quinta-feira, fevereiro 28, 2019

O meu vício





Sempre ouvi dizer que os alcoólicos nunca deixam de sê-lo: conseguem é ter força de vontade para deixar de beber. Contudo, têm que manter uma disciplina férrea. Por exemplo, não podem aproximar-se do álcool pois sabem que, se abrirem uma brecha, logo a oportunidade voltará a transformar-se em necessidade e o caldo lá voltará a entornar-se. 

Com o tabaco é capaz de ser a mesma coisa. Deixei de fumar e nunca mais toquei num cigarro. Não sei como seria se abrisse uma excepção. Até pode ser que me soubesse mal e me arrependesse para todo o sempre. Contudo, não arrisco. Na altura, quando a memória estava mais fresca e os gestos mecanizados ainda inseridos na habituação, sentia a falta de levar o cigarro à boca, sentia aquela falta de, em determinadas situações, aliviar a tensão através das longas inspirações e expirações. Mas não cedi. Todos os dias, quando entro ou saio no escritório, passo por pessoas que estão num recanto ao ar livre junto à porta que separa o edifício do estacionamento. Fumam. Uns estão sozinhos, meditando, soltando longas baforadas, outros estão aos pares, conversando. É inevitável que aspire algum do fumo que paira no ar. Não me desagrada aquele cheiro embora me incomode um pouco a perspectiva de estar a inalar ar poluído. Nunca me senti tentada a pegar num cigarro e matar saudades. Penso que, se calhar, nunca fui verdadeiramente viciada no tabaco. 

Tenho ideia que isto de uma pessoa ter vícios é coisa genética, uma propensão para se ficar agarrado e, se não for isto, é aquilo. Uma adicção, uma tendência inelutável para a dependência.


E é isto que sinto com os livros. Sei que, para mim, a solução é não me aproximar das livrarias. Sei que, estando eles por perto, caio na tentação, cedo ao vício.

Penso que talvez seja como com os cigarros: eu dizia e sentia e tinha a certeza de que no dia em que decidisse deixar de fumar o conseguiria e que seria para sempre. Só que esse dia levou trinta anos a chegar. Talvez o dia em que ficarei indiferente aos livros ainda esteja para chegar.

Mas reparem nos meus mixed feelings em relação a isto. Parece que digo uma coisa e o contrário. Não consigo ter certezas. E isto porque com os livros não consigo ter opiniões muito racionais e, na verdade, não tenho claro que esta dependência seja demolidora para mim e que fará sentido cortar de vez com a vontade de ter novos livros.

Quando comprei as últimas estantes e reorganizei a biblioteca, deixei aqui, ao meu lado, fora das estantes, uns quantos livros, uma meia dúzia. Entretanto, já se transformou numa pilha bastante jeitosa e, um dia destes, ficará arriscado continuar a pôr os novos em cima dos outros.


Andei de umas para outras, hoje, com música boa na antena 2 enquanto conduzia, momentos tranquilos. Mas, nos entretantos, cenas agitadas, aquele stressezinho macaco que só não é maior porque, com o tempo, aprendi a cultivar um saudável distanciamento. Mas, à hora de almoço, tombei. A culpa foi do Jorge Carreira Maia que veio trazer notícia de um livro novo de Mathias Enard. Em tempos o Fala-lhes de Batalhas, de Reis e de Elefantes tinha-me cativado. Com a referência dele a este livro, fiquei curiosa. Fui à livraria só mesmo para ver, para folhear. E para ver se o tradutor era o Pedro Tamen. Pedro Tamen a traduzir um livro é atestado de coisa boa.

Fui. Não estava no escaparate. Procurei na estante, na devida ordem alfabética. Lá estava. Fui conferir. Não escondo a decepção. Não era Pedro Tamen, era Ana Cristina Leonardo. Fiquei na dúvida porque nunca avaliei a qualidade dela nesta vertente mas, enfim, muito má não haverá de ser, sosseguei-me. Ou seja, resolvi apostar. E jurei: só este.


Mas, ainda assim, já que lá estava, até pareceria desconsideração não prestar uma atenção ao que por ali chamasse por mim. Mas sempre bem comportada, selectiva, superior -- ceder a tentações nem pensar. Com a Bússula na mão, melhor orientada não podia estar.

Até que vi Uma lágrima que cega. Na contracapa: 'o vinho sem ti é água' e 'sem ti a água não arde'. Senti que começava a salivar. Folheei. Aquela coceirinha boa da atracção. Casimiro de Brito armado em prosaico. Peguei. É só mais este.

Depois vi o Kaiser icónico em black e white. Paris Photo by Karl Lagerfeld. Folheei. Bom demais. Impossível deixar para trás. Uma coisa mesmo na base do dever.

Já com os três livros, pensei que tinha que fechar o espírito e sair de lá. Mas, no caminho, ainda um outro: Photographers A-Z. Conferi. Útil demais.

E, portanto, aqui os tenho comigo e tenho estada encantada como se tivesse ganho o melhor presente do mundo, como se tivesse descoberto um tesouro raro com jóias muito preciosas. Livros tão bons. Uma companhia tão boa, tão gratificante, uma sensação tão boa. Uma fotografia especial, uma conjugação de palavras tão perfeita.


Penso: se isto é vício, porque é que não me curo? Porque é que não me arrependo?

Mas não sei responder. Quando era ainda muito pequena descobri a emoção que pode vir dos livros e essa emoção não se esbateu ao longo do tempo. É a mesma. É maior.

E é total: não são apenas as palavras ou as imagens. É também a elegância da paginação, é o toque do papel, é o cheiro do papel impresso, é a beleza da capa. É a infindável magia das palavras mas é também o prazer de ver, de tocar o objecto livro.

Gostava de poder partilhar convosco um pouco destes livros mas não é fácil pois um livro é um todo, não um excerto. Se fosse mais cedo talvez, apesar de tudo, o fizesse mas, assim, não o farei.

