Mostrar mensagens com a etiqueta Rómulo de Carvalho. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Rómulo de Carvalho. Mostrar todas as mensagens

sábado, dezembro 10, 2016

Frederico Lourenço, Prémio Pessoa 2016
+
livros que comprei hoje na Festa dos Livros da Gulbenkian
+
The Wonder Of You
+
cogumelos everywhere


Cheguei agora da praia. São quase onze da noite. O mar estava negro e ruidoso e a lua, ainda em fase crescente, não tinha luz que chegasse para o iluminar. Mas não estava muito frio e é bom andar na praia à noite.

O dia não foi dos piores. Aliás, deslizou sem sobressaltos e coube dentro de horários razoáveis, que é como os dias de trabalho devem ser.


À hora de almoço ouvi que Frederico Lourenço tinha sido escolhido para receber o Prémio Pessoa 2016. Ouvi a sua reacção, desorientado com o telemóvel que agora não pára e, na véspera, surpreendido com o telefonema de Balsemão. Depois Balsemão, até a voz cada vez mais esfíngica, explicando a escolha. Ouvi a notícia sem grande emoção. Melhor: sem emoção. Não é que considere o prémio injusto. Não é isso. É mais que me deixa indiferente. Algumas das crónicas de Frederico Lourenço agradam-me. Escreve com graça e desenvoltura. É culto. Li com agrado O Lugar Supraceleste. Algumas poesias suas também são bonitas. Além disso, como pessoa, é simpático. 


Contudo, aquilo por que é mais louvado e que penso que esteve na base da atribuição do prémio é a sua faceta de tradutor do grego. Ora aqui é que a porca torce o rabo -- e, como já aqui o disse, inclino-me para que o problema seja meu. Conhecendo eu a Odisseia e a Ilíada apenas pela sua tradução, confesso que o que li não me fez ficar maravilhada. Não sei sequer explicar bem porquê. Dá-me ideia que há qualquer coisa de banal que eu não esperaria encontrar em tal obra. Histórias chatas e compridas, às quais falta aquela toada e aquele maravilhamento que a poesia que me agrada tem. Não sei se o mal é de origem, se já foi ao Homero que faltou rasgo, ou se foi o Frederico Lourenço que estava sem grande inspiração e sem ouvido para a música quando as traduziu. Mas se calhar está tudo bem e eu é que cheguei às obras com as expectativas muito altas. Não sei mesmo.

Agora a Bíblia. A mesma coisa. Parece que a escrita é técnica, parece que lhe falta harmonia. Pode ser da tradução ou pode ser dos autores primevos. Não faço ideia. E, já o referi e até me custa dizer isto pois cheira-me a que é disparate do grosso: tanta anotação, tanta referência desagrada-me. Não será culpa dele e provavelmente os estudiosos acharão que nisso está parte do mérito do livro. Não eu. Como escrevi no outro dia, ao procurar a Bíblia, procuro o silêncio, o despojamento absoluto. Ora, a cada linha, encontrar números e anotações é ruído que me faz perder o interesse na obra, é uma pessoa tropeçar a cada passo que dá, uma maçada.

Portanto, não digno que o prémio seja imerecido, digo apenas que não me diz muito.


+

Contente fiquei por passar pela Gulbenkian e dar com a Festa do Livro. Estava com pouco tempo mas a tentação sobrepôs-se ao resto. 


Trouxe apenas quatro livros mas estou muito contente não apenas pelas obras em si mas também pela enorme poupança.
Elogio do Inacabado -- Agustina Bessa-Luís 
Memórias -- Rómulo de Carvalho 
Gramática da Linguagem Portuguesa -- Fernão de Oliveira 
e não é livro mas é leitura: Al Berto -- Colóquio Letras
Apenas folheei ao de leve mas estou desejando poder tê-los nas mãos por mais tempo.

Do livro de Rómulo de Carvalho, que acabei agora de espreitar, transcrevo um soneto da irmã Noémia:

A velha baronesa de Almavia,
taful, garrida, loura, e bem falante,
fora outrora a donzela mais galante,
a mais ardente e ambicionada diva.

Agora, já caduca, mas lasciva,
amava um moço esbelto e, provocante,
confessou-lhe, numgesto petulante,
o seu amor com fala ardente e viva.

Sorriu com bonomia o novo Apolo,
e olhado, dessa dama, o ossudo colo,
responde, sem mostrar maior quezília:

- Cupido vos lançou a dura seta...
Senhora! Casarei com vossa neta,
Ficamos assim todos em família.


+

E, estando eu agora, na maior indolência, ouvindo sem qualquer interesse o Expresso da Meia-Noite e laureando por aqui e por ali, dei com um vídeo de The wonder of you do Elvis Presley com uma inesperada Kate Moss e (alô, alô Bob!) deu-me logo vontade de trazer par aqui.



+

E apeteceu-me intercalar aqui fotografias dos cogumelos que rebentam de todo o lado in heaven

Para que a coisa ficasse ainda mais alucinada, puxei-lhe pelas cores até quase ao ponto de saturação. Claro que não têm a ver com nada do que aqui está mas, para dizer a verdade, também nada tem a ver com nada e assim é que a mim me parece bem.  Problema meu. Provavelmente, culpa dos cogumelos.


