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segunda-feira, março 28, 2022

Em noite de Oscares, memórias de outros tempos e vídeos muito esclarecedores nomeadamente aquele em que se fala de uma certa ponte dourada.
A vida é múltipla, incoerente e misteriosa.

 



Um dos meus professores de História era o Reitor, um bacano, um bon vivant. Baldava-se à grande e à francesa às aulas. Aquilo não tinha seguimento. Nunca se percebia que matéria estava a dar, se é que estava a dar alguma. Num dos testes deu-me uma nota fraca que não compreendi. Pensava que tinha as respostas certas. Nunca fui de me ficar quando penso que tenho razão. Tentei falar com ele no liceu, tentei, tentei, mas não consegui. Como sabia onde morava, não fui de modas: fui a casa dele. Não me recordo exactamente dos pormenores mas o que me ficou é que ficou muito atrapalhado e surpreendido por lhe ter aparecido em casa. Lembro-me também que confessou que, na realidade, não tinha tido tempo para ler os testes com atenção. Disse que ia rever. Mas deve ter-se esquecido. Não reviu e tive uma nota abaixo da que me pareceria justa. Aquilo deixou-me arreliada, injustiçada. Tudo naquela disciplina, pela forma como era data, me soava a pouca coisa. Cheguei ao fim do ano com a sensação que não tinha aprendido nada.

Outra professora que tive a História era um desastre. Era muito enfática, teatralizava o que dizia mas tinha um problema: parecia que engolia ar a mais e ficava com a voz transtornada como se precisasse de dar um grande arroto. Como não o dava, ficava a disfarçar a aerofagia enquanto falava. Já antecipávamos quando aquilo ia acontecer, e acontecia várias vezes em cada aula. Aquilo dava-me uma terrível vontade de rir. De vez em quando tinha brutais ataques de riso que mal conseguia controlar.

Um desses ataques mais complicados aconteceu num dia de teste. Já o devo ter aqui contado. Apesar de ser aluna mediana a História, à minha volta havia quem soubesse ainda menos. Eu deixava copiar tudo. As mesas ('carteiras') eram individuais, em filas. A rapariga que estava na fila ao lado da minha era minha grande amiga e, naquele dia, estava mesmo atrapalhada. Perguntava-me e eu tentava bichanar-lhe a resposta mas ela não percebia. Fez-me sinal para eu escrever. Para além da folha de ponto, folha própria, eu tinha uma folha de apoio, como se fosse para me servir de rascunho. A professora estava desconfiada e eu não sou grande coisa a disfarçar o que quer que seja. Escrevi a resposta na folha de rascunho, meio às escondidas, sempre pronta para esconder a folha debaixo da folha de teste, e, mal apanhei a professora distraída, passei-lhe a folha. A professora sempre de olho. Então, quando vou continuar a fazer o teste, cai-me tudo: na atrapalhação, despassarada como sou, tinha-lhe dado a minha folha de teste e tinha ficado apenas com a folha de rascunho que continha apenas a resposta a uma pergunta. Quando recebeu o meu teste, a minha amiga olhou para mim espantada, assustada. E eu, ao ver o que tinha feito, desatei a rir. A professora perguntou-me o que se passava e eu, entre o assustado e o divertida, disse que não era nada -- mas cada vez me ria mais. A outra cheia de medo, sem saber o que fazer, com o meu teste nas mãos e eu, em vez de estar sóbria, para a professora deixar de olhar para mim, naquele despreparo. Às tantas, a professora já me perguntava se eu queria ser posta na rua. E eu a chorar a rir. A outra já em pânico e a professora intrigada, desconfiada, a julgar que eu estava a rir dela. Fiz um esforço enorme, pensando que se não conseguisse recuperar o teste, no fim estaria em maus lençóis. Ao fim de um bocado, lá consegui que a professora desviasse os olhos e a outra lá conseguiu restituir-me o teste. Devo ter tido uma nota meio da treta, pois não devo ter conseguido acabar. Não me lembro. Só me lembro do ataque de riso. Ainda hoje, enquanto escrevo isto, me rio.

Tive uma outra professora, uma já com uma certa idade, que usava umas roupinhas muito curiosas. Lembro-me de um vestido justinho de malha que lhe ficava deveras bizarro. As aulas consistiam na sua leitura do livro. Ao fim de um bocado, já ela estava a perder a mão na turma. Ela lia monocordicamente, enquanto toda a gente se portava mal, ria, contava piadas, pregava partidas. Ela bem tentava ter mão em nós mas era impossível. De vez em quando enchiam a sua cadeira de pó de giz. Quando ela depois andava a ler o livro entre as filas de carteiras, a saia tinha duas manchas brancas no rabo e toda a gente ria a bom rir. Nos testes, queria que repetíssemos quase palavra por palavra o que estava no livro. Se omitíamos uma linha ou uma palavra, ela marcava incompleto. Por essa altura eu era apaixonadíssima pelo bad boy da turma. Num dia de testes, ele foi apanhado com o livro em cima do tampo da carteira a copiar as respostas. Ela, quando viu, ficou histérica: 'O que é isto? A copiar? Seu descarado? A copiar à descarada? O que vem a ser isto?!' E ele, sereno, desafiador: 'Como quer respostas exactamente iguais ao livro, resolvi certificar-me de que não falhava uma palavra'. Ela enraivecida e todos nós perplexos. Furiosa, mandou-o entregar a folha de ponto e sair da sala, ameaçando-o de que ia anular o teste. Eu com o coração disparado, querendo que ele tivesse juízo. Mas ele, descaradão e descontraído, levantou-se e saiu, nas calmas, sorridente. No entanto, movimentámo-nos todos e ela teve que arrepiar caminho. Com esta professora, eu, que sou péssima a decorar o que quer que seja, desliguei. História não era comigo, definitivamente.

Com estes professores nunca consegui, pois, que me ensinassem a gostar de História e isso ficou-me para o resto da vida. Tenho a sorte de ter cá em casa uma pessoa que gosta e sabe de História e que me ilumina quando estou às escuras. Mas é uma lacuna que nunca conseguirei ultrapassar.

