quinta-feira, outubro 31, 2019

E sobre Sócrates, Rosário Teixeira, Ricardo Costa, João Miguel Tavares, Ivo Rosa e outros a UJM agora não diz nada?

Diz, claro que diz.





Não que tenha grande coisa para dizer. Mas digo. Digo, por exemplo, que me limito a ir acompanhando o pouco que se vai sabendo e a constatar que não há nada de novo. Ou que acompanho também sem grande surpresa as reacções de jornalistas e comentadores a esse pouco que vai soando. E que os vejo a começarem a titubear, a vacilar nos alicerces. E que não me surpreendo. Até porque, salvo raras e honrosas excepções, têm quase todos umas cabeças de maria-vai-com-as-outras.

Mas eu, pela parte que me toca, estou como fiquei naquela noite em que a minha filha me ligou a dizer que visse a televisão, que Sócrates tinha sido preso: estupefacta. Tudo, naquela noite, me causou estupefacção.
Porquê? O que é que ele tinha feito? E como estavam já ali os jornalistas à espera dele, a seguirem o carro onde ia, detido? Que cegada era aquela?
E daí em diante ouvi de tudo, toda a espécie de acusações, de suspeições -- uma investigação e uma crucificação na praça pública de tipo arrastão. Meio mundo a ser envolvido, um processo megalómano, com vários suspeitos a surgirem de todo o lado, por vezes num registo que me pareceu delirante. 

Teria Sócrates que ter estado a tramar esquemas durante vinte e quatro horas por dia em vez de estar a governar o País para conseguir engendrar tanta tramóia. E, note-se, não estou a fazer juízos de valor nem a tomar partido. Não: estou apenas a usar a lógica, disciplina mental que me é cara. Ou seja, não digo que não é culpado, porque não faço ideia, apenas estou a verbalizar um raciocínio. 

É que a minha posição é a mesma de sempre: a Justiça avaliará as provas existentes, a Justiça avaliará a razão de ser da acusação, ajuizará se há matéria para julgamento e, se o houver, ajuizará se há matéria para condenação. Sou fiel aos meus princípios e tenho bem cravado na minha consciência aquela máxima vintage que reza que, haja o que houver, toda a gente é inocente até prova em contrário. E quem tem que fazer essa prova é a Justiça. Não os jornais, não os comentadores, não as redes sociais, não os bloggers, não o diz-que-diz-que, não as vizinhas, não as primas.

Agora uma coisa é certa: apesar da péssima opinião que tenho sobre o Super-Juíz Carlos Alexandre ou sobre o Procurador Rosário Teixeira, tenho que fazer o exercício mental de admitir que, para terem feito o que fizeram -- e não foi pouco -- incluindo manterem Sócrates preso, é porque devem ter provas ponderosas contra ele. Não suposições mas provas. E, note-se, já se falou no BES, na PT, na Venezuela, em Angola, em Vale de Lobo, no Grupo Lena e sei lá em quem mais. E tudo isto sem que os ministros responsáveis pelos assuntos dessem por nada. Portanto, estou curiosa para saber que provas são essas que enchem milhares e milhares de páginas porque, até ver, de provas, provas, não dei conta de nada.

Não faço ideia do que é que o Juíz Ivo Rosa vai concluir de tudo o que tem lido. Agora acho que temos todos que lhe tirar o chapéu: merece respeito. Quando vejo imagens daqueles caixotes e caixotes cheios de uma papelada infinita nem consigo imaginar como é que algum ser humano consegue digerir tal pesadelo. Eu entraria em burnout só de ver tanto caixote.

Decorreram vários anos desde essa noite em que Sócrates foi detido ao chegar ao aeroporto. Desde aí a sua vida tem estado como que suspensa, naquele limbo em que nem consigo imaginar como se consegue sobreviver mantendo a sanidade mental.

De tudo,  jornalistas, comentadores e meio mundo já o acusaram e condenaram. Mas eu, nestas coisas, não consigo pular etapas. Coisa de DNA temperada por deformação académica acrescida de deformação profissional. Mas podem achar que não é nada disso, que sou é burra, teimosa que nem uma mula, besta quadrada da pior espécie. O que quiserem. Mas pular etapas, numa coisa destas, eu não pulo.

Pode ser que a Justiça venha a dar por provado tudo aquilo de que o acusam. Nessa altura eu saberei. Até lá não sei e, sem saber, não condeno. Bem pode o João Miguel Tavares sacramentar mil condenações com aqueles fracos argumentos que a sua fraca cabeça constrói, bem pode Ricardo Costa tecer as suas usuais frouxas considerações ou exibir os seus bons conhecimentos armando-se em bom, bem podem Felícia Cabrita ou Clara Ferreira Alves escreverem as suas inabaláveis certezas ou as suas doutésimas opiniões, bem pode o Dâmaso e outros que peroram no Correio da Manhã, na Sábado ou nem sei onde, denunciar, difundir 'segredos' ou lançar parangonas acusatórias -- que eu fico onde estava. 

E, portanto, como acima disse, não é muito nem nada de novo o que tenho para dizer. É só isto: continuo estupefacta com tudo isto e sem perceber o que se passou e tem vindo a passar desde então. Ou seja, na mesma. À espera que a Justiça faça o seu trabalho. 

(Poderia ainda acrescentar que estou também à espera que a Justiça seja justa e lesta -- mas isso já seria esperar de mais. Ou, dito de outra forma, seria lirismo e eu, como é sabido, é mais prosa. Poesia eu gosto mas é de ler, fazer não é para o meu bico)


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As pinturas que usei para dar alguma graça ao texto são, respectivamente, de Francisca Vogel, a primeira, Shawn Ashman, as três seguintes, e Pierre Subleyras, a última. Tudo ao som de Falling na voz de Julee Cruise.

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E uma história para crianças para terminar: Os homens cegos e o elefante

"The Blind Men and the Elephant" de John G. Saxe (lido por Tom O'Bedlam)

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As gargalhadas e as lágrimas de Bercow ao aproximar-se a hora da despedida


Tenho para mim que Bercow foi a personalidade que, no Reino Unido, mais se destacou neste inglório período. Tem sido um fiel guardião da Democracia. Tem sido corajoso. Tem sabido manter o sentido de humor. Mostrou qual o significado da palavra liderança. 

Não sei se vai ou não haver Brexit mas, em minha opinião, o que merece respeito no meio do triste carnaval que as terras de Sua Majestade têm exibido ao mundo são as intervenções de John Bercow. Dificilmente haverá outro como ele. 


