segunda-feira, abril 30, 2018

A sorte. O acaso. A beleza. A felicidade.





Hoje foi um dia especial para mim por razões cá minhas. O programa não foi exorbitante nem a mim já me entusiasmam os programas exorbitantes: foi simplesmente tranquilo e simples que é aquilo que realmente aprecio e que transforma os meus dias em dias bons.


A Primavera, que anda chuvosa faz-se anunciar aqui, in heaven, através dos cachos de glicínias. São lindas e perfumadas, estas flores. Há alguns anos plantei uns dois ou três pequenos pés. Durante algum tempo não se deu por elas. Mal medravam. Eu regava-as, enchia-me de cuidados, tirando as ervas que despontavam à sua beira não fosse roubarem-lhe os sucos vitais da terra. Contudo, tal como aconteceu em todo o terreno, aconteceu aquele mistério que, até hoje, não consigo explicar. Parece que a terra se transformou e, apesar dos climas extremos que aqui acontecem, e apesar de eu não ser assídua na rega durante os verões de inclemência, a verdade é que os pés de glicínia tomaram o futuro nas suas mãos e desataram a crescer, vigorosos, enleando-se nos gradeamentos e nos portões, galgando alturas, trepando pela azinheira e pelo loendro, como intrépidas aventureiras, como se quisessem ganhar o céu.


Mas não são apenas as glicínias. As flores estão por todo o lado e eu encanto-me como um pássaro, deslizando entre elas. Não canto mas fotografo. Rendo homenagem à graciosidade que nasce da terra, milagres sempre merecedores de devoção. Gostava de ter alma de poeta, gostava de saber destilar a minha emoção e encontrar as exactas e puras palavras que saibam honrar a beleza em estado puro das flores. Mas não tenho esse dom.

Fico com vontade de voltar a pintar, de ter à minha frente uma tela gigante e desatar a lançar cores, a inventar formas e a lançar brilhos e pontos de luz em plena liberdade, sem ter que ser fiel à realidade nem a preocupação de agradar. Mas parei. Talvez um dia recomece. Sinto falta da suprema liberdade que sentia.


Fomos também dar um pequeno passeio. Parámos algumas vezes. Os campos estão lindos. À beira do rio, estes lírios ou orquídeas amarelas são de uma elegância e beleza raras e são-no tanto mais quanto são tão injustamente efémeras. Não há muito, ao passar por aqui, não existiam. E receio que, da próxima vez, já cá não estejam. Mas para o ano, assim o rio vá farto e vivaz como está este ano, cá estarão elas, sílfides etéreas procurando o seu reflexo da superície verde das águas. A natureza ressurge mesmo quando parece que se ocultou para nunca mais. 

Parámos também na curva da estrada, onde a encosta está cheia de papoilas e de malmequeres amarelos. Baixei-me para ver as flores como um pequeno animal as verá.


Crescem pela encosta, recortando-se, lá em cima contra o céu, ondulando ao vento, misturando o seu perfume com o dos pinheiros. Um cenário colorido, uma coreografia que o vento comanda.


Estava muito frio. Choveu muito de tarde mas, por momentos, o sol despontava, iluminando os campos floridos. Vendo as fotografias, parece que o frio não se percebe, parece que o ambiente é apenas solar, aberto aos prazeres calorosos da contemplação emocionada. Mas estava um vento frio e o meu marido, que tinha saído do carro pois tinha deixado de me ver, perdida que andava no meio das flores, começou a chamar-me, que estava muito frio para eu andar por ali.

Mas mais à frente, voltei a pedir que parasse. Uma grande árvore florida, no meio de um campo verde, à beira do rio, ali onde ele ia alto, quase a transbordar.


Pensei que seria capaz de ficar horas, em paz, em frente desta árvore. A música da água que corre, a música do canto dos pássaros, a música do vento nas ramagens das árvores, a tranquilidade do verde pontuado de branco, tudo aquilo me parece a imagem perfeita da consubstanciação dos elementos da natureza, a harmonia abstracta feita matéria.

É preciso tão pouco para eu me sentir feliz. A beleza enche-me de felicidade.



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Penso, por vezes, que o nosso destino resulta da forma como reagimos aos sucessivos acasos que se nos vão deparando, das escolhas que fazemos perante esses acasos -- e que a felicidade reside na sorte que se tem com a escolha dos caminhos e na vontade de ir em frente não pensando, com mágoa ou arrependimento, nos caminhos que vamos deixando para trás.

Mas, enfim, cada um sabe de si e eu não sou dada a filosofar, muito menos sobre temas tão íntimos.


Be happy
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domingo, abril 29, 2018

Na verdade, nada de especial
(excepto um "The lucky ones" que valeu um Golden Buzzer e 9 conselhos para não morrer infeliz)





Enquanto escrevo, ouço a chuva a cair copiosamente. Choveu muito hoje. Por volta das sete da tarde houve uma aberta e fomos à nossa faena. Discordamos na abordagem. O meu marido aborrece-se um bocado comigo porque diz que quero tratar o mato como um jardim e que os meus critérios são de ordem estética e não prática. Eu acho que não, que é podando criteriosamente os ramos de árvores e arbustos que limparemos melhor o terreno, não cortando tudo a eito. Então ele desforra-se, fazendo à maneira dele quando me apanha ao largo. Como é madrugador, quando estamos aqui, geralmente quando acordo e vou abrir as portadas do quarto, ouço o barulho da máquina ao longe e já sei que é ele que anda a cortar mato lá para baixo. Quando estou ao pé dele, tento que ele se alinhe com a minha maneira de ver e que seja criterioso: os ramos junto ao chão e os oblíquos da aroeira, os rebentos ladrões e os ramos baixos das azinheiras. Por exemplo. Como sempre, eu corto os mais finos e levo o mato para o 'campo de futebol', ele serra os ramos mais grossos e mais altos.


