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sábado, maio 02, 2020

Porque é que se trabalha?





Não me posso queixar. Pelo contrário. Mas a gente às vezes queixa-se não porque tenha ponderosas razões de queixa mas porque faz parte da nossa natureza de gente. A gente queixa-se. Às vezes por razões grandes, outras por razões pequenas, outras por razões permanentes, outras por razões ocasionais.

Outra coisa: não se trabalha apenas porque disso dependa a nossa sobrevivência. Trabalha-se porque trabalhar faz parte da nossa natureza.

Pelo menos da minha faz. Comecei a trabalhar cedo e sempre trabalhei muito: estava a dar aulas em horário completo e, ao mesmo tempo, a fazer uma licenciatura que só não me punha a cabeça em água porque eu relevava os pesadelos que quase se abatiam sobre mim. Daí passei para um lugar onde trabalhava sem horários, sob orientação de um super especialista que vinha dos States para me guiar, e, ao mesmo tempo, andava em transportes, grávida até ao fim da gravidez, uma barriga de impor respeito. Depois o segundo filho, a primeira ainda pequenina, o trabalho a levar-me por todo o país. O meu marido também sobreocupado, muitas vezes fora. Toda a vida, com muito trabalho, a garantir a presença e a atenção junto dos meus filhos, razão primeira de tudo. Faz parte de mim ser assim.

Há quem trabalhe pouco, se arraste, se queixe de tédio. Nunca me passou pela cabeça ser apenas dona de casa ou viver à custa de alguém. Até a mesada dos meus pais eu tinha dificuldade em aceitar. Sou independente por natureza, trabalhadora por natureza.

Não digo que seja virtude. Na volta é mais inteligente trabalhar pouco e viver à conta. Mas, na volta, a inteligência nunca foi o meu forte.

Uma vez, o Mourinho saíu de um clube qualquer com uma indemnização de milhões. Nesse dia eu estava a almoçar com um dos homens mais ricos do país. Mas desse homem, se a gente se distrair, ninguém percebe a dimensão da sua riqueza porque também trabalha que se farta. Havia uma televisão no bar onde se esperava e ficámos ali enquanto não chegavam outros dois. Vi então alguém a perguntar ao José Mourinho onde é que ele ia trabalhar a seguir e ele a dizer que ainda não sabia. Aquilo fez-me impressão. Então, ao almoço, ainda conversando sobre isso, distraída, eu disse: 'Como é que uma pessoa que, de repente, recebe assim uns milhões ainda precisa de trabalhar?' Então, ele, aquele que estava à minha frente, encolheu os ombros e sorriu. Insisti: 'Mas não acha?'. Ele, ainda sorrindo, quase como se confessasse uma fraqueza: 'Sabe, trabalha-se porque sim, porque não se sabe fazer outra coisa, porque é como uma pessoa se realiza, porque se gosta do que se faz, porque não se sabe estar sem trabalhar'. E eu olhei para ele sem saber o que dizer, de repente recordada da sua grande fortuna. Sorri também porque ele estava a falar dele próprio e porque sei bem como ele estava a falar verdade. 
Fiz caldeirada de asa de raia para o almoço. Com abundante cebola, tomate bem maduro, batata normal e batata doce, salsa, azeite e um pouco de sal. Sobrou um bocado. Então, para o jantar, retirei o peixe, tirei as espinhas (ou melhor, aquela cartilagem fina que, por acaso até gosto de trincar). Juntei um pouco de água, um fio de azeite e moí tudo bem. No fim juntei o peixe, um pouco de coentros e uma folhinha de hortelã. Tinha cozido ovos. então, em cada tigela de sopa, juntei um ovo picado. Estava uma maravilha. E ainda sobrou um pouco.
Também andei a varrer lã fora. Debaixo do telheiro, debaixo dos bancos, o jardim, a zona das árvores de fruta perto da casa, o caminho desde o portão. Apanhei carros de folhas secas e terra que fui despejar ao fundo, na zona dos pinheiros. Agora tenho as mão doridas e secas.
Este sábado irei fazer uma ou duas máquinas de roupa, fazer limpeza ao estúdio, pôr roupas a arejar. Não sei ainda o que vou fazer para o almoço. Não sei se favas guisadas com entrecosto se frango no forno.
Não posso dizer que trabalhe muito pois sei que há quem trabalhe muito mais, em condições muito mais duras, debaixo de aflições, se calhar sem gostar do que faz, se calhar com medo de, ainda assim, perder o trabalho que tem.


