Mostrar mensagens com a etiqueta John Masefield. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta John Masefield. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, dezembro 23, 2019

Em dia de muito mar, muita poesia







Procurámos o mar. 

Se o mar é um deus, é um deus com estados de alma, umas vezes apiedado, outras contemplativo e sereno, outras, como hoje, todo ele fúrias, exaltações. Um deus infinitamente forte, de uma força indomável, incontrolável, inclemente. Um deus superior a tudo. Indiferente a tudo.


A lente da máquina fotográfica sempre embaciada tanta a humidade, o paredão invadido, com areia e água e cheio de flocos de espuma espessa, o ar que insufla as águas ali materializado. 


Os acessos ao areal interditados mas, ainda assim, alguns inconscientes a passear, certamente sentindo-se rebeldes e especiais, se calhar sentindo-se superiores aos elementos. 


Mas logo a força das águas lhes provou o risco que corriam. Num dos casos o meu marido chegou-se às rochas e zangou-se, que é uma inconsciência, que é assim que morrem pessoas, que fazem correr riscos a quem os vai resgatar. 


Uma mulher ficou com as pernas molhadas e sem sapatos e um homem ficou molhado até à cintura. O meu marido, que os ouviu a falar, disse que pareciam estar noutra, como que eufóricos. 


Não sei, mas vê-los como os vi fez-me impressão. É que, por vezes, têm sorte e podem sentir a superação. Outras vezes, por mera futilidade, arriscam a vida e fazem arriscar a vida dos que querem salvá-los.

E, depois, as gaivotas. Poucas gaivotas. 


Não sei para onde vão as gaivotas em dias assim. Onde se acolhem? Voam para longínquos rochedos? Para torreões secretos, nos confins da terra? Não sei.

Fotografei as poucas que ali se chegaram. 

No areal, umas quantas. Na praia que, no verão, foi preenchida com areia há agora uma funda piscina. O mar levou parte da areia. Entre a piscina e o mar, uma língua de areia onde as gaivotas se agrupam.


Acho-as maravilhosas. Fotografo-as tentando captar os seus movimentos.

Lá em baixo uma mulher de cabelo encarnado fotografa-as também. E eu fotografo a mulher de cabelo encarnado. Naquele contexto, aquele cabelo parece uma insólita plumagem rubra. Introduz uma nota de cor numa paisagem quase incolor.


Ao fundo, quase oculto pela névoa (reparem na fotografia acima), um homem arrisca, soltando o cão. Pouco depois, pressentindo a força das ondas, o cão foge para terra enquanto o dono é envolvido pela água.

Sem quererem saber de quem as olha ou dos riscos que as pessoas correm, as gaivotas desfrutam a sua livre e feliz existência.


Aquelas asas grandes, aqueles bailados longos, aquela elevação pelos ares em total liberdade, aquela graça e tranquilidade enquanto caminham pela beira da água, tudo nelas me fascina. 


E o ar branco, a névoa, a luz diluida na neblina, tudo muito belo, muito apaziguador apesar do rugido, apesar da força bruta das águas ali ao lado. Ou talvez mais ainda por isso mesmo.


Por vezes, a luz branca transforma em luz e em prata as ondas que se agigantam ao largo. Custa olhar. Parece irreal.


Em casa, para além de trabalhar e de ter ido comprar mantimentos, li. Li de gosto, devagar, saboreando o sentido e a música das palavras, o verso e o reverso, a sua sombra e a sua luz.

Senti-me feliz a ler. Aquela sensação de paz vivida instante a instante, de satisfação serena e boa.


bebemos os poemas e a paixão
bebemos sôfregos o vento ardente
até perdermos o sentido das palavras

digo-vos é mentira
o corvo não regressou à arca de noé
continuou a voar entre duas águas
perdeu-se na travessia do caos e da ordem
fascinado pelas líquidas imagens
que se desprenderam do infinito dilúvio

quando a terra por fim secou
o corvo impregnava tudo de treva
para que a pomba não encontrasse o ramo de oliveira
e deus
ao olhar o que nunca fora obra sua
mal soube por onde fissurar tanta escuridão

vingou-se
aprisionando os homens em territórios
de abandono e desolação.


Ave, Maria!
Ave, carne florescida em Jesus.
Ave, silêncio radioso,
urdidura de paciência
onde Deus fez seu amor inteligível.