[E estou a escrever isto enquanto as estrelas entram na cerimónia dos Oscares e se apreciam os vestidos que desfilam na passadeira (parte deles deixando os seios praticamente a saltar-lhes de dentro) e, ao mesmo tempo, leio notícias e vejo vídeos sobre a situação da Ucrânia e recrimino-me por misturar, no meu tempo e no meu espaço, o medo e o sangue com a volubilidade e o glamour da moda e da festa do cinema e com recordações que não têm nada a ver. Mas a minha cabeça deve precisar de manter compartimentos para cada emoção e, por isso, nem vale a pena eu fingir que não: ao mesmo tempo que me preocupo e me angustio e que me revolto com a bandidagem do Putin, mantenho via verde para as minhas memórias e, en passant, para ir acompanhando l'air du temps. A mente é um lugar tortuoso com labirintos, abismos, clareiras, pontos de luz.]

Mas esta conversa sobre a minha ignorância sobre História para dizer que, enquanto confesso o meu desconhecimento sobre matérias que explicam a raiz de muitos conflitos, a verdade é que, no que se refere à actualidade, tento compreendê-la nas suas diferentes vertentes. O que se passa na Ucrânia parece-me de tal forma aberrante e condenável que tento espreitar os acontecimentos sob diferentes ângulos. Evito fontes que podem ser discutíveis e procuro órgãos de comunicação social idóneos nos quais a informação é validada.

Hoje partilho vídeos que me parecem muito esclarecedores. Sendo todos interessantes, vi com especial atenção o último. Como sempre, não existem versões com legendagem em português...

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What untruths is Russia spreading about Nazis in Ukraine? - BBC News

One of President Putin’s justifications for his invasion of Ukraine is that he wants to "denazify" the country.

Ros Atkins looks at the distortions and untruths that Russia is spreading about Nazis in Ukraine - including about the role of the Azov regiment, who are based in Mariupol and are part of Ukraine's national guard.

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'Could be a big problem for you': Security analyst's warning to Putin

CNN's Peter Bergen reviews the implication of the Soviet Union's invasion of and withdrawal from Afghanistan, and how it could draw parallels to Russia's war in Ukraine today

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The Psychology of an Isolated Russia | The New Yorker

David Remnick and the historian Steve Kotkin discuss Vladimir Putin and how authoritarian regimes are pushed into misguided foreign wars.
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Pinturas de Nathan Altman na companhia de Valeria Kurbatova (Harpa) e de Davina Clarke (Violino) que interpretam o Romance de Dmitri Shostakovich

[Caso ainda não tenham reparado, este blog não gosta de assassinos, nomeadamente, de um dos mais cruéis de que há memória nos tempos recentes, mas acolhe de braços abertos a arte e os artistas russos]
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Desejo-vos uma boa semana a começar já por esta segunda-feira
Saúde. Boa sorte. Paz. E que o milagre não se faça esperar.

domingo, março 28, 2021

Sobre a monogamia (mas de tipo sequencial), sobre comer com o prato em cima dos seios, etc.
Mas, primeiro, coisas mais banais.

 



Dia de sol velado e calor discreto. Caminhámos e, como agora acontece ao fim de semana, encontrámos jovens casais a passear com crianças pequenas em triciclos ou famílias a andar de bicicleta. Hoje também nos cruzámos com quatro rapazes igualmente de bicicleta. Iam a conversar, sorridentes e, ao passarem por nós, desejaram-nos um sonoro bom-dia. Engraçado este hábito. Até os jovens adolescentes que vão entretidos a pedalar e a conversar nos desejam bom-dia. Retribuímos a boa disposição.

A seguir fomos ao supermercado. Voltei a constatar que agora já ninguém se afasta de ninguém. Todos de máscara, claro, mas, ainda assim, ninguém se ensaia nem um instante para se pôr quase em cima de outra qualquer pessoa. Para tirar o pão, então, é um ver se te avias. Todos ao encostados para tirar o pão das prateleiras. Também não me afastei. Fazer o quê: pôr-me ao largo e esperar que desandassem...? Quem me garantiria que não vinham outros? Aquela história do servo que viu a morte em Bagdad e fugiu para Samarra, sabem...? Ná, mais vale ficar onde estamos e esperar que não seja nada.

Depois de almoço fui sentar-me ao sol, no jardim. Levei um livro. Como o sol estava de frente não consegui ler. Fechei os olhos enquanto um pássaro enviava chamamentos do alto de uma árvore. Fui adormecendo. Depois arrefeci. Vim para dentro, tapei-me com uma daquelas mantinhas finas e aveludadas. Estive a fazer pesquisas, a ler. 

Por volta das seis voltei ao jardim. Estivemos a equacionar alternativas, a fazer medições. As árvores têm raízes grandes, não lhes devemos mexer. Como tenho um absoluto respeito pelas árvores, a margem de manobra para fazer alterações são escassas. 

As árvores de fruto na horta estão em flor. Há ali um microclima que não sei explicar. Parece que o ar é ali mais morno e húmido. Agrada-me muito. 

O fim de tarde estava ameno, sabe bem estar cá fora. Mas começou a esfriar. Vim para dentro.

Quando falei com a minha filha e com a minha mãe já era praticamente de noite. Ainda tentei voltar para o jardim mas a lua estava exuberante a guardar o frio. Recuei.

Estou contente por já ter mudado a hora. Vai ser um dia mais curto mas um dia não são dias.

Angustia-me um bocado isto de trabalhar até ser de noite, sem que sobre um bocadinho de dia para mim. Assim, com os dias maiores, talvez possa usufruir da luz do dia. Durante a semana tenho que aprender a usar a luz do dia em meu benefício. 

É verdade: tenho andado a vigiar o ninho das andorinas e ainda não as vi. Será que não vêm? Ficarei com pena. Só espero que, se este ano não vierem, venham para o ano. Custar-me-ia saber que o ninho vai ficar ali, sem vida.

