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segunda-feira, junho 27, 2022

Portugal, Portugal

 


Gosto muito do meu país. Gosto dos lugares, das paisagens. Acho que o meu país tem sítios lindíssimos. Gosto dos portugueses. Claro que, como em todo o lado, há gente de toda a espécie. Há os miseráveis e os ignorantes. Há os corruptos e os arrogantes. Os palermas e os parvos. Mas há muito boa gente, gente tolerante, gente generosa, gente talentosa, interessante. E há a língua portuguesa, tão bonita, tão rica. 

Em muitos lugares do país há agora muita gente de fora. Se, por exemplo, estivermos na linha de praia, há uma multidão de jovens que falam outras línguas, muitos surfistas, muita gente descontraída que fica à beira mar a conversar até a noite chegar. Se estivermos na linha de restaurantes e esplanadas, estão cheias. Ouvem-se todas as línguas, as pessoas estão já um pouco bronzeadas e geralmente sorriem, de bem com a vida. E por todo o lado se ouve a língua portuguesa nas suas múltiplas variantes, dos brasis, das áfricas. Uma riqueza extraordinária. O país agora é aberto, alegre, inclusivo, luminoso.

Já lá vai o tempo em que os portugueses eram gente ensimesmada, gente que vivia fechada em casa espreitando atrás do cortinado, gente sempre pronta para a censura castradora, sempre pronta para a maledicência, pronta para rejeitar a diferença.

Ainda há alguns assim. Os que são dessa raça podem correr mundo e assentar arraiais noutras paragens que continuarão a ser assim, soturnos, fatalistas, maledicentes, sempre prontos para cortar na casaca dos outros. Gente maldosa, cinzenta.

Mas são uma minoria. Agora, por onde se passa, já se vê gente aberta à vida, aos dias que passam, à música e à claridade, já se vê gente que aparenta alguma confiança nos dias futuros.

Há ainda gente com rendimentos muito baixos, é verdade, e que, com certeza, não pode ter acesso ao que de bom a vida tem para oferecer. Mas onde não há? Em lado nenhum. Imaginar que há é querer viver dentro de uma utopia. Para além disso, em Portugal há apoios sociais e há a educação e há uma atenção crescente à necessidade de não deixar ninguém para trás. Haveremos de ser ainda melhores. E não é com palavras de ordem e parangonas que as coisas se mudam. É com acções concretas e uma forte consciência social.

Pode dizer-se mal de tudo, claro. Há quem o faça. Os populistas são assim. Ouça-se o líder do Chega e comprove-se: segundo ele, Portugal é uma desgraça, os portugueses uns desgraçados. E eu olho para ele e acho que desgraça é haver portugueses assim, como ele.

Há ainda muito a fazer, muito. Alguém diz que não? Alguém de bom senso acredita que Portugal é perfeito? Claro que não. O que é preciso é que ninguém baixe os braços, que ninguém de bem vire as costas aos que ficam. A partirem, que partam apenas os que não sabem honrar a história, a língua e a garra dos portugueses de gema.

O que temos pela frente é um percurso. Ainda não há cinquenta anos que vivemos em democracia. Durante décadas o país viveu tolhido, amarrado à força à pobreza, à ignorância. Éramos um país fechado sobre si próprio. E isso deixas marcas profundas.

Leva tempo a construir mentalidades novas, a abrir as mentes de forma colectiva, a abrir-se ao mundo. 

Eu estudei em Portugal, perto de casa. Não me ocorreu ir para longe quando podia estar perto. Mas uma prima mais nova já foi estudar para uma universidade a centenas de quilómetros de casa. E a filha de uma outra prima já foi estudar para um outro país, um país longínquo. Os meus pais nunca me deixaram fazer o interrail porque eu queria ir com um namorado e eles acharam que nem pensar ir por aí, à aventura, com um namorado. E casei-me aos vinte porque não me passou pela cabeça ir viver com ele sem me casar. Com os meus filhos foi tudo diferente. Viveram juntos sem se casarem, passearam, fizeram o que quiseram. Não sei como será com os meus netos. Da minha parte, quero que sejam felizes, que realizem os seus sonhos -- mas que amem sempre, de paixão, o nosso país, que sejam sempre solidários com os seus concidadãos, que sintam sempre orgulho em serem portugueses.