Mas não se pode pensar assim pois há sempre quem esteja pior. Pode é ser-se sincero. E, por isso, falo com sinceridade quando me queixo do que me incomoda ou quando me confesso cansada. 

Podia, é certo, deixar de trabalhar. Mas deixarei alguma vez de trabalhar? Faria o quê se deixasse de trabalhar? Varria e lavava o chão sem parar, cavava, podava árvores, cozinhava, escrevia, sei lá.

Lembro-me agora de um outro amigo, alguém com quem gostava muito de conversar e com quem tinha longas e saborosas conversas, e de quem, pelas circunstâncias da vida, acabei por me distanciar um pouco. Uma vez -- tinha ele feito cinquenta anos e, para o festejar, tinha ido jantar a Paris -- disse-me: 'Sempre pensei que só trabalharia até aos cinquenta anos. Agora que aqui cheguei, acho que vou mudar de ideias'. Com quatro filhos em idade escolar, dois a estudarem no estrangeiro, cada um em seu país, outra a mudar de curso pela segunda vez e sempre desorientada e uma outra a passar um ano a levantar a nota para tentar entrar no curso que queria, perguntei: 'Mas com as despesas que tem... E não consegue reformar-se tão cedo. Como faria? Desempregava-se? Vivia de quê' E ele: 'Tenho com o que viver bem até morrer'. Disse-me que não apenas tinha  uma verba considerável aplicada como muitas casas e garagens arrendadas. Acrescentou: 'Não preciso de trabalhar para nada, apenas para me manter ocupado. E faço o que gosto.'. Uma vez eu estava a falar de um restaurante muito bom, sempre cheio, disse-me ele: 'Mas sabe que esse restaurante é meu...?'. Não sabia, não fazia ideia. Ele pensava que sim, que já tínhamos sobre isso. Mas não. Era apenas mais um dos seus investimentos. Um dia disse-me que estava todo contente porque tinha satisfeito um capricho. Perguntei: 'Uma mota?'. Riu e disse que não. 'Um barco?'. Não. Acabou por me contar que era um Porsche. No dia seguinte apareceu numa mota, uma mota brutal. Era isso, a mota já ele a tinha. No entanto, trabalhava como um normal assalariado. E ainda trabalha. 

O trabalho não é apenas uma fonte de rendimento: é uma forma de se viver, é uma fonte de dignidade, é um motivo de realização.


Pelo menos, assim o penso. Mas isso, claro, cada um sabe de si e cada um que pense pela sua própria cabeça.

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É como escrever.
Escrever para quê? Porque que é que se escreve? Para quem se escreve?


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Pinturas de Diego Rivera e música de Ennio Morricone, banda sonora de Novecento.

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Um bom sábado. Saúde.


segunda-feira, novembro 12, 2012

Angela Dorothea Merkel vem hoje a Portugal, mostra-se, diz umas coisas, e vai-se embora. Nada digno de relevo. Nada que me interesse ou que, em minha opinião, justifique tanta excitação. Por isso, desculpem-me mas vou antes falar de uma mulher que me desperta alguma curiosidade e admiração: Frida Kahlo



A Angela Drothea quando era nova e ainda não era loura


Não me desperta interesse por aí além a vinda a Portugal da Frau Angela Dorothea Merkel, nascida Kasner, uma senhora de 58 anos que pensa que defende os interesses da Alemanha, e os seus próprios, impondo um regime punitivo aos países que, antes, recebiam os produtos que nos impingia e que, agora, já não têm dinheiro para os comprar. A senhora faz o seu papel, o que é um problema dela e de quem a elege, não meu.