____________

E, para já, é isto. 

E façam o favor de perdoarem a minha heresia: sei que o coro de apologistas de Frederico Lourenço vai ser uníssono e a minha voz dissonante pode soar a blasfémia. Mas se é o que eu penso, a que propósito ia eu dizer o contrário....?

Regressarei com um post sensação. Me aguardem.

......................

sexta-feira, setembro 13, 2013

Bárbara. Ri-te. Só para mim. (La fin de journée est si belle)


Bem. Depois de ter esclarecido os Leitores que me enviaram amostras da sua escrita para eu fazer a sua análise grafológica e depois de me ter passado, mas passado mesmo, com este Governo macabro que parece que só sabe fazer sacanices, e com o facto de terem que ser as pessoas decentes do PSD (e do CDS) a fazer oposição, enquanto o Tozé anda por aí a fazer nem sei o quê, tenho que tentar distrair-me. Odeio ir para a cama irritada.

Por isso, se querem saber do que acima falei, é a seguir, no fim disto que agora estou a escrever.

Mas, isso é depois. Aqui, agora, a conversa é outra. Mudança de tercio.

»»»«««


A maioria das pessoas que conheço, quando tem hipótese de escolha, prefere sentir-se em terra firme, instalar-se na chamada zona de conforto.

Exemplifico: se estamos a passear, a maioria prefere deslocar-se por percursos que conhece e que sabe onde começam e acabam; se estamos num restaurante, a maior parte pede pratos que conhece ou que, pelo menos, antecipa o que é; se estamos numa livraria, a maior parte das pessoas que conheço prefere procurar livros de autores que conhece ou livros de que ouviu falar; se falamos de pintura, a grande maioria identifica-se mais com pinturas em que se percebe ou reconhece o tema.

Para o bem e para o mal, sou o contrário. Se estou a passear, o que me atrai é meter-me por sítios que desconheço, num restaurante, quanto mais imperceptível ou bizarra a combinação culinária, mais vontade tenho de experimentar, numa livraria percorro as estantes à procura daquilo de que nunca ouvi falar e, na pintura, já muitas vezes aqui o disse, quanto mais abstracto ou improvável mais me atrai.

E cada vez mais. Nunca fui conservadora, tradicional mas, à medida que avanço no tempo, mais radical estou: estou cada vez mais farta estou do banal, do déjà vu. Claro que é um radical à minha maneira mas, enfim, radical ainda assim.

Pego nos livros e quase tudo me parece historiazinhas de nada, conversa da treta, vacuidades, habilidadezinhas retóricas, transcrições de coloquialidades sem qualquer interesse, dissertações pseudo-filosóficas, mas uma filosofia a la Margarida Rebelo Pinto, coisa quase de cabeleireira ou de gente a armar em intelectual, chachadas, nem sei. Folheio, folheio e cada vez menos coisas me atraem. Até que, de vez em quando, dou com coisa inesperadas, umas quase malucas, ou, então, apontamentos, notas biográficas ou auto-biográficas mas escritas de forma natural, sem ser a armar, ou textos limpos ou observações escorreitas, ou poemas vindos de lado nenhum, ou entrevistas em que o entrevistado se deixa ir na conversa e fala, mas fala com inteligência ou saudável irreverência. Coisas assim. Podem achar-me estranha ou o que quiserem mas estou a ser sincera quando digo que o que agrada à maioria das pessoas a mim me cansa, me é quase insuportável.

Deve ser por isso que não consigo ver as novelazinhas que os canais generalistas dão, parece-me tudo igual, já não consigo ver aqueles papagaios armados em comentadores a dizerem disparates com ar de quem inventou a pólvora, tudo uma treta que enjoa. O meu marido está na mesma, agora, tirando um ou outro programa com gente mais inteligente (e no post a seguir a este referi dois), prefere ficar-se pelos programas de culinária, de viagens ou coisas assim (e isto se não houver futebol, senão é por lá que se deixa ficar). Eu também gosto de ver o Masterchef e os Portugueses no Mundo.

Mas, voltando aos livros: não sei se estão a ver aquilo por que passo quando, num jantar ou almoço, com cerca de vinte pessoas à volta de uma grande mesa, a conversa vai para o que andam a ler e todos leram coisas que os outros também já leram e que recomendam, todos no mesmo comprimento de onda, e que eu não li, não tenho em casa, nem nunca na vida vou ler? É cá uma situação… Não posso dizer que é literatura de cordel, que conhecer a vida do personagem é coisa que não me desperta qualquer interesse, que acho que aquilo é uma pepineira sem ponta por onde se lhe pegue (e sei disso porque, não apenas me basta ver a capa, conhecer o autor, como geralmente para não ficar com algum peso na consciência, dou uma vista de olhos pelos livros quando vou às livrarias) pois seria ofensivo para eles que estão a gabar a coisa. Mas, não podendo dizer isso, também não quero passar por brutamontes ou pela inculta da companhia. É que, por outro lado, se me arrisco a falar de alguma coisa que ande a ler, a regra é que seja coisa da qual nunca nenhum deles ouviu falar, passo por ter gostos marginais, olham para mim como se não soubesse o que é bom e andasse às apalpadelas à toa, sem acertar.