Não é um sentimento abstracto. É bem concreto, bem real. É um amor verdadeiro, completo que, em cada pequeno acto, deve ser materializado. É daqueles amores que se quer físico, demonstrado. Quem ama o seu país sente-se também amado. É como com as pessoas. Amor verdadeiro é amor partilhado, é amor tolerante, é amor que se quer construir e para o qual se quer que depois de um dia venha o outro dia. Quando assim não é, então não é amor. 

Há pouco apareceu-me um vídeo que mostra o meu País pelo olhar de um não-português, muitas vezes em imagens aéreas que, obviamente, não são alcançadas por quem anda com os pés no chão. Conheço aqueles lugares mas sob uma outra perspectiva. Gostei de ver. Que país tão bonito.

A seguir, com alguma edição, vi como um casal também não-português vê o nosso país. Vi muitos lugares que conheço e percebo o encantamento de quem os vê pela primeira vez. País mais lindo, o meu querido Portugal.

Partilho-os convosco. Mostram o país visual. Claro que há depois o país vivido, o país do dia a dia, tantas vezes tão difícil. Mas esse não é agora o tema. Só espero é que gostem tanto do nosso país como eu. 

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Os melhores locais para visitar em Portugal segundo Ryan Shirley

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Portugal - The Europe We Didn’t Know Existed!

Portugal has been on every "top travel destination" blog for years. Over a 2-week road trip we explored the beautiful castles, incredible history, and rugged coastline, from Lisbon to Sintra down to the world-renowned Algarve beaches and caves, and then all the way up to the rolling vineyards of the Douro Valley wine region in this fascinating slice of Europe. 

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Mário Cesariny :: Queria de ti um país 

Música de Rodrigo Leão & Gabriel Gomes / Vídeo Cine Povero


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Pinturas respectivamente de Vieira da Silva, Paulo Ossião, Guilherme Parente, 2x Graça Morais, Noronha da Costa, Paula Rego, Cargaleiro.

Carlos Paredes com Luísa Amaro interpreta Canto do Amanhecer

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Desejo-vos uma boa semana a começar já por esta segunda-feira

Saúde. Boa sorte. Compreensão. Paz. 

domingo, janeiro 24, 2021

Ela faz o que pode e pode muito.
Mas nada de tão sério que nos leve a deixá-la assinar por baixo disto.

 



Não é grande altura para se andar em locais mais frequentados. Contudo, creio que todos os cuidados estarão assegurados e obviamente irei votar. Votar é uma conquista civilizacional, um dever cívico. Isto ainda antes de ser um direito. 

Este domingo, portanto, irei votar. 

Li um texto e fiquei a sorrir. 

Se calhar também deveria aproveitar a ocasião para me produzir como in the good old days. Sempre gostei de me pôr toda em pendant, o que se vê e o que não está à vista de todos, desde a lingerie, à maquilhagem, aos adereços, ao perfume. 

Agora, vivendo praticamente em casa, essas frescuras vão-se esbatendo. Claro que me arranjo para as reuniões mas é sempre coisa mais aparente do que real, mais à superfície e muito concentrado no que se vê no ecrã. Poderia aqui fazer aquelo gestozinho irritante dos dedinhos a encolherem-se esticarem-se, fazendo aspazinhas palermas e, ao mesmo tempo, dizer: é o novo normal. Mas é coisa gasta, não o direi. O novo normal está a ser tão duradouro que qualquer dia fará esquecer o que era o velho normal.

Mas isto para dizer que acho que não vou seguir o exemplo. Muitas vezes, na vida real, o meu pragmatismo sobrepõe-se àquele meu gosto pela rêverie que, ao escrever, tantas vezes tão gostosamente me envolve. Não usarei batom. Numa das vezes que fui trabalhar, por hábito, pus um brilhozinho com cor de framboesa nos lábios. Antes de sair do carro para subir ao meu gabinete coloquei a máscara. Só quando a tirei e vi que estava tingida é que percebi: batom com máscara só se for por uma razão psicológica ou por melancolia. Caso contrário, não vale a pena.

Quanto às canetas também tenho uma coisa. Gostava muito de canetas. Era presente que recebia sempre com agrado. Tenho canetas muito bonitas. O prazer com que as recebia, as experimentava... Lindas. Uma, talvez das primeiras canetas boas que recebi, soube há algum tempo que é agora disputado objecto de colecção. Eram lindas as canetas, eram lindas as caixas em que vinham. Por vezes, as caixas ocupavam muito espaço e vinham com manuais que nem eram manuais, eram verdadeiros livros. Contavam a história, contavam o amor com que eram feitas. Ficava sempre com pena de deitar fora as caixas, os livros. E depois, lá está, por causa daquele meu lado que, na prática, é anti-glamour, ficava com receio de as estragar se as usasse dentro da carteira, ficava com receio de as perder e, no final das contas, tudo sopesado, deixava-as ficar bem guardadinhas, inúteis. Quando agora nos mudámos, foi com agrado que, ao abrir as portinhas interiores da escrivaninha, as voltei e rever. E agora, nesta casa, ali continuam arrumadas, bonitas, elegantes, quase virgens. Portanto, amanhã provavelmente usarei uma bic normal.

