Cheguei agora da praia. São quase onze da noite. O mar estava negro e ruidoso e a lua, ainda em fase crescente, não tinha luz que chegasse para o iluminar. Mas não estava muito frio e é bom andar na praia à noite.
O dia não foi dos piores. Aliás, deslizou sem sobressaltos e coube dentro de horários razoáveis, que é como os dias de trabalho devem ser.
À hora de almoço ouvi que Frederico Lourenço tinha sido escolhido para receber o Prémio Pessoa 2016. Ouvi a sua reacção, desorientado com o telemóvel que agora não pára e, na véspera, surpreendido com o telefonema de Balsemão. Depois Balsemão, até a voz cada vez mais esfíngica, explicando a escolha. Ouvi a notícia sem grande emoção. Melhor: sem emoção. Não é que considere o prémio injusto. Não é isso. É mais que me deixa indiferente. Algumas das crónicas de Frederico Lourenço agradam-me. Escreve com graça e desenvoltura. É culto. Li com agrado O Lugar Supraceleste. Algumas poesias suas também são bonitas. Além disso, como pessoa, é simpático.
Contudo, aquilo por que é mais louvado e que penso que esteve na base da atribuição do prémio é a sua faceta de tradutor do grego. Ora aqui é que a porca torce o rabo -- e, como já aqui o disse, inclino-me para que o problema seja meu. Conhecendo eu a Odisseia e a Ilíada apenas pela sua tradução, confesso que o que li não me fez ficar maravilhada. Não sei sequer explicar bem porquê. Dá-me ideia que há qualquer coisa de banal que eu não esperaria encontrar em tal obra. Histórias chatas e compridas, às quais falta aquela toada e aquele maravilhamento que a poesia que me agrada tem. Não sei se o mal é de origem, se já foi ao Homero que faltou rasgo, ou se foi o Frederico Lourenço que estava sem grande inspiração e sem ouvido para a música quando as traduziu. Mas se calhar está tudo bem e eu é que cheguei às obras com as expectativas muito altas. Não sei mesmo.
Agora a Bíblia. A mesma coisa. Parece que a escrita é técnica, parece que lhe falta harmonia. Pode ser da tradução ou pode ser dos autores primevos. Não faço ideia. E, já o referi e até me custa dizer isto pois cheira-me a que é disparate do grosso: tanta anotação, tanta referência desagrada-me. Não será culpa dele e provavelmente os estudiosos acharão que nisso está parte do mérito do livro. Não eu. Como escrevi no outro dia, ao procurar a Bíblia, procuro o silêncio, o despojamento absoluto. Ora, a cada linha, encontrar números e anotações é ruído que me faz perder o interesse na obra, é uma pessoa tropeçar a cada passo que dá, uma maçada.
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Contente fiquei por passar pela Gulbenkian e dar com a Festa do Livro. Estava com pouco tempo mas a tentação sobrepôs-se ao resto.
Trouxe apenas quatro livros mas estou muito contente não apenas pelas obras em si mas também pela enorme poupança.
Elogio do Inacabado -- Agustina Bessa-Luís
Memórias -- Rómulo de Carvalho
Gramática da Linguagem Portuguesa -- Fernão de Oliveira
e não é livro mas é leitura: Al Berto -- Colóquio LetrasApenas folheei ao de leve mas estou desejando poder tê-los nas mãos por mais tempo.
Do livro de Rómulo de Carvalho, que acabei agora de espreitar, transcrevo um soneto da irmã Noémia:
A velha baronesa de Almavia,
taful, garrida, loura, e bem falante,
fora outrora a donzela mais galante,
a mais ardente e ambicionada diva.
Agora, já caduca, mas lasciva,
amava um moço esbelto e, provocante,
confessou-lhe, numgesto petulante,
o seu amor com fala ardente e viva.
Sorriu com bonomia o novo Apolo,
e olhado, dessa dama, o ossudo colo,
responde, sem mostrar maior quezília:
- Cupido vos lançou a dura seta...
Senhora! Casarei com vossa neta,
Ficamos assim todos em família.
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E, estando eu agora, na maior indolência, ouvindo sem qualquer interesse o Expresso da Meia-Noite e laureando por aqui e por ali, dei com um vídeo de The wonder of you do Elvis Presley com uma inesperada Kate Moss e (alô, alô Bob!) deu-me logo vontade de trazer par aqui.
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E apeteceu-me intercalar aqui fotografias dos cogumelos que rebentam de todo o lado in heaven.
Para que a coisa ficasse ainda mais alucinada, puxei-lhe pelas cores até quase ao ponto de saturação. Claro que não têm a ver com nada do que aqui está mas, para dizer a verdade, também nada tem a ver com nada e assim é que a mim me parece bem. Problema meu. Provavelmente, culpa dos cogumelos.
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E, para já, é isto.
E façam o favor de perdoarem a minha heresia: sei que o coro de apologistas de Frederico Lourenço vai ser uníssono e a minha voz dissonante pode soar a blasfémia. Mas se é o que eu penso, a que propósito ia eu dizer o contrário....?
Regressarei com um post sensação. Me aguardem.
Regressarei com um post sensação. Me aguardem.
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