Senhor meu amo, escutai-me,
a donzela espera por vós, no balcão.
Cuidado que não acorde os fâmulos
a paixão que estremece o vosso peito.
Os galgos estão inquietos, a alimária pateia.
Rogo-vos que vos apresseis.


E, agora que parei de ler, penso outra vez no mar. Como serão as ondas que se formam ao longe, amplas, imensas, quando ninguém as vê? Serão igualmente assustadoras ou, esquecidas do medo dos homens, suavizarão as arestas e os rugidos e avançarão com mais vagar, ondulantes, desfrutando a absoluta solidão da noite? Haverá espuma branca e rendilhada a rematar as ondas ou a espuma será negra, densa e perfumada de maresia como a paixão que se cola ao corpo das mulheres nas noites de irreprimível paixão?

Não sei. Há muitas coisas que não sei. 

E essas tantas coisas ainda por saber enchem-me de uma tal alegria que só eu sei.

__________________________________________________

___________________________________________________

Desejo-vos uma boa semana, a começar já por esta segunda-feira

domingo, março 03, 2019

Como um rio que se funde noutro





Olho-me nos olhos. Nunca tive medo de espelhos. As pálpebras, o rosto, as rugas hesitantes que me atravessam a testa. Os cabelos brancos e abundantes. O torso ainda firme e um pouco mais compassivo. O desejo discreto mas imparável. A fala fácil mas um nadinha mais ponderada. Onde está a minha idade? ´Vai aos ziguezagues', diria Sabato. Atiro-me para as nuvens, como sempre fiz, agora mais diurnas. Mais próximas da mão. Deixo-me envolver por elas, 'nuvens que envolvem o tempo', leio num dos poemas da loucura de Hölderlin. Agarro como posso os restos da minha própria. Restos? Olhando para o mar é como se ela, a loucura normal, fosse uma variante do meu olhar nos espelhos da casa, entre estantes caóticas, como gosto que sejam as estantes dos outros, jamais as minhas, encontrar o que não espero encontrar, mas o que mais me concentra nesta casa é o mar, o espelho do mar, o seu peso oscilante, como se ele fosse outro rosto meu, vacilante como o meu, enquanto o olhar de Myah, de todos o mais brilhante, não entra pela casa dentro. Onde estás tu? Como um rio que se funde noutro.


.........................................................................................................


______________________________

Palavras de Casimiro de Brito in 'Uma lágrima que cega' ao som de Yann Tiersen com The lost notebook. As fotografias são de Emma Tempest. 

No fim, "On Growing Old" de John Masefield é lido por Tom O'Bedlam e os bailarinos de Introdans dançam Unfold numa coreografia de Robert Battle ao som de uma ária da ópera Louise de Gustave Charpentier

terça-feira, agosto 16, 2016

Passos Coelho, o alucinado.
Zapping.
E, enquanto os pequeninos brincam aos Pontal's, aos comandos do mundo os verdadeiros artistas Paul Manafort, Donald Trump, Vladimir Putin e outros que tais mostram que não gostam de brincar em serviço.
[La Grande Bouffe revisited]?
Quem goza que nem um perdido é Stephen Colbert. E esse, sim, é persona grata cá por casa



Bem. Praia de manhã, praia de tarde, e agora para aqui estou só a deixar-me dormir. O meu marido acordou-me, eu acordei e, quando olho para o lado, está ele a dormir. É que ele, ainda por cima, esteve a treinar um guarda-redes e isso puxa muito por um homem.

Há bocado, quando estávamos ambos acordados, vimos -- como uma assombração regressada de nefando e recente passado -- um láparo bronzeado que parecia possuído por uma qualquer coisinha má que o levava a alucinar: disparates atrás de disparates, querendo reescrever a história, que no tempo dele a economia bombava, nada como agora, uma economia broxada, um governo broxado. Não sei se foi isto exactamente que aquela pessoa perturbada proferiu porque, mal apareceu, o meu marido instantaneamente ficou alterado: este gajo! F...! Mas outra vez este gajo...?!, F..!, e logo à procura do comando que por aqui ainda ninguém se curou do mal de pele que a avantesma desde o início nos provocou. Zapping com o animal. Por isso, não posso dizer mais sobre o que o coiso foi bolsar para o Pontal mas, se nunca na vida o ouvi acertar uma, não era agora que ia dizer alguma coisa de jeito.

