E, para quem acha que me passei e que virei exibicionista, agora uma imagem que prova bem que não senhor, esta que aqui vos escreve continua a ser a Santa UJM que tão bem conheceis, com os mamilos eriçados e tudo. Ámen.
O casto poema é de João Habitualmente in 'Um dia tudo isto será meu'. Vem ao som de I'm your man de Leonard Cohen. Kate Moss aqui é fotografada por Tim Walker.
No outro dia uma menina do escritório cruzou-se comigo, apressada, e eu também apressada, de entrada para uma reunião, e disse-me: a Cláudia tem uma pergunta para lhe fazer. De passagem pela secretária da Cláudia, abrandei o passo e perguntei-lhe o que era. Estava sentada mas rodou na minha direcção, chegando-se à frente para me segurar nos braços e perguntar: 'Cheira sempre tão bem... Mas ontem, então, deixou um cheirinho tão bom... Mesmo. Quando entrei na sala onde tinha estado, senti aquele cheirinho que pensei logo que tinha que ganhar coragem para lhe perguntar qual era o perfume'. Pensei um bocado e disse-lhe. Pela expressão, vi que nunca de tal tinha ouvido falar. De facto, é pouco divulgado.
Sou incapaz de sair de casa para o trabalho sem me perfumar. Que me lembre, nunca me esqueço. Dos brincos já me esqueci. Ainda no outro dia. Estava carregada de coisas e, ainda por cima, com sombrinha. Tinha umas calças pretas e uma camisa também preta com flores azuis. Levava uma écharpe também preta e também com flores azuis mas num azul mais forte que o da camisa. Olhei para mim no elevador e reparei que me tinha esquecido dos brincos. Olhei para o relógio. Ficaria apertado se voltasse a casa. Consolei-me: não tenho brincos mas tenho o piercing, sempre dá um ar de sua graça, e, além disso, o contraste das flores azuis sobre fundo preto talvez seja motivo suficiente para disfarçar. Quando cheguei à rua, ao fazer o movimento de passar o casaco de um braço para o outro, on the fly (como soi dizer-se), reparei que o colar que tinha posto puxava para o turquesa e não para o alfazema como o azul das flores da camisa. Foi um sobressalto. Impossível ir assim. Se há coisa a que sou excessivamente sensível é à harmonia cromática. Furiosa, dei meia volta e voltei a casa. A luz artificial é traiçoeira para estas nuances. A correr, mudei de colar e, claro está, aproveitei para resolver a outra lacuna: coloquei uns brinquinhos mínimos, duas bolinhas de azulinho transparente.
Coisas que acontecem. Pode parecer que são coisas que não interessam para nada mas é ilusão: interessam e muito. Se vou com alguma coisa que não me parece bem, é razão suficiente para ficar a tender para o indisposto e, com isso, o dia pode ficar irreversivelmente toldado e, lá está, pode até haver o risco de, com a minha indisposição, toldar o dia a quem não tem nada a ver com o assunto. É, em ponto pequeno, aquilo da borboleta que espirra na China e o gato no Chile, sem saber por quê, ficar com o pelo eriçado.
E também escolho o perfume em função do dia, de como vai ser o programa de festas, da roupa que visto, da disposição que antecipo: o perfume é uma peça relevante do cenário que monto em mim.
Aos poucos, tenho-me vindo a transformar. Depois da extrema lealdade, agora vario completamente. O Nº 5 continua o ser o special one até porque, em mim, se transforma de uma maneira que me agrada muito. Não é pesado, não é quente, não é cansativo. Pelo contrário, é leve, subtil, íntimo. Tenho lido muito sobre perfumes e sei que os perfumes são diferentes, ou melhor, evoluem diferentemente ao longo do dia, consoante a pele em que pousam. Mas a partir do momento em que comecei a ousar, primeiro dentro dos Chanel, depois com um que consumi com o maior prazer e que infelizmente deixou de ser comercializado (pelo menos nas perfumarias que costumo frequentar), o She Wood da DSquared2, fui-me libertando.
for Bulgari
Creio que já contei: no outro dia, deixei-me tentar por um da Elizabeth Arden: figo e chá verde. Uma coisa... Invulgar e, no entanto, de tal maneira cativante...
Reza assim a sua descrição:
Inspired by the lusciously sweet fruit, Elizabeth Arden Green Tea Fig takes you to a rustic countryside full of sparkle, warmth and laughter. A burst of Clementine, Green Tea Accord, Kadota Fig, Violet Leaf and Musk wrap you in the refreshing simplicity of this musky fruity floral. Green Tea Fig. Delight your senses.
E só estas palavras já contêm, em si, o perfume de todo um bouquet de emoções. Isto dos perfumes é uma arte. Cada vez mais acho isso.
Penso que é por descender dos bichos do interior da terra que tenho os sentidos todos muito activos.
Nunca me deu para me doutorar e acho que nunca dará. Não teria paciência para perseguir um tema, um único tema, e aprofundá-lo, dissecá-lo, mumificá-lo, transpô-lo para um texto encavalitado por números e deitado sobre um rodapé sempre pejado de anotações que não são senão a ferramentaria transformada em bibelot. Coisa boa para gente paciente e muito dada ao intelecto, coisa que duplamente não sou. Eu é mais sentidos. Os seis.