Ingrato isto de se ser assim.

Vem isto a propósito de quê…?

Nem sei. Comecei a escrever com alguma em mente e, com a conversa, a coisa varreu-se-me. Não faz mal. 

Vou mas é exemplificar com algumas coisas ao acaso, de que gosto, pouco conhecidas (acho eu) e ficamos por aqui.

««»»


Fotografia do fotógrafo checo Jan Saudek


E, nessa mesma tarde, descobri o maior encanto de Bárbara: o seu riso.

(...)

Olhou-me e riu-se. Ela bem sabia o que ia dentro de mim. Percebeu que o seu riso era uma fascinação e isso fazia-a rir cada vez mais e cada vez melhor. Era uma flor tonta, de pétalas ruivas, esplendorosa de mocidade, transbordante de seiva, toda coberta de gotinhas de orvalho, a flor envaidecida que sente próxima a respiração de quem a aspira. Como as flores, contorcia o caule e excitava o pobre insecto que eu então era.




Enchi-lhe a taça desastradamente mas por querer. Apetecia-me despejar garrafas sobre a minha pobre cabeça, sentir na cara o fervilhar da espuma e apetecia-me ter uma língua enorme que me lambesse a cara toda.

Bárbara, entre risos, debruçou-se e estendeu os lábios para a taça com o fim de aproveitar a espuma que sorveu num beijo. Depois ficou-se a olhar-me a rir-se, com a taça na boca, meia bebida e sem ânimo para beber o resto. Despegou-a dos lábios, poisou-a sobre a mesa e eu segui-lhe o movimento da mão. Na borda do vidro, vi um semicírculo húmido que marcava o contorno da boca de Bárbara no sítio onde a tivera colocada. Senti as narinas tremerem e as pálpebras negarem-se a estar levantadas. Peguei na taça dela, ergui-a, rodei-a voltando para mim a marca dos lábios de Bárbara e adaptei a minha boca ao sinal que ela deixara.

Bárbara vira e seguira todos os movimentos que fiz. Bebi golo a golo, freneticamente devagar, com os olhos postos nos dela. Bárbara, que sempre se rira, pusera-se mortalmente séria, com os lábios entreabertos, naquela seriedade aflitiva de quem se entrega. Devia ter sentido o mesmo que eu: um tremor febril e um esvaimento total. Possuímo-nos com os olhos.



(...)


Não há palavras que descrevam o riso de Bárbara. Maior tortura do que esta de não a ter junto de mim é a de ser impotente para reconstituir aquele riso perdido. Gasto horas, no silêncio, a chamar por Bárbara. A pedir-lhe que se ria. Vejo-lhe os cabelos a flutuarem como labaredas, vejo-lhe os olhos inocentes, a graça sem artifício, simples e atraente, vejo as quase imperceptíveis sardas que lhe descobri na pele, vejo-lhe os dentes brancos e certos, a linha infantil dos ombros, a gola do vestido verde, tudo, mas não lhe vejo o riso. Bárbara. Ri-te. Só para mim.



«  --   »

Excerto do maravilhoso 'Bárbara Ruiva' de Rómulo de Carvalho, com ilustrações de Helena Abreu e Prefácio de Manuel Gusmão da Editora Página a Página].


As fotografias que escolhi para polvilhar o texto, igualmente maravilhosas, são do fotógrafo Jan Saudek que nasceu em 1935 em Praga.


Claro está que a adjectivação revela o meu gosto pelas coisas inesperadas e belas]


«  --   »

E agora música: Alison Goldfrapp com Drew de Tales of us


(Aconselho que não apenas a ouçam mas que vejam o vídeo. 
Maravilhoso também, diria eu se não temesse repetir-me)




«   ...   »
                                           

E, de novo mas, agora, sem tradução, a poesia de Michel Houellebecq



                                                       Un matin de grand clair beau temps
                                                       Tous remplis de pensées charnelles
                                                       Et puis le grand reflux du sang,
                                                       La condamnation essentielle;

                                                       La vie qui s'en va en riant
                                                       Remplir des entités nouvelles,
                                                       La vie n'a pas duré longtemps,
                                                       La fin de journée est si belle.




Pavla Poses for The First and Last Time, 1978

Jan Saudek


»»»»»«««««


Permito-me recordar que, para temas desagradáveis sobre o infame Governo de Passos Coelho que até quase leva à loucura a ex-líder do PSD, Manuela Ferreira Leite, é descerem um pouco mais. Mas não sei se será boa ideia. Só se depois voltarem outra vez aqui para tirarem o mau sabor da boca.

Para um esclarecimento sobre grafologia, é ainda mais abaixo.

E nada mais por hoje.

««««««»»»»»»


Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma sexta feira em grande estilo. 

Be happy que isso é que importa, o resto é conversa!