Se fora do seu país ela faz tudo o que faz é porque encontra pela sua frente um bando de bananas, de inúteis, de medrosos, de servis, que dobram a espinha a qualquer um que lhes abra os olhos. Durão Barroso que é um simples verbo de encher em Bruxelas ou Passos Coelho em S. Bento, são bons exemplos disso.

No dia em que à frente das Organizações e dos Países haja gente com cabeça, com coluna, com coração e com testículos como deve ser e no sítio devido (e aqui englobo mulheres e homens porque isto dos testículos é, claro, apenas uma força de expressão), a ver se uma qualquer Angela Dorothea mete medo a alguém.

É a Alemanha que contribui para grande parte do orçamento europeu? Ah pois é. E graças a quê? Graças à ajuda que recebeu aquando da união entre as Alemanhas, graças ao défice que lhes foi permitido sem punição, graças aos excedentes que tem vindo a enfiar nos outros países, graças a tantas coisas. (E, claro, também graças a um espírito focado, pragmático, com o qual, se fossemos mais inteligentes, teríamos qualquer coisa a aprender. Já aqui o referi que tenho trabalhado com alemães e gosto imenso de trabalhar com eles).

Mas a Alemanha só consegue sobreviver como país rico se tiver para onde escoar os seus excedentes pelo que, como já está a acontecer, se irá abaixo quando esses países vergarem. Por isso, a Frau Angela Dorothea, não tardará, começará a ajustar o seu discurso, e só não o mudou já porque, infelizmente, Montis há muito poucos, parece espécie rara, em extinção.

Seja como for, não é porque a dita Frau vem a Portugal, metida num casulo, longe do trânsito, longe de confusões, falar com meia dúzia de pessoas, durante umas quantas horas, quatro ou cinco, que isso me parece motivo do que quer que seja. Eu, pessoalmente, pouco mais sinto do que desinteresse.  Ela não vem cá fazer nada. Vem mostrar-se e pouco mais. Por isso, que ande meio mundo a especular sobre o que se lhe deve ou não dizer, é coisa que me parece um exercício inútil.

A esta hora está ela a dormir, certamente de pijama, imagino um pijama mal jeitoso, depois de ter estado antes, provavelmente já de robe cor de rosa, uma dona de casa de tipo matrona, de carnadura algo pouco consistente, de manta pelos ombros, a pensar no frete que é ter que se levantar tão cedo para nada, apenas para vir aturar um bando de provincianos patéticos. Durante a tarde deve ter reservado um quarto de hora, não mais que isso, para ler umas dicas que alguém lhe preparou para a visita, deve ter dado uma espreitadela ao amador e saloio - mas tão saloio, credo! - filme do Marcelo, Ich bin ein berliner, e deve ter-se esquecido de tudo logo a seguir, tamanha é a falta de interesse que sente pela vinda cá.

Por isso, que me perdoem os meus Caros Leitores mas não vou dizer mais nada sobre a vinda da Angela Dorothea a Portugal. Só espero é não me ver metida em barafundas de trânsito por causa dela.

*

Este domingo, in heaven, estive a arrumar uns livros e peguei num sobre a vida de alguns pintores. Abri ao acaso e a página onde parei dizia respeito a Frida Kahlo. Já li, em tempos, a sua biografia e sinto curiosidade e admiração pela sua fantástica vida.




Foi uma vida marcada pelo sofrimento físico, um sofrimento medonho. Custa-me imaginar como sobra disposição para o amor, para a paixão, para uma vida de aventura e experimentação, quando o corpo range e arde de dor.

Quando Frida era uma jovem estudante de liceu, o eléctrico onde ia sofreu um acidente e uma barra de ferro trespassou-a, trespassou-a literalmente. E se, antes disso, já tinha um problema numa perna devido a uma poliomielite infantil, depois foi o calvário. Hospital, meses de cama, cirurgias, coletes ortopédicos, problemas vários, dolorosos e permanentes, sofrimento, muito sofrimento.

No entanto, como referi, apesar desse terrível calvário, Frida foi uma mulher que amou, que amou muito.