Será que faria sentido ter um porquinho da Índia à solta no jardim? Gostava de ter um animalzinho por aqui. Dizem-me que comem a relva, um descanso: nem é preciso cortá-la. Contaram-me que, às vezes, à noite se vêm ouriços cacheiros a atravessar a estrada. Quem me contou não falava daqui mas de outro lugar assim, em que há campo em volta. Uma pessoa conhecida, contou-me que o filho apanhou um e o levou para o jardim. Penso que os jardins são mais felizes se forem habitados por animais. Ocorre-me sempre aquela ideia de ter patos. Mas será que teria que ter um lago? Ou será que os patos não voariam? Mas depois penso que certamente um dia terei um cão. Será que o cão depois não dará cabo dos ouriços ou dos patos?

Tenho também uma coisa para contar: da altura das orelhas e até à altura das sobrancelhas, digamos que na primeira linha de costa, os meus cabelos estão a aparecer brancos. Tal como o meu pai que conservou os cabelos da cor natural até muito tarde e que apenas os tinha grisalhos ali dos lados, aparentemente é também é esse o padrão de branqueamento que o meu cabelo está a seguir. Para os cobrir usei uma coloração que manteve o meu tom. Coloquei a tinta apenas ali na raiz e, apenas antes de o lavar, a espalhei pelo cabelo todo. Ficou bem. Mas neste supermercado aqui mais perto não têm essa marca, têm aliás pouquíssima variedade e quantidade. Comprei de uma outra marca e de outra cor. Agora estou com receio de a aplicar, com medo de ficar muito diferente do que sou. Não sei o que faça. Devia coincidir com umas férias grandes para o caso de ficar absurdamente diferente haver tempo a corrigir. Assim, hesito em arriscar. O que me vale é que, como tenho muito cabelo, vai disfarçando. Mas um dia destes tenho que me encher de coragem.

Também li que o Zoom está a preparar (ou já o tem disponível, não me lembro) um filtro para adoçar as feições quando estamos em videoconferência. Li que milagrosamente tira rugas, papos, olheiras, manchas. Li que as mulheres que têm muitas reuniões por esta via estão a passar-se de tanto verem as suas imperfeições no ecrã. Só espero que o Teams também apareça com isso. O pior é quando voltarmos a estar ao vivo e sem máscara (seja lá quando isso for), sem apelo nem agravo todas as misérias bem à vista. Sou adepta de não disfarçar nada para evitar decepções futuras. Mas digo isto e, na volta, se me aparecer o filtro mágico, não vou resistir. Não se pode dizer que não seja de me deixar sucumbir perante tentações convincentes.

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E é isto. Nada mais a contar. Só me causa espécie que agora ninguém acuse o Costa ou a Marta Temido por sermos o país com os mais baixos números de Covid da UE. Tanto que se babaram todos a acusá-lo de sermos os piores, tanto foguetório atiraram para festejar a crucificação pública de que o Governo foi alvo e agora que vários países estão a braços com a desgraça que começou por bater-nos à porta antes de lá chegar ninguém se lembra de o elogiar e agradecer? Gentinha...

Mas contar, contar, que me lembre não tenho mais nada. A vida corre mansa. O tempo, pelo contrário, corre veloz. E eu estou parada a tentar perceber como melhor me encaixar neste filme.

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As pinturas de Julian Onderdonk vêm ao som de Surrender na interpretação de Birdy

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E agora vou partilhar dois vídeos que prenderam a minha atenção: um muito bonito, um belíssimo pas de deux, e o outro com uma condessa simpatiquíssima e divertidamente depravada (como provavelmente são todas as condessas).

Second Piano Concerto (Shostakovich) – Second movement pas de deux 

(Marianela Nuñez, Rupert Pennefather, The Royal Ballet)

A summer spent poolside with a retired countess

Victoria Hely-Hutchinson takes us around her eccentric “bohemian expat retiree” grandparents retreat in the South of France. Known for documenting British lives for publications including New York Magazine and Vanity Fair, Hely-Hutchinson’s short is a relaxingly slow-paced portrait of the “respite for relatives in search of a tan”. 


Desejo-vos um belo dia de domingo

quinta-feira, julho 26, 2018

O último emprego à superfície da Terra




Não estou apocalíptica nem acordei com os pés de fora da cama (até porque dormi completamente destapada) nem estou depressiva, muito pelo contrário, nem estou com o síndrome pré-menstrual (onde é que isso já lá vai) nem com sintomas menopáusicos (que, felizmente, os não tenho) nem com calor a mais ou indisposta com qualquer minudência do dia a dia. Nem bem nem mal, antes pelo contrário. Nada. Bocejo de vez em quando, mas isso é natural. Tenho uma coluna refrescante a soprar ar fresco na minha direcção, tenho uma pilha de livros ao meu lado e uma preguiça inconfessável que me impede de lhes pegar.  Mas isto para dizer que não há razões hormonais ou psicológicas que justifiquem o Steve Cutts do post a seguir e agora isto que aqui vos trago, do último emprego a superfície da terra. É mesmo coisa do acaso, acho eu. Ou falta de assunto. Vontade de espairecer e falta de inspiração para espairecer a sério. Limito-me ao que o santo algoritmo do youtube me recomenda. Claro que, estivesse eu com mais energia, mandava-o era ir bugiar em vez de deixar que se ponha a atazanar-me o juízo.

Enfim. 

Na televisão está a dar um programa de viagens e eu, que estou deserta por ir de férias, vou vendo com a atenção possível. Fala de comboios e eu tenho andado a ser desafiada para ir fazer um passeio de comboio até uma cidade que gostava muito de conhecer. Mas isto de não se poder ir em alta velocidade até ao destino, faz demorar demais a viagem e falta disponibilidade para isso. Mas é um apelo grande. Ir, com tempo, sem pressa, com espírito de romance, ir por aí afora, vendo nascer o sol, cruzando serranias, florestas, rasgando o horizonte, rente ao mar. Descer nas cidades, ir para um hotel bonito, passear, estar em espalanadas, visitar museus. Depois ir de novo para o comboio, sentar junto à janela. Adormecer vendo a noite a descer. Deve ser bom.

Talvez daqui por uns anos consiga. Recordo-me da viagem junto aos castelos do Reno. Ou a viagem até Paris. Os cedros altos e negros, acompanhando o cair da noite.