São caros os livros e percebo bem que, quem não tem muitas posses, não pode dar-se ao luxo de gastar tanto dinheiro neles. Mas depois penso: quantas pessoas não podem comprar livros mas conseguem ter dinheiro para os cigarros? E não faço ideia mas imagino que devem estar bem caros. Portanto, vício por vício talvez seja preferível este dos livros: não faz mal à saúde e fico com preciosidades ao meu dispor.


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As fotografias fazem parte das melhores do The Sony World Photography Awards 2019

E a música é de Max Richter - Mercy 

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Um dia feliz a todos

quarta-feira, fevereiro 27, 2019

Sobre o que vamos fazendo





Uma vez fiz uma almofada com fios saídos em argolinhas. A estopa estava esticada num bastidor. O desenho era inventado e as cores eram vermelho e laranja. E fiz toalhas de chá que penso que nunca usei. Crochet. E panos de tabuleiro. E uma toalha de renda grande. Usei-a uma ou duas vezes. É muito difícil de passar a ferro. E colchinhas de lã para as camas dos meus filhos. E tricot. Camisolas, casacos. E bordados. Muitos bordados. Algumas gavetas cheias desse meu dedicado labor, dessas inutilidades.

Houve uma altura, há mil anos, em que apanhava alguns transportes públicos para ir trabalhar. Trabalhava longe. Levava lãs e fazia crochet. Iam muitos colegas, todos homens. Ao princípio gozavam. Depois habituaram-se. 

Foi o meu percurso até chegar aos tapetes de arraiolos. Já não sei quantos fiz, tapetes e carpetes. Comecei por um simples. Logo a seguir quis fazer complicados. Outros à mão livre. O prazer de, do nada, de peças soltas -- um tecido, umas lãs -- fazer nascer uma peça intemporal.

Tenho isto: há coisas que não sabemos fazer mas que aprendemos e deixam de ser complicadas. Há outras coisas que não sabemos mesmo e que nunca conseguiremos.

Exemplifico. Quis ter os meus filhos a sangue frio e tive-os. Já aqui o contei várias vezes: foram partos muito complicados, induzidos, com fórceps. A sangue frio. Sem medo das dores. Sem pensar duas vezes. 
No trabalho também assim. É para fazer, faz-se. Não me ocorre pensar que nunca o fiz antes, que posso não ser capaz, que pode correr mal. Faz-se. O caminho faz-se caminhando.
Mas quando a minha filha tinha um dente a cair, preso por um fio ensanguentado, não consegui puxá-lo. Fomos para a casa de banho, assim não podia ficar, um dente suspenso por um fio. Tentei. Tentei mesmo. Enchi-me de coragem. Mas não consegui. A perspectiva de poder magoá-la tolheu-me os movimentos. Não consegui. Senti-me a desmaiar. Tive que me sentar, a ver tudo branco. Medo que lhe doesse. Ela, pequenina, pôs-se ao espelho, puxou o dente, arrancou-o. Ainda hoje fala disso. 
No outro dia, um menino disse-me que tinha um dente a abanar muito, quase a cair. Dias depois disse que já tinha caído, que a mãe tinha puxado. Relembrei. Pensei que, se tivesse que ser eu, voltaria a não consegui-lo. 

E a fotografia. Não tenho paciência para ler manuais, para ler livros técnicos ou para ir a aulas. Qualquer desses rituais me tiraria o gosto da descoberta. Faço fotografias a eito, milhares de fotografias. Mas não posso falar disso ao pé de quem saiba pois tendem a fazer-me perguntas sobre técnicas, se faço assim ou assado, se a objectiva é esta ou aquela. Não sei. Não quero saber.

Também não as organizo. Não sei se alguém, algum dia, vai fazer alguma coisa com tudo isto que, ao longo da vida, tenho vindo a fazer.

Uma pessoa contou-me que está a dar rumo às coisas dos pais. Uma casa muito grande, cheia de coisas. Diz que nunca mais acaba. Não sabe o que fazer. Há coisas de que não quer desfazer-se mas não tem onde guardar tudo o que acha que deveria preservar. Fala com lágrimas nos olhos.

Ao ouvir, pensei na minha casa. O meu marido diz muito isso: não vamos criar um problema aos miúdos. Geralmente é o argumento que vem para cima da mesa quando me quer convencer a deitar fora metade das coisas. Mas tem razão. Pode ser um grande problema. Tantos tapetes já sem saber onde pô-los, tantos quadros que já não tinha onde guardar (que paredes para os pôr já não havia), tantas fotografias que por aí estão em discos e nem sei onde mais.

Por isso, aqui, escrevo para o vento. Palavras soltas ao vento, para quem as quiser ler. Cartas que escrevo para quem gosta de me ler. Uma vez escrevi um livro. Não sei dele. Acho que estava numa disquette. Outra vez comecei a escrever outro. Achei por bem pôr uma password. Esqueci-me dela. Não faço ideia em que computador estará. Perdeu-se.


E talvez isto que acabaram de ler não faça muito sentido mas é que era para falar de uma coisa que me contaram e, afinal, achei melhor guardar o assunto só para mim. Pelo menos, para já.

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As pinturas são de Vermeer, ao som de Yann Tiersen com Porz Goret

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Caso sejam apreciadores de Trompe l’oeil: a arte da ilusão queiram descer até ao post seguinte.

Trompe l’oeil: a arte da ilusão




Mais do que os ângulos óbvios, a mim atraem-me os dúbios, os súbitos, os incompreensíveis. Se possível, indecifráveis.


Claro que uma flor é uma flor é uma flor e que, por isso, há que respeitá-la não a mascarando entre ilusões. Ou uma árvore. A dignidade de uma árvore não permite a dispersão. Afinal uma árvore também é uma árvore também é uma árvore. Mas o reflexo de brinquedos numa janela de vidro de onde se vê o jardim pode dar uma ilusão interessante. Ou o emaranhado a la Pollock de mil pequenas folhas, pequenos pauzinhos, pedrinhas, florzinhas -- também curioso. 