Clap clap, salve Mr. Speaker.

quarta-feira, outubro 30, 2019

João Baptista, apesar de ser São, também tinha erecção



Ou, então, não. Qual São João. Diz que é um Angelo Encarnato. Mas qual anjo, qual carapuça. Onde é que estão as asas? Nunca vi nenhum anjo assim e os santos também não rezam assim. 

Parece é o mesmo que foi avistado como veio ao mundo, apenas um leve pano a esconder-lhe as pudibundícies, exibindo o corpo todo trabalhado, na volta um consumidor avant la lettre de testosterona. Tem é ali um pneuzinho mas isso também não faz mal nenhum até porque, como dizia a outra, uma barriguinha enfeita sempre. Só o penteado é que já não está com nada. Devia ter apanhado, ficava-lhe melhor. Se bem que, olhando melhor, agora já não sei se é pano se é saia aquilo que ele ali tem. Na volta, tinha era vindo de assessorar a Joacine, um Livre igualmente avant la lettre, e resolveu pôr-se ali a jeito de uma foto para o Insta. E, calma, nada a ver, cada um é como cada qual, saia de machos, saia de pregas, mini-saia, que diferença faz. Ora essa.

Bem podem os eternos falta-de-assunto atirar as mãos ao alto, aqui d'el rei, o Baco apresentou-se ao serviço de saia, que a mim tanto se me dá. Fico é com curiosidade em perceber se está ou não depilado e se, sim, se a depilação é das brasileiras ou das artísticas. Tirando isso, zero.

(Tenho uma mente perversa, nada a fazer.)


Seja como for, São João Baptista ou Baco uma ova. O calmeirão é é Mona Lisa, isso sim. Uma Mona Lisa que, quando in the mood, ri-se e diz, 'anda cá que és meu' e, pimbas, qual bandeira hasteada, ergue um fogoso falo.

Armada em Madonna, olharzinho distante, sorriso subtil de quem diz que sim, está bem e, afinal de contas, por baixo da saiinha, um pirilau de dar inveja a muito galalau. 


(E vai com música, que vai melhor)


Portanto, como se diz, ele há coisas. E que ninguém faça um esgarzinho inteligente a insinuar que é malícia minha. Qual malícia. Ou que estou a picar. Eu? Eu não. Só se for a picar bolos a ver se estão no ponto. Sim, porque no intervalo de posts de arte e de história, temas a que me dedico com reconecta sabedoria, costumo estar sempre é numa de bolos. E se não sabem que reconecta é sinónimo de reconhecida, santa paciência, não é problema meu. E, se não era sinónimo, passou a ser. Mas, enfim, ia eu a dizer que há mentes perversas para tudo. Honni soit qui mal y pense. 

Até porque isto do São João Baptista ser, afinal, o Baco e, cereja em cima do bolo, a Mona Lisa, é capaz de ser a pura verdade. Pelo menos é o que consta. E se non è vero, è ben trovato.


Estou a falar, é claro, de Gian Giacomo Caprotti da Oreno, aka Salaì, que, segundo reza a rádio alcatifa, parece que não era apenas discípulo dilecto de Leonardo como, também, seu amigo especial, predispondo-se a ser retratado de muitas maneiras. Agora uma coisa é certa: pelo sorrisinho bem disposto e pela envergadura peniana, as sessões corriam-lhe de feição e tinha que se esforçar para conter o riso e, sobretudo, para não saltar para cima do mestre.

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E isto vem a propósito de uma coisa mas não digo já o que é. A ver se ainda me atiro a ela. 

Com vossa licença, claro.

terça-feira, outubro 29, 2019

Trova de muito amor para um amado senhor






Sabeis, senhor, que tenho que esconder o que falar não posso, não sabeis? Tenho, senhor, tenho que esconder de todos. E de mim também, senhor.

Nem a luz mais impudica, nem os ventos mais desvairados, nem o silêncio mais insistente, nada me fará dizer o que junto de todos e de vós também sou forçada a calar. 

Quero-vos distante de mim, senhor, quero esquecer-vos, quero nada saber de vós, quero não sentir o vosso perfume mesmo que a outros e não a vós ele pertença, mesmo que apenas o imagine, mesmo que apenas deseje tê-lo um dia sentido. É que é tão forte a saudade, senhor, tão forte, tão forte. 

E não queirais que eu saiba o que digo ou que me mantenha coerente. Não, senhor, não queirais. Toda eu sou fogo que me arde por dentro, queixume que se não deixa ver e que abre sombrios caminhos em mim, palavras de paixão que disfarçam a paixão que confessar não posso, labirintos em que sozinha me perco, perigosos e atraentes abismos que me respondem quando em silêncio por vós chamo, senhor.

Ah senhor, que dor, senhor, que dor.

Ah, que misterioso apego é este que sinto e que tanto queria desconhecer?

E que sopro é este que até mim chega e que sei, senhor, sei, que é o surdo chamamento que por mim lançais nas longas noites em que os lobos saem à rua para uivar, loucos de solidão e amor?

Ah senhor.



Se não vos vejo

Vos sinto por toda parte.
Se me falta o que não vejo
Me sobra tanto desejo,
Que este, o dos olhos, não importa. 

(Antes importa saber
Se o que mais vale é sentir
E sentindo não vos ver)

São coisas do amor, senhor,
Desordenadas, antigas.
E são coisas que se inventam
P´ra se cantar a cantiga. 

Não são os olhos que veem
Nem o sentido que sente.
O amor é que vai além
E em tudo vos faz presente

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Fotografias de Tim Walker.

Poema de Hilda Hilst do livro Trova de muito amor para um amado senhor que me obrigou a escrever o meu texto lá mais em cima

Lá em cima Letizia Butterin interpreta Laus Trinitati de Hildegard von Bingen

Aqui em baixo Verônica Sabino interpreta De Ariana para Dionisio de Hilda Hilst com música de Zeca Baleiro

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segunda-feira, outubro 28, 2019

Um dia bom que começou junto ao mar e acabou entre afectos, baladas e cambalhotas




Não sei se é jet leg pela mudança de hora mas a verdade é que estou um bocado off. Tenho estado para aqui a cirandar, com preguiça, sem iniciativa, como se me apetecesse apenas ler, ouvir música e, mais logo, quando os dedos quisessem, então, fosse isso a que horas fosse, logo pegava no computador. Só que a semana de trabalho já aí está à beira e eu, pensando no que me espera, quase me sinto cansada por antecipação e isso estraga-me um bocado o prazer em estar para aqui neste dolce abandono.