Com isto, nem démos pelo tempo a passar. O prazer que sinto em andar no campo -- no meio das árvores, ouvindo o chilreio dos pássaros, sentindo o perfume intenso do alecrim, do rosmaninho, da terra molhada, da madeira cortada de fesco, da ramagem das árvores, sentindo a terra fofa e fértil sob os pés -- é difícil de descrever. Só sei que, nestas alturas, me sinto verdadeiramente feliz.

Quando regressámos a casa eram oito e meia e ainda não era bem de noite. Mas tinha estado a choviscar e já estávamos meio molhados e, sobretudo, o ombro e braço do meu marido já estavam a doer-lhe mais.


Tivemos que mudar de roupa. Pus a minha a secar no aquecedor e os ténis ainda estão ao pé da salamandra. 

A sala está quentinha, acolhedora. De tarde, para além de pôr a roupa a lavar e, depois, a secar e de me ocupar com outras pequenas tarefas domésticas, estive a ler e, como sempre nos últimos tempos, o mesmo delicioso livro que, ou porque adormeço ou porque me forço a consumir em doses homeopáticas, próprias para uma boa degustação, vai rendendo, rendendo. No outro dia comentei isso com quem mo ofereceu que, naturalmente, ficou contente por eu estar a apreciar o seu presente: é cheio de subtilezas, disse eu. Ele disse: cheio de observações, cheio de ironia. E é mesmo. Livro bom. Boa história, boa escrita, bons personagens, tudo de bom. Dá vontade de reler cada passo acabado de ler. Vou assinalando bocadinhos, penso que gostava de partilhar convosco. Mas, na hora de os transcrever, não o faço, temo menorizar o livro reduzindo-o a excertos desgarrados dos quais nem seria possível perceber a riqueza dos sub-entendidos ou das alusões, por terem sido extirpados do contexto.


E é isto. Na verdade, hoje e sempre, não tenho nada de especial para dizer. Sou dada a coisas simples, sem história, sem complexidades. Não quero saber sobre coisas que não interessam, não tenho ambições impossíveis, não guardo rancores, não peço nada, agradeço tudo. E quando estou aqui, in heaven, entregue às coisas simples da existência, sinto que estou no meu habitat natural.

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Curiosamente, quando fui à procura de uma música que fizesse pendant com o que tinha escrito, a minha alma gémea -- o algoritmo do YouTube -- tinha para me mostrar não apenas o duo pai e filho, Jack and Tim Goodacre, a quem Simon Cowell concedeu o Golden Buzzer no Britain Got Talent deste sábado com uma maravilhosa canção composta por eles, The lucky ones, mas também um outro vídeo que vi de gostei bastante, concordando com cada palavra. Não está legendado mas a boa fluência facilita a compreensão. Espero que também gostem.



Don't Die Unhappy - learn these 9 life lessons | Tim Minchin



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As fotografias foram feitas este sábado, in heaven

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sábado, abril 28, 2018

Um condensado de Trump
-- vê-se e não se acredita


O que penso de Trump é mais do que conhecido por quem por aqui me acompanha. A preocupação com que encaro a capacidade humana para fazer escolhas aberrantes é também conhecida. 
O que penso da Cambridge Analytica, que fez um marketing político que manipulou os eleitores americanos nas últimas presidenciais (tal como o que penso do Facebook que abriu a porta para que a Cambridge Analytica sacasse de lá todos os dados pessoais que quis para conhecer bem os gostos dos eleitores) é também conhecido -- mas a verdade é que se deixa manipular quem gosta de se portar como um carneiro acéfalo, indo atrás da vox populi sem parar um minuto que seja para pensar. Por isso, nesta tragédia não há culpados e santinhos: é tudo farinha do mesmo saco, quer os que enganaram quer os que se deixaram enganar. Aliás, é ainda muito pior que isso já que Trump nem se deu ao trabalho de enganar ninguém: disse ao que ia e as pessoas (as que votaram nele) não prestaram atenção ou não perceberam que deviam era correr com ele à vassourada.
Portanto, nisto do Trump, assusta-me ver como a raça humana é autofágica, autodestrutiva e se entrega docemente nas mãos de qualquer parvo que se anuncie como salvador da pátria, especialmente, se for conhecido da televisão.

Olho para as atitudes de Trump, para os seus discursos, para as suas decisões, para tudo, e fico perplexa: como é possível que os Estados Unidos tenham chegado a este ponto? Como é possível que tenham votado e que aceitem ter um tal palhaço como presidente?

Mas as minhas dúvidas não valem um caracol pois a verdade é que isto acontece num dos países supostamente mais evoluídos do mundo -- e o tempo vai passando e ele lá vai continuando.

O vídeo abaixo mostra bem o anormal que Trump é. E, para minha inquietação, mostra também como não podemos acreditar que o 'povo' sabe fazer as melhores escolhas.



Dá para acreditar numa coisa destas...?

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Um dia muito longo (revisited)
Agora com umas fotografias oferecidas e com um vídeo digno de ser visto





Não vi, li ou ouvi notícias. Levantei-me era noite cerrada. Pior: dormi mal. Quando tenho que me levantar de madrugada, tento deitar-me ligeiramente mais cedo. É um erro. Vou para a cama sem sono e ainda com menos sono fico quando lá caio. Depois começo a pensar que já mal vou dormir e, com isso, ainda menos durmo. Uma seca.