Mas agora não tenho tempo. Agora vivo um tempo sem tempo. 

Tenho a Harvard Business Review para ler, em papel, revista a sério, e, pelos títulos e pelo aspecto, antevejo que seja suculenta; e já vi que tem umas ilustrações do caraças. Gosto das ilustrações malucas a temperar assuntos sérios.  E, no entanto, também ainda não ganhei pedalada para me atirar a ela. E hoje tive mais uma daquelas reuniões igual a tantas e tantas outras, a responder às mesmas questões tão típicas de quem vem de fora com a incumbência de empreender uma programa transformacional e o escambau (e tudo cheio de parangonas a toda a hora) e, calmamente, respondi a tudo. Quando a minha cabeça está noutra, a minha paciência para o que não me interessa redobra.


É que tenho um assunto, um tremendo assunto, a soterrar-me. Mais uma reviravolta, mais uma voltinha mais uma viagem, uma vida inteira nisto, uma coisa sem explicação. Mas ainda estou debaixo da onda, sem conseguir respirar, sem saber onde está a terra segura, sem saber como aguentar-me. Sem ser capaz de falar. Lembrei-me de um horóscopo que me tinha intrigado. Não percebi, achei que fossa parvoíce. Pensei: essa agora. Agora fui ler o desta semana, a ver se existia alguma consistência:
Le Soleil vous accompagne et vous offre l’énergie vitale dont vous avez besoin. Jupiter et Venus, de votre côté, vous ouvrent les portes de l’Amour, vous protègent et vous apportent la chance, la sérénité, la sagesse et l’accomplissement de vos rêves. Que demandez de plus ?
Este, hoje, fala da minha vida afectiva e é bom. No outro dia era neste comprimento de onda mas sobre a vida em geral e, até, profissional. 

Mas tudo isto me apanha num período da minha vida em que anseio por algum sossego, algum abrandamento, algum tempo para mim. E, em vez disso, isto. Uma inesperada enxurrada. De loucos. Ainda não consegui processar.

Ou seja, é no meio disto tudo que, aqui sentada no meu sofá, um ar fresco a varrer-me a pele, abrindo o youtube, me aparece, justamente, o Steve Cutts e, agora, este vídeo desgraçado. Ver para crer.

Imaginando um mundo completamente automatizado:


O último emprego à superfície da Terra



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Valeram o piano e os violoncelos a interpretar Dmitri Shostakovich e a pintura de Tomie Ohtake

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segunda-feira, novembro 28, 2016

O Pastilha no meio dos Príncipes
- ou como a filha de Luís Figo debutou no meio dos aristocratas, da alta burguesia e das estrelas de cinema

[E breve recordação do meu Baile de Finalistas]





Eu tinha 16 anos, andava no último ano do liceu e um dos momentos do ano era o Baile dos Finalistas. O grande salão era adaptado, arrumavam-se as mesas, cuidadosamente decoradas e distribuídas à volta. Ao meio uma passadeira vermelha. E, antes, durante um ou dois meses, ensaios. Ensaiávamos o desfile na passadeira com os nossos pares, depois a valsa que abria o baile. Para além das famílias, eram convidadas as forças vivas da cidade.

Para mim, foram tempos de sufoco. Andava de candeias às avessas com o meu namorado. Orgulho de parte a parte, coisa de adolescentes que davam os primeiros passos no mister da paixão -- já aqui o contei muitas vezes. E, aproveitando a oportunidade, o senhor que haveria de se seguir avançou e convidou-se para ser o meu par. E eu, furiosa por o meu namorado andar armado em parvo e todo ciumento, aceitei ir com esse outro. Aquilo dilacerava-me mas, ao mesmo tempo, era mais forte que eu. E a verdade é que, com isso, cavei um fosso ainda maior entre mim e aquele por quem o meu coração acelerava. 


Nessa altura não havia pronto a vestir para vestidos de baile. Escolhia-se um modelo, um tecido e a modista fazia a obra.

Escolhi, na Vogue, um vestido comprido e imaginei-o em cor de fogo. Comprámos a seda. Era cortado na cintura e a saia, evasée, flutuava em torno das minhas pernas. Da cintura para cima era justo. Era de alças, decote redondo, generoso à frente e depois continuava, estendendo-se pelas costas. De facto, era aberto nas costas até à cintura. Não pude levar soutien, claro. Em toda a volta do decote e contornando a profunda linha das costas, tinha um folho plissado. Portanto, quando eu andava, o folho ondulava.

Eu tinha o cabelo comprido com ondas largas e naturais e deixei-o assim. Achava-me o máximo naquele vestido comprido, elegante, uns altos sapatos de fino tacão. Não quis levar qualquer adorno mais pois achava que o vestido muito decotado e fluido chegava como adorno por sobre o meu corpo adolescente quase nu.

Daniela Figo com os pais - uma beleza serena, a dela

Aquele que o meu coração amava (e odiava em doses iguais) não foi ao baile. Foi o único do nosso ano a não ir. No entanto, quando eu ia a entrar no salão com os meus pais, ia-me dando uma coisa: ele estava à porta, de jeans, camisola desportiva, com aquele cabelo desalinhado de que eu tanto gostava. No meio de rapazes todos em fatos escuros, todos produzidos, e de raparigas que pareciam princesas ou estrelas de cinema, eis que ali estava ele, vestido daquela maneira, deslocado, estranho, quase um intruso. Retardei o passo e, com o coração aos saltos, temendo que ele estivesse ali para armar confusão, perguntei-lhe, furiosa: 'O que é que estás aqui a fazer?'. Ele respondeu : 'Vim ver-te. Estás muito bonita.'. Depois deu meia volta e foi-se embora. E eu fiquei a achar que devia ir atrás dele e pedir-lhe para ficar. Mas isso era se eu fosse outra.

Pouco depois estava eu a desfilar pelo braço do meu par e depois a dançar a valsa, e depois toda a noite a dançar todos os géneros de música.

