Hoje o dia foi, outra vez, muito preenchido. Tive que pôr o despertador para pôr logo a comida a cozinhar. Depois tive um compromisso e ficou o meu marido em casa, adiantando uma componente do cozinhado. Depois regressei cheia de pressa, atarefada, com algumas compras, e, logo a seguir, teve ele que sair. Home alone, atirei-me aos tachos. Quando ele chegou assustou-se com a quantidade de vasilhame mas eu só quis que ele pusesse a mesa pois, ainda por cima, eram muitos, dia de mesa comprida toda aberta com a mesa nova encostada e a última coisa é chegarem, esfaimados, muitos, e não estar tudo a postos.
E lá ele pôs a mesa e ainda ajudou a arrumar a cozinha e, numa corrida, fui telefonar à minha mãe e etc, e, logo de seguida, chegou todo o maralhal.
Depois, toda a gente se deslocou até à sala da televisão pois hoje trouxeram playstation e, portanto, puseram cadeiras em frente da televisão e ali estiveram na jogatina. Crianças hoje eram seis, dos quais cinco rapazes. Pelo menos, estiveram sossegados. Entretanto, a minha filha quis que o irmão a ajudasse numa matéria profissional e a minha menina cada vez mais linda veio sentar-se ao meu colo para eu lhe fazer penteados enquanto ela jogava no telemóvel da mãe ou da tia ou de não sei quem. Enquanto isso o bebé, já não tão bebé quanto isso, saltava de uma cadeira, em mergulho, para cima da mãe que, numa senhorinha baixinha tentava ler.
Lá mais para mais do meio da tarde saíram e nós dois fomos a casa dos meus pais. Como seria de esperar, mal o carro arrancou, deu-me o sono. Como sabia que o meu marido também estava cansado, esforcei-me por me manter acordada com medo que ele, sem dar por isso, fechasse os olhos. Contudo, não fui bem sucedida. A meio caminho adormeci e, entre querer acordar e não resistir, fui a dormitar até mesmo à rua dos meus pais.
A minha mãe estava a acabar umas meias de lã para a bisneta, a pôr umas lantejoulas no cós, que fez aos biquinhos, tudo em tons claros, muito bonitos. Tinha também já feitas umas meias para o neto, mas essas em tons mais escuros, em bordeaux e cinzento. Já antes tinha feito para o outro bisneto. Vai agora começar umas para a mãe dos meninos. Gostam de dormir com aquelas meias quentinhas que ela faz. Eu não, não consigo dormir com calor nos pés. Por vezes, quando entro na cama, deixo estar as meiinhas que estou a usar em casa mas, passado um minuto, quando sinto que estou a adormecer, tiro-as.
De casa dos meus pais passámos pelo meu filho que não estava, tinha ido correr, para deixar as meias. Entretanto, tivémos cá alguns dos meninos a jantar e, depois de os entregarmos, fomos nós dois ao cinema.
Estávamos um pouco na dúvida. Tínhamos vontade mas, também, alguma vontade de descansar. Mas resolvemos que o descanso esperasse. Estávamos hesitantes: eu pendia para o Mulherzinhas, ele para o 1917 embora não se importasse de ir às Mulherzinhas (refiro-me ao filme, claro). Pelas horas a que chegámos, o que calhava era mesmo este.
Desde pequena que sou como sou, avessa a êxitos e a must do, must read, must see, must listen. Portanto, nunca li 'Mulherzinhas'. Todas tinham lido menos eu que adorava ler e lia tudo. Mas, quando elas andavam encantadas com as Mulherzinhas, andava eu a ler Liza, a Pecadora e outros livros que consumia desvairadamente, abastecendo-me na biblioteca do liceu, na biblioteca de uma amiga da minha mãe ou, claro, em casa.
Mas no outro dia tinha visto a apresentação deste e gostei. Uma vez, em resposta a um comentário, referi que não me importava de ter vivido na Inglaterra de Virginia Woolf, de ter frequentado aqueles ambientes. O Leitor estranhou, referiu o suicídio dela e, porque às vezes não consigo tempo para responder, não expliquei que o que me atraíria seria o convívio com mentes brilhantes, livres, amantes de literatura, pintores. Frequentar aquelas tertúlias teria sido fascinante para mim.
Gosto muito de conversar sobre arte. Embora seja amante de música não sei falar sobre música. Mas gosto de ouvir falar. Mesmo que não fixe o que dizem. Não tenho a preocupação de registar, apenas o prazer de ouvir. Mas gosto de falar sobre pintura ou sobre literatura. Mas também não sei falar sobre personagens ou enredos. Esqueço-me ou, pelo menos, quando chega a altura de falar, não me ocorre. É que o que registo mesmo são emoções, o que me encanta é o prazer da escrita, o meu ao ler e o de escrever, que pressinto, no escritor. Ou no pintor. Mas também gosto de conversar sobre arquitectura. Ou escultura. Ou dança. O prazer de falar, de ouvir falar, o prazer de ver, de ouvir, de ser levada para aquele limbo que está no limiar do desconhecido.