Estive, depois, a ver as fotografias que fiz na praia, os meus meninos cada vez mais lindos, grandes que só visto, brincalhões, e o meu marido havia eu de o pôr aqui para verem o estilo, mas não posso, com tanto olho gordo que há neste mundo ainda haviam de cobiçar aquela pontapé infalivel, olheiros é o que não falta e ainda mo vinham buscar para treinar os goal keepers de alguma equipa teúda e manteúda por um qualquer magnata russo ou ucraniano.

Por isso, por precaução, mostro só o mar. Lindo e hoje bem temperado, uma água amistosa.


Bem. Aquilo dos magnatas vem a propósito do que agora saltou para as bocas do mundo: as dangereuses liasons entre um dos cães de fila de Trump e o dinheiro que das bandas putinescas terá escorrido para uns certos bolsos escusos.

Transcrevo do DN:

Chefe da campanha de Trump acusado de ter recebido milhões de partido ucraniano pró-russo


Paul Manafort, chefe da campanha do candidato presidencial republicano, Donald Trump, terá recebido, durante seis anos, cerca de 13 milhões de dólares de um partido pró-russo, noticiou hoje o The New York Times.


A quantia consta de uns livros de contabilidade secretos do Partido das Regiões do ex-Presidente ucraniano Viktor Yushchenko, agora revelados pelo Gabinete Anti-Corrupção, em Kiev, onde surgem pagamentos em efetivo a Manafort de 12,7 milhões de dólares (cerca de 11,5 milhões de euros ao câmbio de hoje), segundo o jornal norte-americano.

(...) Manfort, segundo a Efe, que cita o diário norte-americano, dedicou grande parte da sua carreira profissional à consultadoria internacional, desde que começou a trabalhar na década de 1980 com o ditador filipino Ferdinand Marcos, até um dos seus últimos clientes, que foi o ex-Presidente ucraniano Viktor Yushchenko. (...)


O The Wall Street Journal diz:

Paul Manafort’s Work in Ukraine Becomes U.S. Campaign Issue


(...) In Ukraine, Mr. Manafort navigated around the egos of tycoons and politicians; he hammered out a message that was part economic, part tribal; and he shepherded campaigns through rocky times.(..) 


For his detractors, the harsh nature of Mr. Yanukovych’s rule reveals Mr. Manafort, 67 years old, as a gun-for-hire focused solely on winning—and with no compunction about the nature of his client.

“Manafort was representing a guy who was up to his eyeballs in corruption and has blood on his hands,” said David Kramer, senior director for human rights and democracy at the McCain Institute and a former U.S. assistant secretary of state under George W. Bush.


O The New York Times desenvolve bastamente o tema. Um filme digno de ser viso na íntegra. Aqui só um cheirinho:

Secret Ledger in Ukraine Lists Cash for Donald Trump’s Campaign Chief


(...) In addition, criminal prosecutors are investigating a group of offshore shell companies that helped members of Mr. Yanukovych’s inner circle finance their lavish lifestyles, including a palatial presidential residence with a private zoo, golf course and tennis court. Among the hundreds of murky transactions these companies engaged in was an $18 million deal to sell Ukrainian cable television assets to a partnership put together by Mr. Manafort and a Russian oligarch, Oleg Deripaska, a close ally of President Vladimir V. Putin.(...)


:::::::::::::::::::::::::::::::::::::

INTERVALO

Desculpem-me o despropósito do interlúdio mas a minha mente volta e meia flutua nem eu sei bem por onde.

Ocorreu-me este filme, imaginem vocês

 La Grande Bouffe, um filme de Marco Ferreri


Fim do INTERVALO

:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

E por todo o lado, como uma onda imparável, toda a imprensa internacional está a ser varrida por aquele mesmo assunto. E não é apenas em artigos sérios, ou de suspense ou preocupados. Não. É por todo o lado, de todas as maneiras. Cartazes, piadas.


Just Putin and Trump eating Dick Popsicles

O sexy Trump de cabelos ao vento, o cavalo de Putin e o próprio
(parecendo revelar alguma intimidade com o louro candidato)


Mas onde, em minha opinião, podemos ver o apontamento mais corrosivo sobre o tema é aqui:

For Donald Trump, Every Day Is Opposite Day
The Late Show with Stephen Colbert 




Ou este aqui abaixo em que, apesar do piiiiii, dá para perceber a piada
(e a dança que se segue é de morte):

Stephen has a question for Donald Trump: "What does Putin's dick taste like?"