Também me interesso pelo que não se vê do exterior. Uma fenda numa parede de onde nasce uma luz vinda não se sabe de onde, um navio que nasce de um telhado plasmado na janela da minha sala, uma lua suspensa nos ramos nus tangenciais a um telhado.

Na vida a três dimensões também me interesso pelo que existe sob a pele, seja a minha, seja a dos outros. 

Por exemplo, alguém sempre sorridente que, afinal, está em sofrimento por uma razão que ninguém imagina e que precisa tanto de desabafar. Ouvi-la, espantar-me por ela saber disfarçar tão bem. Ou outra pessoa, conhecida pelo seu profissionalismo numa área bem comum e que, afinal, é também pintora, com obra exposta. Ou um outro, pessoa com vários cargos relevantes, uma vida profissional preenchida, com muitas viagens a muitos países, alguns bem longínquos, e que, afinal, nada conhece do seu país e, na verdade, pouco parece conhecer do mundo real.

Situações que fazem nascer a vontade de olhar melhor, de prestar mais atenção para conhecer o que está para além do imediato. A vida como uma infinita sucessão de camadas quase invisíveis. Ou de véus. Ou de espelhos.

Isto a propósito de.

Sou devota de Steve McCurry. De cada vez que há uma entrada no seu blog, vou logo espreitar. E são sempre imagens extraordinárias, algumas das quais cometi a ousadia de trazer aqui. E gosto de ver as sóbrias citações que escolhe para acompanhar as imagens. O post de hoje tem o nome que dei a este meu. E foi de lá que também transcrevi, em tradução livre, o que abaixo coloco em itálico.
Vivemos num mundo de fantasia, um mundo de ilusão. A grande tarefa que temos na vida é encontrar a realidade.
– Iris Murdoch
Há uma ilusão de óptica em cada pessoa que conhecemos 
– Ralph Waldo Emerson
Sou obcecada com o trompe l’oeil – a ideia de algo que existe e não existe
– Alessandro Michele

Não é todo este mundo uma ilusão?
– Angela Carter


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Trompe L'Oeil -- Jiří Kylián



terça-feira, fevereiro 26, 2019

Poderia. Mas não.





Poderia falar de como é bom, em dia luminoso, o calorzinho pré primaveril na bela cidade. E como são lindas, tão suaves, as cores que andam no ar. E como dá vontade de embarcar nos grandes navios deslizando no rio.  Ou nos veleiros brancos e silenciosos. E como é bom que nos deixemos estar, embarcando neles apenas o nosso olhar.


Poderia falar de como, apesar da pressão turística, ainda há enormes prédios abandonados nas melhores avenidas. E como são tristes os prédios grandes abandonados. Poderiam transformar-se em residência de artistas, em casas para jovens, em residências universitárias, em residências assistidas para idosos de fracas e médias posses. Mas, se calhar, vão ser hotéis.

Ou poderia falar de como começam a aparecer, nas empresas, movimentos reivindicativos atípicos, orgânicos, com os quais as estruturas tradicionais não sabem bem como lidar. E do medo que causam. Sem rosto, sem contornos. Um medo difuso.


Poderia falar também da casa de Salazar que vi na TVI. Abandonada, as coisas do ditador, do atávico campónio que arrastou o país para o coitadismo, para o remediadismo, para as galinhas no quintal para mostrar como é bom ser poupadinho. Poderia falar de que de nada lhe serviram os pides a guardar a rua, a prender e torturar os outros. Poderia falar do relógio na parede, parado, para sempre parado, e dos livros a desfazerem-se. O ditador que caíu da cadeira e acabou sem saber que já não era nada. De nada lhe serviu tudo o que fez. Agora ninguém quer saber de lhe preservar a casa, as malditas memórias. Poderia dizer que ele deveria voltar por um instante para ver que ninguém lhe sente a falta e que todos lamentam os anos de desenvolvimento e abertura ao mundo que roubou ao país. Poderia dizer que os piores são sempre os apertadinhos, como apertadinho era o Salazar, bem governadinho pela zelosa D. Maria.

[Nota: Desagradável, contudo, a imitação da voz do ditador na leitura da carta e do poema; banaliza-o. E vultos nefastos não devem ser banalizados]


Ou poderia falar de Neto de Moura, mais um dos juízes que parece ter saído das cavernas. Poderia falar em como é perigoso estar a justiça nas mãos de parvos encartados. Poderia falar que é assustador pensar que há mulheres que são vítimas de estafermos destes. Ou poderia falar de como é assustador pensar que há mais juízes como este. Ou como estarão desprotegidas as mulheres que caiam nas malhas de justiceiros destes a quem, pelo que se vê, não há quem tenha poder para os mandar de volta para as cavernas.

Mas falta-me a verve na conta e medida requeridas. Vou antes pregar para outra freguesia ou, melhor, tirar a minha viola do saco e tocar música para algum incauto que por mim ainda  se deixe embalar.


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E tenho dito. Abaixo há vestidos para despir e há um momento de química aplicada.

Para encerrar o capítulo Oscares 2019, apenas um breve apontamento sobre os vestidos com que algumas beldades se despiram


E, não havendo muito mais a declarar, dou por concluídas as minhas anotações sobre o evento com a referência aos vestidos com que algumas beldades chamaram a atenção para a beleza dos seus corpos quer na cerimónia em si, quer na festa que a Vanity Fair organiza a seguir para celebrar o glamour da indústria do cinema e para exibir o portfolio ambulante de algumas agências de modelos.

Já lá vai o tempo em que as divas se produziam com elaboradíssimas vestes para estes eventos. Agora a palavra de ordem é 'tira, tira tudo'. Desde o nude inocente e revelador até ao negro desnudo, vale tudo.