Perfume, sim, perfume usarei. Não sei ainda qual. Logo verei qual se adequará melhor à minha disposição. Depois contarei.

Quanto ao meu dia de sábado foi, uma vez mais, daqueles dias que se esvaem sem história. Fomos fazer a nossa caminhada e vimos uns homens a trabalharem no arranjo de uma vedação e de um portão. Estavam encostados uns aos outros, concentrados nas mesmas peças -- e sem máscara. Ontem tínhamos visto, num dos programas de culinária com que agora nos entretemos, fazer uma feijoada. Lembrámo-nos que há séculos não comemos nada assim, feijoada, rancho, sopa da pedra. Então, sabendo da existência de um pequeno talho que também vende alguns legumes e fruta, pensámos esticar a caminhada higiénica até lá, a ver se tinham repolho e entrecosto. Tínhamos ideia de ser um estabelecimento pequeno, aberto para a rua. Contudo, ao chegar lá, reparei que o homem estava sem máscara. Fiquei à porta. Perguntei se tinha repolho. Não tinha. Desisti do entrecosto. Mas ele continuou a mexer nas carnes, sem máscara, completamente à vontade. Portanto, não percebo. Numa situação como a que atravessamos, pelos vistos há ainda quem não esteja a perceber a gravidade da situação.

Perto da hora de almoço estivemos todos em videoconferência. Todos, incluindo a minha mãe. Já está autónoma. Tem aulas remotas na universidade sénior, participa em conferências com médicos, com psicólogos, com historiadores. Os meninos ficaram contentes por ver a bisa, toda fresca. Estava com um echarpe branca. Diz ela que ouviu dizer que uma echarpe branca é melhor que um lifting. E, de facto, estava mesmo bem. 

Interrompeu para dizer que tinha morrido o vizinho da ponta da rua, um que estava mal, em internamento domiciliário. Era esperado. No prazo de menos de um ano, é a quarta pessoa que morre naquela pequena rua de meia dúzia de moradias. Nenhum com covid, nenhum de morte inesperada. Qualquer deles era idoso, qualquer deles não estava famoso. Mas parece que, de repente, todas as fragilidades se tornam fatalidades. A nenhum deles faltaram os cuidados. Simplesmente, nestes estranhos tempos, a linha do tempo tem estado a encurtar-se. Não sei explicar. Talvez alguma coisa, antes, os fizesse agarrar à vida e, agora, nada os agarra. No entanto, em qualquer dos casos, estou em crer que nem se aperceberam de covides ou pandemias que os deixassem deprimidos, com pouca vontade de viver -- já estavam noutra. Não é isso, deve ser outra coisa qualquer. E não foram os únicos. Uma ou duas ruas mais acima, morreu uma outra idosa. Isto que eu saiba. Uma coisa estranha. Uma ceifa que um dia a história ou a ciência hão-de explicar. 

Mas não falámos disto tudo na videoconferência, só que ele tinha morrido. E a conversa seguiu naquela animação do costume. Aliás acho que os meninos, entretidos a fazerem maluquices uns para os outros, nem deram por isso. Uns rebolando-se no chão, outros fazendo cambalhotas no sofá. Estas videoconferências com todos são um desatino, não se percebe nada, não param sossegados, falam ao mesmo tempo, uma barafunda. Adorei vê-los. Tão lindos. Só me apetece voltar a abraçá-los, a beijá-los, a puxá-los para o meu colo quando estou sentada. Quando será que poderei fazê-lo?

De tarde, dormitei enquanto vi qualquer coisa de que não me lembro na televisão, talvez um filme, não sei bem. Depois fui apanhar uma laranja, passear um pouco, apanhar camélias caídas. Depois reentrei, trabalhei. O meu marido toda a tarde recebeu telefonemas. Parte da equipa está contagiada ou de quarentena. Tenta desencantar quem possa ir compor a equipa, telefona, recebe telefonemas. Um sufoco. Felizmente, a seguir jogou o seu sporting e, quando isso acontece, todos os problemas do mundo desaparecem. Eu fiz o jantar, depois voltei a falar com os meus ao telefone. E depois jantámos. 

