terça-feira, agosto 27, 2019

Como se identifica um narcisista?
O caso de Trump. E os outros narcisistas entre nós.


O mundo tem pasmado com as atitudes narcisísticas de Trump e com o perigo que comportam.

Segundo Trump, tudo o que se relaciona com ele é fantástico, tudo o que faz é do melhor que o mundo já viu, todas as pessoas gostam dele, todas as pessoas querem lidar com ele porque ele é o maior. É o centro do mundo, o rei dos judeus, o escolhido, o descendente de deus na terra -- e isto não é anedota, é mesmo verdade. Em contrapartida, se alguém o contraria, ele zanga-se, amua, irrita-se, despede liminarmente e, de seguida, exerce a malediência activa nas redes sociais. Não sabe lidar com o sentimento de rejeição.

O Dr. Lance Dodes, um reputado psiquiatra americano, professor em Harvard e membro de conceituados organismos que se dedicam ao estudo das disfunções psicológicas e à psicanálise, traça o retrato de Trump. É muito interessante o que ele diz e convido-vos a verem o vídeo que abaixo partilho. Como todos os narcisisistas, Trump adora-se. E, quem estuda a sua personalidade, idenfica-o como vazio, egoísta, manipulador, alguém a quem tudo serve para se auto-promover. 

Kim Jong-un é outro que tal. Porque pode e porque a cultura coreana o propicia, ele estimula o culto exacerbado da sua própria personalidade, fazendo com que os outros o aplaudam e o mostrem que o amam. Em contrapartida, ofende-se e rejeita, por vezes até à morte, aqueles que não se curvam perante ele.

Como qualquer narcisista, Trump tem sempre a palavra amor na boca. Ele ama os americanos, ele quer fazer a América grande outra vez. Os narcisistas dizem que amam os outros, sabem convencer os outros que não haverá quem melhor os proteja, os acarinhe, os ame, sabem ser simpáticos. Contudo, todos os estudos comprovam que, na realidade, querem apenas que os outros se sintam amados para retribuirem esse amor. O foco deles, mesmo quando simulam o contrário, é sentirem-se alvo de atenção, merecedores de agradecimento e admiração.

Para um narcisista, qualquer ocasião é boa para falarem de si próprios: dos seus feitos -- e, mesmo que sejam feitos insignificantes, eles relatam-nos como se fossem feitos extraordinários --, das sua recordações, das sua opiniões que, em regra, são vagas, primárias, irrelevantes mas que apresentam de forma exultante como se fosse importante que toda a gente as conheça. Perante qualquer situação, arranjam maneira de auto-referenciarem o tema e, se possível, de se autovalorizarem. Por exemplo, mesmo que estejam a ouvir um assunto pela primeira vez, imediatamente começam a explicar o que acabaram de ouvir a quem está junto a si, como se os outros fossem intelectualmente inferiores e precisassem das suas explicações.

Acompanham com curiosidade quase ansiosa o que se diz nas redes sociais querendo perceber como se posicionam, que novidades há ou se alguém falou de si. Poucos ou nenhuns livros lêem e são, na verdade, geralmente incultos, limitando-se a dissertar, com eloquência e simulando erudição, o que vão apanhando nas redes sociais. E estão sempre presentes, twitando, postando se for o caso, enviando mensagens ou telefonando, telefonando, telefonando. E gostam de falar em voz alta para que todos percebam como é importante e como são importantes os assuntos de que se ocupa. Estão sempre ligados. Aparentemente estão a mostrar a sua atenção junto dos outros: de facto, estão apenas a garantir que a atenção dos outros está virada sobre si.

Com o tempo, não conseguem esconder que não sentem apreço pelos amigos dos que lhe são próximos, levando a que estes apenas convivam sobretudo com o seu próprio círculo, um círculo que aparentemente o endeusa, o que serve para exibir o quanto é apreciado.

São, pois, quase incapazes de se relacionar com os amigos dos outros, especialmente se esses amigos dos outros forem indiferentes ao seu 'brilho'. Se necessário for, forjarão compromissos ou doenças para se esquivarem ao relacionamento com eles. A questão é que não têm paciência para estar num espaço em que não são o centro das atenções. Não conseguem mostrar interesse pelos outros a menos que consigam reverter a conversa a seu favor. Se isso não é possível, então, o que é que lá vão fazer? Por isso, não vão. Ou, se forem, arranjarão maneira de se pôrem de lado. O mundo dos outros não lhes interessa.

