úteis. A sério. Dá gosto ver. Aprendo imenso. Juro.


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As bonecas sexuais que plantei no meio do texto são feitas numa fábrica chinesa e estão equipadas com inteligência artificial. Reagem, gesticulam e mantêm uma conversa. Consta que o vocabulário é curto mas que os donos não se queixam. Estão aqui deslocadíssimas, concordo, mas apeteceu-me tê-las a ver se fazem pendant com a inteligência do algoritmo do Youtube.

segunda-feira, julho 30, 2018

Coisas complicadas como a vida da gente.
Coisas simples como limpar a casa em poucos minutos.




Eu gostava de ser capaz de escrever aforismos que me ensinassem as coisas importantes da vida. Em vez disso, escrevo lençóis que não me ensinam nada.

Devia saber destilar as frases, encontrar a essência das palavras. Mas não sei. Em vez disso entreteço longas meadas de coisa nenhuma.


Também gostava de perceber o que os outros tramam sobre a minha vida mas, em vez disso, não presto atenção e estou sempre a ser surpreendida. Eu a pensar que nada e depois chego à conclusão que pensaram e repensaram e chegaram à conclusão que tinha que ser eu. E eu sempre tramada. 


E gostava de saber cavalgar as ondas, esforçando-me menos e aparentando mais. Em vez disso, luto contra a onda, atravesso a onda, enrolo-me na onda. E vejo os outros, frescs, sem mexerem uma palha, a aparecerem todos ladinos, a cavalo nelas. Espertalhões. E eu, burra, toda esfalfada, toda ensopada. Meto água.


Vivo rodeada de gente pouco inteligente que gere a sua vida de forma mais inteligente que eu. E ainda não descobri como se resolve essa curiosa equação. 


Penso às vezes: chegará o dia em que este mundo deixará de ser o meu. Terei que hibernar, deixar-me estar entre livros, entre árvores, entre bichos. No outro dia, um dos meninos disse que queria ser futebolista e ganhar muito dinheiro. A mãe disse que poderia não conseguir ser muito bom e que, assim, não ganharia muito. Ele pensou e disse: Imagina que eu ia para o Arsenal... O irmão, que ouvia a conversa, disse: Podia ser Youtuber. E eu não fui capaz de dizer nada. Não percebi aquela observação do Arsenal e quase me arrepiei com a sugestão do irmão. Coisas estranhas as que se passam à minha volta. Sinal de que os tempos são outros e que talvez eu não esteja a ser capaz de os acompanhar.


Chego a esta hora e não consigo tentar que a conversa pareça ter algum sentido. Sai como sai.

Acabei de ver a repetição do Marques Mendes na televisão. Não consegui prestar atenção. Nada do que ele diz me parece relevante. Fala de gente irrelevante e relata factos irrelevantes. A televisão está cheia de gente irrelevante. Espreito as notícias e é o mesmo. A comunicação social desligou-se do mundo real.


Mas se calhar o meu mundo é que já não é real. No outro dia, uma pessoa que conheço, já de uma certa idade, contou-me que nesse dia, à tarde, ia a um sítio. Que tinha visto no facebook e que, no dia seguinte, para surpresa dele, lhe tinham ligado a convidá-lo. Que ele não sabia o que era mas que ia ver. E estava todo animado. E eu, por dentro, só pensava: Olha que burro. Mas não disse nada porque pensei que se calhar a burra sou eu.


Mas tudo isto são coisas complicadas. Dilemas metafisicos, filosofias de pé descalço, areia a mais. E, na verdade, não chego lá. Só me apetece pensar em coisas simples. Mezinhas caseiras, truques simples e úteis, conversinhas brejeiras ou infantis. Talvez para trazerem alguma coisa fácil para a minha vida que anda tão cheia de reviravoltas e complexidades. Penso: vou transformá-las em coisas boas. Mas não sei como.

Então, entretenho-me a ver vídeos como o do post abaixo (regras de vestuário para homens e mulheres) e como este, já aqui, e aprendo imensas coisas úteis.

20 maneiras de limpar a casa em poucos minutos



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Os animais vieram até mim pela mão de Yago Partal e ao som do Lamento di Ninfa, coisa de Monteverdi [que, quando perceber onde veio parar, deve espernear a valer (lá onde estiver)]

Regras de vestuário que, de uma vez por todas, homens e mulheres deveriam seguir


Agora é mais tempo de férias do que de regras de vestuário. Mais: com o calor que aí vem está mais para nos despirmos do que para nos vestirmos. Mas eu é que tenho a cabeça também de férias e não me dá para temas muito cheios de robles, blocos imobiliários (leia-se: BE's), especulatrixes e outras capitalices travestidas de esquerdices. Talvez aconteça que, um dia destes, os meus neurónios espevitem e apareçam aqui para dar ar de sua graça mas, até lá, com vossa licencinha, fico-me pelo básico do básico. De resto, conselhos úteis não fazem mal a ninguém mesmo que eu não cumpra alguns dos que sei e ressei que devem ser seguidos. Por exemplo, o número máximos de botões que uma mulher decente pode desabotoar. Paciência. Sou encalorada e, se isso significa que sou indecente, azarinho. Não gosto de me ver com camisas abotoadinhas à beata de sacristia e, por acaso, não desfazendo, até acho que a indecência me fica bem. Mas, tirando isso, acho que é tudo para levar a sério.