Há bocado vi um artigo que pensei que me ia interessar: Il rapporto fra profumi, libri e letteratura. Mas não, nada do que eu pensaria. Estabelecer uma relação entre literatura e perfumes parece-me uma boa ideia mas uma coisa mais na base de um quizz. A gente dizia os livros de que gosta e um algoritmo adivinhava qual a fragrância que melhor nos assenta. Fiz agora uma pesquisa e há vários quizz para identificar a fragrância que melhor nos assenta mas tudo na base da banalidade, nada na base das preferências literárias. Portanto, o artigo desiludiu-me: é chato e não me traz dicas interessantes.
Um blog que gosto de espreitar é o Bois de Jasmin. Tudo ali é de bom gosto. E depois há muita gente a comentar, com conversas curiosas, todo um mundo.
Há muitos mundos paralelos. A todo o momento me apercebo disto. Habitamos o mesmo planeta, um planeta em exaustão, mas, sabe-se lá como, ainda assim conseguimos habitar mundos diferentes, mundos que se ignoram e que, na maior parte das vezes, se excluem mutuamente. Eu não sei bem qual o meu mundo. Talvez um limbo resultante da intersecção de vários outros mundos.
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Hoje estou assim, sem energia. Durante estes dias, muita gente enervada à minha volta, embora alguns negando-o, dizendo que estão tranquilos, um ou outro provavelmente naquilo que dantes se dizia que era esgotamento -- e que agora se internacionalizou para burnout -- a chorar compulsivamente à minha frente, e, em cima disso, muita decisão para tomar, muitas vezes ter que fechar os olhos para não arranjar chatice e bola para a frente, e, ao mesmo tempo, em alguns aspectos, muita indefinição, muita procrastinação -- ou seja, alguma canseira.
by Tim Wlaker
E, para ajudar à festa, um mau jeito que me traz dores. Ontem à noite, ao preparar-me para sair do carro, já a segurar na tralha que ia transportar, toca-me o telefone. E que é dele? Estiquei-me para o lado, para baixo e para o lado, para trás, em diagonal, toda esticada a apalpar até onde o braço atingia. Até que o telefone se calou. Felizmente, a seguir veio nova chamada e baixando-me mais, para perceber de onde vinha o toque, lá o descobri. A seguir a esses alongamentos forçados, foi vir carregada para casa. Conclusão: algum dos músculos que se esticou não gostou da ginástica.
Vou tomar um ben-u-ron e vou dormir a ver se, durante o sono, os músculos de desensarilham. Hoje não estou nos meus dias. Que me desculpem os autores dos comentários mas hoje não vai dar. Logo hoje que são tantos e tão bons, tão sumarentos. Mas, para mal dos meus pecados, hoje não dá mesmo.
Mas, para que não sintam que aqui vieram para nada, permitam que partilhe convosco dois vídeos de Jonna Jinton, aquela jovem que vive uma vida que deve ser uma maravilha, num lugar fantástico. Este de colocar as pedras (que me faz lembrar aquele senhor que está ali no Terreiro do Paço, à beira de água) dá-me vontade de, lá in heaven, ir experimentar. Parece-me uma coisa muito interessante.
E este do banho no gelo também me parece uma boa coisa, bonito, embora não me imagine a ter tal coragem. Fogo...
Sabeis, senhor, que tenho que esconder o que falar não posso, não sabeis? Tenho, senhor, tenho que esconder de todos. E de mim também, senhor.
Nem a luz mais impudica, nem os ventos mais desvairados, nem o silêncio mais insistente, nada me fará dizer o que junto de todos e de vós também sou forçada a calar.
Quero-vos distante de mim, senhor, quero esquecer-vos, quero nada saber de vós, quero não sentir o vosso perfume mesmo que a outros e não a vós ele pertença, mesmo que apenas o imagine, mesmo que apenas deseje tê-lo um dia sentido. É que é tão forte a saudade, senhor, tão forte, tão forte.
E não queirais que eu saiba o que digo ou que me mantenha coerente. Não, senhor, não queirais. Toda eu sou fogo que me arde por dentro, queixume que se não deixa ver e que abre sombrios caminhos em mim, palavras de paixão que disfarçam a paixão que confessar não posso, labirintos em que sozinha me perco, perigosos e atraentes abismos que me respondem quando em silêncio por vós chamo, senhor.
Ah senhor, que dor, senhor, que dor.
Ah, que misterioso apego é este que sinto e que tanto queria desconhecer?
E que sopro é este que até mim chega e que sei, senhor, sei, que é o surdo chamamento que por mim lançais nas longas noites em que os lobos saem à rua para uivar, loucos de solidão e amor?
Contei aqui uma vez mas recordo. Desde há muitos anos e por razões que não vêm ao caso acontece não usar transportes públicos. Se calha ficar sem carro porque tem que ir à oficina já parece que estou a pôr em causa a minha sobrevivência e só fico tranquila quando me asseguram que me trazem um de substituição.
Lido assim e, ainda mais, por quem não tem estas mordomias, há-de parecer que estou para aqui a armar-me ao pingarelho. Mas claro que não estou. As coisas são o que são e as minhas circunstâncias são estas. Claro que preferia ter também motorista mas essa sorte só tenho ao fim de semana ou de vez em quando, em viagens mais longas (mas, nesses casos, tenho que ter o trabalho de cravar alguém).
Andar de metro, de autocarro, de comboio ou de metro é experiência que não tenho há milénos.