Mas, de facto, tendem também a vitimizar-se: qualquer pessoa que os contrarie fá-los sentir miseráveis e veêm esses ingratos como gente perversa que quer o seu mal, que quer deliberadmente menorizá-los -- procurando, de seguida, a solidariedade e compaixão dos que lhe estão próximos, para que fique claro que o problema está nos maus, não neles.

E irritam-se, por vezes com agressividade: não toleram ser interrompidos, não gostam de ser contrariados, não gostam que não lhes condescedam todo o espaço e atenção a que se acham com direito. Quando confrontados, desculpar-se-ão com o stress, com o nervosismo pela incompreensão alheia, ficarão ainda sentidos por não terem compreendido as suas reacções agressivas.. 

É dos livros que gente assim é tóxica e, por vezes, perigosa.

O vazio que os habita, a forma persistente como o disfarçam, a atenção que exigem e o pouco que, de facto, oferecem em troca, esvazia os outros. Os narcisistas sentem-se com direito a tudo: a serem tratados como especiais, a terem quem os sirva, a terem quem os ouça, a terem quem os acompanhe, a terem quem os console, compreenda em tudo, os apaparique -- isto apesar de eles pouco ou nada darem em troca. E, se os outros não o fazem, então, voltam a vitimizar-se ou a amuar ou, se têm poder para isso, a reagirem violentamente, afastando quem não os venerou. Contudo, se receiam que os outros percebam o que são, logo disfarçam e, em novo passe de mágica, voltam a ser atenciosos, amorosos, prestáveis. E mais um novo ciclo se abrirá, num percurso cada vez mais desgastante.

A Dr. Ramani Durvasula é uma conhecida psicóloga clínica, especializada em narcisismo, e que tem feito carreira também como comunicadora nesta área. Há inúmeros vídeos com conferências e entrevistas onde explica  o que é um narcisista, o mal que faz aos outros.

Um narcisista não conversa no sentido em que não quer saber dos outros, não procura as opiniões dos outros, não tem paciência ou curiosidade para os ouvir, ele quer apenas que o ouçam a ele. Um narcisista não tem empatia. É uma das suas características: ignora os sentimentos dos outros. Pode fingir que sim mas logo se percebe que não está nem aí. Pior: um narcisista não muda, nunca muda. Pode iludir temporariamente quem convive com ele, pode até criar a ilusão de ser pessoa para desenvolver sólidas amizades ou interessantes casos amorosos, mas, ao fim de algum tempo, percebe-se que apenas duram enquanto lhe são úteis ou enquanto lhe prestam toda a atenção que requer. Ao fim de algum tempo, a sua doentia personalidade fica evidente.

E o melhor é as pessoas afastarem-se antes que seja tarde demais, antes que fiquem com o seu amor próprio e a sua própria consistência psicológica abalada.

Get away, get out -- é o conselho que os especialistas dão a quem convive com um narcisista. Afastar-se dele antes que seja tarde demais. Contudo, o afastamento pode não ser coisa simples  e alguns cuidados deverão ser acautelados (ver How do you break up with a narcissist?)

Tenho lidado de perto com algumas pessoas assim.

Trabalhei directamente com um. Em qualquer circunstância, fosse numa reunião ou num almoço, mesmo que o motivo do encontro fosse outro, ele monopolizava a conversa junto dos que o rodeavam e  falava sem parar: relatava os seus feitos, desfiava memórias, opinava sober tudo, sem querer saber do que os outros pensavam. Esgotava quem lidava de perto com ele. Quando eu saía de perto dele vinha anestesiada, esvaziada. Muitas vezes pensei que não aguentaria muito mais, muitas vezes pensei que devia apresentar a demissão. 

Ler aqui
Infelizmente, não foi o único que conheci de perto.

Gente assim, geralmente começa por cativar mas, ao fim de algum tempo, já começa por surpreender, depois desiludir, depois por cansar e, se as pessoas não se afastam a tempo, acabam por corroer a personalidade e a estabilidade emocional de quem os rodeia.

Dizem os experts que, quando a nível pessoal, os narcisistas geralmente começam por se mostrar encantadores, sabem ser sedutores, sabem fazer com que o outro se sinta especial, fazem com que o outro sinta que, finalmente, encontrou quem o trata bem e quem reconhece o seu valor. Ou seja, ardilosamente, fazem com que a 'vítima' se sinta em dívida pelo suporte que encontraram nele.