Amou sobretudo o seu grande amor, o feio, disforme e devasso Diego Rivera, pintor. 




Por ele sofreu muito, sofreu várias vezes, sofreu quando ele a traíu com a cunhada, sua irmã, de quem teve vários filhos, sofreu quando a traíu com quem calhou, com amigas, com desconhecidas. Sofreu quando não conseguiu ter filhos, tantas vezes os perdeu quantas as que o tentou.

Mas amou também outros homens - mas não tanto como amou Diego. Talvez os tenha amado para se vingar de Diego, talvez os tenha amado porque eram inteligentes, porque eram amores proibidos.

E amou mulheres, amou ternamente mulheres. Diego sabia e não se importava, apenas se importava quando ela tinha casos com homens.




Frida foi, pois, uma mulher de muitos amores, inflamadas paixões, amizades, uma mulher que viajou, que conheceu o mundo e os extremos, os excessos.

E pintou. Pintou muito. Começou a pintar deitada, quando estava doente. E nunca mais parou.




Sobretudo quadros pequenos que pintava enquanto estava deitada, ou enquanto estava sentada, curando as suas chagas, aflita de dores. 




Pintou-se sobretudo a si própria. Era o motivo que tinha mais à mão, o seu corpo doloroso ao espelho, os seus olhos cheios de dor.




Dilacerada, em sangue, os filhos que não vingavam, desamparada numa cama, a chorar. 

No fim, na sua última exposição, quis estar presente e tiveram que a levar deitada na sua cama. Toda arranjada, com os seus colares e adereços, corajosa, orgulhosa, mas perdida de dores.

Morreu em 1954, com 47 anos, e não se sabe se morreu de pneumonia, se morreu de tantos medicamentos que tomava para as dores, se morreu de cansaço de sofrer, se alguma amante do marido a matou. Morreu a pintora das mil cores, dos muitos amores. A sua obra, os seus olhos com um par de asas negras por cima, o seu exótico colorido, esses viverão para sempre.




*

Para quem não conhece a vida e obra desta pintora mexicana, aqui deixo dois pequenos filmes que me parecem interessantes.








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Se me permitem, convido-vos ainda a virem comigo até ao meu outro blogue, o Ginjal e Lisboa, a love affair. Ali, hoje, as minhas palavras sentem por perto os anjos desolados que voam sobre um poema de Carlos de Oliveira. A música hoje é uma maravilha, cantada e dançada, e marca a abertura da semana que vou dedicar a Jean-Philippe Rameau.

***

Resta-me desejar-vos, meus Caros Leitores, uma bela semana a começar já por esta segunda feira.

sexta-feira, agosto 17, 2012

Sobre um mail que recebi, sobre a confiança, sobre a amizade, sobre a sorte, sobre a vida, sobre a minha vida, sobre as vossas vidas



You've got a friend 


(para, por favor, irem ouvindo, enquanto lêem as minhas palavras)


James Taylor



Pintura de Van Gogh


Hoje já tinha escrito um post (poderão vê-lo já aqui abaixo, um post a propósito da arte, da cor, de Kandinsky) e não tencionava escrever mais pois estou mesmo a acabar o livro de Houellebecq e  quero ver como acaba. Fui às compras agora à noite, cheguei tarde a casa, tencionava ler até adormecer. Mas, como estava à espera de um mail, fui ver o correio e tive uma surpresa. É essa surpresa que me leva, agora, a estar aqui a escrever de novo.

Estive a ler um mail de uma pessoa que me costuma ler aqui no Um Jeito Manso. É um mail longo e que me deixou muito emocionada. Conta-me que regressou agora, depois de uma viagem que fez. Conta-me que tem estado com uma depressão da qual está a recuperar. Conta-me que, antes, quando a tristeza tomou de assalto a sua vida, lia muitas vezes o meu blogue e chegou a sentir como que uma inveja pensando na vida preenchida que eu tenho e na sua vida, que podia ter sido preenchida e que acha que não o foi pelas escolhas, pela maneira de ser, pela sorte, por tudo.