O pessoalzinho saíu faz tempo, primeiro os que madrugam nesta segunda-feira e, mais tarde, os que se levantam a horas normais. Estivemos todos juntos. Primeiro chegaram uns. Calminhos, bem comportadinhos, tranquilos. E estou a referir-me a todos, grandes e pequenos. Os pequenos sempre a perguntarem: 'quando é que os primos chegam?'. De minuto a minuto. Encontro familiar sem estarmos todos é incompleto e, para os mais pequenos, estou mesmo em crer que falho de graça. Mas, enfim, chegaram os que faltavam. E então sucedeu o que sempre acontece quando se encontram. Dá ideia que a maneira de manifestarem a alegria que sentem é deixarem soltar toda a energia que têm dentro deles: correm, brincam às maiores maluquices, cantam, dançam. E isto já para não falar no meu filho que, vá lá também eu saber porquê, desata a ensinar golpes de não sei quê aos rapazes (não sei o quê porque não sei qual delas é mas que é coisa de artes marciais, isso eu sei) e depois já são eles que fazem entre eles. E é preciso ter em atenção que são quatro rapazes pequenos mais um grandão.


E houve também guitarradas, baladas, cantorias alto e bom som, ginásticas, cambalhotas no sofá, sei lá que mais. O costume. O bebé, enturmado, canta, salta. Depois ficam com calor e, claro, às tantas põem-se à fresca e até o bebé apareceu em tronco nu.

Como houve presentes de Halloween, vi que a menina andou de roda da tia e que depois apareceu com um laçarote todo giro no cabelo, mas isso não tem a ver com o dia das bruxas, deve ter sido apenas por ser um laço bonito. Mas vi que apareceram uns óculos malucos e andavam a pregar sustos uns aos outros e também ouvi cair uma coisa no chão e ouvi falar em descobrirem para onde tinha caído o olho. Mas isso foi numa altura em que estava a tentar que se mantivessem sossegados à mesa, que comessem fruta e, depois, a arrumar a cozinha. Por isso, não sei onde é que o olho estava agarrado antes de cair.
E isto fez-me lembrar uma vez há uns anos, muitos, estávamos a ver um torneio de futebol de salão, coisa de amigos, e, às tantas o jogo parou e nós, nas bancadas, víamos que os jogadores andavam todos a olhar para o chão. Até que nos chegou a informação: tinha caído um olho de vidro a um jogador. Não soube a qual pois nunca tinha dado que alguém tivesse um olho de vidro. Ao fim de algum tempo o jogo recomeçou e chegou-nos a notícia de que tinham achado o olho. Na altura aquilo fez-me uma impressão dos diabos até porque nunca percebi como é que a coisa funciona mas, pelos vistos, é apenas como se fosse um berlinde enfiado num buraco, e tudo tranquilo, sem dramas.

Mas, enfim, toda a gente comeu bem, com apetite, e se há coisa de que gosto mesmo é de ter toda a família feliz, à volta da mesa. Olho para eles e estão ali todos os que me enchem o coração de alegria e afecto. Não estão os meus pais e isso dá-me pena mas já me vou habituando. Para estarmos todos juntos tem que ser em casa deles pois, como o meu pai não sai da cama, a minha mãe não quer sair para encontros familiares deixando-o em casa. Só em dias de festejos e tem que ser rápido. 

Mas isto foi ao fim da tarde e à noite.

De manhã fomos caminhar para a beira da praia. São caminhadas pouco produtivas em termos de ritmo e, certamente, de queima de calorias pois disperso-me desses bons propósitos e perco-me a ver o mar, a tentar captar os surfistas a cavalgarem as ondas, as gaivotas a dançarem pelos ares, as pessoas a olharem a rebentação. Ponho-me a fotografar e é um dos bons prazeres da minha vida: adoro fotografar.

Também fiz muitas fotografias cá em casa, aos meninos, àquela interacção feliz entre eles. Também fiz mais uma das fotografias ao menino a que em tempos aqui tratei por ex-bebé. É doido por roer um belo osso. Hoje foi um costeletão de vitela. Pela-se. Tem oito anos, está enorme, é um desportista de gema, sempre foi todo virado para a actividade física. Só não gosta de doces. Mas vê-lo a despachar uma pratada é um regalo. Come de gosto. A pediatra diz que podia ter mais um quilo. De facto, está alto e esguio. 
Aliás, todos comem bem, de gosto. Quando alguém se zanga com eles é para não comerem mais. Penso que isto advém de ninguém os forçar a comer quando não querem mais. 

Mas voltando à primeira parte do dia. Depois de virmos da praia e de ter posto a roupa a lavar, ter feito a sopa, ter posto o jantar a andar, etc, vim ler. Tão bom estar assim num domingo à tarde, tranquilamente, ter tempo para ler, saber que daí a pouco a casa se encherá de risos e conversas e brincadeiras.

E isto para dizer que, com isto e com a mudança de hora ou com a perspectiva de se aproximar uma semana daquelas que me cansa ainda antes de começar, estou para aqui um bocado sem energia, sem saber bem sobre o que escrever.


Sei é que, de manhã, ao estar a admirar a beleza extraordinária do mar, pensei que, à noite, poderia mostrar fotografias que estava a fazer, estas que aqui vêem, e falar daquele livro, um dos primeiros que tive, menina pequenina, um que era sobre o mar. Via-o sem me cansar, aquele livro cheio de preciosidades: a estrela do mar, o peixe-balão, os corais. Sabia tudo sobre eles, adorava aquelas cores, aquele mundo que me parecia mágico. Mais tarde, foi outro que me encantou, creio que o Planeta Azul. Adorava. A maravilha caleidoscópica, infinita, milagrosa da natureza.


E agora estive a ver o vídeo abaixo e também gostei muito de ver. Não vem agora a propósito do texto mas o texto também não tem propósito. Aliás, nem vou reler pois acho que ficaria com vontade de apagar tudo para começar de novo, com as ideias mais organizadas.

Portanto.

Aliás, a minha ideia quando abri o youtube era arranjar um poema bonito sobre o mar. Mas distraí-me e fui parar a este que aqui partilho convosco.

Agora que aqui o estou a colocar é que dei por isso, que não era esta a ideia, mas, a esta hora, já não sei se faz sentido ir em demanda de poemas com sabor a sal.



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Afinal não resisti. Estava com León de Greiff em mente porque tinha também em mente falar das pessoas que não vivem junto do mar e que, provavelmente, gostariam de poder vê-lo mais vezes. Balada del mar no visto na voz de Tomás Galindo.


E, por ora, é só isto.

Desejo-vos uma bela semana a começar já nesta segunda-feira.

domingo, outubro 27, 2019

Os blogs dos outros





Há um blog que leio com a admiração com que contemplo as montras Hermès. Nem uma peça a menos nem uma a mais, nem convencional nem provocador, nem pretencioso nem simples. Belo, perfeito, sofisticado.