E durante todo o tempo eu esperei que o meu amor rebelde reaparecesse, que me tirasse dos braços do meu par, que caísse aos meus pés. Não o fez. No dia seguinte comecei a namorar com o outro. De vez em quando chegava a casa e desatava a chorar: o outro adorava-me a achava que era retribuído e eu não sabia como fazer para não o desiludir, incapaz de lhe confessar que aquilo era tudo um mal entendido.


Nunca mais voltei a vestir aquele vestido tão bonito. Para mim aquele vestido cor de fogo era o símbolo da minha traição, da minha capitulação. Já não sei que é feito dele. Se calhar a minha mãe ainda o tem para lá guardado mas eu não sinto qualquer gosto em ver coisas do meu passado.

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Só me lembrei disto ao ler o artigo sobre o Baile das Debutantes em Paris, um baile que juntou 23 jovens da mais fina flor da sociedade. Princesas, condessas, todas pelo braço dos seus Cavaliers. Mas também meninas muito ricas e a filha de Annette Bening. E Daniela, a filha de Luís Figo e de Helen Svedin.


Daniela vestiu Jean Paul Gaultier e estava muito bonita. Não sei bem o significado deste baile, talvez apenas a apresentação das meninas da melhor sociedade ao mundo, mas imagino que tenha sido uma noite marcante para as adolescentes que o frequentaram. É bom que haja pricesas para alimentarem o imaginário das meninas que vivem em ruas suburbanas, daquelas ruas em que há clubes locais onde se acolhem os meninos do bairro que gostam de praticar desporto, meninos como em tempos foi Luís Figo que começou por jogar no clube Os Pastilhas.

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A Segunda Valsa é de Dmitri Shostakovich
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Tinha em mente contar-vos a linda odisseia que vivi durante este domingo e como rematei o dia paseando num dos meus lugares de eleição.


Mas esta história da diva Domingues e da totozice do primo do Mourinho desconcentraram-me. Depois ainda estive a acabar o meu TPC e, finalmente, desviei-me para isto do baile. E agora, a esta hora, já não são horas para começar post novo. Não posso deitar-me às quinhentas porque esta minha segunda-feira é das que prometem. Tenho que estar bem acordada.

Pode ser que amanhã ainda me apeteça partilhar convosco a minha reportagem fotográfica. Para já, deixo aqui uma fotografia. Uma não: duas, uma inside um sítio onde andei a almocei (perto das 4 da tarde) e outra na rua mas fotografando para dentro (de uma galeria).


Lisboa, ma belle.
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E sobre o desfecho da soap opera, Domingues fica - Domingues sai, queiram, por favor, descer até ao post abaixo.


terça-feira, outubro 04, 2016

Para trás do tempo não havia tempo
nem rasto de algum assombro
só o negrume do vazio absoluto





É como se nós os dois
dançássemos
o perdimento

Tu de rojo a meus pés
e eu erguida num ímpeto
a tentar turbar o tempo

As minhas mãos
a suster 
e as tuas a empurrar

num mesmo gesto sedento

A entrega e a recusa
o corpo e o pensamento




Voas atordoado
à roda de ti mesmo

em busca da minha dissonância
dos ínvios metais das estrelas
das imortais palavras divinas

que te façam esquecer-me

Voas em torno da tua eternidade
olvidada e entretanto...

perdida
rendida




- Vem outra vez!

Chamo-te num grito
quando a saudade desata

e o corpo me precipita
até à fenda da farpa

onde apenas sei
do espírito
esse tudo e esse nada



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Anunciações, um romance de Maria Teresa Horta
For the love of fallen angels, fotografias de Peter Lindbergh
Lullaby de Shostakovich, interpretado por Rimma Bobritskaia

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um dia feliz.

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quinta-feira, setembro 01, 2016

Observar os outros




Dia ainda mais tranquilo que os anteriores. O meu marido tem bicho-carpinteiro, não consegue estar muito tempo sossegado. Então vai dar uma volta a pé de mais de uma hora enquanto eu fico na beira da piscina.

Quando lá chego, procuro duas espreguiçadeiras à sombra das árvores. Fico na segunda linha de espreguiçadeiras. A primeira contorna a grande piscina. Esta segunda, a boa distância da primeira, está debaixo dos pinheiros, palmeiras e sei lá que outras árvores que no outro dia andei a fotografar à noite e que hoje aqui mostro. Lá mais para trás ainda há mais, num relvado também entre árvores. Aí se juntam os adolescentes que conversam, praguejam animadamente, bebem cerveja e riem.

Tenho um livro, tenho o telemóvel, o protector solar 50, uma garrafa de água. Começo por ler mas depois ponho-me a observar os que estão no meu raio de visão. Um conhecido jornalista de televisão que, assim, de calções e óculos escuros, me deixou na dúvida se era. Depois vi que era. Passou despercebido. Eu e ele devíamos ser os únicos portugueses.


Chegou, então, um casal talvez de uns 70 anos, elegantíssimos -- invejei tudo o que ela tinha vestido: um bikini com um corte favorecedor em azul marinho, turquesa e verde esmeralda. O bikini ficou à vista depois de ter despido uma túnica nos mesmos tons, com transparências intercalando zonas de suave aveludado. Aquela túnica até na cidade ficaria linda, com umas calças justas em branco ou em preto. Os chinelos eram igualmente elegantes e o chapéu de palha ainda mais, de abas bem largas, com uma fita de corda fina e com uma espécie de contas douradas, aqui e ali, à volta. A senhora é magra, elegante, de cabelos platinados abaixo da nuca. O marido o oposto: faz lembrar o Strauss-Kahn, uma coisa na base do touro. Entroncado, peludo, calções de pano coçado acima do joelho e por baixo da barriga, boné descorado e velho, cabelos grisalhos meio compridos, apesar de careca na parte de cima. Contudo, curiosamente um homem interessante. Enquanto a mulher protegeu a pele e ali se pôs ao sol, serenamente, ele fumou, viu o telemóvel, escreveu nele, mergulhou e deu umas vigorosas braçadas e o tempo todo manteve-se sempre neste tipo de actividade. Não se deitou nem por um segundo.