Aquilo dos homens com meiinha curta, por exemplo. Desagradável. Traçam a perna e a gente fica a ver-lhes a perna cabeluda. Não fica bem. A meia deve ser de cano alto. Mesmo que não completamente alto, pelo menos medianamente alto. Ou os que andam com a ponta da gravata abaixo do cinto. Disparate. Pior: os que a usam acima: ridículo. Ou as mulheres que se apresentam espalhafatosas como uma com quem estive em reunião na semana passada: saia curta preta, camisa branca. E até aí tudo bem, embora, para não ficar triste, precisasse de uma escapatória. O pior e que não havia uma ecapaória mas várias e todas horríveis. Um rabo de cavalo exeuberante, uns lábios muito encarnados e umas unhas de tipo nail, grandes,diria mesmo: horrivelmente enormes, bicudas, com aspecto plastificado, em azul cueca mas com variantes, umas em opaco, outras em transparente com enfeites. E para o nonsense ser ainda mais espaventoso, um anel tipo cachucho com um pedregulho de cor amarelada. E, imagine-se, para descondizer, uns brincos tipo candelabro em verde bandeira. Tudo ali era contraditório, demasiado e de mau gosto.

Portanto, madames, mademoiselles e cavalheiros, queiram prestar atenção. É para vosso bem. Vão por mim.


domingo, julho 29, 2018

Em dia de casa cheia, já que vos falo em pilhas inesgotáveis, alguém que tenha vivido os tempos do sing, sing, sing, me diz se aqueles ali tomavam drunfos ou se aquilo era o seu estado normal?


Estou aqui a ver o Versailles sem atenção nenhuma -- primeiro porque estou com um bocado de sono e, segundo, porque estou com fome.

Não que não tenha comido o suficiente: comi. Acho que comi normalmente. Mas, como sempre acontece quando estou em clima de uma certa barafunda, parece que o meu cérebro não assimila que comi ou, então, tanto é o consumo calórico que tudo o que como se transforma instantaneamente em energia que se dissipa nos interstícios não sei de quê.

Tive casa cheia, de manhã à noite. Levantei-me cedinho e, antes que chegassem, já muito estava feito.  Se não é assim, está o caldo entornado. E, mesmo assim, já vários cá estavam e já os ouvia a cirandar por todo o lado e eu na cozinha.

Portanto foi almoço, lanche e jantar. Mais um aniversário. Desde há algum tempo que os festejos são semana sim, semana sim.

Uma alegria e, pelo meio, brincadeiras, de toda a espécie, cantorias, danças, coreografias, jogos. 

Desta vez, na rua, para brincadeira, pistolas de água. O bom e o bonito. Para além das mangueiradas, desta vez esta novidade das pistoladas. Com adultos à mistura, de tocaia. E kung-fu. E futeboladas, claro: remates e defesas a preceito. E dois deles, num banco de pedra, a lerem (ambos o Diário de um Banana -- deve ser literatura viciante porque nem queriam interromper). 

E, em todo o lado, o bebé no meio. Palra e corre e sobe e desce escadas e brinca e ri e anda atrás dos crescidos, sempre enturmado, sempre participativo -- mas, como é óbvio, requer acompanhamento permanente para não ser atropelado pelos outros ou para não se magoar.

A verdade é que com tudo isto, depois de almoço -- e depois da sala de jantar e da cozinha arrumadas e enquanto a criançada estava mais aquietada, o bebé ao colo da mãe no sofá da sala da televisão e os outros não me perguntem como ou a fazer o quê -- me deu uma tal pancada que me reclinei num sofá e, imagine-se, adormeci instantaneamente. Volta e meia com algum barulho maior, acordava e tentava manter-me desperta mas logo voltava a cair no sono. Devo ter dormido quase durante uma hora. Quando acordei, o bebé dormia ao colo da mãe na outra sala e o resto do pessoal estava todo lá fora. Fez-me bem dormir. Acordei revitalizada e preparada para o segundo round. 

O tempo esteve muito agradável, um solzinho ameno, um calorzinho suave. As meninas crescidas conversaram e apanharam sol, os meninos grandes estenderam-se ao sol ou jardinaram, os meninos pequenos, detentores de pilhas inesgotáveis, brincaram ininterruptamente.

Pouco depois já estavamos (quase) todos, de novo, à volta da mesa, a lanchar, e depois tudo lá para fora, de novo, e, à noitinha, banhos e jantar. O bebé, que ainda nem ano e meio tem, já come praticamente sozinho. É uma debulhadora de fruta. A seguir ao jantar, andava a querer qualquer coisa que estava em cima da bancada da cozinha e eu não conseguia acertar. Perguntei se era pão: não. Se era bolacha: não. Se era o telemóvel: não. Já estava desnorteado comigo. Afinal, queria outra banana. Dei-a para a mão e foi um ápice enquanto a despachou. Isto depois de já ter comigo pêssego. E o pêssego a segir a carne à bolonhesa. Come tudo o que lhe dão. Mas, quando não quer mais, pára e, se insistimos, desorienta-se logo.

Quanto aos manos e primos, como diria a minha avó, benza-os Deus. Os pais têm que se zangar é para não comerem tanto. 

A seguir ao jantar, mais jogos e brincadeiras. Os rapazes queriam ir jogar à bola lá para fora mas aí já não obtiveram autorização. Ficaram-se pela sala. 

E eu fui fotografando, quer com a máquina (cento e setenta fotografias), quer com o telemóvel para ir enviando algumas à minha mãe que adoraria estar aqui no meio da família mas que não consegue afastar-se de casa durante um dia inteiro, com pena de deixar o meu pai sem ela. Bem lhe dizemos que a senhora que lá vai pode ficar com ele que ela não se deixa convencer. Então, tento mantê-la integrada no espírito da coisa, enviando-lhe fotografias que mostram o pessoal em acção.

(E digo em acção porque nunca consigo que parem sossegados, direitinhos e lindos a olhar para o passarinho. Está quieto. Mas as fotografias ficam engraçadas pois mostram como eles são na realidade).

E, estando eu a falar de maltinha cheia de energia, eis que vou ao YouTube procurar uma música que aqui fique bem enquadrada e ele, o algoritmo com super QI, me mostra, logo à cabeça, o vídeo que aqui convosco partilho. Uma gente que parece possuída, credo. Parece que estão tomados por super-poderes. Saltam, quase fazem pinos, dão cambalhotas no ar, fazem piruetas para trás e para a frente, acrobacias umas a seguir às outras. Uma coisa do além. Não sei se isto foi apenas para o filme ou se acontecia na realidade e era gente normal. Se calhar, era. Mas parece-me que gente normal (ou em estado normal) não conseguiria tais proezas. 