Quando saí, a rua deserta. Por vezes, no tempo dos dias pequenos, saio ainda é noite, noite, e até sinto um leve receio. Hoje não, hoje quando saí  começava a querer amanhecer. O céu estava límpido. Fui encontrar-me com uma pessoa e, daí, fomos juntos para o local onde passámos o dia. Centenas de quilómetros. Todo o santo dia. Até à hora que era para ser de almoço, foi para trabalhar. Depois do almoço, que foi de trabalho, mais trabalho. Viémos tarde. Claro que poderíamos ter ouvido as notícias na rádio mas a verdade é que vamos e voltamos sempre na maior converseta. Há anos que é isto: sempre conversa para pôr em dia. Entre coisas de trabalho, fofocas, séries de televisão, telenovelas, grandes assuntos estratégicos ou pequenos assuntos de corredor, nada deixamos por dizer. E assim percorremos centenas de quilómetros para cima e centenas para baixo sem darmos pelo tempo.

No entanto, não pensem. Dias assim são cansativos. São muitas horas de seguida, sem um instante para descansar. Mas a companhia é boa, o ambiente é sempre de afabilidade e isso não é despiciente. Portanto, não se pense que me queixo. Não queixo.


Quando cheguei ainda fui ao supermercado, depois ainda fiz o jantar. Lá a comida era óptima, do melhor que há e mesmo do género de que gosto, proporcionando-se a manjar só de petiscos. Mas não deu tempo para me banquetear como convinha. Tasquinhei rapidamente e tão rapidamente que nem o cérebro percebeu que tinha comido. Por isso, cheguei deserta de fome.

Agora que aqui cheguei ao meu sofá são quase onze da noite.

Devem ter acontecido coisas extraodinárias durante o dia e já vi por ai, num relance, que o maluco da Coreia agora deu-lhe para fazer as pazes com o outro da Coreia do lado de lá mas, sinceramente, ou estou a ficar céptica para além da conta ou é mais uma palhaçada ou criancice. Alguém que tem um historial de doido varrido muda assim do dia para a noite? Agora acaba com os testes nucleares, o espírito bélico-anormal desapareceu, todo ele virou peace and love com os arqui-inimigos...? No espaço de um mês transformou-se desta maneira...? E toda a gente acha isto normal...?

Pois eu não acho. Cá para mim , ou anda dopado ou anda na palhaçada.

Também vi agora na televisão que já se sabe o nome do bebé real. Louis e mais outros nomes mas o primeiro é que conta. Já podem fazer as contas a ver o saldo das apostas. Louis. Eferre-á. Alequí-alecuá.


E agora aqui, neste meu ninho, depois de ter falado com os meus filhos, já cabeceei várias vezes. Tenho uns quantos mails por ler. Devia responder a uns quantos e, no entanto, não consigo. Na televisão agora o Expresso na Meia-Noite. Vou tirar daqui. Já não consigo ver. Ricardo Costa. Mau jornalista. Tenho cá para mim que má pessoa também. Não me interessa ouvir conversas gastas. Agora está na RTP 1 que mostra gente que está longe e a quem o repórter leva mensagens de família e amigos. Programas assim vêem-se bem. Daqui a nada vai dar na SIC a telenovela brasileira. Se me mantiver acordada, vou gostar. A esta hora e há quase vinte e quatro horas sem dormir, não dá para mais que isto.

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As fotografias que usei acima, obtive-as no The Guardian.

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E agora vou ver se descubro um vídeo engraçado para que não dêem o tempo aqui por perdido.

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Ontem, depois de ter acabado de escrever, apaguei e só despertei ao de leve, algum tempo depois, para ir para a cama. Portanto, é hoje que o completo e, como o prometido é devido, aqui está um vídeo digno de ser visto. Eu vi-o com um demi-smile porque, caraças, nem precisaram de me lavar o cérebro, parece que nasci com um chip para ser como sou, uma totó igual aos totós aqui referidos. Caneco.


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E agora fotografias recebidas por mail de quem muito prezo.

Com os meus sinceros agradecimentos ao V. que as fez e ao E. que mas enviou.

Tá-se bem por aí, não, amigos?






Obrigada!

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sexta-feira, abril 27, 2018

Alugar uma família


Não conheço o Japão mas, numa outra minha vida, tive muito contacto com japoneses. Não apenas contacto telefónico ou por escrito mas, também, presencial. Pelo menos uma vez por ano, vinham até cá e eu, noblesse oblige, tinha que passar o dia com eles: em longas reuniões, em almoços, a acompanhá-los a visitas profissionais que queriam fazer e que, de resto, tinham sido programadas com antecedência. O que nunca consegui foi aguentar até à noite, jantando com eles. Arranjava sempre maneira de os empandeirar, deixando-os a cargo de alguém a quem cravava para me fazer esse favor.

De uma extrema delicadeza comigo, deixavam-me sempre desconfortável com a falta de delicadeza que demonstravam para com pessoas que consideraravm de nível inferior ao meu. Identicamente, nunca consegui perceber como, tratando-me com tanta deferência e simpatia, cometiam a falta de respeito de se porem a falar em japonês entre eles, deixando-me, no meio deles, sem preceber patavina. Contudo, para eles deveria ser normal pois, mal acabavam a sua negociação privada, retomavam a conversa comigo na maior gentileza.