Deixo aqui uns modelitos para que as minhas Leitoras possam inspirar-se e, numa ocasião em que venhamos a encontrar-nos, bloggers e leitoras de blogs, apareçamos todas, novas e velhas, magras e gordas, todas vestidas a preceito. 


A nossa Sarita, tristinha desde que o namorado foi acusado de fraude, apareceu assim, tapadinha, discreta demais. Destoou.

Se um dia fizermos a tal festarola de blogs acho que vestidos assim não estarão com nada, só mesmo os de cima. Valeu?


Ou, então, vá, como os das belas brasileiras aqui abaixo. Zucas e anjinhas como só elas. Não sei como ficarão estes vestidos em gente normal como nós mas, na volta, ficam um espanto. De deixar qualquer um de boca aberta.


Quanto aos cavalheiros, que não pensem que estou a exclui-los. Nada disso. Muito bem vindos. Terão é que vir na condicência. E se não se diz assim, condicência, paciência, que venha a maledicência (que o que mais há por aí é gentinha de olho gordo, azeda da vida, gentinha recozida em fel e maldade). Terão, pois, os cavalheiros que seguir o dress code que abaixo se recomenda.


Muito lindo. Sóbrio. O contrário do estilo Meco -- que esse é reservado às meninas. Os meninos querem-se tapadinhos, bem educadinhos.

Bloggers e Leitores homens vão vendo onde arranjar toilette assim ou similar não vá o convite para a festança rebentar por aí.

E, portanto, foi mesmo isso que aconteceu: a cerimónia dos Oscares 2019 foi a sagração da inegável química entre Lady Gaga e Bradley Cooper.
Do resto, temos pena: pouco ficará para a história.



Talvez um dia vocês acreditem nos meus dons divinatórios. Ontem não vos aconselhei a levarem-me a sério...? Pois. Tal como antevi, salvo um ou outro apontamento mais ou menos circunstancial, tudo o resto foi essencialmente mais do mesmo e o que ficará para a história foi a ternura, a atracção, a vontade de se olharem nos olhos, de sentirem a pele e a respiração um do outro: Lady Gaga e Bradley Cooper, quais pára-raios, atraíram sobre si próprios toda a electricidade e toda a magia do momento.

Dá gosto vê-los. Claro que pode ter sido chato para a Irina, na plateia, presenciar aquela cena de amor ali no palco. Mas fazer o quê?

E, de qualquer maneira, apesar do que se intui, pode ser que não pinte nem role ali nada já que a dita Irina aplaudiu entusiasticamente, abraçou a Gaga e rejubilou com o que viu.

E eu só estou com isto porque acho piada a estas coisas. O tempero, quando é em boa conta, dá graça à comida. Certo?


segunda-feira, fevereiro 25, 2019

Afinal ele canta e ela representa.
E agora ela vê la vie en rose.
[Isso e outras frioleiras e vestidos da noite dos Oscares]


A minha filha bem me avisou que eu tinha que ir ver o filme. Gostou e disse que eu também ia gostar. Ainda o hei-de ver. Para já, tenho-me ficado pelos excertos. 

Gosto de Bradley Cooper como actor. Não fazia ideia que cantava, e que cantava bem. E sabia do romance com Irina Shayk, uma mulher de beleza estonteante. Sabia da filha que têm em comum.

Da Lady Gaga sabia sobretudo das excentricidades. Quando a vi sem maquilhagem não a reconhecia. Não fazia ideia de que sabia representar.

Temos, pois, que Bradley Charles Cooper tem 44 anos, mede 1,85m, passou por sérios problemas de alcoolismo e depressão que conseguiu controlar. É muito talentoso como actor (e presumo que não só... já que lhe são conhecidos inúmeros  affaires, uns assumidos, outros apenas quase).

Stefani Joanne Angelina Germanotta, aka Lady Gaga, tem 32 anos e é, ao lado dele, uma minorca com os seus 1,55m. Também já teve uns namoros, diz que é bissexual e, para comprovar que o glamour das luzes do palco pode esconder muitas dores, contou que aos dezanove anos foi violada e que teve que ter ajuda psicológica para o superar.

O filme que Bradley Cooper realizou e interpretou, A Star is Born, parece ter sido uma explosão de talentos e de afectos. 

Lady Gaga, entretanto, rompeu com o namorado e as más línguas referem o clima, por vezes frio e apático, entre Bradley e Irina. Estou a vê-los a chegarem aos Oscares e ela vem de escuro, quase viúva. E vem a mãe dele. E ele está tranquilo e ouve atentamente a entrevistadora como se não estivesse debaixo de holofotes. É o dobro da mãe. É daqueles casos em que a gente duvida que um tamanhão daqueles tenha saído de dentro de uma coisa tão pequenina.

Como se não bastasse para alimentar as fofocas, Lady Gaga fez-se tatuar com um sugestivo pé de rosa, la vie en rose. Vem também de negro mas de ombros à vista, cabelo branco e umas belas jóias.

E eu, que ando sem paciência para falar da irremediável falta de jeito do Rui Rio, da maluqueira deslumbrada de Santana Lopes, da estapafúrdia mania das grandezas da Cristas, da festinha cheia de ternurinhas da Miss Cavaco Bloody Hand na cara laroca do Prof Marcelo, coisa que infecta a imagem do Presidente, dou por mim a olhar os vestidos das actrizes na passadeira vermelha, a Charlize Theron que apareceu com cabelo preto e um vestido azul claro lindo de morrer, a Glenn Close com um vestido que eu não usaria, completamente dourado, mas que lhe fica lindamente porque toda ela vale ouro, a Helen Mirren com um vestido espectacular e uma atitude vencedora nos seus orgulhosos 73 anos... e coisas assim.