Ver para crer


PS: Claro está que, pelo meio, tive que interromper e ir comer uma nectarina. Estava com uma fome que não vos digo nem vos conto. E claro que a nectarina não a matou. Mas, enfim, iludiu um pouco. Agora vou-me deitar que amanhã é outro dia.

Demografia


A demografia é coisa que se lhe diga. A política tende a preferir cavalgar a onda da opinião pública mais imediata e a descurar questões de fundo. Por isso, em vez de estar na base das principais medidas de fundo, a demografia é coisa que passa ao lado da conversa política. Quebra de natalidade nuns sítios, população a crescer demais noutros, movimentos migratórios descontrolados, crises e guerras, etc e tal -- temas que apenas vêm à baila quando algo de mais dramático chama a atenção dos media. E, no entanto, são factores como estes que influenciam uma sociedade na sua matriz essencial.

Um país com uma baixa natalidade pode tentar evitar a quebra da população activa fomentando uma regulada e bem integrada política de imigração. Por outro lado, contrariar uma baixa natalidade não é oferecer chegues de mil euros por cada criança nascida ou apenas falar disso quando o rei faz anos. É preciso muito mais e não é coisa que se consiga rapida ou facilmente. Creches gratuitas, horários reduzidos e flexíveis durante os primeiros dois ou três anos dos filhos, possibilidade de os pais poderem dispor de uma bolsa de horas para idas ao médico ou a reuniões na escola, etc, etc, etc. Só com uma vida estável e facilitada é que os jovens decidirão ter mais filhos. Mas não só. A precaridade em algumas franjas do mundo laboral, os ordenados extremamente baixos e a ausência de perspectivas de progressão farão com que a decisão de ter filhos vá sendo protelada. Não são medidas isoladas que resolverão o que quer que seja: tem que haver uma compreensão global do que torna uma sociedade saudável, sustentada e feliz: tem que haver um programa amplo, transversal, com uma forte componente cultural a suportar a mudança sociológica que é indispensável.

O vídeo abaixo é interessante e mostra o crescimento ou decrescimento da população do mundo.


sábado, julho 28, 2018

Só espero que, daqui por uns cem anos, ache mais graça ao eclipse da lua.



Estava sem curiosidade sobre isso do eclipse, nem pensei em apanhá-lo. Uma coisa que aparece meio escondida não me parece tema empolgante. Mas já se sabe que ando niquenta, para mim só coisinha apurada, petisquinho sofisticado, acepipe jamais sonhado. Não isto, muito déjà vu. Todo o ano há um eclipse ou uma lua de um tamanhão ou de uma cor nunca vista, já não se consegue perceber qual o espanto. Agora parece que é o mais longo. Qualquer dia vai ser: bora malta, vamos ver o eclipse mais curto do século. Ou, bora malta, vamos lá ver o eclipse às bolinhas amarelas. Uma seca. Uma falta de imaginação.


Quando saímos do cinema
-- e devo dizer que sim (e a Bening fantástica) mas que, talvez dado o meu estado de mal-dormida ou talvez dado que estava francamente bem instalada, durante a primeira parte tive que me esforçar para não cair no sono -- 
olhei para o céu e lá estava ela. Desdenhei: Qual a diferença de estar em quarto minguante? Como sou míope não vi o que o meu marido viu: a parte oculta. 

Por isso, mal cheguei a casa, fui-me à hiper machine e zoom com ela. E vi. E pareceu-me ver, mais abaixo, à direita, uma sombra ou um reflexo da própria lua. Abri-lhe a claridade e vi-a melhor.


Mas, fazer o quê?, continuei desempolgada. Pensei: se ainda se visse um bando de mil bailarinas a dançar a dança dos véus, cada véu de sua cor, cada mama de seu tamanho, ou cavaleiros a fazer cortesias montados em unicórnios coloridos com rabos de cavalos platinados e tão longos que só pudessem ser extensões, ou macaquinhos aos saltos ou muitos milhares de freirinhas circunspectas a entoar cânticos gregorianos que se ouvissem cá em baixo -- ainda era capaz de ter alguma graça. Agora só isto...? Vou ali e já venho.

E, assim sendo, fui-me à fotografia, injectei-lhe cor e consegui ver uma bolinha (uma bolinha ratada, claro) com alguma graça. E lá está a outra, o tal reflexo suspenso no espaço. Porque é que ninguém fala nesta imagem-outra da lua que ali me aparece diluída na sombra nocturna do céu adormecido?


sexta-feira, julho 27, 2018

James e Ulisses. Nora e Molly.
-- O criador e a criação. A musa e a personagem --
[Ou, claro está, nada a ver com nada disto]




Há relação entre a maneira de ser do criador e a qualidade das suas criações? Tenho para mim que não e que o melhor é nem conhecermos o criador das criações que apreciamos para não corrermos o risco de nos decepcionarmos ou de cedermos ao facilitismo de deixarmos que o apreço pela obra fique beliscado.

Escrevo isto e logo me ocorrem alguns exemplos mas é tudo muito déjà-vu e eu não estou aqui para me armar em papagaia de gente erudita.

Fico-me, pois, por casos mais comezinhos. Por exemplo: não é que me decepcione com as cartas de amor que James Joyce escreveu a Nora -- claro que não: são cartas amorosas, fofinhas, destilando aquele amorzinho bobo e ridículo tão próprios dos amores platónicos -- mas acho que não haverão de contribuir em nada para o apreço que se possa sentir pelas suas obras.

No entanto, note-se, gosto de ler entrevistas a escritores. Não que queira saber o que justifica ou motiva a história, que não quero, mas, apenas, para perceber a génese do processo criativo em geral.