Por vezes, na forma como demonstravam a sua simpatia ou na forma extrovertidamente alegre como se juntavam para serem fotografados comigo, achava-os quase infantis. E, no entanto, eram hábeis, influentes e implacáveis homens de negócio.

Claro que não posso extrapolar a partir de uma dúzia de japoneses mas ficou-me sempre a ideia de uma estranha duplicidade na maneira de ser deles.

Mas, para além desse meu conhecimento pessoal, há o que se sabe: a estranho modo de vida de alguns, o afeiçoarem-se a bonecas sexuais, os casais que vivem sem sexo, a solidão triste de muitos, a aceitação social de vida em condições infra-humanas, o excesso de trabalho que é tido como normal. Etc. 

E agora fico a saber que o negócio de alugarem famílias vai de vento em popa. Estranhíssimo.

Um homem ficou viúvo e não superava a sensação de solidão. Por essa altura, a filha teve uma discussão com ele e sumiu. A solidão do homem agudizou-se. Resolveu, então, alugar uma mulher e uma filha. Ao princípo elas tratavam-no com a mulher e a filha de verdade o tratavam. Saíam, iam aos restaurantes e aos lugares onde ele antes ia com a família de verdade. Aos poucos ele foi-se afeiçoando. Um dia, mandou a chave de casa à empresa para a qual eles colaboravam para ter a sensação de, ao chegar a casa, vindo do trabalho, tê-las à sua espera, as luzes acesas, o conforto de uma família. Aos poucos elas deixaram de fingir ser outras e ele aceitou-as tal como elas eram.

Não conto mais para não tirar a vontade de ler o artigo na íntegra. A históra vem contada no The New Yorker: Japan’s Rent-a-Family IndustryPeople who are short on relatives can hire a husband, a mother, a grandson. The resulting relationships can be more real than you’d expect -- um artigo de Elif Batuman. Há histórias inesperadas (como, por exemplo, a referência a jovens cujos pais são obcecados com o noivado das filhas e que, para não os ouvirem mais, contratam um pseudo-namorado; mães a fingir, amigos a fingir, homens mais velhos para serem simplesmente conselheiros). Há de tudo. Uma forma como qualquer outra de vencer a solidão ou de ultrapassar uma perda, para ajudar a vencer um sofrimento. Uma forma de terapia, talvez. Não sei. 

Há de tudo nas histórias de quem recorre a estas empresas e talvez não me engane muito se disser que o artigo, sobretudo, demonstra que os preconceitos distorcem a nossa capacidade de compreender e aceitar o que é diferente. 


A verdade é que o choque que senti ao ler o título se atenuou à medida que fui lendo o insólito que ali se descreve. 
Quantas vezes eu recebo mails íntimos, histórias de solidão, perda e tristeza, desabafos sentidos? Tantas, tantas vezes. Dizem-me -- e eu acredito -- que é mais fácil falar com um desconhecido do que com quem se conhece e que pode mostrar estranheza ou desconforto. Um desconhecido é uma entidade distante, intangível, alguém que melhor aceitará e compreenderá a intimidade alheia. Sem esforço, eu sinto-me o ombro amigo, a mão que apoia, a voz silenciosa. Sinto que estou aqui para escutar, para ajudar. Talvez seja como se os meus Leitores estivessem a alugar a minha companhia e eu aceitasse de bom gosto, sem pedir nada em troca apenas por puro e desinteressado afecto.


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Para um tema mais levezinho, queiram descer ao encontro de coisas espertas.

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Coisas espertas


Acho muita graça a coisas parvas que outras pessoas fazem e não porque me ache incapaz de fazer coisas de tal calibre mas, justamente, porque, com alguma frequência, acho que podia muito bem ter sido eu a fazê-las.

De facto, não apenas sou despistada em relação às coisas mais simples do dia a dia como, perante algumas situações banais, constato com surpresa que não sei bem como resolvê-las e admito como admissíveis hipóteses que não lembram ao careca.

Estava, há bocado, a alienar-me, passarinhando por alguns sites de fait divers, quando no Bored Panda, dei com fotografias de coisas assim. Mostro-vos.

Uma coisa esperta


Esta, para não perder as chaves do cadeado, prendeu-as nele e, para ficarem mesmo bem seguras, fechou-o. Outra coisa esperta.


Uma moto4 muito bem amarradinha para não se escapulir. Amarradinha à jante... Coisa mesmo esperta.


Já muitas vezes temi estar numa situação do género desta aqui abaixo. Trago uma big caixa do IKEA e só quando me vejo perante a contingência de poder não caber no carro é que me atrapalho, pensando a quem é que hei-de ligar para vir em meu socorro. Mas esta abusou da falta de caco. Olhem bem o tamanhão da caixa... Coisa esperta.


Este doido aqui enfiado é que é demais (este doido ou esta doida?). Devia estar com uma valente bebedeira para vir aqui parar. Mas, na realidade, nem se percebe como conseguiu tal proeza. Coisa mesmo esperta.

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Até já.

quinta-feira, abril 26, 2018

Mário Soares anda pelo Jardim a partir deste 25 de Abril


Não fui a manifestações, não participei em eventos de qualquer espécie. Acordei cedo convencida que iríamos dedicar o dia a cortar mato mas, afinal, não sou só eu que tenho o corpo despreparado para grandes labutas rurais. O meu marido também anda com um ombro dorido. Ainda por cima, andar ontem à noite a passear com o bebé ao colo, deixou-o ainda pior. Portanto, mudança de planos. 