During the pre-show Q&A, an audience member asked Stephen a question about Donald Trump. And since the show wasn't broadcasting, he had no reason to sugarcoat it.


______________

E, uma vez mais: Porque é que me interesso tanto pela eleição do próximo Presidente dos EUA?
- Ora, porque na Europa não há quem mande e porque, para o bem e para o mal, é nos EUA --ou sob influência dos EUA -- que as grandes decisões se tomam. E, portanto, a gente pode divertir-se com um laparudo que devia era andar sempre com orelhas de burro ou as cabecinhas mais ocas podem andar a filosofar sobre a ida da ministra Constança à festa em vez de andar a apagar fogos mas, verdade, verdadinha, é que onde se decide de que feição é que devem soprar os ventos é lá na terra daqueles seres bizarros que conseguiram levar um palhaço como o Trump até às eleições presidenciais.
____

E eu, para não acabar o dia a falar do Trump, se me permitem, vou outra vez olhar o mar tal como o vi esta doce segunda-feira (doce como só uma segunda-feira dia-feriado sabe ser).


E que entre uma voz que me fale de mar. Poesia, se faz favor.

"Sea Fever" de John Masefield (lido por Tom O'Bedlam)



__________________

Se descerem encontram mais uma prova do bom humor dos brasileiros, gozando com a sua própria situação: É o Hipismo segundo a malta da Porta dos Fundos.

....

domingo, março 13, 2016

Praia em Março. E memória de outras praias.




Dia de azul intenso, de um frio cortante quando o vento soprava, belo o mar, o branco ondular, a curva redonda do horizonte. 

Lá em baixo, onde o areal se abriga entre as rochas e a rebentação, estávamos mais abrigados, pouco vento, o sol bom na nossa pele, a areia macia. 

E, como sempre, o mesmo prazer: o mar, o ar salgado, o sol, o voo das gaivotas, a largueza de horizontes, a liberdade para correr, as brincadeiras, as conversas.

As crianças jogaram à bola, correram, encheram-se de areia nas suas gloriosas defesas, nos seus aguerridos remates. E nós conversámos: por muito que falemos todos os dias, temos sempre muito que falar.


Sempre fui da beira da água. Quando eu era muito pequena, não era tão frequente ir-se à praia ao longo de todo o ano, mas os meus pais iam.

Quando andava na escola infantil e depois na primária, tinha um professor de ginástica que, mal chegava a Abril ou Maio, já não me lembro bem, nos levava, até ao verão, uma manhã por semana, para a praia. Íamos num autocarro e isso, para mim, já era metade da festa. Ele e as professoras levavam um lençol que atavam a canas e montavam um grande toldo. E isso era outra festa. Mas acho que nunca ninguém lá parava debaixo. Ele levava bolas, cordas, grandes bóias. Uma liberdade imensa, a praia só para nós.

A única coisa desagradável é que eu, em pequena, odiava leite e, depois da praia, quando chegávamos à escola, íamos para o balneário, lavávamos os pés e as mãos e, depois, cada um recebia uma garrafinha de leite Ucal. Era um tormento. Aquele sabor dava-me vómitos. Mas só para não os ter de roda de mim com psicologias, a quererem convencer-me que aquilo fazia bem e que sabia bem, fazia um esforço e lá conseguia engolir tudo.

Tirando isso, era uma alegria enorme de que ainda me recordo, com um sorriso.


Sem ser com a escola, ia ao fim de semana com os meus pais e, claro, nas férias.

Gostava de andar aos mexilhões, havia-os saborosos, cheirando a mar, e eu torcia aqueles fios com que se prendiam à rocha e puxava. Andava com um baldinho, que era amarelo e tinha uma pega branca, cheio de água e punha-os lá dentro. O meu pai levava um canivete para arrancar as lapas. Por vezes, havia amêijoas. Eu gostava de as comer cruas. Mal as apanhava logo as comia, bocados de mar. Quando agora como ostras cruas, frescas, lembro-me dessas amêijoas cruas, molhadas, a escorrer água do mar.

Outras vezes, naquele período em que o meu pai tentou ser pescador, em alturas em que não havia gente na praia, íamos para Galapos e lembro-me que apanhava massacotes e que, quando tinha sorte, apanhava robalos ou, até, linguados. Ficava todo orgulhoso e aproveitava para me explicar como estes se colavam à areia, iguais à areia, para se defenderem. E, enquanto ele estava de vigia à cana ou a iscar o anzol, a minha mãe lia ou fazia tricot e eu andava entre as rochas, vendo aqueles belos seres coloridos e macios que se colavam à pedra, entre limos dançantes, ou pequenos caranguejos que eu tentava agarrar, pegando-os de lado, vencendo o medo.