É a mesma curiosidade que me leva a procurar livros de e com pintores. Interessa-me conhecer como se forjam realidades materiais (uma história, um quadro) a partir do nada ou de uma pequena semente. É o processo que me fascina.

Não li o Ulisses e ainda não me senti tentada a isso. À medida que a linha da vida avança -- uma linha cuja derivada não prenuncia uma dilatação da variável tempo -- faço, cada vez mais e em relação a quase tudo, uma avaliação muito simples: o prazer que terei justifica o tempo ou o esforço que despenderei para o obter?

Em concreto, face à minha escassez de tempo disponível para ler, sinto alguma dificuldade em pegar num livro que, pela dimensão, antevejo que me leve um período extenso que dificilmente se compadecerá com as interrupções a que terei que sujeitar a leitura. Se, ainda por cima, souber que há zonas de escrita em que a densidade aconselha a uma leitura anotada, ainda mais desmotivada fico. 

Mas nesta vida, quando a coisa é subjectiva, não há muitas questões que sejam definitivas. E, por isso, lá está, há questões que mantenho em aberto. E a leitura do Ulisses é uma delas. Tenho vindo a ser aconselhada a lê-lo desde cedo e, mais, aconselhada por gente cuja opinião prezo. Mas nisto estou como estava com a decisão de deixar de fumar -- eu sabia que haveria de chegar o dia em que diria: 'é hoje'.
Durante muitos, muitos anos, fumei. Pensava que fumava até deixar de querer. O dia nunca mais chegava e eu continuava a fumar. Achava uma estupidez, estava consciente dos malefícios, mas era como se não sentisse pressa, como se soubesse que ainda tinha tempo até que o dia chegasse. 
Mas o dia chegou. Sem que o tivesse premeditado, um dia, de manhã, decidi: nunca mais fumo. Pouco tempo depois, abri a gaveta da secretária e vi um maço. Peguei para deitar fora. Mas, poupadinha como sou, achei que era mal empregado. Então tirei um cigarro e fumei. Mas tinha mais dois. Fumei-os. Deitei, então, o maço vazio no lixo. E, até hoje, nunca mais fumei. E já lá vão uma data de anos. E nunca mais vou fumar. 
Quando fecho uma porta, mas fecho a sério, não volto a abri-la. E o inverso também é verdade: se resolvo avançar, avanço mesmo.

Portanto, pode ser que chegue o dia em que decida: 'é hoje' e pegue no Ulisses e, pimbas, de penalti. 

Bem. Pensando melhor, com o que sei do bicho, acho que não é coisa que lá vá de penalti. Mais coisa para ir de fininho.

E, nos entretantos, vou-me cultivando para estar au point para o receber condignamente quando chegar o dia de o papar.




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E, agora, alguns apontamentos soltos e completamente ao calhas para uma adequada preparação para a grande obra

1.

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2.

A voz ao tradutor da mais recente edição, no Literatura Aqui -- entre os 2' 40" e os 9' 40"

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3.

Ora vamos lá a saber: porque é que se deve ler o Ulisses de James Joyce?


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4.

E, já agora, a leitura das cartinhas de amor de James Joyce a Nora, aqui a cargo de Paget Brewster


5.

Para quem não domine bem a língua em que as cartinhas ditadas pelo mais inocente cupido foram escritas, aqui as deixo ditas no português com açúcar e com afecto de Caco Cioler


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E aqui fica a promessa: um dia que meta pernas a caminho e acompanhe o dia inteirinho do senhor coiso e tal, chegando viva ao último Yes
I was a Flower of the mountain yes when I put the rose in my hair like the Andalusian girls used or shall I wear a red yes and how he kissed me under the Moorish wall and I thought well as well him as another… then he asked me would I yes to say yes my mountain flower and first I put my arms around him yes and drew him down to me so he could feel my breasts all perfume yes and his heart was going like mad and yes I said yes I will Yes.
cá estarei para vos dizer qual a minha mui douta opinião.

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PS: Se algumas imagens vos parecem deslocadas, lamento mas é impressão vossa.

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António Costa dança um slow com Filomena Cautela enquanto a sorridente esposa assiste.


Por isso, tenham alguma calma que eu já cá volto. Estou a meio de um post muito erudito mas agora tenho que dividir a minha atenção entre a minha basta erudição e o charme de Costa, a irreverência de Filomena e a simpatia de Fernanda.

É na RTP, no 5 para a Meia Noite e recomendo.

Resistiu bem à alta pressão (ia para uma ilha deserta com quem...? com quem...? ora adivinhem*...) e está de boné de comandante de navio. Uma graça.

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Já acabou, que pena...

E, depois de confissões de alto lá com elas e de ter rido do princípio ao fim, ainda fez a proeza de ligar ao pobre Centeno que, de férias, nem percebeu bem o enredo em que foi metido.

Grande Costa. Não há-de o pequeno Mano Costa morrer de invejinha e fazer de tudo para o tramar...?

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* - Com o Jerónimo, claro.

Porquê? - querem vocês saber.

Não conto... Ponham para trás e vejam que vale bem a pena. Melhor que ele só os pintarolas da Fonte da Telha. Gandas cromos! Uma graça, também.

E a Filomena Cautela em grande forma na condução do programa. Sim, senhora. Goody, goody.

Leva-me até à lua




Podia ser para eu tentar lá descobrir um lago salgado e gelado, cheio de mistérios e de outras vidas.

Podia ser para eu a ver de perto quando está azul, dourada, branca ou vermelha.

Podia ser para eu correr por entre o pó macio, saltanto, sem peso, quase voando.

Ou podia ser apenas em imaginação, ouvindo palavras que me levassem até onde a gravidade se esvai, até onde se ouve o som das estrelas e a música das ondas invisíveis que atravessam os vastos espaços.

Podia ser, até, apenas em sonho.
Mas leva-me até à lua.


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Fotografias feitas ao anoitecer com a minha super-machine nova que tem um hiper-zoom. Yuppy.