Fomos cirandar. Depois de almoço rumámos ao restaurado e recém nomeado Jardim Mário Soares que antes chamávamos de Campo Grande. Por lá tinha andado, umas duas horas antes, Marcelo Rebelo de Sousa, Ferro Rodrigues, António Costa, Fernando Medina e membros da família Soares.




Durante os anos de estudo, era frequente andar por estas bandas. Alugávamos bicicletas e andávamos por ali e pela Cidade Universitária. Sempre gostei muito de andar de bicicleta e ali havia como. Era também normal jantarmos na Cantina de Farmácia ou da Cidade Universitária e, de caminho, passarmos pelo jardim do Campo Grande.

A minha filha, com quem estive agora a falar, também ainda se lembra de andarmos de barquinho lá no lago. Diz que se lembra do pai a rabujar. E eu lembro-me porquê. Eles não paravam sossegados, tudo aquilo balouçava, eu ria a bandeiras despregadas, e o meu marido, sozinho, tinha que aguentar o barco.


Os barquinhos ainda cá estão. O jardim agora está mais bonito, mais arranjado. Tem agora elevações que dão graça à paisagem, que protegem do vento e isolam do ambiente urbano. É um oásis no meio da cidade e nem se dá pelas ruas circundantes, cheias de carros.


Tem agora também um outro laguinho e já cá andam meninos a tomar banho e a brincar. Sobre a curiosa escultura que está pousada no topo, transcrevo:
Fonte-escultura, que representa uma caricatura, decorrente do desenho cartoonado, executada, em 1992, por Samuel Torres de Carvalho, mais conhecido por Sam, e traduz uma peça única, metálica, resultante de várias formas que ao serem insufladas se transformaram numa só, à semelhança de um balão habilmente manipulado. Localizada na margem do lago do topo Sul do Jardim do Campo Grande foi inaugurada, em 17 de Setembro de 1993, por iniciativa da Câmara Municipal de Lisboa.
Escultor - Samul Azavey Torres de Carvalho. Data - 1993. Material - Bronze. Estilo - Figurativo.
 Mesmo na direcção da casa de Mário Soares, mais um apontamento: só é vencido quem desiste de lutar.


Fiquei agradavelmente agradada. Muitos casais jovens com crianças, a andar de bicicleta, a patinar, as zonas de parque infantil cheias, muitos jovens, muita gente. Pensei que, durante anos, quando estava num qualquer outro país, ficava sempre admirada porque, lá, as pessoas andavam na rua, desfrutavam os espaços públicos. A primeira vez que passeei em Hyde Park fiquei espantada: gente a apanhar banhos de sol, deitadas na relva, homens em tronco nu, gente a tocar. Cá ninguém ia para os jardins e esplanadas, era gente maioritariamente encafuada, ensimesmada.


Penso que muito do ambiente opressivo de antes do 25 de Abril perdurou nas mentalidades durante muitos anos depois. 

O tempo que passa, o intercâmbio estudantil do Erasmus, as viagens low costs que facilitam o conhecimento de outras culturas e a multidão de turistas que nos últimos anos têm trazido novas práticas, têm ensinado aos autóctones o gosto pelo convívio, pelo contacto com a natureza, a descontração de se fazer o que apetece desde que não se moleste ninguém.


Um pouco mais à frente, li 'Sempre' e pensei: tomara que, para todos, seja 25 de Abril sempre. E que haja a vontade inquebrantável para defender a democracia e a liberdade sempre.


Como já não ia para aquelas bandas há algum tempo, não sei se alguns dos edificados ou apontamentos escultóricos já ali estão há muito ou se são recentes. O que sei é que gostei. Claro que alguns estão grafitados de forma despropositada mas, nisto como em tanta coisa, penso que há ainda um caminho de aprendizagem a percorrer. 

Penso que os poderes públicos, nomeadamente a nível autárquico, têm uma palavra a dizer. O graffiti pode ser uma arte e penso que se for dado espaço e prestado respeito a quem a pratica passará a haver compreensão de que a sua prática indevida pode ser puro vandalismo.


E, estava eu fotografando, isolada do mundo como sempre me acontece quando toda eu convirjo no que estou a observar, quando ouço o meu marido a chamar-me. 'Olha, ali a atravessar a rua, o Eduardo Lourenço'. Estava parado nos semáforos, esperando que abrisse o verde para peões na direcção talvez da Biblioteca Nacional. Enterneci-me. Comemorando o 25 de Abril, o estóico filósofo, 94 anos, ali estava junto ao jardim que relembra Mário Soares. Um país é feito de muita coisa: da sua história, da sua geografia, das suas gentes, da sua memória, dos seus desígnios mas quem consegue a fusão de todos os aspectos e sabe transformá-los na matriz genética do povo são as pessoas da cultura. Deles somos todos eternos devedores.


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Enquanto escrevia este post e escolhia as fotografias para aqui colocar, estive a ver uma entrevista de Vítor Gonçalves a Conceição Matos e Domingos Abrantes. E o que aconteceu foi que, a maior parte do tempo, parei de escrever para ouvir e ver com atenção o impressioante testemunho deste casal que suportou a tortura da PIDE e que sobreviveu, com inteireza e notável dignidade, para o poder contar. A quem não viu e possa fazê-lo, sugiro que use a box e tente ver o programa. É um testemunho absolutamente extraordinário. Toda a gente devia conhecer o que eram as práticas do regime anterior ao 25 de Abril para que não subsistam dúvidas.