Reparei também naquelas duas raparigas muito bonitas, altas, louríssimas, que andam sempre juntas. Encontrámo-las a tomar o pequeno almoço, de tarde cruzamo-nos com elas na praia. Lêem, conversam, vão buscar autênticos baldes de cerveja ao bar da piscina e vão bebendo enquanto tagarelam, depois levantam-se e vão nadar. Parecem-me novas demais para terem vindo só as duas viajar, terão talvez uns 18 anos, e ainda por cima para se alojarem num hotel deste tipo. Miúdas que vêm à descoberta ficam em hostels, coisa assim. Mas nunca as vimos com o que poderiam ser os pais. 


Mas o que me manteve presa toda a manhã -- e, quando o meu marido chegou, estivemos os dois, quase como se estivessemos a ver um filme -- foi o grupinho mesmo à minha frente. Duas inglesas muito inglesas, com muito accent, muito louras, de bikini, elegantes, quase iguais, em espreguiçadeiras ao lado uma da outra. O meu marido disse que eram gémeas mas talvez não. Ao lado da que me pareceu talvez ligeiramente mais velha, um que deve ter ascendentes directos indianos ou paquistaneses mas igualmente muito british. Um pouco mais baixo que ela, um bocado para o entroncado. Ao lado dele, dois miúdos, talvez 8 ou 9 ou 10 anos, mostrando a mistura de raças, muito bonitos, pele e feições a atirar para o pai mas ao mesmo tempo com traços da mãe.

A mulher, quando comecei a reparar nela, fazia meditação em posições de ioga, como se estivesse sozinha no mundo. Ao lado, a que supusémos ser irmã, lia ou via o telemóvel. Ele tomava conta dos filhos, punha-lhes protector, ajeitava o chapéu de sol para lhes fazer sombra. Depois, quando a mulher se pôs numa posição curiosa, de gatas, ele pôs-se na mesma posição, ao lado dela. Mas estavam ambos compenetrados. Se fosse eu e o meu marido não apenas não nos poríamos assim em cima das espreguiçadeiras, em público, como, se o fizessemos, desatavamos ambos a rir (especialmente eu).


Depois foram todos para a piscina. Ela e a que talvez fosse irmã brincavam ruidosamente uma com a outra, davam amonas, uma ia debaixo de água assustar a outra que gritava e ria. Noutro canto da piscina os miúdos brincavam um com o outro. Depois o pai veio buscar uns óculos e uma câmara fotográfica daquelas que funcionam debaixo de água. Ainda tirou algumas fotografias aos filhos mas depois foi fotografar a mulher e a cunhada. Todo ele se ria, encantado, com as brincadeiras efusivas daquelas duas.

Às tantas descobriram uma grande bóia que lá estava a um canto e foi vê-las como crianças ruidosas a tentarem virar a bóia, a pregarem partidas uma à outra e a rirem de gosto. O marido observava e ria mas não interferia, apenas degustava com enlevo.

Quando saíram da água, o marido deu as toalhas aos miúdos, voltou a pôr protector solar neles. Durante as horas que ali estive nenhuma das duas mulheres dirigiu uma palavra que fosse às crianças. Nem as crianças a elas, apenas ao pai.

Depois o casal pegou em raquetes e foram jogar para a piscina dos pequenos. Iam de mão dada, ele sempre sorridente, ela também bem disposta. E lá estiveram divertidos, ela sem grande jeito, ele paciente.

De volta à espreguiçadeira, deitaram-se ao sol e ele deitou a cabeça no ombro da mulher. Depois passou o braço por cima dela e ali se deixaram ficar abraçados. Depois beijaram-se.


Passado um bocado, a outra, louríssima, seios generosos quase a saltarem do curto bikini, pôs-se a besuntar-se com protector solar, tendo pedido ajuda à que talvez fosse irmã. A irmã pôs, espalhou com cuidado, com a unha raspou-lhe o que talvez fossem umas pequenas borbulhas, aproximou o rosto para ver melhor, passou com a mão a ver se sentia irregularidades. Depois inverteram, foi a outra que lhe espalhou nela o mesmo protector. As duas espalhando o creme com cuidado e vagar. A seguir foi ele que quis que a mulher lho pusesse nas costas. Sentou-se na espreguiçadeira dela, de costas para a mulher, entre as pernas dela. A mulher massajou-o com cuidado. Então ele, de repente, deu uma reviravolta e, quase em mergulho, atirou-se para cima dela, e ficou ali um bom bocado, abraçado, cobrindo-lhe o corpo. Ao princípio ela riu, depois abraçou-o e voltaram a beijar-se.

A outra, nada, continuou placidamente a ler e os miúdos também nem aí, cenas daquelas deviam ser usuais.

Eu disse, baixinho, ao meu marido que sempre tinha achado que os homens de tez mais escura são mais fogosos. Como está tisnado como um marroquino tenho a certeza que se sentiu abrangido.

Depois o homem voltou para o seu lugar. Algum tempo depois, levantaram-se e foram de mão dada buscar a ementa. Ele segredava-lhe qualquer coisa ao ouvido e ela ria. Regressaram e ele perguntou aos miúdos o que queriam; depois, como eles não soubessem, pôs-se a ler, em voz alta, a ementa. Perguntou à que talvez fosse sua cunhada o que queria. A mulher era como se não tivesse nada a ver com aquilo, via o telemóvel, ele é que geria os pedidos.


O meu marido disse: 'O gajo é que faz tudo'. E eu disse que sim, era um facto, mas que reparasse ele como o homem o fazia de bom grado, sempre sorridente e amável. Não ligou e, pelo contrário, teceu considerações sobre a colonização e outras tretas que não eram para ali chamadas.

No fim, fiquei a pensar que, tivesse eu tempo e paciência, em torno daquelas personagens, se poderia forjar um enredo bem engraçado.

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Lá em cima, e não me perguntem porquê, apeteceu-me ter o Gattopardo, Luchino Visconti,1963. O Leopardo, uum grande filme. A valsa que se ouve é de Dmitri Shostakovich .

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E queiram agora, por favor, descer até uma evocaçao a propósito do Dia do Topless para verem como  há seios que ficarão para a história do cinema.

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quarta-feira, março 09, 2016

Sai Aníbal, entra Marcelo.
Le Roi est mort, vive le Roi!