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quinta-feira, julho 26, 2018

O último emprego à superfície da Terra




Não estou apocalíptica nem acordei com os pés de fora da cama (até porque dormi completamente destapada) nem estou depressiva, muito pelo contrário, nem estou com o síndrome pré-menstrual (onde é que isso já lá vai) nem com sintomas menopáusicos (que, felizmente, os não tenho) nem com calor a mais ou indisposta com qualquer minudência do dia a dia. Nem bem nem mal, antes pelo contrário. Nada. Bocejo de vez em quando, mas isso é natural. Tenho uma coluna refrescante a soprar ar fresco na minha direcção, tenho uma pilha de livros ao meu lado e uma preguiça inconfessável que me impede de lhes pegar.  Mas isto para dizer que não há razões hormonais ou psicológicas que justifiquem o Steve Cutts do post a seguir e agora isto que aqui vos trago, do último emprego a superfície da terra. É mesmo coisa do acaso, acho eu. Ou falta de assunto. Vontade de espairecer e falta de inspiração para espairecer a sério. Limito-me ao que o santo algoritmo do youtube me recomenda. Claro que, estivesse eu com mais energia, mandava-o era ir bugiar em vez de deixar que se ponha a atazanar-me o juízo.

Enfim. 

Na televisão está a dar um programa de viagens e eu, que estou deserta por ir de férias, vou vendo com a atenção possível. Fala de comboios e eu tenho andado a ser desafiada para ir fazer um passeio de comboio até uma cidade que gostava muito de conhecer. Mas isto de não se poder ir em alta velocidade até ao destino, faz demorar demais a viagem e falta disponibilidade para isso. Mas é um apelo grande. Ir, com tempo, sem pressa, com espírito de romance, ir por aí afora, vendo nascer o sol, cruzando serranias, florestas, rasgando o horizonte, rente ao mar. Descer nas cidades, ir para um hotel bonito, passear, estar em espalanadas, visitar museus. Depois ir de novo para o comboio, sentar junto à janela. Adormecer vendo a noite a descer. Deve ser bom.

Talvez daqui por uns anos consiga. Recordo-me da viagem junto aos castelos do Reno. Ou a viagem até Paris. Os cedros altos e negros, acompanhando o cair da noite.

Mas agora não tenho tempo. Agora vivo um tempo sem tempo. 

Tenho a Harvard Business Review para ler, em papel, revista a sério, e, pelos títulos e pelo aspecto, antevejo que seja suculenta; e já vi que tem umas ilustrações do caraças. Gosto das ilustrações malucas a temperar assuntos sérios.  E, no entanto, também ainda não ganhei pedalada para me atirar a ela. E hoje tive mais uma daquelas reuniões igual a tantas e tantas outras, a responder às mesmas questões tão típicas de quem vem de fora com a incumbência de empreender uma programa transformacional e o escambau (e tudo cheio de parangonas a toda a hora) e, calmamente, respondi a tudo. Quando a minha cabeça está noutra, a minha paciência para o que não me interessa redobra.


É que tenho um assunto, um tremendo assunto, a soterrar-me. Mais uma reviravolta, mais uma voltinha mais uma viagem, uma vida inteira nisto, uma coisa sem explicação. Mas ainda estou debaixo da onda, sem conseguir respirar, sem saber onde está a terra segura, sem saber como aguentar-me. Sem ser capaz de falar. Lembrei-me de um horóscopo que me tinha intrigado. Não percebi, achei que fossa parvoíce. Pensei: essa agora. Agora fui ler o desta semana, a ver se existia alguma consistência:
Le Soleil vous accompagne et vous offre l’énergie vitale dont vous avez besoin. Jupiter et Venus, de votre côté, vous ouvrent les portes de l’Amour, vous protègent et vous apportent la chance, la sérénité, la sagesse et l’accomplissement de vos rêves. Que demandez de plus ?
Este, hoje, fala da minha vida afectiva e é bom. No outro dia era neste comprimento de onda mas sobre a vida em geral e, até, profissional. 

Mas tudo isto me apanha num período da minha vida em que anseio por algum sossego, algum abrandamento, algum tempo para mim. E, em vez disso, isto. Uma inesperada enxurrada. De loucos. Ainda não consegui processar.

Ou seja, é no meio disto tudo que, aqui sentada no meu sofá, um ar fresco a varrer-me a pele, abrindo o youtube, me aparece, justamente, o Steve Cutts e, agora, este vídeo desgraçado. Ver para crer.

Imaginando um mundo completamente automatizado:


O último emprego à superfície da Terra



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Valeram o piano e os violoncelos a interpretar Dmitri Shostakovich e a pintura de Tomie Ohtake

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Somos um bicho mesmo inteligente, não somos...?


Os incêndios descontrolados um pouco por todo o lado (essencialmente por culpa das alterações climáticas e não da sacrificada Constança Urbano de Sousa), as temperaturas tresloucadas que matam gente aos magotes, sobretudo por insolações, as chuvas torrenciais que provocam inundações assassinas, os mares carregados de porcaria, com praias antes paradisíacas transformadas em montureiras pejadas de garrafas e outras porcarias de plástico -- é isto que, em traços largos, os humanos andam a fazer ao Planeta.








Pode acontecer que a trajectória que estamos a percorrer não venha, afinal, a revelar-se tão fatal quanto se antecipa -- talvez, antes do dia final, se consiga descobrir forma de nos transportarmos para outros planetas onde a vida seja possível. Mas isso é se. É que, como é sabido, nem sempre as condiconais se materializam. E até eu, que sou uma desmiolada optimista, neste caso, vendo a velocidade e a intensidade a que as condições de vida estão a derrapar a caminho do desastro, fico muito apreensiva.

Steve Cutts é daqueles tipos tão pessimistas, tão cínicos, tão desencantados que até dói ver o que sai das suas mãos. Mas é também lúcido, inteligente e talentoso. 