Há um blog que sabe surpreender-me, que me surpreende sempre positivamente, que tem um toque de sofisticação e bom gosto, que revela uma inspiração feita de mãos na terra, de corpo lavado pela chuva, de palavras certeiras e bem cerzidas, de toadas poéticas que aparecem não se sabe bem de onde.


Há um blog que é feito com punhos nas palavras, que vai à jugular, que tem ilustrações de uma qualidade e oportunidade que causam espanto, tiros sempre na mouche.

Há um blog que não deixa passar uma em branco, que revela um espírito matemático, que é rigoroso, crítico, inteligente, culto, bem escrito e onde se dizem coisas com as quais geralmente me identifico.

Há um blog que é uma janela aberta para o mundo, uma arca de tesouros, uma fonte de ensinamentos. Aparentemente sempre neutro, de vez em quando toma posição e, então, a gente percebe que é para levar mesmo muito a sério.

Há um blog que volta e meia fica em pousio e que por vezes até me arrelia por ser tão intransigente, tão mau, tão bruto. Mas gosto, apesar disso. É rigoroso com a língua portuguesa, é rigoroso em geral. Pena é que não saiba temperar com alguma fleuma. Mas, vá, desculpo-o. E gosto.


Há um que anda desaparecido. Um de que gosto tanto. Gosto de quando fala do mar, de quando fala da montanha, de quando fala da terra, de quando fala de livros, de quando fala da vida em geral. Por onde anda ele?

Há um que hospeda muita gente, todos diferentes, todos com voz muito própria, todos gente muito livre, e onde pontua a fogosa e irreverente dona do pedaço que é a alma e a graça da casa.

Há um que raramente é actualizado, que provoca, que por vezes parece vulgar mas que acho inteligente, malicioso, insolente, e que, por isso e por outras coisas, me agrada.

Há um que é actualizado várias vezes por dia e que é de uma tal franqueza, de uma tal criatividade, de uma tal inocência e que revela uma tal boa maneira de ser que acho um caso à parte. O caso da blogosfera.


Há um que anda pouco produtivo mas que é o blog de um homem bom, um homem que gosta de livros. 

Há um que é escrito com o coração à flor da pele, com raiva nos dedos, que denuncia sem papas na língua, que escreve quase dizendo o que penso.

Há um que tem graça, tem leveza, tem bom humor, tem an eye for details, é boa onda. Uma boa companhia.

Há um que conheci há pouco tempo mas de que gosto muito, escrito por uma mulher que é mulher por dentro e por fora e que escreve bem, sobre coisas que reconheço e que, talvez por isso, vou ler sempre com simpatia. 


Há um que é actualizado apenas quando o rei faz anos e que, quando escreve, escreve, escreve, escreve. Mas que escreve como um príncipe, como um arruaceiro, como um libertino e, por isso, me faz estar sempre à espera que o rei faça mais vezes anos.

Há um que anda bissexto, que gosta de provocar, que é um permanente piscar de olho ao público, em especial ao feminino, que finge que se arma em bom, que diz disparates insuportáveis mas que escreve bem e revela inteligência e a quem, por isso, perdoo tanta parvoíce.

Há um que é feito de pequenos postais, de pequenas histórias, de insólitas rêveries, e que me dá sempre vontade de ir lá dizer que já chega, que está na altura de se deixar disso, que estou à espera de um texto a sério. Ou será que os textos escritos a sério, quando aparecem, é numa outra morada?


Há um blog de que tenho saudades. Que será feito dela? Estará bem, a sua autora?

Há outro de que, apesar de tudo, tenho muitas saudades. Muitas. Não devia. Mas tenho.

E, claro, há muitos outros de que aqui, agora, não falo apenas porque o dia tem uma hora a mais mas já a consumi toda.

Mas em relação a todos me sinto agradecida porque gosto de os ler, porque me trazem novidades, diferentes maneiras de ver, porque me divertem, me provocam, me despertam para outros mundos, me desafiam, me ajudam a ser mais outra, me ajudam a ser esta que aqui têm.



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As fotografias deste post bem como a que encima o blog são de Nick Knight
E uma vez mais June Tabor interpreta uma das minhas canções de eleição: Lili Marleen

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O romantismo dos dias chuvosos *





Lembro-me de quando comecei a namorar o meu marido. Já andava com ele mas era coisa não direi à socapa mas, enfim, como dizer?, meio clandestina. Nem isso. Talvez, apenas, não publicamente assumida. Mas, naquele dia, tinha uma notícia para lhe dar. Ele tinha-me trazido um daqueles tubinhos com água de sabão em que a tampa tinha uma haste com uma argola, para fazer bolhinhas. Tinha comprado a um vendedor ambulante junto ao metro. E eu fiquei toda contente e experimentei mas a notícia era outra e falava mais alto. Ia pôr uma carta no correio. E assim fiz. Depois disse-lhe: era a carta a pôr fim ao namoro. Durante o fim de semana tinha feito por isso mas o meu namorado não tinha aceitado, pediu tempo, pediu que eu percebesse que o que eu sentia pelo outro era um entusiasmo passageiro, assegurou-me que amor de verdade era o que havia entre nós. De tal forma foi que percebi que tinha que ser um corte abrupto, a seco, sem apelo, sem lágrimas.


E assim foi. Era inverno e o dia estava muito húmido, uma névoa densa envolvia Lisboa. Aquele por quem me tinha apaixonado percebeu a relevância do gesto e, embora andasse há que tempo a pedir que eu o fizesse, naquele momento estava sério, como se tivesse acabado de assistir a um acto cruel. E sabia como me custava fazê-lo, sabia o afecto que eu sentia pelo outro, como me custava fazê-lo sofrer. E eu estava também um pouco angustiada pois tinha preferido que o corte tivesse sido concretizado cara a cara e não por carta. Além disso, sabia o quão doloroso este meu gesto a a quase brutalidade das palavras daquela carta ia ser para aquele outro que tão intensamente me amava.

E, portanto, envolta numa névoa fria e lacrimejante, eu ia dizendo que precisava de espaço, de um interregno, queria fazer uma pausa antes de voltar a envolver-me a sério. Ele ouvia-me em silêncio, não sei se compreendendo, se lamentando que, ao fim de tanto tempo à espera que eu quebrasse aquele vínculo, afinal, agora que o tinha feito, estivesse a pedir mais tempo.


A verdade é que, comigo, por vezes, o tempo acelera loucamente; e o tempo que eu estava a dizer que precisava esgotou-se como um breve sopro. Acabei agora de ver a distância que percorremos. Trezentos metros. Ao fim de trezentos metros, e vendo-o eu tão silencioso, coloquei-lhe uma mão no rosto, virei-o para mim e, logo ali, selei com um demorado beijo o namoro que, na prática, estava a começar. 