Mas uma vez aconteceu ter que ir de autocarro não sei onde. Não faço ideia porquê. Provavelmente teria o carro na oficina e, talvez por estar de férias, ninguém tratou de me arranjar carro de substituição e não estive para me dar a esse trabalho. Não sei. Nem me recordo onde fui. O que sei é que foi uma experiência fascinante.
Relembro.
Informei-me de percursos e horários e fui para a paragem de onde partia o autocarro um bom bocado antes do horário. Quando ele chegou, entrei. Fiquei lá sozinha. Passado um bocado começaram a chegar mulheres. Todas negras. Tenho ideia que todas gordas. E tenho ideia que todas se conheciam. Curiosamente sentava-se cada um em seu banco. Percebi depois porquê. Pousaram um saco no assento ao lado e de lá tiraram o farnel. Pão. Desataram todas a comer. Rapidamente um intenso cheiro a pão com chouriço alastrou pelo autocarro. E conversavam alto e riam de gosto enquanto comiam.
Eu estava encantada. Ouvir aquelas conversas e aqueles risos era, para mim, pitéu do melhor. Depois o autocarro partiu e, noutras paragens, outras pessoas iam entrando, a grande maioria negras. Percebi que eram empregadas de limpeza. Vinham de trabalhar em casas particulares e iam trabalhar nas limpezas dos escritórios, ao fim do dia. E iam naquela alegria. O sentido de humor e a energia delas surpreenderam-me de uma maneira que ainda hoje, anos depois, recordo a minha admiração.
A vida de muita gente é árdua. Não sei como fazem para conciliar com a vida pessoal e familiar.
Aliás, sei.
Recordo-me daquele ano em que fiz voluntariado na escola secundária que é considerada uma das mais problemáticas do país (senão, mesmo, a mais problemática). Já falei algumas vezes dessa experiência. Não é o assunto de hoje pelo que não vou deter-me nos diversos casos que me emocionaram e me mostraram uma dos lados sombrios da vida. Quero apenas falar duma jovem negra, também reboluda, também extrovertida, também muito faladora.
A toda a hora dizia que queria deixar de estudar, que estava ali apenas porque era obrigada, que queria chumbar para poder deixar de vez a escola. Já devia ter uns dezoito anos e andava ainda no 8º ano. Não sabia nada. Não prestava atenção a nada. Não queria participar em nenhuma actividade. Desinteresse puro. Foi ela que, quando eu escrevi no quadro a palavra 'bondade' e pedi que escrevessem alguma coisa sobre isso, desatou a rir, lendo a palavra com aquele sotaque negro, sincopando a palavra, silabando-a com ar de quem vê um alien em forma de palavra: "bon-da-de". E muito alto, rindo: O que é isso? Bon-da-de? Nunca ouvi. Bon-dade, bon-da-de. Ahaahaha.
Expliquei. Não prestou muita atenção. Era um conceito que lhe era estranho.
Quando lhe perguntei que profissão queria ter, olhou-me admirada. Não queria nenhuma. Quando lhe perguntei porque não queria aprender, respondeu que tinha que ficar em casa a tomar conta dos irmãos porque a mãe ia trabalhar e os irmãos mais novos ficavam em casa sozinhos. Fiquei a olhar. Nestes momentos, sinto crescer em mim uma emoção forte e sinto que felizmente sei conter-me porque, por dentro, as lágrimas avançam como uma onda. Ela deve ter sentido que eu queria perceber melhor porque me explicou. Quando aqui estou, só penso neles. Devia estar lá a tomar conta deles. A minha mãe não tem a quem os deixar. Nessa altura, estava a falar baixo e sem se rir. Eu queria dizer-lhe que deveria estudar, para poder ter uma melhor vida, para melhor poder ajudar os irmãos. Mas como dizer isso, sabendo das outras crianças sozinhas em casa?
Como se fazem adultos saudáveis e alegres e como é que estas mulheres que, para poderem sobreviver e alimentar os filhos, trabalham de manhã à noite, deixando os filhos entregues a si próprios, ainda são capazes de rir e brincar, abstraindo-se das dificuldades e festejando a vida, é coisa que me enche de espanto e admiração.
Talvez seja a pele cor de chocolate que tem o condão de lhes adoçar o coração. Mas não sei.
Há coisas que se fixam na nossa memória como se tivessem sido tocadas pela graça da eternidade. No largo espaço do tempo -- onde se albergam várias geografias, muitas pessoas ao longo das suas múltiplas idades e memórias fragmentadas de acontecimentos ocasonais -- essas coisas permanecem incólumes, como se o tempo se tivesse detido para as conservar, frescas e belas, dentro de nós.
Essas coisas (ou pessoas) especiais preservam-se no ambiente em que um dia tocaram o nosso coração. Pode ser, por exemplo, um sorriso avistado numa varanda suspensa, entre flores e sobressaltos. Pode ser o canto do mar saltitando nas rochas, rompendo por entre uma gruta numa longínqua tarde de verão ou o nosso nome descoberto entre ruínas, tempos depois de lá termos estado com alguém que escondia o seu amor.
Ou uma luxuriante avenca no fundo parapeito interior de uma larga janela ocultada por espessa cortina. De um verde secreto e sereno, a terra sempre húmida, o vaso dentro de um prato alto sempre molhado. Na sala dos meus avós. O cadeirão onde o meu avô se sentava, ali sob esse largo parapeito. A minha avó com uma tesourinha, cortando as folhinhas secas, passando a mão pela frescura viçosa das hastes repletas de folhinhas pequeninas e perfeitas como um denso bordado.