E assim o tempo vai passando. 

E custa-me habituar a esta falta de ritmo.

Daqui a nada vou votar, perfumada, sem batom, com uma bic. 

Espero que a abstenção não seja perigosamente alta, espero que o resultado seja claro e bom para a democracia. 

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"Tudo o que a dança grega nos ensina
é a nudez
nas posições terrenas,
é quebrarmos
pelo plexo solar
onde o vigor
de toda a criatura
permanece"
Isadora não disse tudo isto
mas disse parte.
(...)
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Pinturas de Noronha da Costa ao som de Rita Payés & Elisabeth Roma interpretando Melodia Sentimental. O excerto obviamente não tem nada a ver com o post mas esse era, de facto, o objectivo: é parte de Otherwise de Acidentes de Hélia Correia, livro do qual também é o poema H.H. 23/3/15 do qual extraí o título deste post que, espero eu, também não tenha nada a ver com nada.

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Desejo-vos um feliz dia de domingo

terça-feira, maio 12, 2020

Raposas metafísicas in heaven e outras conversas de nada





De manhã eles ficaram no estúdio e nós dois ficámos aqui, cada um nas suas reuniões. A casa estava um sossego. Juntámo-nos um pouco antes do almoço. Acabei uma reunião e, não os tendo visto, fui dar a minha caminhada enquanto ligava à minha mãe, convencida que ia encontrá-los. Mas não. Quando regressei estavam ao pé do miradouro, já tinham vindo do passeio deles.

Passado um bocado, já o mais novo estava numa aula, isto enquanto almoçava. Para conjugar as aulas de um e de outro, as reuniões da mãe e para apanharem uns minutos de sol e esticarem as pernas, a primeira aula da tarde foi com o prato à frente. Coisa, para ele, pacífica.

A seguir, vieram os dois instalar-se perto de mim. Estava eu concentrada, ouço o mais novo a apontar para o tecto: 'Está ali uma aranha com asas...' e o irmão a dizer, como se na continuação da frase '... que se chama melga...' e o mais novo '...e parece que está a saltar...' e o irmão '...chama-se voar...'. 

Farto-me de rir com eles. Logo a seguir já andavam em cima do sofá, de almofadas na mão a tentar dar cabo do animal.

Também encontraram uma caracoleta. Isto no outro dia. Pediram-me uma caixa. A única que arranjei, assim de repente, foi uma caixa de ovos vazia. Pediram-me cenoura e puseram lá o caracol. Deram-lhe um nome e decretaram que iam ser amigos para todo o sempre. Não me lembro se é Budd mas, se não for, é parecido. À tarde, o caracol já era. Contudo, hoje voltaram a descobri-lo. Ficaram todos contentes. O bff estava de volta.

Já viram o gatinho banco e cor de mel. Também já viram muitas lagartixas. No outro dia, quando estávamos a passear, perguntaram-me se também haveria raposas. Contei-lhes que o vizinho da ponta da rua nos tinha dito que às vezes levava a burrinha para o pé do rebanho pois, com a burra por perto, as raposas não se aproximam. Na altura fiquei muito admirada e ainda hoje o estou. Os meninos quiseram saber se cá dentro da quinta também as há e eu disse que não sei mas que gostava que houvesse. E gostava mesmo. Não sei se fazem algum mal mas estou em crer que não. Se tivesse galinhas recearia por elas mas, não as tendo, acho que seria pura fruição. Raposas ruivas e sedutoras ao cair do dia, lobos deslizando pelo escuro, leopardos azuis a atravessarem as madrugadas. Bichos que me cativam e tentam. Rosas abstractas perfumando os sonhos. Digo eu. E eu, já me conhecem, sou assim, dada a rêveries e conversas malucas.

