Hoje adormeço a cada palavra. Se calhar não devia estar aqui. Leio um pouco, adormeço. Olho a televisão, adormeço. O dia foi duro e o pior não foi a dureza em si mas a escassez de tempo e o aparecerem-me pessoas daquelas que não se calam e que aparecem para falar de inutilidades que me deixam nervosa porque não sou capaz de dizer: mas o que é que eu tenho a ver com isso? Mas não, fico calada, na volta ainda parece que estou a prestar atenção. E a ver que já é tarde e que tenho coisas para aprovar e mails que têm que ser respondidos e aparecem-me mais mails a pedir resposta, e eu cada vez mais enervada. Preciso de ir à casa de banho mas nem vou para não perder tempo.
Avisam-me: dia de lanche, dia de reis. Não posso, não estarei, estarei noutra.
E ainda uma reunião. Descontextualizada, inútil. À volta da mesa quase todos pensamos que é absurdo estarmos ali. Então alguns gracejam, outros maliciam, rimo-nos. De vez em quando, alguém fala a sério. Também falei a sério e disse que havia ali um conjunto de equívocos. E, entretanto, pensava: mas o que é que eu estou aqui a fazer? O que é que eu tenho a ver com isto? Mas silencio essa voz que não me leva a lado nenhum.
Saio a correr. Quero almoçar num sítio tranquilo, quero passear no jardim. Podia não ter estado naquele enervamento e ficar a trabalhar pela hora de almoço adentro. Mas preciso de apanhar ar. Não consigo passar o dia inteiro fechada, a trabalhar. E, de vez em quando, o meu corpo pede verde, canto de pássaros, ar fresco, nevoeiro na pele.
Almoço bom, conversa, livrarias, lagos, árvores.
Mas logo a seguir, nova correria. Maçadas, problemas, reuniões, telefonemas, mails, mais aprovações, mais atropelos, mais canseiras. E, num canto de mim, uma voz: o que é que eu tenho a ver com isto? Mas a voz fica a falar sozinha e eu prossigo.
Quando saio, à noite, venho devagar. Penso que, em casa, lerei mails que não tive tempo de ler durante a tarde, acabarei um contrato. Então, escuto. Paro. Há música na noite fria. Vejo por uma janela: uma jovem de cabelos compridos toca violino. A melodia atravessa a noite. Por uns instantes fico em suspenso a ouvir. Penso: a minha ocupação podia ser esta, percorrer os caminhos da noite para descobrir os lugares de onde se desprende a música de um violino.
Depois viagem para casa, a cidade serena, anoitecida.
Há bocado escrevi um post sobre o violino de Joe e gostei de o escrever porque o filme é muito bonito, porque gostei de o ver e ouvir, porque me soube bem estar a escrever enquanto ouvia Schubert. Estou no sofá que tem uma cobertura em veludo azul escuro. Tenho vestidas umas calças fininhas e, quando acabei de escrever, senti frio, tapei as pernas com a mantinha de veludo fininho azul turquesa (ou azul esmeralda?) que recebi pelo natal. Adormeci logo. Esta mantinha é tão leve, tão macia, tão quentinha que mal me tapo com ela, mesmo que só as pernas, sinto um tal conforto que o sono me pega logo nos braços.
Agora passeei pelo youtube. Estava com vontade de ver bailados. Em vez de ir para a cama estou a ver pessoas que voam. Partilho convosco: uma mulher sorri, voa. A seguir a mesma mulher mostra o seu avesso, as suas dores, os seus sacrifícios. A bon entendeur, salut.
Lauren Lovette, bailarina do New York City Ballet
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As imagens que usei no post mostram o Cirque du Soleil
Lá em cima Julia Fischer interpreta Sarabande da segunga Partita de Bach
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E permitam que vos peça para não deixarem de descer até ao post seguinte pois contém um filme muito bonito: O violino de Joe.
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