Presença que aqui acolho sempre de gosto, hoje está cá com o seu 

Homem

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quarta-feira, julho 25, 2018

Emilia Tereza, Cliff e John
-- o que podemos aprender com eles --





Já tinha visto o vídeo que lá mais abaixo partilho mas gostei de revê-lo. O fenómeno da longevidade com qualidade é fascinante. O que diferencia o metabolismo de pessoas que vivem até para lá dos cem anos? Transportamos, desde a nascença, a nossa linha da vida? Está espelhada na linha que se desenha na nossa mão? 

Olho a minha mão e prefiro nada concluir. Não sei quanto tempo vou ainda durar nem sei de que é que depende o comprimento da linha da vida. Dentro de nós, inexpugnável, o mistério que desvenda a nossa sina.

Volta e meia, quando apanham alguma pessoa com mais de cem anos, os jornalistas perguntam qual o segredo. Uns respondem que é um copo de vinho ou de aguardente por dia, outra assegurou que três ovos por dia. Serem optimistas e gostarem de viver parece ser um factor comum. Mas isto não estou certa que seja opção ou se, pelo contrário, é genético.


A minha mãe tem uma amiga que fez noventa e um anos. Enviuvou há uns anos, vive sozinha, sai todos os dias, passeia. Já teve vários cancros e de todos eles sai intacta, como se nada se tivesse passado. Vai visitar a minha mãe, conversam, riem. Recordam memórias comuns. Foram colegas. O tempo tem passado com leveza sobre ambas apesar dos pesares (que não têm sido pequenos). Esta alentejanita tão simpática não se sente limitada nem se preocupa com o presente, quanto mais com o futuro. Limita-se a viver a vida o melhor que sabe e pode.

No vídeo aqui abaixo, Emilia Tereza enternece-me. Tudo o que ela diz me enternece. Gosto, por exemplo, de quando fala da companhia que lhe fazem os que partiram. Sorri quando fala neles, quando conta que fala com eles, sorri quando diz senti-los perto de si.

Também penso assim. Penso muitas vezes nos que já não estão perto de mim. E não me refiro apenas aos que desta vida já partiram. Também os que apenas se afastaram.


Tendo sempre trabalhado em grandes empresas, não têm conta as pessoas de que já me despedi. Hoje disseram-me um nome. Só o nome. Pensei que ia receber uma má notícia. Felizmente não, era apenas para saber se eu o conhecia e se tinha o seu contacto. A verdade é que, antes, já não me lembrava dele. Vão-se esfumando. Mas depois regressam, de novo com vida.

Uma pessoa de que me lembro muito é de uma de quem não me recordo do nome e com quem pouco falava. Uma vez passei no corredor e vi-a com a cabeça entre as mãos. Entrei no gabinete a saber o que se passava. Estava branca, tinha tomado um comprimido que alguém lhe dera. Estava quase sem voz. Apática apesar de desesperada. Era secretária de um director que tinha aceitado a rescisão e, portanto, ia ficar sem trabalho e também tinha sido contactada para sair. Estava apavorada. Lembro-me de ter ficado em frente dela, quase tão aterrada quanto ela. Com a casa por pagar, um filho adolescente, um marido com ordenado tão baixo quanto o dela, a vida parecia estar a enfiar-se num buraco negro. E eu percebia muito bem o seu medo. Saíu pouco depois com a ilusão de que, com o dinheiro que tinha recebido, ia montar uma tabacaria e prosperar. Que será feito dela? Tomara que a sua ilusão se tenha materializado.


Houve um outro a quem tentei a todo o transe evitar o que lhe aconteceu. Era um contínuo. Sempre que havia reestruturações, não se percebia porquê mas o mexilhão era quem mais era atingido: contínuos, estafetas, administrativos, motoristas. (Percebia-se, percebia-se: era o mais fácil). De facto, com o tempo, algumas dessas profissões foram desaparecendo. Mas um dos contínuos era alcoólico. Mil vezes mandado para casa, mil vezes mandado tratar, não tinha jeito. Um pobre desgraçado. Sem eira nem beira. Reincidia já mesmo sem dar por isso. Por vezes estava de baixa, para se tratar, mas, não se sabia como, aparecia bêbado lá à porta. Era escusado. Não se podia contar com ele para nada e, muitas vezes, nem se podia estar ao pé dele, tal o cheiro. Mas eu tinha tanta pena dele. Um dia perguntaram-lhe se queria uma indemnização para se ir embora. Aceitou logo. Todo contente. Andava a despedir-se todo feliz da vida, achava que tinha ficado rico. Tentei que não, que voltassem atrás. Escusado. Andava numa alegria e racionalmente não se podia ter dentro da empresa uma pessoa alcoolizada, incapaz de se tratar. E, no entanto, eu tinha a certeza que não ia durar muito e que aqueles milhares eram a sua sentença de morte. Uma vez eu dizia isto, revoltada. Um colega disse-me: E é vida a que ele agora leva? E quem somos nós para tomar decisões por ele? 


Quando fiz anos recebi mensagens e telefonemas e um deles de um antido subordinado meu. Não deveria dizer assim, subordinado, deveria dizer amigo. Meu amigo durante tantos anos. Quando saíu, pensei que me ia ser difícil aguentar-me sem o seu apoio. Era o meu braço direito. Mas sobrevivi. Sobrevivemos sempre. Habituamo-nos a tudo, até às ausências. A vida sempre continua. Já foi isso há mais de dez anos. E todos os anos, pelos meus anos e pelo natal, me telefona. E eu nunca fui capaz de fixar a data do seu aniversário. Mas ele não se importa que eu me esqueça de lhe ligar porque a verdadeira amizade é assim, não pede nada em troca.

Lembro-me de tantas pessoas. Penso como Emilia Tereza: podia ficar o resto da vida a recordar as pessoas que conheci. Quando as recordo penso na sua generosidade, na sua bondade, nos seus sorrisos. E essas boas memórias ajudam-me, ainda mais, a sentir-me agradecida e feliz. Talvez também ajudem a ir-me mantendo viva.