Claro que sinto uma certa culpa, eu que não sou nada de culpas, por me estar a dar para isto. Mas, como sou boazinha para mim própria faço o paralelo com um super-ultra conhecido advogado da nossa praça, sócio fundador de um dos escritórios com uma das mais recheadas carteiras de clientes, que começava o dia a ler a TV 7 dias ou uma dessas revistas da treta. 

A mim não é todos os dias que me dá para isto, é mais quando vou à cabeleireira e me ponho a par das intriguetas de gente que pouco ou nada me diz. Mas hoje, caneco, talvez por já muito ter trabalhado no duro ou porque me está nos genes, sei lá eu, só me apetece alienar-me e ver vestidos e falar de amores.

E se estou a dar este destaque a este filme é mesmo porque não vi nenhum dos nomeados mas, vá lá saber-se porquê, gosto das imagens em que a química cola aqueles dois. Enquanto escrevo vejo o trio, sentado na plateia: Brad, Irina e Gaga. Imagino que não deve ser fácil para nenhum deles mas, na volta, é a minha imaginação que é fértil. Parece que ouço a Gaga, daqui por uns anos, a contar como lhe custou estar de sorriso de orelha a orelha tendo a mulher do seu amor de permeio. Um mundo de disfarces é o que é. É como mostrarem as nomeadas para melhor actriz e, quando anunciam uma delas, as outras desatarem a bater palmas, numa euforia, como se estivessem transbordantes de felicidade por não terem ganho a estatueta.

Mas, pronto, vou parar com isto que hoje daqui não sai nada senão isto. Por mim ficava toda a noite a ver a sessão de entrega dos Oscares 2019 mas não dá, daqui a nada tenho que estar a pé.

Eh pah!... Aquele extraordinário e vertiginoso documentário de que no outro dia aqui falei, o Free Solo do National Geographic, ganhou um Oscar. Boa!

(Vão por mim, as minhas escolhas são quentes. e, se não acreditarem, não faz mal; presunção e água benta cada um toma a que quer e eu vou doseando para que não me falte nada)




Nasceu uma estrela - Bradley Cooper & Lady Gaga



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Desejo-vos uma bela semana a começar já por esta segunda-feira.

E queiram continuar a descer para saberem quem é a verdadeira razão (para tudo)

Tu és a única razão


Há amores grandes mas não há amor maior do que o de uma mãe pelos seus filhos. Mesmo que tenha vários filhos, amará cada um como se fosse o único. E, mesmo que os filhos tenham filhos, o amor que se sente por cada um dos mais pequeninos continuará a ser total, único, imenso, incondicional.

No outro dia, disse a um dos meninos: 'Meu amor mais lindo'. Ele, sempre justo, com um ligeiro toque de censura, chamou-me a atenção: 'Mas gostas mais de mim do que dos meus manos...?' Expliquei-lhe que não. Que gosto de cada um de sua maneira mas que é igualmente muito em cada um. Todos são os meus amores mais lindos, todos são os meus amores mais amores do mundo.

E o que noto é que a minha forma de gostar deles não muda com o tempo e com as circunstâncias da vida. Se se atrasam a ligar, se lhes ligo e o telemóvel está sem sinal, se qualquer coisa assim acontece, fico preocupada como ficava preocupada quando eles eram pequenos ou adolescentes. E não é por terem já formado as suas famílias que fico mais despreocupada. E o reverso é também verdade: quando estou com eles, fico na maior alegria. Não há para mim maior felicidade do que estar com os meus amores. E, se os meus pais estão também, ainda mais completa é a alegria. O meu pai já não se apercebe bem da barafunda que lá vai por casa mas para a minha mãe é também uma grande alegria ter a família, que se vai multiplicando, reunida. Ainda hoje lá estivemos  e vejo como a minha mãe rejuvenesce e brilha de alegria vendo como a casa rejubila com os risos das crianças.

Por tudo isto, ouvir o que se passou com o jovem aqui abaixo, imaginar o que a mãe sofreu quando pensou que o ia perder ou quando temeu as lesões com que ficaria -- e vê-los  agora juntos, a cantar com uma sentida emoção, emociona-me também a mim. Cantam muito bem e percebe-se como ambos estão agradecidos. São momentos felizes que sabe bem ver.

Sharon e Brandon sob uma chuva de estrelas

domingo, fevereiro 24, 2019

In heaven, sem gravidade




Tenho trabalhado muito. Ao fim de semana, trabalho pesado. Serrar, arrastar troncos. Durante a semana, dose pesada para além de sol a sol. Sem parar. Na sexta-feira cheguei a casa muito tarde. Adormeci de um sono pesado logo depois. Este sábado aqui, in heaven, dormi durante uma hora a seguir ao almoço. Depois foi de novo trabalho pesado, até à noite. 

Entre muitas outras coisas, o meu marido abateu um pinheiro grande. Estava muito junto a outro e, face à legislação, achámos melhor não arriscar. Além do mais, apesar de alto, estava franzino. Presumo que o outro, agora livre de concorrência, se desenvolva mais. Resisti muito a esta decisão que, no íntimo, considero um pouco criminosa. Tenho muito respeito por árvores. Mais do que respeito, tenho veneração. Mas neste caso tento convencer-me que foi uma boa decisão. 