Agora interrompi esta escritaria pois recebi um mail e, antes de aqui regressar, espreitei as notícias e li sobre uma espanhola de 113 anos que recuperou da covid e que o sintoma que teve foi uma infecção urinária.
Voltei a pensar: será que já apanhei a bicha dos totós cor-de-rosa? Conto. Não sei quando, talvez em Fevereiro, andei a sentir-me doente. Não sou de me sentir doente (noc-noc-noc, já bati três vezes na madeira) mas andava mesmo em baixo. Comecei por uma tendinite num ombro. Dores, dores, quase sem conseguir levantar o braço. Sem fazer ideia de como aquilo tinha aparecido. Dias depois, uma constipação e a sentir-me em baixo. Os olhos chorosos e tosse, tosse, tosse. Tosse seca, mas uma tosse absurda. Não sou de me assustar nem de ir facilmente ao médico. O meu marido dizia: vai ao médico. E eu que nem pensar, uma porcaria de uma constipação. Mas uma noite, tais os ataques de tosse, sem conseguir dormir, às tantas quase me asfixiava, sem conseguir parar. Fui mesmo ao médico, já cansada, já aflita de tanta tosse. Tratei-me e fui melhorando. Três ou quatro dias depois uma infecção urinária também vinda do nada. Uma coisa mesmo estúpida e dolorosa. Tive que voltar ao médico. Antibiótico. E três ou quatro dias depois, também do nada, uma dor de garganta insuportável. Nem conseguia engolir. Espreitei. Tinha um enorme ponto branco na garganta, as amígdalas inchadas. A sentir-me doente, sem saber outra vez o que fazer e a achar esta sucessão de coisas muito bizarra, meio envergonhada, quase como se estivesse a inventar doenças, voltei ao médico. Ele também admirado. Perguntei-lhe: 'mas haverá relação entre tudo isto?'. Achou que não mas reparei que estava também um bocado admirado. Tratei-me. Acabei por ficar bem e já lá vai.
Por essa altura uma colega andou também francamente em baixo, constipada, apanhada, uma tosse de dar medo. Foi para casa. Ouvíamos falar do vírus mas era coisa longínqua. Ela com tosse imparável, febre todos os dias ao fim do dia, durante semanas. Ela própria, lendo sobre os sintomas que íamos sabendo da China ou de Itália, estava com dúvidas. Mas o médico disse que era uma bronquite em rescaldo. Mas não parecia bater certo. Não tinha expectoração, só febre e uma tosse seca, enfraquecida e doente.
Nesses dias, um outro colega apareceu doente, com febre, tosse, falta de ar. Teve que ficar em casa, tais os ataques de tosse, tal a febre. Dizia que não tinha expectoração, só tosse, tosse, tosse e febre. Semanas em casa até que o bicho veio oficialmente para cá e entrámos todos em quarentena.

Pode ser que nem eu nem eles tivéssemos estado doentes com o merdinhas. Aliás, a minha filha nem quer que eu disserte sobre isto pois receia que seja pretexto para me deixar de cuidados. E eu, quando a dúvida me assolava, dizia de mim para mim: 'nunca se ouviu falar de sintomas destes associados ao dito, não deve ter sido'. Até hoje, ao ver aquela da infecção urinária na espanhola. Por isso, deixa cá ver. Eu gostava de ter dito e só espero é que um dia que possa fazer um teste se comprove que sim.  Pode querer dizer que já estou livre. Volto a confessar: estou farta destes cuidados, desta coisa de me chamarem a atenção de que mexi e não fui a correr desinfectar a mão, de que toquei e não deveria ter tocado, e eu a achar que, caraças, também não há-de ser bem assim, não está tudo contaminado, bolas, não há problema nenhum aqui, no campo, no meio do nada, e, por dentro, estou é a invectivar o mundo, que se lixe o corona, que se lixe esta porcaria, bolas, que seca.

E, pronto, calo-me já. Vou dormir a ver se, em sonhos, uma raposa vem visitar-me. Uma raposa metafísica. Abstracta, esquiva, com vontade de me contar segredos. Olha, vou contar-te um segredoNão digas nada, ouve só. E eu toda ouvidos, arrepiada, com medo de não saber o que fazer com tamanha revelação. Gostava mesmo.

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Pinturas de Noronha da Costa ao som de Sigur Rós com Ekki múkk
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Be happy. Be safe. Be cool.

sexta-feira, janeiro 10, 2014

30% dos Seguros portugueses (Fidelidade, Multicare, etc) foram parar às mãos da Fosun. Mais uns chineses à frente de sectores fundamentais (estes sem experiência em seguros na Europa e para quem a Moody's alerta para o risco). Isto no dia em que o Governo confirma um corte maior e mais alargado nas pensões através da ignóbil CES e dá sinais de querer avançar para as reformas plafonadas, com recurso a seguros privados. 周围有一家中国领先的兔子远离葡萄牙,先生们?