Sabemos lá nós que frágil acaso faz com que a nossa efémera existência se mantenha. Não é?


Lições de vida de pessoas com mais de 100 anos



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As fotografias provêm da Vogue e do The Guardian. Comecei com uma ideia mas depois mudei. Talvez pareçam que não seguem qualquer lógica e o mais certo é que não sigam mesmo.

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(que provavelmente até dá um prazer quase igual ao que se fosse a dois), 
queiram fazer o favor de descer

Uma parede como parceiro?
Será que é bom?


Não faz o meu género. Sou de andar emparelhada. Já o contei: nunca fui sozinha ao cinema, nunca fui sozinha à praia. Nunca calhou. Ou melhor: nem me ocorre ir se não tiver companhia. Também odeio almoçar ou jantar sozinha. Tenho tido a sorte de a minha natureza ter encontrado, até agora, forma de se materializar a contento, sem ter que me esforçar.


Mas, por exemplo, dançar: smpre gostei muito de dançar e, no entanto, nunca nenhum dos meus parceiros calhou ser um bom pé de dança. Zero. Pés de chumbo. Podia fazer como uma colega: gosta de dançar e faz por isso. Tem aulas de dança. Organizam festas onde dançam. Várias danças: imitou algumas para me mostrar. Percebi que se diverte com isso. Mas eu, mal habituada, sempre apenas comendo na bandeja que me estendem, com o tempo fui-me tornando preguiçosa. Dançar sozinha ou inscrever-me num sítio onde possa dançar é opção que nem me ocorre. Ou as coisas são naturais, espontâneas, sem esforço ou não me interessam.

E, no entanto, olhando este vídeo, fico a pensar: será que é bom dançar o tango sozinha? Será que, á falta de melhor, uma parede transmite aquele élan que faz o fascínio do tango?

Não sei. Mas, lá está, preguiçosa como sou nem vou dar-me ao trabalho de experimentar para desobrir a resposta.


terça-feira, julho 24, 2018

Coisas porcalhonas
-- que, logicamente, devem ser evitadas --







Pode ser que às mentes auto-sustentáveis as estações do ano não alterem a disposição. Mas a minha ainda é movida a coisas que se escafedem com o dealbar das temperaturas mais altas -- mesmo quando de altas não têm nada.

Sempre me lembro de chegar a estas alturas e já estar por tudo. Ficam à espera que proteste e eu moita. Podem provocar, tripudiar, saltar em cima a pés juntos que eu olho de longe, indiferente às minudências do pequeno mundo. Acham que o meu silêncio não prenuncia nada de bom, temem chumbo grosso mas eu, em paz, nada digo -- porque, simplesmente, estou sem paciência, desejando que passem à frente porque a mim tanto se me dá.


Hoje, no restaurante, ao almoço, dois dos meninos contaram que o outro avô defende o Bruno de Carvalho e acha que o Marta Soares é que é o culpado disto tudo. O meu marido ia entrando em apoplexia, que não podia ser, que essa não, que estavam equivocados, que o avô era pessoa de bom senso. E os meninos que não, que o outro avô era mesmo a favor do Bruno de Carvalho. O meu marido, fora dele, pediu aos meninos que dissessem ao avô que, que ele ache que o Salazar foi o maior, ainda vá que não vá, agora que ache que o Bruno de Carvalho deve voltar ao Sporting essa é que não. Os miúdos disseram que sim, que levavam o recado. E, dizendo isto, o meu marido atirava-se para trás na cadeira, perplexo, indignado. E eu, observando-o, gabava-lhe a energia.

A mim não apenas aquilo me foi completamente indiferente como nem que por ali adentro entrasse o clã Aveiro em peso, com a D. Dolores de shorts esfiapados e nalgas ao léu,  o namoradão todo camioneiro e altamente barrigudo feito sleeping partner, mais as manas Cátia e Elma em monoquini, bota alta e purpurinas multicores artisticamente espalhadas pelo corpo, com o CR7 em tronco nu a dar saltos no ar e a uivar, e a menina Georgina com três bebés ao colo e com as mamocas e as quatro bochechas três vezes maiores que eram quando ele a conheceu, que a mim me daria igual. Sem ânimo para me exaltar ou entusiasmar com o que quer que seja. Mesmo se entrasse o Marcelo a dar beijinhos de mesa em mesa eu juro que ficaria pregada à cadeira, impassível -- e se ele fizesse mesmo questão numa selfie comigo pois que viesse ele sentar-se ao meu colo que eu nem aí.


E isto para dizer que parece que nada do que vou sabendo sobre a actualidade me tira do sério, me entusiasma ou me revolta. Tudo me parece mais do mesmo. Monotonia mais chata esta.

[Mas sou eu. Sei que sou. É a energia dentro de mim que parece esfumar-se, retirando-me a vontade de espadeirar o mundo à minha volta. Fico mansa como uma rola budista num galho de azinheira]


Só coisas meio desasadas é que puxam por mim. Por exemplo, isto dos hábitos pouco higiénicos. Isto, sim, parece-me útil. Chamem-lhe coisa de estação pateta, chamem-me a mim desmiolada-mor. Tanto se me dá. A mim parece-me instrutivo e pertimente.

Portanto, transpondo -- em tradução e ordenação livres -- o artigo Tous ces gestes du quotidien qui ne sont pas hygiéniques, de Ophélie Ostermann, publicado no Le Figaro . Madame, partilho convosco dez dos erros mais frequentes a nível de higiene quotidiana. Cenas a evitar, portanto.