Conta-me que, agora que regressou, passou a tarde a ler o que tenho escrito nos últimos tempos e que lhe fez bem.

E conta-me episódios divertidos, alguns mesmo muito divertidos, conta-me um pouco da sua vida, fala-me de si e fala com o coração nas mãos. E tão preenchida tem, afinal, sido a sua fantástica vida que diz que se eu quiser, lhe posso pôr um gravador à frente que me contará a sua vida, tudo, e que eu, depois, posso contar as suas histórias como eu quiser.

Leio, leio as suas palavras sentidas, sinceras, e fico comovida. Tenho dificuldade em transmitir-vos a emoção que sinto com manifestação de confiança assim, com uma sinceridade assim. 

Não é a primeira vez que fico assim, emocionada. Pudesse eu ser muitas e acorreria ao encontro de cada uma das pessoas que me escreve, que me fala na sua vida, nas suas doenças do corpo e da alma, nos amores e desamores, nas tristezas, nas alegrias, nos infortúnios da vida, nos momentos de incerteza. 



A dança de Matisse


Quando se escreve aqui na internet, não se sabe quem nos lê, como vamos ser interpretados. Por vezes escrevo, no fim, quando me despeço, 'Sejam felizes!' ou 'Tenham um dia feliz!' e, ao fazê-lo, estou apenas a exprimir o que vos desejo. Mas já li noutros blogues algumas pessoas dizerem que acham abominável que alguém dê aos outros ordens para serem felizes. Ora, nunca me ocorreria que, ao formular um desejo tão sincero, alguém pudesse lê-lo como uma ordem. No entanto, agora já sinto alguma inibição ao formular esses votos, não quero que alguém pense que há arrogância da minha parte.

Também sinto agora um certo receio que se tome por ostentação de felicidade aquilo que é afinal uma manifestação sincera da minha maneira de ser.  Não sou arrogante, pretensiosa. Nada disso. Sou uma pessoa muito simples, que me contento com pouco e que, por isso, acho sempre muito o que tenho, sinto-me agradecida (embora não saiba a quem devo agradecer) por tudo o que tenho; e acho sempre que tudo é precário, efémero e, por isso, tem que ser muito bem aproveitado.

Da mesma forma, por vezes, penso que, se alguns dos meus leitores estiverem a atravessar momentos difíceis - se tiverem tido algum desgosto, ou se sentirem que estão insuportavelmente sós, desejando ter uma companhia que não aparece, ou se estiverem desempregados ou em dificuldades, ou se estiverem cativos de alguma situação de que não sabem como sair, ou se estiverem a viver momentos de angústia - podem olhar para o que escrevo e pensar que, estando eu de bem com a vida, sou insensível aos problemas dos outros. Nada de mais errado. Escrevo e a cada momento penso em quem não teve sorte, ou em quem tomou decisões erradas e não sabe como as corrigir, ou em quem está doente ou infeliz. Tomara eu poder escrever as palavras certas para cada um, tomara.



Pintura de Diego Rivera


Não tomem nunca como arrogância as minhas palavras, não pensem nunca que, quem está de bem com a vida, é menos exigente, ou mais tolo ou é melhor ou teve mais sorte que os outros, nem pensem que há um destino a comandar as nossas vidas, nem pensem que a boa sorte é só para alguns.

E, se estiverem a atravessar um momento menos feliz da vossa vida, não pensem que isso vai ser para sempre, nem pensem que são mais infelizes do que os outros e que nunca voltarão a ser felizes.

A vida é uma mistura de acasos e é aquilo que fazemos face aos acasos e é a forma como nos entregamos ao fatalismo ou como, pelo contrário, lutamos para arranjar uma solução para os problemas ou, não os podendo ultrapassar, como aprendemos a contorná-los e a encontrar a felicidade noutro lugar, que faz a diferença. Não há um único caminho à nossa disposição na vida: há muitos. A nós compete escolher e, se escolhemos um e não dá certo, vamos por outro e se, de novo, não dá certo, vamos por outro. Levantamo-nos e vamos. Temos que ir.