Ali mais para baixo, já desfalei do Henrique Raposo (e da maltinha que o Expresso tem ajudado a medrar sem se aperceber que está a chocar o ovo da serpente que o irá devorar) bem como desfalei do Dia da Mulher e de quem acha que isto das mulheres é ciência oculta ou que há mãozinha da teoria da conspiração; e, portanto, tendo já escrito dois posts aqui (e mais um no Ginjal), tento explicar-me que está na hora de me levantar da mesa. Mas eu não sou fácil de levar e, portanto, desobedecendo-me, ainda aqui vou tecer mais duas ou três lérias à toa.

Com vossa licença, então.



A questão é que, enquanto escrevo, estou a ver televisão e já me ri com o nome que deram ao processo de investigação sobre o encobrimento da dívida da Madeira, envolvendo o bom do Alberto João: Cuba Livre. Nem mais. Aqueles procuradores-investigadores são uns bacanos no que toca a escolher nomes para os processos. Sentido de humor não lhes falta, essa é que essa. E já me apetecia ir por aí, relembrando outros nomes cheios de humor e picante -- mas o tempo urge.



E também já me ri com as investigações à Câmara de Gaia. Ui. Onde eles estão a começar a mexer. As pulgas vão começar a saltar e alguns desses amiguinhos a que já nos começámos a habituar a ver por aí, incluindo na televisão, vão tender a rarear. 
Como é sabido, na televisão gostam de ter a coisa por quotas: os comentadores palradores e enxundiosos, os comentadores papagaios e maçadores, os comentadores levemente gagos, os comentadores pseudo-engraçados, os comentadores pseudo-intelectuais e, lá está, os comentadores de tipo cão com pulgas.

E, tendo ouvido falar naquelas cenas que andam a investigar lá por Gaia, até se me ocorreu aquela tal Cristina Ferreira que, sendo homónima da outra, parece ter também o toque de Midas. Ui que até queima.

Mas já não dá, é tarde, tenho que ir pregar para outra freguesia que o dia vai ser longo. De qualquer modo não me quero ir sem uma palavra para as solenidades do dia.


Pela porta baixa, debaixo de uma onda de lenços brancos, vai-te embora ó Cavaco, bye bye, vai e não voltes, sai o que terá sido o presidente mais desajeitado, mais fora do tempo, mais desalinhado do povo do seu país, de que há memória.

Com a popularidade em níveis dramaticamente rasteiros, alvo de uma rejeição que até dói, sai, pois, sem honra, Cavaco e sua senhora, D. Maria Cavaco. Diz que vai escrever as memórias, ele. Triste. Ninguém quer saber das memórias dele e ele ainda não o percebeu. Paciência. A história julgará o que foi uma das nefastas figuras do pós 25 de Abril. E não sou eu que vou bater mais no ceguinho.


E se ele, Cavaco, o Mal-Amado, sai em baixa, por outro lado, entra, em alta e em festa, o seu sucessor, Marcelo, o Bem-Amado (bem amado desde os tempos das charlas televisivas dominicais, diga-se).


Em tempos de campanha manifestei-me contra a eleição de Marcelo Rebelo de Sousa. Mas foi eleito. É a partir deste dia 9 de março o Presidente da República de Portugal. E, em presença dos factos, o que eu sinceramente lhe desejo é que tenha saúde, sorte, serenidade e que, enquanto estiver em funções, saiba interpretar o sentir do povo e faça da intransigente defesa da dignidade dos portugueses e da soberania e da afirmação de Portugal o seu principal desígnio.

Para já, tenho ficado surpreendida e agradada com a escolha dos seus colaboradores e com a proximidade que tem querido mostrar para com as pessoas anónimas com que se vai cruzando. Vamos ver se consegue controlar os seus ímpetos e agir sempre com maturidade, criatividade e inteligência especialmente em momentos de crise que possam, porventura, acontecer.

E que contribua para que os portugueses tenham razão para rir mais e para acreditar no futuro do seu país.

Se Marcelo conseguir isso, será bom sinal, será sinal que os portugueses começam finalmente a tirar o pé da lama -- e cá estarei eu para o elogiar e para lhe agradecer.

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Não me apeteceu ter aqui fotografias ou cartoons humorísticos do Cavaco e, não o tendo a ele, parecia-me até deselegante ter apenas o Marcelo. Por isso optei por outra cena. Portanto, as fantásticas recriações de obras de arte da pintura com figuras políticas da actualidade não têm nada a ver com a matéria plasmada na tela. Mas não faz mal. São obra das gentes da DesignCrowd e, digo eu, podia ser engraçado se um dia destes tivéssemos uma com o inimitável Prof. Marcelo.

Lá em cima Anne Gastinel e Roger Muraro interpretam a Sonata para violoncelo e piano Op.40 IV.mov de Shostakovich.

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E agora tenho mesmo que ir que o dia que tenho pela frente se antevê longo. 

E, já sabem: não se esqueçam que, por aí abaixo, há conversa anti-mariazinhas e, a seguir, anti-Raposo.

E, querendo vaguear pela beira do rio pela mão da Alice Vieira que fala destas imperfeitas madrugadas em que as línguas dos homens e dos anjos se confundem. é só dar um salto até ao meu Ginjal.


terça-feira, fevereiro 02, 2016

Temos bisavós em comum com as borboletas e com os larícios





Que lugar temos nós, seres humanos que compreendem, decidem, riem e choram, neste grande fresco do mundo que a física contemporânea oferece? Se o mundo é um pulular de efémeros quanta de espaço e de matéria, um imenso jogo de encaixes de espaço e partículas elementares, o que somos nós? Somos também nós feitos apenas de quanta e partículas? Mas então de onde vem esta sensação de existir singularmente, e na primeira pessoa, que cada um de nós experimenta? Então o que são os nossos valores, os nossos sonhos, as nossas emoções, o nosso próprio saber? O que somos nós, neste mundo imenso e rutilante?
(...)
Somos parte integrante do mundo que vemos, não somos observadores externos. Estamos situados nele. A nossa perspectiva sobre ele é a partir de dentro. Somos feitos dos mesmos átomos e dos mesmos sinais de luz que os pinheiros nas montanhas e as estrelas nas galáxias trocam entre si. (...)