Ainda tentei ir para a aula que tinha a seguir. Fui até lá e ele comigo. Mas não nos largávamos. Entretanto, já chovia. Mas nem dávamos pela chuva. Decidimos ir passear para o Parque Eduardo VII. Abraçados e felizes, nem nos importávamos por estarmos a ficar molhados. Lembro-me que, nos intervalos, ainda tentava fazer fazer bolhinhas de sabão mas, ou porque a humidade exterior fosse tanta ou porque não me concentrasse, tenho ideia que as bolhinhas de ar não floresciam.


Nesse inverno choveu muito. Grande parte das minhas memórias desses meses abençoados está envolta em neblinas, chuvas, frios e muitos beijos. Tínhamos que andar sempre abraçados para nos protegermos. Passeávamos muito. Lembro-me de um passeio em Sintra, as árvores a pingar, envoltas em nuvens, nós a subir a pé a estrada para a serra. Tudo me parecia muito romântico. Havia, na minha cidade natal, um café recente, aberto por um italiano, que tinha um cappuccino muito bom. As chávenas grandes e bonitas vinham quentinhas e eu envolvia-as com as minhas mãos e aquele cheirinho a café, a chocolate a natas parecia-me provir de néctar de deuses. Tinha também uns gelados artesanais, na altura os únicos na cidade, que eu adorava. E, então, sentávamo-nos numa mesa num recanto de onde se via a rua e ali estávamos, conversando, dando-nos as mãos, enamorados, enquanto víamos a chuva a cair lá fora. Isto ao fim de semana quando ia a casa dos meus pais. Durante a semana, todos os dias ficávamos juntos até tarde e, já com a noite avançada, ele ia levar-me a casa. Chovia na rua, íamos abraçados debaixo do chapéu de chuva e invejávamos as pessoas que estavam dentro das casas iluminadas cujo conforto adivinhávamos.


Ainda agora, eu que sou dada à luz, ao calor, a andar com pouca roupa, anseio pelos frios e pelas chuvas, sinto saudades do som da chuva, gosto de estar no sofá agasalhada no meu canto, gosto de sentir que a natureza se regenera, se limpa, sinto que apela ao romance, aos longos e apertados abraços, aos olhares que mergulham na alma, ao amor.

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E hoje, que não choveu nem esteve frio, depois de termos ido a casa dos meus pais e de termos passeado pelas ruas por onde andávamos quando namorados, resolvemos ir ao cinema.


Um dia de chuva em Nova Iorque. É um filme suave, agradável, inteligente, bom para se ver e sair de lá a sorrir, e, podendo, a andar de mão dada, a dar beijinhos. Tem uma música bonita, tem um ambiente romântico, tem aquela ironia nonchalante tão típica de Woody Allen. A minha filha perguntou-me: mas não é um filme para adolescentes? E eu acho que sim, também para adolescentes. Mas, quis ela saber, alguma coisa de especial? E eu não acho que tenha alguma coisa de especial no sentido de excêntrico, do nunca visto, do insólito. Não, tudo muito normal, cool, muito agradável, sem dramas, com bons sorrisos à mistura.

Antes, na apresentação do que está em exibição ou por chegar, vi monstros, mortos-vivos, armas, gente que aterroriza, gente sem olhos, gente que escorre sangue, seres que destroem cidades e atemorizam o mundo. O filme Um dia de chuva em Nova Iorque não é nada disso, é um filme com pessoas normais a viverem uma situação normal numa cidade normal. E quem quiser que ponha aspas nos normais que quiser pois, na verdade, o que é normal para uns não é normal para outros. Mas, quero eu dizer, há uma dimensão humana no filme e isso, em tempos de crescente desumanidade, é bom.


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E, nesta onda da névoa, da chuva, da tranquilidade, permitam que partilhe convosco um daqueles vídeos que gosto imenso de ver. Espero que também gostem. 



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As pinturas lá em cima são da autoria de Osnat Tzadok e a mim parecem-me paisagens urbanas envoltas em chuva. A música é Kiss the Rain de Yiruma. E, no título, asterisquei o 'romantismo dos dias chuvosos' pois sei bem que nem todos os dias chuvosos são românticos: há os dias de juízo aquando de chuvas excessivas, há as dores do corpo para quem não tem como proteger-se, há os dias chuvosos associados a tristes memórias. Mas, em abstracto e, sob o filtro da benevolência, a chuva é boa para abraçar os afectos, lá isso é.

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sábado, outubro 26, 2019

Ergo-me do lado de cá do mar, do lado de cá de mim





A JV, em cujo gosto confio sem questionar, recomendou-me o 'O rei faz vénia e mata' e eu, que sou bem mandada, fui à procura dele. No outro dia fui à livraria grande. Não tinha. Encomendariam mas, tal como tinham informado num outro dia, teria que pagar logo. Ora embirro com isso. Há abébias que não dou, tenho por lema de vida não contrariar as minhas embirrações. Portanto, fui esta sexta-feira à livraria pequena. Não tinham mas encomendaram. Gente de paz. Gosto de lá. Pequenina mas o que lá há é tudo bom. 

Os clientes também são dos que gostam de livros, gente que, do que percebo, é gente do bem.


Só uma cliente hoje me pareceu ser sombria. Tinha um semblante carregado, chegou, leu um papel e pediu um livro. Depois disse que queria talão de troca porque era para oferta e, a seguir, disse que era com contribuinte. A livreira, jovem simpática e insegura (talvez por ser recente lá), perguntou-lhe o número de contribuinte, tirou o talão, perguntou se queria saco. A cliente, com ar de poucos amigos, perguntou: 'E o talão de troca?'. A jovem fez um ar atrapalhado, pediu desculpa, que tirava já. A cliente, com ar superior, carregou no cenho: 'Eu tinha dito que era para oferta!'. A jovem voltou a pedir desculpa, aflita. E eu pensei que a vida daquela mulher devia ser muito má para descarregar tanto azedume em cima de uma pessoa tão insegura e esforçada como a jovem livreira. 