Depois disso já houve outras avencas. Mas nenhuma bela e farta como a daquela janela por onde a luz não era autorizada a entrar. Sempre que me lembro de avencas, é daquele vaso ali que me lembro Eternamente ali.
Como o perfume fresco, subtil, delicado, que ofereci à minha mãe. A essência da violeta. Um frasquinho pequenino, muito bonito. Como o vasinho de violetas que tive na minha primeira casa, aquele ninho de amor no alto de uma torre de onde se via o mundo a toda a volta.
E agora -- contei-o aqui -- recebi um inesperado vasinho de violetas pelo Natal. Estamos em Abril e estão ainda vivas as florzinhas e aveludadas as macias folhas.
Penso no largo parapeito da minha avó. Não tenho nenhum parapeito assim nem as violetas são parecidas com a grandiosa avenca do vaso da minha avó.
Está na bancada de pedra da minha cozinha, junto ao tabuleiro da fruta. As cores luminosas das laranjas, das maçãs, das bananas, a luz coada passando pela cortina de renda, e o vasinho de violetas. Olho e penso que gostaria de guardar na minha memória o sentimento de harmonia que dali me vem. Mesmo quando as laranjas doces e sumarentas tiverem sido comidas e as florzinhas definhado, mesmo então eu gostava de ver ali as cores e a suavidade destes momentos.
Em vão tenho procurado um perfume tão suave e intangível como o daquele que, quando era ainda menina, ofereci à minha mãe. Mas todos os que encontro não são tão eternos e elegantes como aquele. Ontem, ao passar os olhos pelo Bois de Jasmin dei com um texto sobre violetas, Vintage Violets. Encantei-me a lê-lo.
Swan-down puffs, lace camisoles, ivory fans, tulle skirts, satin shoes… If these words evoke an appealing vision for you, then you’re the right candidate for a Victorian violet perfume. While the 19th century under the reign of Queen Victoria is often described as conventional and stuffy, the favourite aromas are anything but.
Despite its reputation for being dainty and demure, violet has a complex scent with a fascinating history.
The Victorian era was a period of great change in society, and the simple example of a violet cologne is a good illustration of the dynamics of the time.
Violet waters became popular long before Victoria was crowned, highly sought after for their sweet scent with nuances of raspberry and rose. At first, fragrances based on this flower were derived from Parma violets via the painstaking process of collecting tiny blossoms and extracting their essence. It made violet a costly and luxurious perfume available only to a select few.
Violets and other floral notes were usually blended with musk and amber to give them depth and character.
Guides to contemporary etiquette urged women to select light and delicate perfumes, but fragrances rich with sandalwood, balsams and ambergris were much loved.
Queen Victoria herself favoured Ess Bouquet, a bold choice that during her 1855 trip to France confounded Parisian mavens. A perfume “with a detectable hint of musk” on a royal persona seemed surprising, risqué and yet intriguing. (...)
It might make you understand why Napoleon Bonaparte, a character far from demure and retiring, selected the violet as his signature flower.
E Victoria Frolova refere os perfumes de violeta que mais aprecia. Infelizmente, que eu saiba, nenhum se vende em Portugal.
Mas não faz mal. Vive ainda dentro de mim a eterna fragância da mais perfeita essência, aquela que guardo desde a minha meninice e que agora sinto colorida pela doçura da minha memória.
Thérèse philosophe inspirava-se num caso célebre: o padre Girard, um jesuíta reitor do Seminário Real de Toulouse, fora acusado por Catherine Cadière, de quem era confessor, de a tentar seduzir. O padre fora absolvido pelo Parlamento de Aix, em 1731, mas numerosos panfletos repetiram e romancearam o episódio. Assim, Thérèse philosophe passava também a ser um roman à clef.
O padre Girard, Dirrag na ficção, usava os famosos Exercícios Espirituais de Santo Inácio numa desvirtuada acepção carnal, misturando sexo e sacrilégio. A mensagem era a desmontagem da dualidade corpo-alma e a disseminação de uma filosofia materialista. (...)
Para se ilustrar nestas matérias, Thérèse ia lendo na biblioteca do Conde, seu interlocutor, alguns clássicos da pornografia. No final, tirava as conclusões consequentes: a volúpia e a filosofia faziam a felicidade do homem sensível, que chegava à volúpia graças ao tacto e que amava a filosofia graças à razão.
Ao mesmo tempo que se desdobrava em experiências com vários parceiros -- padres, aristocratas, filósofos --, Thérèse ia referindo outros prazeres, para leitores que supunha da sua condição: vinhos de qualidade, como champanhe e bourgogne, e pratos raros e caros, como ostras. O gourmet, o filósofo, o libertino, juntavam-se na boa vida. O público alvo era, claramente, a sociedade dos salões. Já Diderot, Voltaire e Montesquieu, em La Religieuse, Candide ou Lettres Persanes, conhecendo a ligeireza intelectual do beau monde, seguiam a mesta receita, servindo a filosofia em pequenas doses, facilmente digeríveis pelas elites do tempo, como os petits pâtés anticlericais de Voltaire. Uma das personagens de Thérèse philosophe, o abade, prevenia que semelhantes teses e temas só deviam ser apresentados e discutidos a "determinadas mesas e com discrição" e, ainda assim, "mandando sair os criados". Só os escolhidos deveriam ter acesso a estas verdades, pois, se conhecidas e partilhadas por todos, poderiam subverter a ordem social. Assim, a filosofia ilustrada era só para as elites, permanecendo o povo na ignorância e nas trevas da religião e da tradição, sendo preferível e desejável que assim acontecesse.