Há pouco Manuela Ferreira Leite explicou na TVI 24, com Paulo Magalhães, que a decisão de venda da CAIXA SEGUROS, a componente seguradora da CGD, é mera decisão política já que não havia, neste momento, quaisquer recomendações da Troika nesse sentido. Explicou que os rácios que existiam à data do memorando já não se verificam agora pelo que não havia qualquer imposição ou recomendação no sentido de vender parte da actividade da Caixa.


Manuela Ferreira Leite explicou também, e bem, que o sector segurador da CGD é lucrativo e que, vendendo-o, o Governo de Passos Coelho desvaloriza a componente que fica nas mãos do Estado e, claro, sendo lucrativo, aquele era um conjunto de empresas que contribuía positivamente para o orçamento de Estado. Vendendo estas empresas existe, a partir de agora, menos receita para o Estado. Ou seja, entram agora uns milhões de euros (que provavelmente vão direitinho para o exterior, para entidades financeiras), enquanto que, a partir de hoje, para fazer face a este buraco nas receitas, lá o Governo irá certamente, viciado que está nisso, buscar mais dinheiro aos pobres e exauridos portugueses.



Mas, vejamos o que diz o Económico sobre a Fosun, o Grupo de chineses a quem o Governo vendeu esta componente da CGD e que se traduz em nada menos do que 30% dos seguros portugueses. Transcrevo:

A Moody's diz que a oferta de compra da Fosun é 'credit negative' para o grupo chinês, devido ao actual nível de endividamento.


A par da gestora de fundos norte-americana Apolo Management, a Fosun entregou na semana passada uma proposta de compra do negócio segurador da Caixa Geral de Depósitos. O montante da proposta ainda não é conhecido, mas a agência de rating sublinha que, a concretizar-se, a operação poderá ter impacto negativo no rating da dívida da Fosun, que actualmente é 'Ba3'.

"Embora a aquisição proposta se insira na estratégia de expansão global da Fosun, que está focada no negócio segurador, existem incertezas no que toca ao plano da companhia para operar e integrar o negócio segurador português, dado que [a Fosun] não tem 'track record' na actividade seguradora na Europa", referiu Alan Gao, vice-presidente da Moody's, numa nota citada pela Reuters.



Risco Ba3 é risco acentuado de incumprimento, é notação geralmente associada à especulação.

A Fosun foi formada em 1992 por um conjunto de jovens acabados de sair da universidade, entre os quais Guo Guangchang, nascido em 1967, que é actualmente o principal accionista do Grupo, bilionaríssimo.


Recentemente a Fosun comprou por centenas de milhões de dólares uma torre construída por David Rockefeller em Chase Manhattan Plaza. Aliás a Fosun tem-se caracterizado por uma política agressiva de investimentos. 

A Fosun está actualmente nos ramos do imobiliário, farmacêutico, aço e o que mais calhar, nomeadamente jóias.

*

Por isso, que posso eu dizer mais? Numa de hospitalidade, 歡迎您,先生。郭廣昌,使自己在家裡。


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E, assim, sem que ninguém questione o Governo, sem que se conheçam os pormenores da operação ou a sua fundamentação, já temos a Fidelidade e a Multicare nas mãos dos chineses. A isso deve somar-se a EDP e a REN. E várias Águas. Sectores estratégicos nacionais nas mãos ou da República Chinesa ou de especuladores chineses. Sectores estratégicos e não só: também muitas casas, prédios, muitos prédios. E comércio que nunca mais acaba. E sabe-se lá que mais. Poderia ser apenas o Governo português a brincar ao Monopólio só que, infelizmente, isto não é a brincar.


*

E isto, meus Caros, no dia em que o Governo aprovou que as pensões acima de 1000 euros brutos já vão ser abrangidas pelo imposto CES e que esta mesma TSU dos pensionistas vai ser ainda mais pesada para quem ganhar mais. 

Enquanto todos os pensionistas não forem transformados em pedintes este Governo não descansa. 

É um corte em nome da convergência, é a contribuição extraordinária, são os impostos que sobem, é o que lhes passar pela cabeça. Tudo junto. Começo a pensar que a ideia desta gente desalmada é mesmo que os pensionistas e reformados não tenham dinheiro para medicamentos nem para irem ao médico - para se poupar no Orçamento da Saúde; e que morram rapidamente para nem ter que se lhes pagar a pensão. Dizem aqueles cínicos e hipócritas que uma percentagem grande de pensionistas não é penalizada com esta TSU. Ah pois não. São os que já mal têm dinheiro para comer. De facto, há um número considerável de pessoas que já vive no limiar da indigência. Como é que sobrevivem é que ainda admira. 