A seguir aproximou-se um homem muito alto, muito bonito. Deslizou como um leopardo por entre os livros, folheou alguns. Pensei que o conhecia, o nome à espreita atrás do pensamento. Depois ele passou a mão pela farta cabeleira e eu confirmei que era mesmo ele. Pensei que era a primeira vez que via uma pessoa da televisão que, em vez de ter metade do tamanho que parecia, tinha era o dobro. Pensei também que era mais bonito do que antes pensava que era. Pensei que era bom que falasse para eu poder confirmar se o mesmo com a voz. Falou mas foi em voz baixa, não conseguir distinguir o timbre. Esteve ao pé da caixa a falar com a livreira. Então chegou uma jovem que deveria ter metade da idade dele mas que deveria andar pelo metro e oitenta, cabelos muito compridos, daqueles que as jovens põem todo para um lado. E um vestido branco, pelo meio da perna, solto, botas, e, por cima, um casaco leve, também comprido, quase do tamanho do vestido, grandes bolsos. Chegou-se a ele, deu-lhe um beijo na boca que ele recebeu com indiferença. A seguir ela recebeu uma chamada e foi atender lá para fora e ele continuou a ver os livros.

Quando ia a sair, reparei na agenda literária. Folheei. Gostei. Pensei que talvez me habitue a tomar apontamentos. Voltei atrás. Depois vi as tisanas da Ana Hatherly. Tentei-me. Vi o I'm your man. Folheei. Não me tentei. Não sei se quero saber mais dele. Acho que há pessoas que não devem ser dissecadas para que não percamos o encantamento cego pelo que fazem.


Quando vinha a sair, saíu também o gigante, lindo, tranquilo. Seguiu como se se tivesse esquecido da namorada. Ela, ainda ao telefone, pondo o cabelo ora sobre um ombro, ora sobre o outro, foi atrás dele.

Tive pena de ser míope porque não consegui ver que livros ele tinha levado. 

E a seguir fui eu que recebi um telefonema e foi ainda ao telefone que desci ao interior da terra e foi ao telefone que conduzi até ao escritório. E toda a tarde foi uma complicação, tantos telefonemas, tantos mails, tantas mensagens, tanta gente a vir falar ao meu gabinete que acabei o dia tarde e com a cabeça feita em água. E quando cheguei a casa ainda tinha mails para responder e agora já os despachei a todos mas sei que nos próximos dias a coisa vai agravar-se porque estamos numa fase crítica e porque junta-se a fase dos forecasts e orçamentos e análise de desvios e isso em cima de tudo o resto é uma canseira. 

E agora estou aqui a pensar que podia ter preparado uma infusão de chá branco porque isso faria pendant com as tisanas que tenho estado a bebericar no intervalo destes rabiscos.


112. É de noite. Deito-me no chão e penso no meu corpo. Estou no meu corpo a seu lado. Estou do seu lado. Interrrogo que queres. Querer é a lei da boca.
113. Estás de visita meu corpo se agita o que é belo me agride. Uma chuva de dardos reconstrói o mistério que conduz ao êxtase. Nos amantes há sempre esse decisivo horror.


E, ao prosseguir, ocorre-me que, afinal, com estas palavras, talvez ficasse bem algum gengibre na infusão de chá branco.

Ocorre-me também que tão bom como estar aqui, em silêncio, a escrever a meio da noite é conhecer pessoas extraordinárias que chegam até mim pelas suas palavras tal como eu lhes chego pelas minhas palavras. Uma teia, uma rede feita de palavras unindo-me a pessoas que, longe de mim, desconhecidas, imateriais, sabem tocar o meu coração. Umas chegam com o seu nome, a sua história de vida. Outras chegam com outros nomes, outras histórias. Mas há verdade em tudo. E eu sinto o pulsar, o respirar, o olhar de todas essas pessoas, aí desse lado, tão perto de mim.  E não sei como agradecer o bem que me fazem sentir.


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As imagens mostram trabalhos de Ana Hatherly tal como são dela as duas tisanas que transcrevi (do livro '351 tisanas') e as palavras que escolhi para encabeçar o post. Lá em cima, Leonard Cohen interpreta Happens to the Heart 

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Desejo-lhe, a si, um bom sábado, um sábado com saúde, alegria, afecto, tranquilidade

sexta-feira, outubro 25, 2019

Em homenagem à Filipa
[Segunda carta de Maria Luísa a sua filha Filipa Bragança]



Querida Filipa,


Faz hoje três anos que ficámos todos em choque. Tu serias a última pessoa a querer partir mais cedo, pensávamos nós.

Espelhando bem o que nos ia na alma, o Nuno, vosso amigo de infância, compôs em tua memória "Sorrow of those who stayed" que em junho foi estreada num concerto pela ESML

Os amigos que assistiram filmaram com os telemóveis e disseram-me que tinha sido muito comovente porque te tinham sentido por lá, quem sabe se não conhecias já por cirandares à volta dele quando a compunha!

Aquela música era exatamente o que vinha sentindo sem parar, muito triste, como disse o teu irmão.

Quando me deram o programa, estava lá tudo nas palavras do Nuno, sinto tal e qual como ele diz:



(O aplauso, no final, ao Nuno)

Um grande abraço, sem lágrimas, porque sei que não gostas, sequer, de despedidas. Se estiveres bem, eu também fico bem.

Mãe

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Como se fosse um agradecimento ao Nuno, aqui fica a fotografia de ambos no dia do casamento do irmão da Filipa
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Disse-me a Maria Luísa num mail: 
Acreditamos no que queremos para continuarmos a viver. Não há outra maneira, e o nosso cérebro ajuda-nos a acreditar no que for preciso.
Só partem se deixarmos, só deixamos partir se quisermos. Não posso deixar que os que partiram não estejam comigo, especialmente ela. Por isso, nunca estou só, esteja onde estiver.
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Nota: A Maria Luísa não conseguiu enviar-me o vídeo do concerto pelo que apenas aqui consegui colocar o vídeo, mais pequeno, dos aplausos no final. 


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O papel do Facebook no Brexit (e no resto) -- vejam o vídeo, por favor


Por mail de Leitor a quem muito agradeço recebi um vídeo (com legendas em português) muiiiiito interessaaaaante e que já foi visto mais de três milhões de vezes.

Transcrevo o texto que o acompanha no site do TED:
Numa palestra imperdível, a jornalista Carole Cadwallard aborda um dos acontecimentos mais desconcertantes da atualidade: a votação super renhida para a saída do Reino Unido da União Europeia. 
Investigando os resultados até chegar a uma imensidão de anúncios falaciosos no Facebook, dirigidos a eleitores indecisos e vulneráveis — e ligando os mesmos intervenientes e as mesmas táticas às eleições presidenciais dos EUA em 2016 — Cadwalladr acusa os "deuses de Silicon Valley" de estarem do lado negro da história e pergunta: Serão as eleições justas e livres uma coisa do passado?
A journalist on the frontline protecting an open society, Fintan O'Toole no The Guardian

Sobre a oradora, transcrevo (e agora perdoem-me a preguiça por não traduzir):
Carole Cadwalladr is a journalist for the Guardian and Observer in the United Kingdom. She worked for a year with whistleblower Christopher Wylie to publish her investigation into Cambridge Analytica, which she shared with the New York Times. The investigation resulted in Mark Zuckerberg being called before Congress and Facebook losing more than $100 billion from its share price. She has also uncovered multiple crimes committed during the European referendum and evidence of Russian interference in Brexit.
Cadwalladr's work has won a Polk Award and the Orwell Prize for political journalism, and she was named a Pulitzer Prize finalist for National Reporting in 2019. Of her award-winning work, judge Sir David Bell wrote: She "deserves high praise for the quality of her research and for her determination to shed fierce light on a story which seems by no means over yet. Orwell would have loved it."