Só para dizer. Depois de uma jornada de trabalho rural e de um descanso sarapintado de leituras internéticas, chego a esta hora com a cabeça descansada e as mãos secas, a pele dando mostras de um trabalho que teria requerido luvas e eu, feita bicho selvagem, sempre com a pele em contacto com heras, silvas, tojo, ramagens cruzadas, espinhos, asperezas -- e serrote na mão, abrindo caminho a golpe de lâmina. Longe dos gabinetes higienizados e brancos, aqui estou olhando as mãos que escrevem, pensando no que tenho estado a ler.
Lamentos. Muitos lamentos. Sobretudo as mulheres. Falam de abandono, da tristeza como uma segunda pele, sente-se a solidão colada aos dedos. As palavras falam de mágoas, lamentam o amor que partiu deixando-as com o seu cheiro na memória, no ar que respiram.
Estive também a ler o post do Fernando Ribeiro sobre o frio. Poderia fazer minhas todas as suas palavras. Em tudo. Assim eu, também. E aquilo de pensar: não vou sentir frio. E deixar de sentir. No outro dia, cheguei a horas de caminhada. Um gelo. E eu despreparada. O meu marido: está frio, não dá para ires assim. Fui. Quis ir andar para a beira do rio. E ele: para o rio, não, não se deve aguentar, vais constipar-te. E se estava frio. Tanto. Mas pensei: não vou sentir. Não senti. Ou melhor. Senti que ele estava lá mas não deixei que me importunasse.
Talvez por sorte, nunca fui abandonada. Até hoje, não conheci mal de amor (e acabei de bater três vezes na madeira, para que isso nunca venha a acontecer). O mal de amor que me fez sentir mal foi o mal de excesso de amor ou o mal de ter que deixar para trás um por ser difícil ficar com dois. Mas isso, se calhar não conta como mal de amor. Mas tenho para mim que se acontecesse sofrer de mal de abandono haveria de fazer como com o frio: não vou sentir mal de amor. E, passado o primeiro e doloroso embate, não haveria de sentir (ou, pelo menos, não por muito tempo). Eu sou eu. Eu não sou a parte de que alguém gosta e que fica incompleta se esse alguém deixar de gostar. Eu sou eu. Se gosta, melhor, se não gosta, problema dele que eu vou à minha vida. Isto digo eu sem saber. Mas com a fome é o mesmo. Às vezes calha, quando aqui estou à noite, já tão longe da hora a que foi o jantar, sentir fome. Mas por preguiça ou porque acho que não carece, penso: vou deixar de sentir fome. E deixo. Se apertar, bebo água. Chego a pensar: o pior é se não durmo, com o estômago a dar as horas. Ah pois não. Durmo que nem pedra.
Não sei se isto meu é esse tal de mindfulness, coisa que está muito na moda mas que não sei o que é. Um dia deu-me a curiosidade, googlei e fiquei com a impressão que era isto de a gente se concentrar na coisa e se entregar por inteiro a ela. Mas eu não é bem isso, é mais o de não querer saber da coisa e me alhear dela. Não fiz nada para aprender isto. Se calhar é coisa a que se chega com meditação mas eu também não pratico. A única vez que fui, descansei de tal maneira que adormeci. Aliás, mal me deito descansada, adormeço logo. Já contei: na fisioterapia, mal me põem o calor húmido no ombro ou nas cervicais é logo. Por isso, não sei bem o que é isso de meditar nem se isso de mandar pastar aquilo que não quero sentir é coisa na base da meditação. Para mim é mais o 'não estou nem aí'. E pronto, já era. Artes mágicas de perlimpimpim. Butterflies all over e bola para a frente.
Mas isto para dizer que se as minhas palavras pudessem ser úteis para quem me lê num momento menos bom da sua vida, o que eu gostava é que tentassem relativizar a situação e seguir adiante. Imagino que, quando se esteja aflito de solidão e dor, não seja fácil encontrar a energia para mandar a pouca sorte e a tristeza irem dar uma grande volta. Mas há que tentar. E sair, passear, ir para o jardim, ir para a beira rio, ler, rir, não querer saber de censuras alheias, usar roupa alegre, ser irreverente. E acreditar que se consegue. Persistir. Querer ficar bem. Querer voltar a sentir expectativas boas e borboletas na barriga. Na barriga ou no peito? Agora não me lembro mas a ideia é esta: voltar a sentir esperança e alegria e vontade de descobrir mais momentos bons.
Uma coisa assim como esta do macaco que tanto fez que conseguiu levar a dele avante. Não desfazendo, uma lição de vida. E onde se vê um par de tigres veja-se solidão, tristeza, saudade demais, vontade de desistir. Reparem bem no que o macaco faz para espantar o que lhe é indesejado. Ora vejam.
Fui juntar um pedaço de madeira ao fogo que crepita na salamandra. A chuva cai espaçadamente lá fora. A sala está acolhedora mas, se o fogo abranda, sente-se logo como que uma aragem fresca.