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Macron e Trump, in love
[E a extraordinária linguagem corporal dos dois casais]


Já ontem tinha tido vontade de aqui partilhar alguns momentos mimosos e bizarros da visita do casal Macron na sua recente visita aos States e ao peculiar casal Trump. Mas sendo que o assunto que me motivava era o 25 de Abril, não quis misturar fenómenos do Entroncamento com uma data tão especial.

Pois bem, não consigo esperar mais. Sem que consiga dizer alguma coisa sobre o tema já que, perante acontecimentos do além, tendo a ficar muda e queda, deixo aqui ficar algumas imagens que demostram o bom clima entre os dois fantásticos casais que, pelo que parece perceber-se, disputam entre si quem faz a pose mais inesperada (ou amalucada, como se queira).

Os jornalistas e blogueiros que defendem que é importante que a transmissão televisiva dos interrogatórios judiciais aconteça -- para que nós, jurados do povo, através da sua linguagem corporal dos inquiridos, possamos julgá-los ajuizando se o que dizem é verdade -- talvez saibam interpretar as pernas abertas da Brigitte, as inacreditáveis poses da Melania, os beijinhos e as mãos dadas do Donald e do Emmanuel ou o beija-mão deste último à dúbia primeira-dama americana. Eu não sei. Limito-me a achar que tudo aquilo me parece um filme cómico.








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Olha as mãozinhas....


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E mais não digo pois não sei mesmo o que dizer. Macron ter aparecido ao lado do palhaço Trump e da taralhouca May na fantochada do pseudo ataque aos depósitos de armas químicas da Síria deixou-me intrigada e agora este climinha de amor entre ele e Trump é o corolário da minha incompreensão.  E não são as aparentes críticas de Macron a Trump no Congresso que me ajudam a esclarecer qual a verdadeira relação institucional entre os dois estados. Ou Macron é mais esperto do que possa parecer ou é mais parvo do que se julga. Por isso, deixo as especulações sobre o tema para quem perceba alguma coisa de jogos de xadrez com peças de fabrico incerto.


quarta-feira, abril 25, 2018

25 de Abril





Oito das minhas unhas das mãos estão pintadas de cor de cravo. A menininha linda pediu se, depois de jantar, me podia maquilhar. Foi buscar a caixa e sarapintou-me. Depois pediu que a pintasse eu a ela. Assim fiz. Logo, de seguida, pediu para me deixar pintar-me as unhas de cor de cravo. Deixei. O mano do meio tinha ido buscar a guitarra e tocava e cantava uma sentida balada, alto e bom som. E o bebé trepava para cima de tudo, abria todas as portas, tentava tirar tudo de dentro dos armários, abrir todas as gavetas enquanto eu tentava impedi-lo. Portanto, no meio daquilo, não me sobrava capacidade de reacção para argumentar. 

À hora de jantar já o bebé tinha partido um prato. Tínhamo-nos esquecido que com gentinha miúda deste calibre ou os pratos são de plástico ou temos que ficar agarrados à louça. Depois de ter jantado um prato de sopa, um prato de arroz e frango assado e um kiwi, não descansou enquanto não comeu mais arroz e mais frango. E eu a dar atenção aos manos, num segundo descurei o prato à frente dele e pimbas, no chão. E ele a rir.


Depois fez cocó. Levei-o para a sala para lhe mudar a fralda e, no segundo em que vim deitar fora a fralda e o deixei à guarda da irmã, ouvi-a a chorar, desesperada aos gritos: 'Alguém vem aqui depressa?'. Assustada, larguei tudo e fui a correr. Estava ela a chorar e ele a rir. 'O que foi?'. 'Foi ele que me mordeu!'. Levantei a blusa para ver. A maminha toda encarnada. 'Mas porque é que ele fez isto?'. 'Porque estava a abrir o armário e eu não deixei porque ele queria tirar uma garrafa e ele mordeu-me'. Lá fui pôr-lhe água na maminha. Enquanto isso já o bebé estava a trepar para um banco. E eu a gritar pelo meu marido para vir tomar conta do bebé. Lá veio, lastimando-se: 'Pá... gostava de jantar...'. 

Resolvemos ir passear com eles: muita gente na rua, música, ambiente de festa. O meu marido com o bebé ao colo, eu agarrada aos dois que tremo de os perder de vista. Uma alegria para eles. Depois ela quis uma bandolete com luzes da kitty ou da minnie (não sei de qual) e ele uma espada com luzes. O bebé perdido de sono mas de olho aberto. Por ali andámos até que achámos que já tinham sentido o espírito de festa. Resolvemos regressar, os mais crescidos todos contentes e o bebé meio a dormir, meio a espreitar o que se passava.


Em casa, tentei adormecer o bebé mas está quieto. De cada vez que me via a querer pôr-lhe a chucha desatava a fugir. Os manos puseram-se a ver televisão. E ele a subir e a descer do sofá, a rir, a desafiar os outros. Peguei-o ao colo, embalei-o. E ele de olhos quase fechados, a adormecer. Mas, logo de seguida, cuspia a chucha, sentava-se, ria e aí vai ele a abrir portas, gavetas, a gozar, todo brincalhão. 

À meia-noite vieram os pais e ali estavam os três ainda a pé: a mais velha de bandolete a piscar, o do meio com espada luminosa e falante e o bebé a andar de um lado para o outro a rir. 

Depois estivemos à janela a ver o fogo de artifício porque daqui conseguimos vê-lo e, para eles, é sempre uma festa.