No verão, já não havia pescaria, e já aqui contei como nos juntávamos todos lá, um grupo ruidosos de amigos, aventureiros. Íamos para longe dos pais, à descoberta de grutas, fazíamos escalada e eu, que sempre tive vertigens, odiava quando lhes dava para trepar bem alto e, lá em cima, saltar de rochas para rochas. Aí cortava-me e não me arriscava, esperava por eles cá em baixo

Mais tarde, para aí aos treze, antes que chegasse o  tempo de férias do meu pai (porque a minha mãe tinha mais tempo de férias mas só ia para a praia com o meu pai), passámos a ir em grupo, sozinhos, apenas com a mãe de três deles, irmãos -- fazia de conta que tomava conta daquela dúzia de adolescentes. Sempre me lembro dela, pesada, tinha um peito enorme que fazia com que parecesse vergada, sempre cansada, completamente alheada das parvoíces que fazíamos. A partir talvez dos quinze anos, ela deixou de ir, íamos nós. Apanhei escaldões sem conta. Era natural irmos no barco comparando escaldões, e puxarmos a pele uns dos outros como se fosse motivo de orgulho. Quando me lembro disso, até tremo com medo do que possa ter acontecido de mal à minha pele branca, nessa altura. 

E o que namorei na praia-- namorei e namoro, que ainda estou viva e, enquanto viver, hei-de namorar (acho eu). Na água, na areia, a liberdade do corpo, o calor bom do sol na pele, a pele salgada, o sal seco na pele ao fim do dia. 


Parece que comigo, por muita cidade que eu habite e por muito campo que me acolha, todos os meus caminhos me levam até à beira de água, ou do rio ou do mar. É uma necessidade que não se explica mas que se sente, como se junto à água estivesse o ar limpo de que preciso. E não é só para respirar: é também para ver. Tranquiliza-me a alma, enche-me de beleza. E gosto de ouvir o mar revolto ou o deslizar das águas dos rios. Gosto mesmo muito, é um alimento bom.

___

O mesmo poema mas agora musicado, interpretado pelo barítono Frederick Harvey,
numa gravação antiga

___

As fotografias foram feitas este sábado, na Costa de Caparica.

.....

Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo dia de domingo.

......

domingo, outubro 18, 2015

Virás comigo desumanamente como vêm as ondas com o vento



De todos os cantos do mundo
amo com um amor mais forte e mais profundo
aquela praia extasiada e nua,
onde me uni ao mar, ao vento e à lua.

Cheiro a terra as árvores e o vento
que a Primavera enche de perfumes
Mas neles só quero e só procuro
a selvagem exalação das ondas
subindo para os astros como um grito puro





Iremos juntos sozinhos pela areia
embalados no dia
colhendo as algas roxas e os corais
que na praia deixou a maré cheia.

As palavras que disseres e que eu disser
serão somente as palavras que há nas coisas
Virás comigo desumanamente
como vêm as ondas com o vento.

O belo dia liso como um linho
interminável será sem um defeito
cheio de imagens e conhecimento.




No fundo do mar há brancos pavores,
onde as plantas são animais
e os animais são flores.

Mundo silencioso que não atinge
a agitação das ondas.
Abrem-se rindo conchas redondas,
baloiça o cavalo-marinho.
Um polvo avança
no desalinho
dos seus mil braços,
uma flor dança,
sem ruído vibram os espaços.

Sobre a areia o tempo poisa
leve como um lenço.

Mas por mais bela que seja cada coisa
tem um monstro em si suspenso.




...

As fotografias do mar grande foram feitas este sábado na Costa de Caparica: um mar imponente, lindo, só visto, as gaivotas felizes com tanto mar, um mar que envolvia em espuma misteriosos brancos pavores.

Os poemas, como é bom de ver, são de Sophia de Mello Breyner Andresen.

Lá mais acima era Kris Delmhorst interpretando Sea Fever, música da própria, poema de John Masefield

Por último, "Sea Fever" de John Masefield  é lido por Tom O'Bedlam

...

Convido-vos, ainda, a descerem até ao post que se segue para verem as surpreendentes paragens de autocarro nos países da antiga União Soviética.

..