O papel do Facebook no Brexit -- e a ameça à democracia
















Um bom jornalista é outra coisa. 
E uma mulher inteligente também.

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E queiram aceitar o meu convite e descer, por favor, até: 


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E... thanks God, it's friday! Enjoy.

E se fosse consigo? E se fosse consigo? E se fosse consigo?


Há coisas que não consigo. Muitas.

Por exemplo, não consigo fazer outra voz que não a minha. Não consigo falar à Puorto, não consigo falar à alentejana, não consigo falar com voz estridente, não consigo falar com voz grossa. Pela mesma razão, porque não aprendi a falar espanhol (escolarmente falando), não me sinto bem a falar espanholês, sinto-me ridícula, parece que estou a fazer uma imitação mal sucedida. Também não consigo imitar os gestos de outra pessoa. Ainda gostava, um dia, de tentar fazer representação, só para perceber se seria capaz. Acho que não seria.
Provavelmente isso advém de ter muita dificuldade em disfarçar. Por exemplo, se não gosto de uma pessoa, seja porque a acho parva, estúpida, nula, tóxica, oportunista, egoísta, narcisista, o que for, não consigo disfarçá-lo. O mais que consigo é conter-me para não lhe dizer na cara o que penso dela. Mas, ainda assim, é bom que não me dê o pretexto que eu, por dentro, estarei a ferver só à espera que 'make my day'. Da mesma maneira, se gosto, não dá para não o mostrar. Mostro sem pudor.
Mas isto para dizer que, talvez ainda mais pela minha incontornável falta de jeito na coisa, sempre achei graça às pessoas que conseguem imitar vozes. Eu, se tentar reproduzir o que uma pessoa disse e quiser imitá-la, o que faço, ainda que involuntariamente, é caricaturá-la e, pior, acrescento, sem querer, expressões minhas que revelam o que penso dela, ou seja, estrago tudo.

Não é, de todo, o caso de Jim Meskimen, que abaixo verão, imita a preceito vozes e expressões. Mas o vídeo é mais que isso: o vídeo tem aquele quê de perturbador de que já no outro dia falei a propósito do vídeo do The Economist. Verão como o rosto dele se transforma no rosto da pessoa que está a imitar.

A tecnologia permite fazê-lo e cada vez há-de ser mais fácil fazê-lo e, como não é proibido, mais gente o fará. Seja por graça, seja pelo que for. O morphing veio para ficar.
E assim, Caro Leitor ou Leitora, se um dia vir um vídeo em que se vê a si a dizer coisas que nunca disse ou a fazer coisas que nunca fez, não se admire. Pode tentar provar que aquilo que ali está é forjado de alto a baixo mas não lhe será fácil. 
Em contrapartida, se um dia vir um vídeo em que se vê claramente alguém a fazer uma coisa imperdoável, pode ver-se confrontado com a reacção dessa pessoa, dizendo que a pessoa que ali se vê não é ele/a e que o que está a fazer não foi feito. 
Ou, se vir o Professor Marcelo a fazer striptease ou a contar anedotas brejeiras em vernáculo puro, gozando alarvemente com alentejanos ou com louras, ou o Louçã em conversa informal com a Catarina a fazer a apologia dos Mellos e a aconselhá-la a defender a abertura de mais hospitais privados, ou mesmo, se vir o Mário Nogueira, em amena cavaqueira com a Avoila, a confessar que votou no Costa, não caia à primeira. 
Este, convençamo-nos, é o admirável mundo novo que, aos poucos e na maior leviandade, temos vindo a construir. Não nos queixemos.


quinta-feira, outubro 24, 2019

O meu avô. A vida simples.
[E Li Ziqi que mostra como se comem as castanhas chinesas, como se fazem candeeiros e cestos, etc.]





O meu avô, que viveu uma vida longa, teve uma infância difícil. Contudo, isto sou eu a dizer porque a ele nunca ouvi um queixume nem o meu pai ou a minha avó alguma vez o referiram. Já o contei. De família abastada, o meu bisavô cedo se perdeu em mulheres e jogo, perdendo casas, terras, animais e, quando nada mais restava que a casa onde vivia com a mulher e três filhos pequenos, creio que para escapar a dívidas e vexames, fugiu para longe e, esqueci-me e ainda não me lembrei de perguntar á minha mãe, foi para a Argentina ou para a Venezuela. Não faço ideia o que aconteceu a seguir. Só sei que, ainda adolescente, o meu avô se fez à estrada e começou a trabalhar onde calhava. Presumo que se deslocasse a pé. Ou, então, de bicicleta. Andou de bicicleta até aos oitenta e muitos anos. O meu pai e o meu tio tinham medo, diziam que ele já não ouvia bem, que já não tinha idade para andar de bicicleta. Ele fingia que não ouvia, e continuava a fazer o que queria. Lembro-me dele com a cana de pesca em diagonal nas costas e a cesta para o peixe presa atrás.


Trabalhou em França e eu gostava imenso de o ouvir a falar em francês. Depois, não sei como, foi parar onde se fixou. Ali trabalhou até se reformar, vivendo perto. A casa tinha um terreno ao lado, onde tinha árvores de fruto e uma horta. Depois o terreno subia em socalcos onde ele, em pequenos talhões, plantava alhos, cebolas, favas, batatas. O terreno ia até lá muito acima. Acedia-se aos níveis superiores por caminhos, degraus, caminhos, degraus. Cá em baixo, tinha ainda uma capoeira grande; mas isso era pelouro da minha avó.

Lembro-me do meu avô sempre ocupado. Sempre que possível, ia à pesca e vinha carregado de peixes que eu pedia sempre para arranjar, as mãos mergulhadas nas vísceras, os dedos nas guelras puxando as tripas que vinham agarradas, ensanguentadas. E a minha avó sempre com medo que tivesse ficado um anzol na goela e eu ficasse presa. 