Ela contou-me qualquer coisa do Dia da Revolução, salvo erro que fez um desenho em que saíam cravos das espingardas. 


Queria ter cantado o Grândola mas eles já estavam com sono demais para isso. 

Há muitos anos foi esse dia 25 de Abril e tomara que todos os meninos saibam sempre como foi importante que tenha havido essa revolução que trouxe luz, alegria e esperança a este país que era cinzento, velho, baço, rançoso, sem futuro.

Ainda há muita gente que conserva esse espírito. E é pena. A democracia e a liberdade são coisas boas e é bom que a gente as respeite e preserve na sua pureza original. E é bom que as saibamos ir interpretando à luz da modernidade para que nunca se abra espaço para a sua negação.


Ensinei o bebé a levantar o punho quando eu dissesse 25 de Abril sempre mas, quando os pais chegaram, talvez por estar passado de sono, recusou-se a mostrar a gracinha. O meu filho gozou: 'Não te está a correr bem, mãe'. Mas aposto que hoje, bem dormido, deve fazê-lo. 

Gostava que os meus queridos cinco pimentinhas guardassem sempre, dentro deles, este slogan: 

25 de Abril sempre!


terça-feira, abril 24, 2018

Quando a arquitectura inspira e liberta os corpos


Faz uns anos descobri, e foi amor à primeira vista, a arquitectura de Luis Barragán. Os volumes, as cores das paredes conjugadas com os jogos de sombras, os pátios, as escadas, os reflexos de luz sobre as cores quentes das construções -- tudo aquilo me pareceu fascinante. 

Na altura em que pintava, muitas vezes me inspirei nele. Inúmeros quadros meus contêm apontamentos que são fruto das imagens que guardo da sua obra. Foi, pois, com surpresa que ao abrir o Youtube descobri que o querido algoritmo tinha posto toda a sua inteligência artificial em acção para me surpreender e agradar: um vídeo de dança através de um edifício Barragán. Maravilha.

Enquanto espero que os meus meninos cheguem, que hoje vai ser jantarada e festa rija com fogo de artifício e tudo (que o 25 não se pode fazer por menos), vou ver de novo e partilho convosco, transcrevendo a apresentação no Youtube:
Iconic Mexican architect Luis Barragan’s Casa Gilardi — an iconic modernist house in Mexico City — hosts a body-bending dance troupe who twist and move through the geometric building’s colorful spaces and rooms. Director Andres Arochi explains his interest in experimenting with the physicality of Barragan’s architecture: “I wanted to play around with and explore the architect’s design. He knew exactly when and where people stand, and how the combination of light and space makes them feel.” Continuing, he notes that:  “When we began shooting, magic started to happen. Light burst in through the window, and the dancer’s bodies started to flow in a way I had not anticipated.”


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O Padre Ray Kelly e a roqueira Jenny Darren


O Father Ray Kelly parece um santinho, tímido embora bem disposto, e apresentou-se nervoso embora querendo parecer à vontade.  A avózinha Jenny Darren parece uma crente da paróquia do padre, embora se perceba que há ali uma certa dose de irreverência. Apresentou-se avozinha da cabeça aos pés mas provou que quem vê caras não vê corações. Rapidamente se despiu de preconceitos e pôs o pessoal todo de olhos arregalados. Enquanto ele encantou com a sua voz sentida e de veludo, ela foi o contrário, bombou até deixar toda a gente ao rubro. Ele tem 64, ela 68.

Depois de ter escrito o que abaixo escrevi -- que não faz sentido alinhar os sonhos com o de outras pessoas já que isso pode significar abdicar deles a troco de nada e de ter partilhado o vídeo sobre isto de cada um ter o seu relógio da vida-- eis que me aparecem estes dois fantásticos vídeos. Vejam que vale muito a pena.
Passou-se no Britain's Got Talent 2018 deste fim de semana.
Ele interpretou Everybody Hurts dos R.E.M. Ela Highway To Hell dos AC/DC. Vejam (e ouçam), por favor, porque só visto (e ouvido). 




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E se ainda não leram o que escrevi abaixo, permito-me sugerir que o façam pois perceberão melhor o meu espanto ao descobrir estes dois espantosos cantores justamente logo a seguir a ter acabado de escrever o que escrevi. Ele há coisas, caraças.

E viva a vida!

Respeitar o tempo de cada um


Quando eu era menina, fui menina até tarde. Muitas amigas minhas já tinham maminhas grandes, corpo de mulherzinhas, já eram menstruadas, e eu ainda não. Pouco a pouco todas iam ficando 'senhoras', como na altura se dizia, e eu não. Aquilo começou a ser para mim uma ralação. Alegre e namoradeira como era, não me sentia diminuída junto dos meninos e, quando andava nessas andanças, nem me lembrava da minha preocupação mas, sempre que sabia que mais uma já era menstruada, aí sim, ficava com receio de que a mim nunca tal sorte me batesse à porta. Até que aos catorze anos, a caminho dos quinze, a coisa aconteceu. Foi por essa altura que 'deitei' corpo e que as minhas curvas começaram a desenhar-se. Depois disso, que me lembre, não voltei a sentir um verdadeiro receio de que alguma coisa não me acontecesse.