Marques Guedes anunciou ainda que isto das pensões vai ter que ser revisto, que o Governo vai estudar alternativas e que se terá que pensar em 'esquemas' (sic) alternativos. Ou seja, a ver vamos se a 'cena' das pensões geridas por seguradoras privadas não é o que já está na calha (e, claro, ... mais negócio para os chineses).

*

 E eu, revoltada e angustiada com o grau de desmando a que assisto, pergunto:

  • Será legítimo que um Governo possa pegar em seguros, nomeadamente em PPRs de pessoas que aplicavam as suas poupanças numa Seguradora que era sólida, estatal, e vender tudo isso a uma empresa de chineses? A troco de quê o fizeram? Que garantias as pessoas têm, quando a própria Moody's levanta dúvidas tão pertinentes.
  • Será normal que um país da Europa possa ser vilipendiado desta forma, estraçalhado, vendido a retalho? Será normal que qualquer dia sejamos todos funcionários de empresas chinesas? E não sabemos nós o que a China pensa dos direitos dos trabalhadores (já para não falar dos direitos humanos)?
  • Será legítimo que um Governo constituído por gente que enganou os eleitores possa fazer isto a um País com séculos de história?
*

Nota: Lá em cima no título, se traduzirem aquilo em chinês, obterão: Rodeado por um líder chinês no coelho longe de Portugal, senhores? mas, claro, é mais uma nabice da Google pois o que eu disse originalmente foi: Não há por aí um chinês que leve o coelho para bem longe de Portugal, senhores? Escrevi-o em chinês de propósito na esperança de que o Senhor Guo leia este meu apelo e, uma vez que já meteu o coelho no bolso, desapareça com ele, o leve para a Cochinchina ou para o raio que o parta.


A sério. Que um chinês qualquer o contrate para uma coisa qualquer, para chefiar um aviário, para carregar tijolos, para dar cursos de aviação a costureiras, qualquer coisa, que o leve para longe da nossa vista.

*

Escrevo isto tudo e chego aqui e fico com pena. Ando com vontade de vos falar de outras coisas e de contar sobre a exposição de Noronha da Costa e dos livros que comprei, tão lindos. Mas acontece tanta coisa revoltante... como posso eu falar do que me agrada e esquecer a destruição que está a ser levada a cabo no meu pobre Portugal? Não posso, não é?


Parte de tela da Exposição de Luís Noronha da Costa
no Centro de Arte Manuel de Brito no Palácio Anjos


A ver se esta sexta feira aquelas sinistras criaturas do Governo não fazem outra, para ver se posso falar de assuntos mais agradáveis. Vocês podem não acreditar mas fico tão enervada com isto, tão enervada. Estou a escrever e tenho que me conter pois fico tão revoltada e tão impotente, tão triste, tão assustada. É a vida das pessoas de idade da minha família, é o desemprego que já bateu à porta de pessoas próximas, é o futuro dos meus filhos, é o meu futuro, é o vosso futuro, é o futuro dos vossos filhos ou dos vossos pais, é o futuro do nosso país, é a nossa dignidade, é tudo, tudo tão inquietante. 

Custa-me pensar que posso estar a preocupar-vos ainda mais. Mas também me custa ficar calada, a assistir passivamente a tanta maldade, tanta vileza, tanta indignidade. Temos que nos revoltar com isto, temos que tentar impedir esta desgraça.

Para ver se nos animo um bocadinho, vou colocar aqui o vídeo que um Leitor generosamente ontem me deixou. 



O grupo japonês Enra juntando dança e luz


*  *  *

Apesar de isto já estar tão longo, muito gostaria de vos convidar a virem até ao meu outro blogue, o Ginjal e Lisboa onde hoje tenho poesia dita pela fantástica  Hilda Hilst.

*  *  *

E, por agora, por aqui me fico.
Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma sexta feira muito boa. 

Por favor, não se deixem desanimar nem fiquem tristes. 
Eu, pela minha parte, vou ver se consigo descobrir coisas que me animem um bocadinho porque ando assustada com a falta de moral e de humanidade destes estupores.

quarta-feira, janeiro 08, 2014

Breves instantes de beleza. O pó, o som, o corpo. A imagem, a palavra.


A beleza sem norma, a beleza acidental, a beleza do movimento e dos corpos e dos corpos feitos pó e do pó ao pó, dust to dust.