Para quem não esteja bem a ver uma operação deste tipo, talvez não seja óbvio perceber o risco que comporta. Pelo tamanho, estava fora de questão cortá-lo directamente pela base. Ao cair destruiria muita coisa. Então, o meu marido atou uma corda de nylon bem forte à parte de cima, que ia ser cortada, e eu fui para bem longe segurar a corda. Encostou, então, a escada ao tronco e serrou o tronco. Não foi nada fácil porque cortou bem alto e não é fácil serrar um tronco grosso com o braço esticado ao alto. Entretanto, eu estava a puxar, com toda a força, para garantir que não caía para cima dele. Quando cortou completamente, empurrou e eu dei um puxão com toda a força e o grande tronco despenhou-se lá de cima, tombando com grande fragor na terra. Preparava-me eu para soltar a corda quando o ouvi gritar por ajuda: Rápido!, gritava ele. Olhei e só não desatei a rir porque não sabia como é que aquilo ia acabar. Com a força da queda do tronco, a escada tinha-se soltado e ele estava lá em cima abraçado à árvore e com um pé a prender a escada. Fui a correr mas, como estava muito longe e com arbustos pelo meio, ainda demorei um bocado. E ele, lá de cima: 'Rápido!. Quando cheguei ao pé, nem percebi como é que ele conseguiu segurar-se. Lá encostei a escada ao tronco e lá ele desceu. Depois cortou o grande tronco, que ainda teria uns três metros, pela base.

Há bocado, aqui no sofá, ainda nos rimos com a figura dele abraçado à árvore, lá em cima. Um Tarzan. Só tive pena de não ter fotografado. Quando ele estava a gritar 'rápido!' eu deveria ter tido: 'aguenta que eu vou buscar a máquina para captar o momento para a posteridade e, olha, quando eu apontar, diz o teu melhor cheeeeeseeee''.  Mas, pronto, fui boazinha.

Enfim. Peripécias da vida no campo. Felizmente, até ver, sempre sem gravidade.


E a gente limpa e limpa e limpa as árvores e elas crescem, crescem, crescem, a aparecem rebentos por todo o lado. Não se dá conta. Que milagre é este é coisa que não se percebe. Como é que esta fina camada de terra pedregosa assente em rocha consegue alimentar todas estas árvores, arbustos, flores e musgos é fenómeno para o qual a minha mente não encontra explicação.

Ao anoitecer, enquanto arrastávamos o resultado das podas, enormes e infinitos ramos de cedros e de pinheiros e de aroeiras, ouvia-se o canto dos pássaros. É fantástico como gostam tanto de cantar ao cair da noite. Imagino que algumas drogas produzam um efeito semelhante ao que sinto em momentos assim, quando estou num contacto tão íntimo com a natureza, caminhando no crepúsculo, aspirando o ar limpo e perfumado: uma felicidade agradecida, uma paz imensa.

Felizmente o jantar foi o resto do almoço, não deu trabalho. A seguir ao jantar, fiquei, outra vez, cheia de sono. E o domingo vai outra vez ser um dia de trabalhos. E a semana, idem.


Felizmente aproxima-se uma semana que vai ter um feriado e, só de pensar nisso, já me parece que vai ser mais fácil de aguentar até lá. 

Este domingo o meu marido levantar-se-á bem cedo como é seu costume e irá fazer o seu passeio matinal, certamente entre as penumbras e os orvalhos, verá cores e ouvirá sons que eu, a dormir, não saborearei. Depois dir-me-á que não sei o que perco. Sei, sei. Mas prefiro estar aqui, agora, a usar a noite para escrever e, portanto, quando ele madrugar, estarei eu a sonhar sonhos bons. Depois irá queimar todo aquele imenso amontoado que juntámos. E eu, quando me levantar, também tenho muitos trabalhos para fazer lá fora. 

E cá dentro também. Tenho que varrer e limpar a casa, lavar as casas de banho, limpar a cozinha. Devia varrer lá fora mas não vou ter tempo, fica para outra vez. 

E hoje não peguei no tapete de arraiolos e, quando peguei no Escritor Fracassado, apesar de estar a gostar bastante, ao fim de umas quantas páginas, estava a dormir. É o lado que me custa desta vida de trabalho que anda a deixar-me pouco tempo para o lazer.

Mas c'est la vie. E está bem assim.


[As fotografias foram feitas este sábado in heaven; e, lá em cima, é Natalie Merchant com Verdi Cries]

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E, a propósito de 'sem gravidade ', tenho aqui um vídeo fantástico. Há algum tempo que mal vejo os mails. Não tenho podido. Mas há bocado estive a ver uma série deles, alguns com mais de uma ou duas semanas. Os meus Leitores a quem estou a dever respostas não se zanguem: não é falta de interesse. Acreditem que é falta de tempo mesmo. Ainda não respondi mas já os li a todos. Um continha este vídeo que agora partilho convosco. Algumas imagens são de Portugal. Vejam porque é mesmo extraordinário. E eu, que vou daqui para a cama, só espero sonhar que sou eu que ali vou. 

E muito obrigada ao Leitor que mo enviou pela permanente simpatia e generosidade.

Gravity is Overrated | Weightless


[Sem gravidade -- só a alegria de voar sobre a beleza dos lugares]


A todos desejo um feliz dia de domingo.

Do U Love Me? perguntam eles, um ao outro.
If You Fall, I Will Catch You, prometem eles, um ao outro.
Esta é a
Love Story entre Sergei Polunin e Natalia Osipova, um dos mais talentosos casais do mundo da dança.



Sergei Polunin é ucraniano e tem 29 anos. É visita assídua no Um Jeito Manso. Natalia Osipova é russa, tem 32 anos e também é sempre aqui muito bem vinda. 

São ambos extraordinários e mostram que é bem verdade aquilo de que les beaux esprits se rencontrent. A química entre eles é evidente: brincam, divertem-se, enleiam-se, provocam-se, seduzem-se. E se isso é tão evidente enquanto dançam não estranhamos quando sabemos que, na vida real, são também um enamorado casal.


É vê-los e testemunhar como é bom o amor. Inspira-nos, motiva-nos, dá-nos força, faz-nos voar. 
Claro que para uns isso é totalmente literal. Para outros é, pelo menos em parte, metafórico mas, se pensarmos bem, realidade e ficção, significado e metáfora, verso e reverso não vai tudo dar ao mesmo? Ou quase? 
E, se não for isso, também não faz mal nem sequer interessa. Bom mesmo é ver estes dois a dançar.