Não presto atenção ao que passa na televisão. Nada que me interesse. Estive a ler. Depois entretive-me a mudar o aspecto do blog. Gosto de mudar. Em mais um dos vários assessments a que me sujeitei, sem surpresa, dei por mim a responder que o que me atrai é a mudança. Perguntam a mesma coisa de muitas maneiras diferentes mas não há volta a dar:
Prefere o que conhece ou o que desconhece? O que desconheço.
Prefere ambientes estáveis ou cenários de mudança? De mudança.
Prefere trabalhar segundo regras conhecidas ou em situações em que as regras estão por definir? Por definir.
[Muitas perguntas. Sempre respostas assim: construir, mudar, conhecer, ousar.]
No fim, perguntaram-me: o que gostava de fazer? Disse: qualquer coisa de inesperado.
Como?, perguntaram-me. Respondi: qualquer coisa que me deixasse surpreendida, em que nunca tivesse pensado, que não soubesse se saberia fazer.
Construir caminhos. Desafira-me a mim própria.
Gosto muito de construir caminhos. Aqui in heaven todos os caminhos foram idealizados por mim. Onde apenas havia mato rasteiro e pedras, eu dizia: por aqui, depois curva por aqui, depois segue, segue, segue, ali curva levemente, aqui bifurca e vai um para ali e outro para ali. Antes de eles existirem, eu imaginava-os. Agora parece que sempre ali estiveram e os meus passos seguem por eles como se eles não tivessem nascido na minha cabeça mas de dentro da terra.
Ou do velho fazer novo. Restaurar. De uma casa velha e sem graça fazer uma casa nova e luminosa. Quase todos os móveis que aqui estão têm uma idade indeterminada. Foram restaurados. Mas um não, o mais bonito de todos foi feito pelo meu pai. Imaginei-o, desenhei-o e ele deu-lhe corpo. Sobreviver-lhe-á. Sobreviver-me-á.
O fruto dos meus sonho é menos efémero que eu. Mesmo estas palavras. Sobreviver-me-ão. As minhas fotografias também. Quase tudo me sobreviverá. Talvez alguém, um dia, vendo uma fotografia minha, diga: esta foi a minha trisavó; foi ela que imaginou estes caminhos, que plantou estas árvores, que aqui mandou fazer estes bancos. E escrevia muito, ela. Palavras soltas.
Somos efémeras e vulneráveis criaturas. E nem sempre nos lembramos disso. Se nos lembrássemos aspiraríamos com prazer o ar que respiramos, sorriríamos à passagem do vento, colheríamos com alegria todas as gotas de chuva, abençoaríamos os raios de sol. E viveríamos cada instante com o prazer de quem não sabe quantos mais terá. Sem pecado e com inocência. Os frutos, os amores, os sonhos, os reflexos de luz, os laços, os infinitos nadas.
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E queiram descer, para seguirem pelos meus caminhos aqui, in heaven .
Chego a sexta feira à noite com vontade de virar do avesso a semana que acabei de viver. Há coisas que são tão tenebrosas que só me dão vontade de rir. Outras tão parvas que só me apetece fazer parvoíces ainda maiores.
Para acabar o dia em beleza, jantámos num restaurante simpático. De um lado estava um grupo de professoras que não fizeram outra coisa durante todo o santo jantar senão dizer mal de outras, mas mal a sério, uma coisa espantosa tal a quantidade de raiva acumulada. Do outro lado, uma família em que uma mulher falava enervadamente do mal que amigos fingidos lhe faziam no facebook fazendo-se passar por amigos de verdade. E o resto da família dava-lhe estranhíssimos conselhos sobre a forma de desmascarar os hipócritas e vingar-se dos cruéis, ao que ela rebatia com revelações ainda mais parvas que as anteriores mas que desencadeavam, nos outros, curiosas reacções de solidariedade.
E nós no meio, incapazes de dizer mal de quem quer que seja a não ser um do outro. Só que a nós o mau feitio passou mal veio a comida porque, na verdade, o nosso mal era fome.
E, no rescaldo, concluímos que éramos mais felizes por não andarmos metidos no Facebook. E eu falei naquela coisa esperta que o Facebook anunciou: quem não quiser correr o risco de ter a circular fotos ou vídeos comprometedores deve... enviá-los para lá. Dizem que traçam o ADN de cada coisa dessas e, a partir daí, mapeiam essa informação contra o que lá cair, conseguindo identificar se algum meliante ou zinha vingativa lá os quiser pôr.
Mas eu pasmo: será preciso ser-se ainda mais desesperado mental do que os incautos que usam o Facebook para entregar justamente ao Facebook aquilo que se quer esconder. Mas vai haver quem se sinta completamente seguro ao fazê-lo. São os mesmos que acreditam no Pai Natal. Que os há.
Bem.
E, na política nacional, a coisa também anda frouxa.
Ou, então, sou eu que ando com mais sono do que é costume. Tive que madrugar em dois dias e isso desestabiliza-me os humores. A verdade é que o que se passa não me dá pica.
E é que nem Madame Teodora (a Cardoso, of course) já consegue entusiasmar-me. Senhora muito datada para o meu gosto. Não está a envelhecer bem. A nível mental, quero eu dizer -- porque, calma aí, a nível físico, está do melhor que há. Não desfazendo.