Ou, então, tratava da horta ou apanhava fruta. E a minha avó sempre a zangar-se por ele não limpar bem os pés no tapete que havia à porta da cozinha e levar terra agarrada aos sapatos. E ele a fingir que não ouvia. Mas nas mãos dele tudo passava por cuidados que me maravilhavam. Ele apanhava as cebolas e os alhos com a rama e entrançava-as, fazendo réstias que pendurava naquilo a que chamávamos 'a casinha'. Também o tomate. Havia tomate maduro todo o ano pois não se estragavam. A casinha tinha pouca luz. Talvez fosse por isso. Não sei. Quando alguma galinha ficava choca, era também nessa casinha, não tão pequena quanto isso, que se deitava a galinha, numa cama que lhe faziam, onde estavam os ovos. Por isso, era aí que nasciam os pintainhos. 

No quintal, havia ainda a casinha das ferramentas e a bancada onde estava um torno. Contudo, penso que o que ele aí fazia tinha sempre a ver ou com fazer um portão de madeira, ou uma escada para ir à fruta, ou um banco de madeira para a capoeira. Coisas assim, simples.


E tinha uma arte. E essa arte fascinava-me. Dos seus tempos de criança tinha-lhe ficado a lembrança da cestaria. Devia evocar a lembrança das pessoas da terra e, aos poucos, foi tentando reproduzir os movimentos e cada vez fazia melhor. Creio que ele falava em palma. Creio. Eram folhas estreitas e finas que ele abria ou dobrava. Tenho ideia que umas vezes fazia com as folhas secas e outras com elas ainda frescas. Fazia cestos para guardar os ovos, cestos para a fruta. Não eram muito perfeitas e, portanto, não se usavam como objecto decorativo. Mas eu gostava tanto. Gostava em especial quando ele os fazia com asas de lado ou uma única, ao alto, grande, a meio. Tenho ideia que uma vez pensei que queria ficar com uma recordação e quis uma dessas cestinhas. Mas com as mudanças de casa, com o tempo a passar, às tantas, perdi o rasto a uma que tinha. Não sei como foi possível. Ficou apenas a terna recordação.


Eu olhava para aquele avô com um grande fascínio. Como viveu até tarde, lembro-me especialmente dele quando reformado. Depois de almoço, sentava-se no cadeirão de madeira que agora tenho lá em casa, in heaven, ligava a televisão ou o rádio, pegava num jornal ou num livro, lia, e, por vezes, dormitava. Tirando isso, andava sempre ocupado. Nunca se zangava, nunca protestava. Por ele estava sempre tudo bem. A minha avó queixava-se do reumático ou das artroses, queixava-se dos filhos, queixava-se da outra nora que a afastava do filho, queixava-se de uma ou outra vizinha, queixava-se de ele trazer muito peixe e de ela já não ter paciência para o arranjar, queixava-se de ele ser pouco cuidadoso com o quintal, com o jardim e com as flores. Ele fazia de conta que não ouvia e, à socapa, sorria para mim. 


Sempre tive uma grande cumplicidade com ele. Quando deixei um namorado, ela preocupou-se e, quando apareci logo com outro, preocupou-se ainda mais. E quando aos vinte lhe disse que ia casar ainda mais preocupada ela ficou. Ele não. Ele não dizia nada, apenas sorria, deixava-a fazer os dramas. Não era bem dramas, era mais como se fosse uma agonia que ela tentasse disfarçar sem o conseguir. Nesse dia em que, em casa dos meus pais, eu lhes disse que dentro de um mês ia estar casada e que ela ficou arrasada ele ficou como se nada se passasse. Apenas veio ao pé de nós, de mim e do meu namorado, e disse: ela casou-se aos dezoito e ao fim de pouco tempo, já o teu pai tinha nascido e, pouco depois, o teu tio. Eu tinha vinte e cinco mas ela tinha dezoito. Por isso, aos vinte parece-me uma boa idade. 

Isto do lado desse meu avô.
Esqueci-me de referir um aspecto que talvez explique muitas coisas. Ele tinha umas feições levemente orientais que o filho mais novo herdou e de que uma das minhas primas ainda é portadora. Penso que talvez por isso tivesse aquela paciência de chinês.
Do lado da minha avó do lado da minha mãe era também sempre uma actividade mas aí uma coisa mais restrita: era renda. Fazia rendas lindas. Colchas, toalhas de mesa, rendas para lençóis, entremeios de mesa. Nunca estava sem nada que fazer e era altamente produtiva. Tenho várias coisas feitas por ela. 'Tirava' por amostras, 'tirava' por revistas, 'tirava' por onde calhasse. Eu adorava ver a destreza daquelas mãos.


Talvez por isso, quer a minha mãe, quer o meu pai sempre foram muito activos, sempre ocupados, muito habilidosos. Com o que calhasse. Contudo, lembro-me especialmente dessa actividade e criatividade depois de reformados pois antes a vida profissional ocupava-os bastante. 

E, talvez também por isso, eu seja como sou, incapaz de estar sem nada que fazer. Contudo, vejo-me limitada. Limitada, desde logo, em tempo. E, talvez tão importante como a falta de tempo, é o sentir-me limitada pelo preconceito de recear não saber fazer. O receio contraria a confiança e para se fazer o que se quer é preciso ser-se afoito. E para se ser afoito é precisa ignorância. Ora, se a gente se põe a pensar muito, estraga a ignorância, perde a afoiteza e lá se vão os sonhos.

Mas, senhores, que vontade sempre tenho de fazer coisas. Pintar, fazer tapetes, fotografar (como estas fotografias que fiz no outro dia in heaven), cozinhar, varrer, escrever. E outras coisas. Tantas outras coisas.


. . .   &   . . .

Já aqui mostrei muitas vezes aqueles vídeos que, para mim, são uma fonte de tranquilidade. Os movimentos serenos da jovem Li Ziqi, os seus passeios pelos bosques, a forma harmoniosa como se move, os gestos ancestrais no manuseio de frutos, de flores, o fogo, os preparados que faz, a comida que confecciona, as peças que talha. Tudo me faz ficar presa a olhar. Mesmo que não perceba o que faz, mesmo que não saiba que produtos usa. Mesmo assim eu fico a olhar. Penso que era uma vida assim que eu gostava de ter. Uma vida simples, sem tempo, sem pressa, sem ruído, embalada pelo canto dos pássaros. 

Fazer coisas bonitas para a casa.

(E foi por vê-la a fazer cestas que me lembrei tanto do meu avô)



Os frutos secos do Outono



Mas quem é Li Ziqui que tem milhões de seguidores?


Desejo-vos uma quinta-feira tranquila e boa