Mas é uma questão de tempo. Aos poucos, vão anulando os outros. Se isto se passa a nível amoroso, destroem qualquer relacionamento e a única solução possível para quem lhe saíu um narcisista na rifa, é rifarem-no o mais rapidamente possível.

Em ambiente profissional é também muito mau A única solução possível para quem não tenha fortuna pessoal ou outro emprego na forja, é aguentar, encontrar resiliência, e esperar: um narcisista invariavelmente, com o tempo, cansa-se de onde está (porque chega a um ponto em que os outros lhe viram costas e eles só vivem rodeados de quem os admire, indo, pois, reiniciar o seu exercício de sedução para outra freguesia) e, portanto, mais tarde ou mais cedo, as pessoas que, profissionalmente, tiveram que se sujeitar a suportar a sua existência acabam por se ver livres deles.

Agora, ainda mais grave, muito, muito mais grave (porque muito mais extenso o âmbito dos danos que causam), é quando um psicopata destes está à frente de um país. Aí, a única solução é pensar com a cabeça, é avaliar bem a razoabilidade do que fazem e dizem, é denunciar as suas fanfarronadas, ou, se inócuas. é ignorá-los e, na primeira ocasião, correr com eles. Se não puserem pé em ramo verde que seja motivo para serem legalemente corridos, então que, nas eleições, o ajuste de contas seja feito.

Mas vejam, por favor, os interessantes vídeos que hoje o YouTube tinha para mim, talvez por eu ter estado a ler sobre o comportamento do Trump naquilo da Gronelândia e na forma absurda como lida com o Irão, com a China e, de facto, com tudo:

Psychiatrist On ‘The Essential Emptiness Of President Donald Trump’ 

| The Last Word | MSNBC

Dr. Lance Dodes, one of the first mental health professionals who questioned Donald Trump's stability, discusses with Lawrence O'Donnell how Trump has devolved since the beginning of his presidency.


E para perceber a diferença entre um parvo, um simples parvo, e um narcisista doentio de quem se deve evitar estar por perto:

Jerk or Narcissist: What's the Difference?  | Dr. Ramani Durvasula


We all have those difficult people in our lives. But did you know that the boss who never has a nice word to say, or the family member who always puts you down could actually be a narcissist ? Learn what red flags to watch out for in this video. 

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E talvez até já.

4 comentários:

Anónimo disse...

Trump é tão obviamente narcisista, de características tão manifestamente baixas, tão espampanantemente egoísta e obcecado consigo próprio, que qualquer tentativa de análise científico-psiquiátrica parece quase ridícula perante o óbvio da sua perturbação.
Um abraço,
JV

CCF disse...

Analisá-lo desse modo até parece humanizá-lo. De facto para os narcisistas ainda consigo pensar na hipótese de ajuda psiquiátrica, para os déspotas não. Mas isto é apenas porque com a doença mental ainda consigo ter empatia...coisa que não consigo minimamente sentir por Trump.
~CC~

Um Jeito Manso disse...

Olá JV

Começo por me desculpar por ter andado sem responder a comentários. Tenho andado com menos tempo do que é costume. Agora com família em casa, não dá para me agarrar ao computador senão quando todos se deitam.

E tem razão, o Trump é daqueles casos exacerbados que furam todas as escalas. É um narcisista em tal grau que não se vê como lidar com tal animal sem o enfiar numa camisa de sete varas, injectá-lo com tranquilizantes, degredá-lo para onde ele não tenha quem o ouça.

Mas, sabe, ainda há cerca de 30& de votantes que supostamente ainda o apoia. Burros? Distraídos? É que, em termos percentuais, a malta do armamento, por exemplo, não deve chegar a númers tão altos.

Coisas misteriosas, é o que lhe digo.

Abraço, JV, e uma bela quinta-feira.

Um Jeito Manso disse...

Olá ~CC~

Os narcisistas, em geral, não se aguentam. Nenhum. São parvos, falam sem parar não apenas do que sabem mas, também, do que não sabem, dizendo as maiores parvoíces como se estivessem a a falar com conheciento de causa, não falam de outra coisa senão deles próprios. Dá vontade de os mandar calar, de os mandar dar meia volta e desandarem. Agora imagine-se isto a um nível exponencial e com um enorme poder nas mãos. Déspota, pois. Déspota e ridículo. O que ele faz e diz, a forma inconstante e irresponsável como desestabiliza o mundo, são de deixar qualquer um muito preocupado.

Gostei imenso do seu look lá na sua rua. Está de parabéns, menina.

Abraço!