Gostas de mim?


Se caíres, segurar-te-ei



Uma história de amor

....

E que vivam felizes para sempre.

sábado, fevereiro 23, 2019

E os vencedores dos Oscares são...


E tanto, tanto cinema que vi. E o que eu gostava (e precisava) de ir ao cinema. E os bons filmes que vi. 

E o que me custa escrever no passado.

Ir ao cinema perdeu parte da magia. Gente bruta que vai ver cinema carregada com baldes de pipocas e coca-cola, gente que mandibula e rumina quando deveria estar em silêncio, o cheiro do cinema que era uma mistura agradável de perfumes e onde agora predomina o cheiro doce do milho frito -- tudo me afasta de lá.

A própria indústria do cinema produz maioritariamente lixo e em cada dez filmes se há um ou dois que se aproveitam é muito. Mas, ainda assim, cinema é cinema tal como magia é magia e os que dão corpo à magia que é o cinema merecem toda a minha estima.

As mais memoráveis vitórias nos Oscares


From Sally Field's "you like me" speech in 1984 to Alfred Hitchcock's minimalist delivery in 1967, Vulture editors take a look back at some of the most unforgettable moments in Oscar history.


sexta-feira, fevereiro 22, 2019

Pensamentos de uma mulher míope




O que se passa é que da actualidade política portuguesa nada tenho a dizer. A nível internacional também. Mas sei que é preguiça minha, indiferença. Não é que falte assunto, a mim é que falta a vontade de assuntar.

Poderia achar que não é só coisa minha, desculpar-me, esconder-me atrás da abstracção. Ou dizer que vivemos tempos de spleen. Mas talvez não seja correcto, spleen não. Talvez mesmo tédio, que não é a mesma coisa que spleen.

Mas talvez isso de não haver nada de relevante -- ou de, pelo menos eu, não ver nada que me me desperte entusiasmo -- seja verdade apenas numa visão macro. Quando se vê de longe, os contornos esbatem-se, as imperfeições perdem relevância ou tornam-se invisíveis. De perto, aparecem os poros, os capilares, os folículos. Conduzindo na cidade, vendo-se os sorridentes e saudáveis passeantes, as árvores a verdejarem, o ar da tarde a amornar, a luz do dia a avançar pela noite adentro, tudo parece feliz e perfeito. As pequenas dores de cada um não se vêem pelo lado de fora.


No outro dia, uma conhecida teve um problema de saúde, um acidente daqueles que tanto temo e que acontecem quando menos se espera. Mais nova que eu, sem problemas que fizessem suspeitar o que estava para vir. Contou-me em pormenor, talvez porque percebeu o meu interesse. Acordou e percebeu o que estava a acontecer. Percebia que não estava a falar bem, que as frases lhe saíam distorcidas, mas não conseguia endireitá-las. Já no hospital, percebia que as pessoas olhavam para ela com alguma perplexidade e apreensão e percebia que havia motivos para isso mas o mundo circulava em torno de si como uma realidade vaga. Metade do corpo estava morto. Via que lhe picavam a mão, o pé, mas não sentia nada. Não ficou em pânico pois parecia que tinha entrado num outro comprimento de onda. Assusto-me enquanto ouço. Penso: é a valsa lenta. De profundis. Ela diz-me: não podemos dizer que estamos bem -- num momento estamos, no momento seguinte deixamos de estar, toda a nossa vida muda. Ao fim de poucos dias parece que está recuperada. Quem a veja não se apercebe de nada. Mas ela sabe que é outra. Sente-se outra. Ouço-a e sinto quase o que ela sente. Poderia dizer que tenho pena mas não é pena, é empatia, é perceber bem o que ela sente, é perceber que podia ser eu.


Também por estes dias, uma conversa a dois com um jovem. Trabalho, contratempos, obstáculos. Ouço-o, digo-lhe o que espero dele, ele fala, enquadra alguns temas para que eu melhor perceba as suas dificuldades, ouço-o, combinamos como fazer para ultrapassar os constrangimentos. No fim, pergunto-lhe pela mãe. Ele conta-me. Conta-me como foi tão inesperado. Relembra a conversa que tínhamos tido na véspera, eu e ele, os planos dele para resolver a situação, eu a contar a experiência com o meu pai mas a não querer que ele pensasse que tinha que ser esse o percurso, que o pai dele se calhar ia recuperar. Afinal, aconteceu o pior. Ouço-o. Sorri ao de leve para disfarçar o desgosto. Quem não saiba, não desconfiará do que se passou nem do que se passa dentro dele. Mas eu sei. E sinto que hoje é ele, amanhã sou eu, somos nós. Nenhum de nós é invulnerável. Não percebo como é que há gente arrogante.


E outra coisa. Uma pessoa simpática, prestável, sempre sorridente, muito eficiente, sempre pronta a resolver tudo, sempre disponível, genuinamente simpática. E, de repente, descobre-se o impensável: mau carácter, má, pérfida, falsa. Deu um passo em falso e desmascarou-se. E eu e toda a gente ficámos de queixo caído: como é possível? Como nos enganámos todos durante todo o tempo? Como nos enganámos tanto? Como foi possível que uma coisa assim fosse tão invisível? 

Tudo sempre tão intangível, tão impossível de ver a olho nu. 

Por vezes penso que é bom ser como sou, míope, ter do mundo uma visão impressionista. Por vezes não, quase sempre.

Melhor seguir no carro, janela aberta, a música a sair da rádio, olhar en passant, sem prestar atenção aos pormenores, sonhando com coisa boa, o mundo sem defeito, tudo na maior perfeição.


Tirando isso, nada. A lua tem estado grande e branca e luminosa e eu queria fotografar e, afinal, esqueci-me. Daqui a nada começa a perder o viço e eu nisto. Podia ir agora à janela ver se ainda está debruçada no espelho das águas do rio. Mas tenho preguiça. Ando assim, querendo apenas que a serenidade não escorra da minha pele, que continue a proteger-me. 