Temos bisavós em comum com as borboletas e com os larícios. (...)

Aquilo que é especificamente humano não representa a nossa separação da natureza, é a nossa natureza. É uma forma que a natureza assumiu aqui no nosso planeta, no jogo infinito das suas combinações, do influenciar-se e trocar correlações e informações entre as suas partes. Quem sabe quantas e que outras extraordinárias complexidades, em formas porventura completamente impossíveis de imaginar para nós, existirão nos espaços infindos do cosmos... Existe tanto espaço lá em cima que é pueril pensar que neste canto periférico de uma galáxia das mais banais haja algo especial. A vida na Terra não é mais do que uma amostra do que pode acontecer no universo. A nossa alma não é mais do que isso mesmo.


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As fotografias foram feitas este domingo in heaven. A música é de Shostakovich - The Gadfly - Romance numa interpretação de Nicola Benedetti no violino com a BBC Symphony Chorus e a BBC Symphony Orchestra sob condução do maestro Jiří Bělohlávek. O texto pertence ao capítulo "A fechar: nós" do livro 'Sete breves lições de física', de Carlo Rovelli.

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Física, filosofia, arte, poesia - nas palavras de Carlo Rovelli


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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa terça-feira.

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sexta-feira, junho 22, 2012

Onde se fala livremente (e ao de leve) da vida, de livros em geral e de best sellers em particular e onde, apesar de ser sexta feira, se vos oferece um pouco de 'Às terças com Morrie'


Música, por favor


Shostakovich - a Segunda Valsa pela Orquestra Filarmónica de Berlim




(Tantas acrobacias fiz no post anterior que agora estou assim) - Foto by Helmut Newton

[Mas nada de parar de dançar - e hoje proponho nada mais, nada menos que uma valsa]

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Depois de dois dias sem escrever nada volto hoje, mas volto devagar. 

Antes de continuar, é melhor fazer já aqui um statement: nunca li nenhum livro do tipo auto-ajuda. Por vezes, apenas para confirmar que a minha suspeita se mantém válida, folheio um ou outro numa livraria. Não dura mais que escassos segundos a confirmação. Banalidades, lugares comuns, xaropes, placebos - geralmente com uma idílica capa azul.

Nada disso faz o meu género. Impossível eu ser capaz de gastar o meu tempo a ler frases soltas que não aquecem nem arrefecem.  Mas sou assim com isto e com tudo a que me cheire vagamente a best seller. Já aqui o disse algumas vezes e que não me levem a mal os que lêem e gostam: não consigo nem sequer pegar num livro embrulhado em tule, ou que meta anjos, demónios, vampiros. Passo pelas estantes de romances históricos, ficção científica, sucessos internacionais e também sigo sem me deter. Só aquelas capas cheias de bonecada, fotografias vulgares, letras às cores, um ruído assustador, me fazem fugir a sete pés. Por exemplo, também nunca li 'O Alquimista' nem nenhum outro livro de Paulo Coelho apesar de ter recebido mil recomendações nesse sentido; mas só o facto de pessoas a quem não reconheço particular exigência me dizerem com ar convicto 'tens que ler', me leva, de imediato a dar dois passos atrás. Nunca li também nenhum livro da Margarida Pinto Correia ou que tais. Mas o meu elitismo vai ao ponto de nem sequer ter lido nenhum dos best sellers do Miguel Sousa Tavares (li o 'Não te deixarei morrer David Croquett' de que gostei) apesar de os ter cá em casa e apesar de pessoas cuja opinião respeito, me terem dito que são livros que se 'lêem bem'. Há talvez muito preconceito nisto, reconheço, mas a questão é que a minha vida é finita e os livros são infinitos. Acho, por isso, que tenho que ser criteriosa, e ler livros que se lêem bem para mim é curto.

Voltando aos cândidos livros azulinhos de auto-ajuda: apesar dessa minha posição, passo a vida a dizer que me sinto agradecida pelo que vejo, pelo afecto que recebo, pelo que sinto, pelo que tenho. Cada pequena coisa de que goste é apreciada como se fora uma refinada e rara preciosidade mesmo que se tratem de coisas mil vezes ditas ou ouvidas ou sentidas.

E gosto de me rir e de estar junto a pessoas que se riem, que não se tomam muito a sério, que gostam de aprender e trocar opiniões. Gosto de viver e gosto de apreciar esse raro dom que é estar estar viva e com saúde, rodeada por aqueles que amo.

E, se a saúde por um momento se ressente, ainda mais sinto isso. Tudo é efémero e tudo deve ser apreciado no preciso instante enquanto dura.

E vocês, Caros Leitores, ao lerem isto, já devem estar com sorrisinho jocoso ao canto do lábio...ah, se isso   não é converseta de tipo pastilha de auto ajuda, então é o quê...?

Pois não sei que vos diga. Julguem vocês. 

E a propósito disto, ou por coincidência, o Caro Leitor dbo a quem aqui, de novo, agradeço, referiu no comentário que escreveu sobre o meu texto anterior, um livro que está a ler, Às terças com Morrie de Mitch Albom. Nunca tinha ouvido falar e, portanto, fui pesquisar. 

O autor encaixaria, talvez, no género best seller e, no entanto, este livro, um pequeno livro, começou por uma tímida edição até que foi fazendo paulatinamente o seu caminho e se tornou algum tempo depois um incrível sucesso tendo, depois, conforme li, sido adaptado a filme com a participação de Jack Lemmon - e, então, fui à procura e encontrei este excerto que me tocou e que resolvi partilhar convosco. Não é sobre a morte, não é triste. É sobre a vida. Sem mais, aqui vos deixo com Morrie.




Uma vida longa e feliz a todos, cheia de momentos bons, infinitos enquanto duram!

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A ver se amanhã durante o dia actualizo o meu Ginjal que já sinto falta de pôr as minhas palavras a voarem em volta de poemas.

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E tenham, meus Caros Leitores, um dia muito feliz!