1. Nunca limpar o telemóvel

Uma nojeira. Pousamo-lo em todo o lado, mexemos nele sem quaisquer cuidados. Encostamo-lo quase à boca ou à cara mesmo que esta tenha cremes ou esteja transpirada, pegamos-lhe com as mãos pouco limpas. Portanto, façam o favor de, volta e meia, o limpar. Dizem as boas regras de higiene que bom mesmo era limpá-lo três vezes por dia com uma toalhita anti-séptica. Mas, se calhar, se o fizermos, ainda corremos o risco de nos tornarmos num daqueles maníaco-compulsivos com a mania das limpezas e, caneco, tudo menos isso. Eu diria que, talvez, uma vez por semana não fosse mau de todo. E, não havendo toalhitas dessas, talvez um papelinho com álcool. Melhor que nada.


2 . Não deixar arejar a cama

Parece ser coisa de gente arrumada mas é um erro. Refiro-me a, de manhã, quando se sai de casa, deixar a cama toda feita, muito bem feitinha, sem que o colchão ou o lençol de baixo fiquem a arejar. Errado. O ideal será deixar a roupa puxada para trás, lençol de cima incluído. Arejar é bom.


3 . Cortar o melão no prato (sem ter a certeza que foi previamente lavado)

Ou bem que se lava o melão antes de cortá-lo (tal como se deve fazer com toda a fruta) ou descasca-se antes de colocá-lo no prato. Nunca se sabe se traz vestígios de terra, de fertilizantes, herbicidas ou estrume de bicho cagador. Por via das dúvidas, há que ter cuidado.


4 . Partilhar a toalha da casa de banho

Se parece um bocado nojento partilhar a escova de dentes, pode parecer normal partilhar a toalha do lavatório da casa de banho. Errado. Limpar as mãos ou a boca deixa na toalha bactérias, células mortas e, num ambiente quente e húmido, ainda mais os germes se multiplicam. A menos que goste de partilhar micoses, verrugas e cenas que resultem de bicheza variada, não o faça. 


5 . Beber bebidas pela lata

Uma porcaria. Quando se levanta a tampa, uma parte que está em contacto com o meio exterior mergulha na bebida e lá vai toda a espécie de micróbios ao banho na bebida que vamos beber. Portanto: não beber bebidas directamente pela lata é o conselho a ter em atenção.


6 . Não lavar as mãos depois de mexer em moedas ou notas

Escuso de lembrar que quase não há dinheiro que não contenha vestígios de droga. Mas, mesmo não pensando na droga, sabido é que, de mão e mão, a bicheza miúda vai-se acumulando. O ideal seria usar toalhitas de limpeza ou aqueles sprays desinfectantes para ir mantendo as mãos limpas depois de mexer em dinheiro. Não havendo, água e gel de lavagem são melhores que nada.


7 . Pousar a malinha de mão ('carteira', para as tias) ou o saco das compras em cima da mesa da cozinha, da mesa do restaurante ou em cima da cama

Esta espero que o meu marido não leia. Volta e meia pouso o que não devo onde não devo. Errado. Razão tem ele em chamar-me a atenção (mas, lá está, prefiro que ele não leia isto para não me aparecer a cantar de galo). Em especial se já os pousámos no chão, nos transportes públicos ou noutros locais onde a higiene não abunde, nada de os pôr em locais que se querem limpos como a mesa onde comemos, a bancada da cozinha ou a nossa rica caminha. 


8. Não lavar as mãos antes de, na casa de banho, limpar as partes íntimas

Penso que já é bem sabido que, depois de irmos à casa de banho, devemos lavar as mãos. No entanto, pasmo, mas pasmo mesmo, por, em casas de banho públicas, ver frequentemente mulheres que saem do habitáculo privado e... ala moça que se faz tarde, e aí vão elas, as porcalhonas, sem lavar as mãos. Pois bem. Depois, sempre. Isso já deveria ser sabido e consabido. Mas, se temos as mãos pouco limpas, deveremos lavá-las também antes de limparmos as intimidades ... a menos que não nos importemos de correr o risco de nos contagiarmos com as porcarias que, incognitamente, transportamos nas mãos.

9 . Não lavar a roupa antes de a vestirmos pela primeira vez.

Penso que toda a gente lavará a roupa interior nova antes de a usar. Contudo, talvez não lavem a roupa que se encontra exposta e disponível para ser provada. Errado. Excepto se forem peças dobradinhas e resguardadas, parece de bom tom lavar o que já pode ter sido provado por gente transpirada, suja e mal cheirosa (já para não dizer com doenças estranhas e contagiosas). Agora que o escrevo, dou por mim a pensar que... bem prega Frei Tomás. Mas, de facto, pensando bem, parece uma nojice uma pessoa vestir uma coisa que sabe-se lá quem é que a vestiu antes. (Credo... só de pensar nisso...)


10 . Dormir com cuecas

Já aqui, no blog, referi uma vez que é mais saudável dormir nu ou, pelo menos, sem cuecas. E repito: as cuecas podem favorecer o desenvolvimento de irritações, inflamações, culturas de fungos -- especialmente se forem de fibra (as cuecas). E isto é tanto mais relevante para as mulheres. Arejar é que é bom. (E isto é regra que se aplica à genitália, ao colchão da cama e, assim de repente, a tudo)

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Para tentar atenuar -- que um tema sobre práticas pouco higiénicas não será do mais apelativo que há, reconheço --  resolvi aqui ter as melhores fotografias (em grandes planos) tiradas em jardins e que integraram o conjunto em apreço na eleição do melhor Garden photographer of the year com o patrocínio de Royal Botanic Gardens in Kew, London [no The Guardian]. São lindas, não são? Ah como eu gostava de ser capaz de fotografar assim.Tão, tão, tão bonitas.

E para que o ambiente fique mesmo limpinho, peço agora a ajuda do grande Cine Povero

Ruy Belo :: Algumas proposições com pássaros e árvores / Por Luísa Cruz



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Lá em cima Antoine Ciosi interpreta Ti Tengu Cara e talvez também não tenha nada a ver com nada mas eu gosto, sabe-me bem ouvi-lo.

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