Eu tendo a pensar que a minha vida tem sido sempre muito boa. Acho que sim, que tem sido muito boa. E, no entanto, já tive reveses a nível profissional que deitariam (e deitaram!) muito boa gente abaixo. Já me vi metida em lutas e em situações que não vos ocorre. Poderia ter desistido, atirado a toalha ao chão, achado que que tinham dado cabo da minha vida. Nos primeiros momentos, quando o embate aconteceu (e já aconteceram vários pois já passei por fusões, reestruturações,  por muitas dessas situações que, quem trabalha em grupos empresariais, sabe que costumam ser a doer), não pensem que não me senti atordoada. Senti. Mas sempre pensei (e não fiquem desiludidos com a banalidade dos meus pensamentos nos momentos de confusão): há mais marés que marinheirosque se lixe, há vida para além disto;  o primeiro milho é para os pardais, etc, etc, etc - tudo nesta base que em momentos de guerra não se limpam armas e, portanto, não me deito a invocar pensamentos profundos, só me ocorrem coisas destas. E, no momento seguinte, já estou a pensar noutra coisa, já estou a arranjar um sucedâneo emocional para me ajudar a superar o desgosto ou a perda e, dias depois, já ando entusiasmada com outra coisa qualquer e já desvalorizo o que perdi. 

E sabem? Que se lixe o que se perdeu. Que se lixe o que não se tem. Que se lixe o que ficou para trás e não deixou boas recordações. (Até pareço o outro com aquela do que se lixem as eleições - mas eu estou a ser sincera e ele não, e eu não sou primeira-ministra e posso falar assim e ele, a discursar em público, devia ter tento na língua e dizer coisas com nexo. Adiante).

O que importa é o que ainda temos e a força para descobrirmos novas fontes de interesse.

E não pensem que na minha vida familiar não há situações complicadas. Claro que há. Tenho passado (e estou a passar - e, claro, não me estou a referir ao estado pós-cirúrgico que atravesso que esse é chato mas é provisório e, mais dia, menos dia, hei-de ficar boa) por situações dolorosas, complexas, como são sempre dolorosas as situações relativas ao envelhecimento daqueles que amamos. 

Mas o declínio faz parte da vida e há que encarar com naturalidade todas as situações e, com carinho e acompanhamento, ir ajudando a viver com esperança até ao fim, esperança em momentos melhores - e os momentos são melhores se forem vividos com um sorriso, uma presença, uma palavra. E a vida segue. E se há declínio ou fim por uns lados, há nascimentos e crescimentos por outros. E, se, por força das circunstâncias, na vossa família não há nascimentos e crescimentos, apenas declínio, então pensem em sair à procura de actividades que vos animem, voluntariado, visitas a museus, passeios, qualquer coisa. Não fiquem na tristeza. Não fiquem. Há sempre uma saída, sempre, sempre. Não fiquem presos à tristeza, fechados em casa. Falem, procurem ajuda. Há sempre alguém disposto a dar-vos a mão, só têm que o procurar. E, se estão doentes, tenham esperança e lutem com optimismo, lutem, lutem porque vão conseguir, claro que vão.

E se vos ocorre pensar que vão acabar os vossos dias sozinhos ou outros pensamentos tristes, não pensem: vão à luta, abram os olhos e o coração. A companhia pela qual esperam está também à vossa espera.



Pintura de Marc Chagall

Escrevi muito (como de costume) e, uma vez a mais, isto pode parecer auto-ajuda de meia tigela, conversa de treta. Mas fui o mais sincera de que sou capaz; e apeteceu-me escrever isto depois de ter lido o mail tão sincero, tão tocante que recebi - este de hoje em particular mas também tantos outros que tenho recebido. É a minha forma de retribuir o vosso carinho, a vossa confiança, a vossa presença. Muito obrigada do fundo do meu coração.

*
Com toda a sinceridade, vos desejo uma vida muito feliz e que tentem encontrar ou preservar a harmonia e a tranquilidade nas vossas vidas. E desejo que, para começar, o dia de hoje seja um dia muito bom. A sério, desejo mesmo.