Faz-me falta o láparo, o Vai-estudar-ó-Relvas, o Ex-Vice-Irrevogável, a Lulu e o seu pit-bull, o Lombinha dos Briefings, o Maçães e as suas polacas. Até do totó do Gaspar e daquele Álvaro com um ar sempre saudável eu tenho saudades para me despertarem os maus instintos. Ou do Cavaco com a sua Cavaca, agora promovida a fada-madrinha do maravilhoso Reino Encantado de São Marcelo. Olha, agora por falar nisso, lembrei-me que, por esta altura, tadinhos (dos Cavacos), haveriam de estar a preparar a árvore de natal para servir de pano de fundo à sua imprescindível mensagem natalícia. Fofos. Eles e a Joana dos naperons e dos tampões. Toda essa gente faz falta para a gente ter com que se rir à séria.
Deveríamos tê-los ainda por aí, todos juntos numa espécie de portugal dos pequenitos, num reality show transmitido em directo, com uma Guilherma a atiçar ânimos e a fazer com que fossem para a cama uns com os outros.
Sem eles, o panorama mediático acinzenta-se. É certo que os números da economia estão mais para o côr-de-rosa mas isso dá é para sorrir de gosto. É que sem totós de jeito, a gente vai rir-se de gozo de quê? Dos moços-candidatos, o Rui e o Pedro, que agora deram em ser mais laparianos que o Láparo? Não posso, não é? Não quero passar por parva. Senão isso, então, de quê? De uma lagarta passeando por entre uma salada comprovadamente biológica? Não dá, não é? Ia defender que pusessem pesticida na salada da escola? Não, não é...? Ou vou falar de quem, na escola, achou que o vídeo não tinha qualidade artística e critica agora a aluna? Não... parece-me motivo meio pífio. Seria bater no fundo: chegar ao ponto de que o único motivo de conversa já não passasse disto.
Portanto, olhem, paciência, nada mais me resta senão tentar aliviar a maçadoria que se acumulou ao longo da semana, procurando cenas que, para mim, valham a pena. Portanto, aqui estão: rãs descaradamente verdes, pretas do além*, uma das quais branca, (e daqui a nada já verão a que propósito se puseram naqueles preparos), crianças metafísicas, majorettes d'après la lettre, uma Melania assombrada na muralha da China, um jordano bué de bacano, todo LGBT. É o género de coisa que me interessa.
Entretanto, já cá tenho outra vez na sala o porta-voz de todos os ramos da sociedade portuguesa, seja qual for o ramo e o tema: o ubíquo e omnisciente Marcelo (a quem o E. trata por Marcelo-afilhado), aquele nosso bem conhecido santo padroeiro que dá conta de tudo. Nem sei de que é que agora fala mas reparei que fala com ar de quem sabe de tudo. Para além de ter muito amor para dar, está sempre pronto para dar uma lição ao povo. Mas, enfim, isso já nada tem de novo.
Salva-se, pela graça, a notícia de que alguns gays maléficos andaram a influenciar alguns leões quenianos e de tal forma que já apanharam alguns a reproduzir o que viram. Upa-la-la em cima um do outro. Se isto dá em tudo o que é cão e gato vai ser um ver se te avias a sair do armário
E é isto. E se houver aí alguém que tenha registo de alguma coisa mais importante, que se levante e diga. Senão, ficamos assim.
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Fotografias quase todas vistas no The Guardian. A dos leões que são macacos de imitação não.
Gosto de fotografia, gosto de beleza, gosto de elegância, gosto de irreverência, gosto de insolência, gosto de boas mensagens, gosto de ser surpreendida. Por isso, há coisas pelas quais sempre aguardo com expectativa. Uma delas refere-se às imagens do calendário Pirelli. Nele, os melhores fotógrafos, costumam fotografar as mulheres mais belas.
Pois bem, para este ano a Pirelli foi buscar um fotógrafo que é muito cá da casa: Tim Walker. Quando soube disso senti aquela reacção infantil de quem acerta no furo que esconde a bolinha que dá o melhor prémio.
Claro que o resultado não haveria de ser convencional e haveria de ter história, magia, inconvencionalismo, graça. Digamos que, para quem vai à procura de mulheres lindas, descascadas, em ambientes paridisíacos, poderá haver uma desilusão. Provavelmente pensará que se enganou no calendário. Mas o mundo já não é o que era. O ideal ficcionado em que apenas mulheres altas, esbeltas e sorridentes têm lugar, já era. Felizmente muito boa gente tem vindo a pugnar pelo fim da ficção da perfeição ideal e começa a ser consensual que em tudo há beleza, desde que tenhamos predisposição para a ver. E há muitas maneiras de defender a inclusão e uma das mais efectivas é praticando-a. Farta de palavras vazias, declarações inflamadas ou mediáticas bolas de efeito, fico toda feliz da vida quando o insólito marcha orgulhosamente rua afora.
E ver estas imagens ainda mais me agrada quanto, justamente, hoje, no meio de um mar de gente vi uma mulher numa cadeira de rodas e a mulher era apenas meia mulher, e vinha a sair, sorridente, de uma Zara, e vi duas crianças sem um cabelo, nem nas sobrancelhas, com gorros, máscara, rostos inchados e ambas sorridentes e felizes, e um homem que devia ser deficiente mental, muito estranho, vestido de uma forma absurda, e todo ele sorria, feliz por estar ali. E, cruzando-me com pessoas de todas as etnias e culturas e de todas as condições, senti-me muito bem porque a maior felicidade é a normal convivência no seio de um ambiente inclusivo, de genuína aceitação e profundo respeito por todas as pessoas.