Um amigo, que é um ser diferente e especial, ao ouvir-me, evoca o que o Jorge Luis Borges escreveu:
La música, los estados de felicidad, la mitología, las caras trabajadas por el tiempo, ciertos crepúsculos y ciertos lugares, quieren decirnos algo, o algo dijeron que no hubiéramos debido perder, o están por decir algo; esta inminencia de una revelación, que no se produce, es, quizá, el hecho estético.
E eu no outro dia falei-lhe que tinha ouvido na rádio uma brasileira, de que agora não me lembro do nome, a dizer que a arte substitui a vontade de acreditar em deus. E é isso. Ele concordou.
O prazer da beleza, da beleza que pode estar numa cadeia de palavras elegantemente cerzidas, num fio de música, numa flor a despontar no campo, na força do mar, num gesto que nos chega de longe, na forma como a luz ilumina ou esconde, em coisas assim -- tudo isso me inunda de um estado de felicidade que não sei explicar. Talvez seja o tal
hecho estético.
Mas regresso às Mulherzinhas.
O filme é muito agradável de ver, apaziguador, terno, bonito, envolvente. Preferia que fosse mais linear e não com tantos recuos temporais mas, enfim, é o que é e, apesar disso, senti-me bem a vê-lo. Perguntei ao meu marido se tinha gostado. Nunca é efusivo pelo que pelo tom de voz que parecia conter um encolher de ombros ao dizer que sim deduzi que o viu sem incómodo e, diria mesmo, com a tranquilidade de que provavelmente estava necessitado.
Os actores são bons mas a Saoirse Ronan (cujo primeiro nome não sei como se pronuncia) e o Timothée Chalamet destacam-se. Não sei se já o disse antes mas, do que tenho visto, este jovem é talentoso, tem graça e carisma, e antevejo-lhe um brilhante futuro. É muito bonito, tem um corpo desengonçado que o torna ainda mais atraente e só pode tender para melhor. Alguém a acompanhar.
Há homens que perdem quando o viço se lhes escapa. Há outros que nunca perdem o viço. E há outros para quem o viço é pormenor e que só ganham com o evoluir do tempo.
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Quando comecei a escrever este post liguei a televisão. Estava no fim do
Governo Sombra. Não consigo ver este programa porque não suporto a vacuidade do João Miguel Tavares nem a superficialidade, por vezes associada a uma desagradável distorção mental, do Ricardo Araújo Pereira e custa-me ver, ali no meio, o Pedro Mexia.
Gosto imenso de ler o que o Pedro Mexia escreve, é intelectualmente honesto e dá para perceber que é uma boa pessoa. Gostava muito de ler os seus blogs tal como gostava de ler as suas crónicas no Expresso e, se calha ter alguma recaída e comprar o jornal, é logo a crónica dele que vou procurar. Os seus livros de compilações de crónicas são um prazer. Mas se o imaginaria a participar numa tertúlia como as de Virginia Woolf & Friends, tenho muita dificuldade em vê-lo ali, naquela mesa, rodeado por duas criaturas que parece que pensam que o público gosta é de vê-los a exibirem a sua veia de alarves e onde o debate não é debate, é um conjunto de graçolas sem ponta por onde se lhes pegue. Mas não o censuro. Toda a gente precisa de ganhar a vida e a gente que nos calha na rifa para trabalhar ao nosso lado nem sempre é a que escolheríamos. Só não percebo é porque não propõe ele às televisões um programa em que recrie tertúlias onde se fale de arte, onde ele fale de escritores, de livros, de filmes, de personagens e outros falem também disso de outras coisas. Estou convencida que aceitariam essa sua proposta e que seria um programa mesmo bom de se ver. E certamente que lhe daria a ele um maior prazer do que estar ali a aguentar aquelas parvoíces do
Governo Sombra.
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Enquanto escrevo, estou a beber uma infusão que se chama
Seasonal Siesta e que é uma delícia. Faz parte de um conjunto que a minha filha me ofereceu pelo Natal. Ela sabe que eu sou chá
addicted e desencanta estas coisas que sabe que são sempre a meu gosto. Mostrei lá em cima a fotografia da caixa e a composição daquele que escolhi e agora, mesmo aqui acima, a da caneca que está aqui ao meu lado, neste momento já vazia. Se isto da internet estivesse mais evoluído, agora punha aqui um botão e, se vocês quisessem experimentar, carregavam nele e eu enviava daqui uma caneca fumegante, com um líquido perfumado e bem saboroso. Teria é que avisar que não ponho açúcar. Chás e cafés sempre sem açúcar.
De todas as canecas que tenho, a que prefiro é esta. O rebordo é afilado e macio, tem um toque agradável, tem um formato e uma dimensão que me agradam. Tem o pai natal mas não quero saber disso até porque ainda acredito nele. A toda a hora recebo presentes que me deixam contente como uma criança -- e o mais engraçado é que não conheço quem mos oferece. Cá para mim é tudo coisa do pai natal e
honi soit qui mal y pense.
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E vou parar porque, agora que reparo, isto já vai para lá de longo.
A si que aí está desse lado desejo um belo dia de domingo.