Do pó ao pó, um movimento fugaz, a breve passagem do tempo sobre os corpos, ou os efémeros corpos que deslizam sobre a superfície do tempo antes de voltarem a ser o pó original. Ou palavras soltas sobre o nada. O silêncio, o vazio. E nós feitos pó no meio, no útero doce, doce, macio e encarnado, de sangue,seda e calor.

E do centro e do calor germina a inspiração que vem do centro do corpo, do voo, do vento, da luz, da sombra, da raiz do tempo. Volátil como o pó antes de ser corpo, ou eterna como o corpo depois de ser corpo.

Sem palavras.





E depois a felicidade da música, sons felizes, os céus como lençóis macios, e a voz que se ergue sobre os corpos, e a felicidade é tanta, tanta. E não sabemos o que é a felicidade, nem precisamos de saber, só querermos estar felizes, abraçados e nem precisamos de saber a que corpos pertencem os braços, são braços de deuses, de anjos, nuvens, sonhos, voos, segredos. Para quê querer desvendar os mistérios felizes? A alegria da brancura? As palavras que descem dos céus. Ou que sobem do centro da terra, da poeira do tempo. 

Feitos poeira perdida no tempo, vamos mergulhar, vamos, vamos mergulhar na beleza, na música, no movimento. Sem perceber. Sem querer perceber. Deixando-nos apenas ser. Ser. Ser devagar. Muito devagar.






Devagar. Devagar os corpos enleiam-se, e disputam-se e desejam-se e nada faz sentido e é tão boa a inocente falta de sentido. E o suor mistura-se e as lágrimas fundem-se e um dia, uma noite, o sémen de um entrará no corpo de um outro e a vida prosseguirá, solta, sem sentido, apenas um breve instante, um fluir, um movimento luminoso. 

A beleza. A beleza. A felicidade da beleza. A beleza do que é breve e sem sentido. 





O voo dos corpos, a cumplicidade das palavras inventadas, em silêncio, coração com coração, pele com pele, sonho com sonho, sexo com sexo. Um rumor. Uma poeira vogando no infinito. Um ponto de luz e um outro. Dois pontos de luz brilhando no meio da mais solitária escuridão.

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E depois há as imagens improváveis, belas, a cor e a luz em dias de chuva. E os risos das crianças, e o carinho, e o contacto puro com todas as formas de arte e beleza.




E a alegria de um amor que começa, a beleza da sua pele, o seu cheiro, o conhecer o seu interior, as suas palavras, as primeiras.  Novos livros. As saudades que eu já tinha de me passear por uma livraria, a emoção de trazer os livros, de os sentir, a alegria animal da posse. A contemplação inocente. 




Livros novos, palavras por descobrir. Pudesse eu confessar-vos o quanto me apetece beijá-los, trazê-los junto ao peito, poder sentar-me num banco de jardim num dia de chuva e, sozinha, lê-los sem querer saber da chuva nem de nada. Ou sentar-me à lareira, um bule, uma chávena de chá bem quente, tostas com queijo e mel, nozes, uma música por perto, um abraço doce. E poder passar as mãos pelas páginas, beijar secretamente quem nas páginas pousou as palavras ou as imagens que os meus olhos beijam.

Devaneios. Um pouco de paz num mundo tomado pela insanidade. 


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1. Os instantes de beleza nos vídeos respeitam a:



2. Sobre a pintura que faz parte de uma exposição que visitei no outro dia vos falarei outro dia, amanhã talvez. Alguém adivinha de que se trata?

3. E os livros vieram hoje cá para casa. Entre eles, Há um muito especial, uma peça para guardar num cofre, numa vitrina, para ter aqui à minha beira. A ver se depois vos falo melhor sobre ele. Agora tenho-o aqui, quase ao meu colo, e cheiro-o, já o cheirei tantas vezes, ainda cheira a bebé acabado de nascer, a tintas, a palavras e imagens impressas. Como é o que se vê pior na fotografia, eu conto-vos. É uma edição da Relógio d'Água. Antigo Testamento (Génesis, Êxodo e Cântico dos Cânticos) com ilustrações de Marc Chagall. Tradução de Herculano Alves, D. António da Rocha Couto e José Tolentino de Mendonça. Parece um missal, sabem?



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Muito gostaria ainda que visitassem o meu Ginjal e Lisboa. Hoje, por lá, tenho palavras de Adélia Prado, alguém de quem, como sabem, tanto gosto. Ex-Votos

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma quarta feira muito feliz. 
E procurem a beleza, está bem?