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Estive a ver aqueles vídeos que mostram gente tranquila que vive com vagar, gente que mudou de vida, que respira paz, que se rodeia de arte, de beleza. Gosto de ver. Talvez pense que deve ser bom viver assim. Talvez pense mesmo.

[Não se esqueçam de activar as legendas no vídeo  -- isto, claro, se não compreenderem a língua]

厭倦了和名人打交道的日子,他搬到山中獨居


[Cansado de lidar com celebridades, ele mudou-se para as montanhas, sozinho]


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As imagens que acompanham o texto são composições digitais de Phonsay Phothisomphane e vêm ao som de I found you pelos Ag Silver

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa sexta-feira.
Saúde e alegria

quinta-feira, fevereiro 21, 2019

Por acaso, até acho que o dito Enfermeiro Carlos Ramalho estava mesmo a precisar de fazer dieta



Pena mesmo é ele não ter pena das pessoas que precisavam de uma cirurgia e que, por causa da greve da mão ensanguentada, ainda estão em sofrimento, à espera de vez. Ou pena das crianças que estavam em jejum e que, por causa da greve, tiveram que esperar muitas horas ou que foram enviadas para casa, sem cirurgia. Pena mesmo é ele não ter pena dos doentes que têm estado a ser sacrificados, que podem morrer ou ter morrido porque não foram operados a tempo.

É que, eu, de todas as vítimas da greve gananciosa e sectária dos enfermeiros tenho pena. Das vítimas. Dos enfermeiros que querem aumentos de 400 euros, que querem ganhar mais no SNS do que ganham no privado, que, estando em greves que podem matar ou fazer sofrer ainda mais os doentes, recebem tanto (ou mais?) do que quando estão a trabalhar, deles eu não tenho pena. Não tenho mesmo. E se tinham razão para protestar (e acredito que tinham - quem não tem?) perderam-na completamente quando assumiram, com a maior displicência, que podia acontecer que, por causa da sua greve, algumas pessoas pudessem morrer. Perderam-na quando se esqueceram da razão da sua profissão (relembro: cuidar dos doentes), sobrepondo o seu interesse egoísta ao zelo pela saúde e pela vida dos doentes a seu cargo.

Portanto, por mim, o dito Carlos Ramalho -- que até tem peso a mais -- bem pode jejuar à vontade.

quarta-feira, fevereiro 20, 2019

Lagerfeld






Não sou dada a obituários, epitáfios ou adágios. Dito assim até parece tolice pois a beleza estética pode sobrepor-se ao sofrimento que, supostamente, lhes esteve subjacente e eu, escusaria de me repetir, prezo bastante a estética da beleza. Mas a verdade é que prefiro celebrar a vida a entregar-me a despedidas. 


Mas tantas vezes Lagerfeld aqui me fez companhia, tantas vezes o seu traço se estampou nas peças Chanel que aqui trouxe que hoje não poderia deixar de o ter aqui comigo. Há pessoas cuja obra transcende a sua própria vida e Karl Lagerfeld com os seus pecadilhos (como, por exemplo, o da fuga ao fisco), sendo ele mesmo um personagem icónico (aka Logofeld), deixou uma obra tão magnífica que lhe sobreviverá por muitos e bons anos.


Não foi só a moda -- mas, a moda, senhores, que imensas, belíssimas, intemporárias e diversas peças ele concebeu!

Mas foi também a fotografia. Um equilíbrio sempre tão perfeito entre a subtileza e a sensualidade, entre o claro e o escuro, entre o clássico e o contemporâneo.


E as suas histórias, vídeos criados e realizados por ele. A fantasia e a elegância suspensas no tempo.


E as suas casas. Obras de arte. O apartamento de Paris, a maravilhosa casa de Hamburgo rodeada de verde.

Olha-se e pensa-se: que exagero. Mas é um exagero tão elegante, tão bonito.


E os livros. Milhares de livros. Li: trezentos mil livros. Duas bibliotecas imensas. Vi fotografias: uma loucura. Lagerfeld dizia que apenas tinha um vício: o dos livros. Sucumbia ao vício dos livros. Dizia que um dos melhores perfumes é o de livros acabados de fazer.


Era também dono da 7L, uma livraria em Paris, e de uma editora dedicadas à arquitectura, à fotografia, à arte em geral.

Mas a moda... Fosse couture, haute couture, fosse streetwear, fosse quase prêt-a-porter, todas as suas criações resultavam sempre perfeitas, sempre fascinantes. 


E os seus desfiles! Sempre um acontecimento, sempre uma total surpresa. Um criativo absoluto. Tendo sabido manter o classicismo, a irreverência e o look de mulher independente, Lagerfeld conseguiu aliar a matriz original da fundadora, Coco Chanel, ao permanente devir do air du temps. 

Como bem é sabido por todos quantos por aqui me acompanham, sou grande admiradora dos produtos Chanel. Posso não ter poder de compra para poder fazer o gosto ao dedo mas olhar e admirar não custa dinheiro.


Mas Lagerfeld era também um homem que se impunha pela indiferença à opinião alheia sobre si próprio, alguém que, depois de perder o amor da sua vida, se habituou à vida a sós com a sua muito amada Choupette.


A fama da sua língua afiada vinha de longe e há inúmeras frases que lhe são atribuídas. Escolhi algumas para aqui colocar mas há dezenas, algumas bem divertidas.

Ser feliz?
Não, não sou tão ambicioso.

Gosto de saber, saber tudo. Estar informado.
Sou uma espécie de porteira universal, não um intelectual.

A juventude é um clube em que todos os membros serão excluídos,
um dia ou outro

A personalidade começa onde acaba a comparação

Mort de Karl Lagerfeld : icône pop et planétaire



Forever