A nível da menopausa, já que falei na menstruação, foi o contrário: já toda a gente da minha idade tinha chegado à menopausa e eu ainda certinha e a ter que ter cuidados. Lembro-me de andar a fazer uma pós graduação e de, uma vez, ao almoço, dessa vez a mesa toda de mulheres, a conversa ser em volta disso. Uma vez mais, eu era a atrasada. Até uma colega com quarenta e poucos já andava a sofrer as agruras dos afrontamentos e dos enervamentos (dizia que tinha dias em que tinha vontade de esganar o marido, nem ela sabia bem porquê) e de uma outra da minha idade que se espantar comigo já que ela já estava livre de maçadas há vários anos. Nessa altura ocorreu-me: mas será que o meu organismo anda desfasado e que me vou manter menstruada até ser podre de velha? Mas não. Aconteceu e, como já aqui o referi, felizmente quase sem efeitos colaterais.

Mas isto para dizer que isto de a gente andar a comparar-se com os outros é um disparate: cada um é como é e o relógio não anda à mesma velocidade com todos.

O vídeo que aqui vou colocar e que Leitor amigo a aquem agradeço me enviou não é bem disso que trata.  Mas ocorreu-me falar nisto.

Também me ocorre que hoje de manhã, quando ia trabalhar e, pelo caminho, já ao telefone, numa conversa chatíssima, voltei a pensar que, um dia que deixe de trabalhar, quero começar uma outra actividade, uma coisa completamente diferente, uma coisa que me deve encher as medidas (ou, pelo menos, assim o antecipo). Pensei depois: vai ser tarde para começar uma vida nova, às tantas, quando lá chegar já não me apetece. Mas, depois, pensei noutras pessoas, algumas até bem sucedidas, que, justamente já tarde, iniciaram actividades diferentes e foi como se essa fosse a sua verdadeira vocação. Pensei, então, que o que é preciso é que haja saúde e motivação. E isto não é lugar comum. Com os meus pais aconteceu uma coisa terrível. Depois de se reformarem, tinham o meu avô paterno e a minha avó materna a dar-lhes água pela barba. Ou era um ou era outro e eles sem conseguirem uns dias de seguida descansados. Quando ficaram sem essas preocupações e começaram a ter uma vida regalada, teve o meu pai o AVC que mudou radicalmente a vida de ambos. Portanto, nem sempre as coisas correm bem. Mas, enfim, não vale a pena conversas fatalistas porque nunca se sabe o que vai acontecer pelo que mais vale não nos pré-ocuparmos. Mais vale mantermos viva a chama da esperança.

Mas vejam o vídeo e perceberão porque estou com esta conversa.


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segunda-feira, abril 23, 2018

Terra. Não morras.




Penso que já aqui contei que um dos primeiros livros que me fascinou, teria eu uns cinco anos ou seis anos, foi um livro sobre o mar com fotografias maravilhosas de peixes, corais, moluscos, algas. 


Primeiro lia apenas os seus nomes, achando graça ao curioso nome que aparecia por baixo. Mas, mais tarde, lia também as caracterizações biológicas daqueles seres que me encantavam. Durante anos folheei e li aquele livro. Era um mundo inacessível aos meus olhos, um mundo maravilhoso, quase mágico, onde vivia um peixe que se chamava peixe-balão, com corais, com cores e formas que eu nunca antes tinha visto.

Também já contei muitas vezes que, quando menina, o que eu gostava mesmo era de andar na rua, em especial no campo que havia perto da casa da minha avó materna ou na horta, atrás do meu avô paterno. 


Ou como gostava de ir com o meu pai ou com o meu avô apanhar amêijoas ou 'isco' para a pesca. Era uma praia que não era normal, era uma praia pedregosa com areia escura, onde havia sempre marisco, conchas maravilhosas, limos de cores e cheiros que a mim me pareciam inebriantes.

E, quem aqui me acompanha, estará farto de saber que, desde sempre, tive vontade de ter um bocado de terra que fosse meu. E saberão de cor e salteado como uma vez -- a minha filha já quase adolescente, o meu filho ainda miúdo -- encontrámos um pedaço de chão coberto de pedras e mato rasteiro e uma casa especial num canto e, todos, imediatamente nos apaixonámos. Saberão também como na minha cabeça se forjou um sonho e que não descansei enquanto não o transformei em realidade: ali haveria de nascer um pequeno bosque, com sombras, com pássaros. E durante anos plantámos árvores e arbustos e regámos e protegemos dos coelhos, dos ventos, das temperaturas extremas.


Por isso, não é novidade que é na natureza que habitam as minhas divindades, que é na natureza, que para mim, residem todos os mistérios do mundo. Se tenho algum sentido de religiosidade, ele advém sempre da contemplação da natureza, da adoração que tenho com tudo o que a ela se prende. Respeito os animais, as árvores, as pedras, a luz, as sombras, o canto dos pássaros, a chuva, as águas do mar e dos rios, o silêncio bom das noites de luar.

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Parece que foi Dia da Terra e eu, vagueando por alguns sites, descobri estes vídeos que me apetece partilhar convosco.

Se há coisa que verdadeiramente receio é que os meus descendentes, os que já existem e os que existirão, possam não vir a conhecer o mundo belo e puro como eu ainda tive e tenho o privilégio de conhecer.








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E queiram ir deslizando por aí abaixo caso vos apeteça acompanhar-me nos meus passeios deste fim de semana.

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Onde é? Onde é?


Pronto. Vou direita ao assunto. Começo por mostrar uma imagem linda que vi numa loja que tem umas peças que me levaram a lamentar ser domingo. Mas, por aí abaixo, vou desvendando imagens que, aos poucos, vão revelando mais e mais. A última, então, é inequívoca.












Coruche, pois então.

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E queiram continuar pois, abaixo, há mais dois posts sobre esta terra.

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