Generosidade, compaixão, afabilidade, respeito, empatia, aceitação -- são estados de espírito ou predisposições mentais ou emocionais que tornam o mundo um lugar bom para se viver. Tim Walker demonstrou uma vez mais que este é o seu mundo ao encenar desta forma tão surpreendente a Alice no País das Maravilhas. E logo para o Calendário Pirelli.
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Tim Walker, salut!
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E uma feliz sexta-feira a todos quantos por aqui passam.
Depois de ter feito o post sobre os casais, pus-me aqui a ver alguns vídeos. O YouTube recomendava-me conferências ou vídeos educativos do TED. De vez em quando um ou outro interessam-me mas, de forma geral, é muito 'a fórmula para' ('para o sucesso', 'para a felicidade', 'para estar bem com a vida', etc) e isso, para ser honesta, maça-me. Não gosto de verdades absolutas nem de gente muito convencida. Da mesma forma, chateiam-me as pessoas que não gostam de nada e que embirram com tudo e com todos. Ninguém pode saber muito de tudo ou sequer muito seja do que for. Ou, se sabe mesmo muito de uma única coisa, é uma pessoa doente, obsessiva, que se fechou para o mundo entregando-se a um único interesse. Isto acho eu.
Por isso, se há coisa de que me orgulhe é de saber pouco e de me lembrar a toda a hora que sou uma ignorante. E uma curiosa. Mas, se sou curiosa e me apaixono pelo que vislumbro, não é pelo prazer de averbar descobertas ou conhecimento mas, sim, pelo prazer de espreitar o vasto mundo que desconheço e saber que jamais poderei abarcar sequer uma pequena parcela do que há para compreender. A imensidão, se me assusta um pouco, atrai-me e desafia-me.
O prazer que sinto vem, sobretudo, em espreitar o desconhecido tentando manter-me intocada, para que o conhecimento não me amorteça, para que queira sempre procurar mais e para nunca ficar desencantada ao comprovar que afinal, não sei é nada.
E nesta contradição reside, penso eu, a razão da paixão que ponho em tudo a que me dedico. Não consigo ser moderada em relação àquilo que verdadeiramente me interessa.
E se falo hoje nisto é porque as estatísicas do UJM me dizem que estou prestes a atingir um número redondo no número de visitas. Pasmo com esse número. Não me sinto vaidosa (a Pipoca mais Doce ou o Daily Cristina devem conseguir mais visitas num dia do que o UJM num mês - senão mais, nem faço ideia) nem acho que haja algum segredo para conseguir manter um número médio de visitas que a mim me parece surpreendente dadas as minhas baixas expectativas. Falo nisto porque manter este blog veio a revelar-se, para mim, uma paixão. Mais do que um prazer: uma paixão.
Escrever aqui tem os condimentos certos para puxar por mim, para me agarrar, para me tirar o chão. Aprendo, ao escrever aqui. Aproxima-me de pessoas que escrevem bem e que pensam de maneira diferente ou estranhamente parecida com a minha.
E, como todas as minhas paixões, é imoderada. Escrevo demais, textos demasiado longos, demasiados textos. E encho-os de músicas, de fotografias, de pinturas, de bailados. É tudo muito e muito intenso. Reconheço isso e bem gostava de me moderar. Imagino que esta minha imoderação afaste muitos leitores. Eu própria, se abro um blogue e vejo um texto que vai corrido por ali abaixo, um lençol monótono, que vai imparável e sem fim, muitas vezes abrevio a leitura. Mas vá lá eu evitar fazer o mesmo...? Vá lá eu conseguir refrear-me...? Vá lá eu controlar esta minha paixão...?
Não. Não consigo. De resto, nem tento. As paixões não se querem controladas.
E assim, tudo o que faço por prazer, é o que vêem: uma avalancha, uma torrente, uma vontade de viver com intensidade, um gozo.
Estive a ver uma conferência do Ted sobre a paixão, onde o orador exemplificava que grandes sucessos na história dos negócios e de outros empreendimentos, tiveram por base a paixão. Podia, até, colocar aqui esse vídeo mas não ponho. Estas coisas não são doutrina. Cada um é como é e não há 'fórmulas para'. Há sorte, há empatia, há uma qualquer coisa que é indefinível, há entrega, há prazer, há vontade de continuar a fazer, há o estar atento ao que aqueles para quem escrevemos gostam de receber - mas nada disto é reprodutível ou mimetizável.
Se o meu objectivo aqui fosse ter muitas visitas e bater records, inspirava-me nas pipocas e pipocos que, com esse e outros nomes, seguem, by the book, as regras para ter muito sucesso nisto dos blogs. Ora, não apenas não leios esses books, como me estou nas tintas para as regras e quero lá eu saber de rankings. Quero é ter prazer ao fazer isto, quero é aprender, quero é descobrir coisas e pessoas. Quero também é que vocês, aí desse lado, gostem de estar comigo, sintam um pouco da paixão que toma conta de mim quando aqui estou, se surpreendam e queiram continuar a ser surpreendidos tal como eu.
Quando tiver atingido esse tal número redondo, vos direi mais qualquer coisa, não sei o quê, nunca gosto de premeditar. Talvez vos agradeça e mais nada. Até porque, de facto, ao fim deste tempo, se eu tivesse que resumir tudo o que tenho vivido aqui no Um Jeito Manso seria a isto: paixão e agradecimento.
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As fotografias são de Tim Walker
Lá em cima, era o Concerto para Piano Nº 21 de Mozart