Um sindicalista, cuja vida profissional tem sido sobretudo ser sindicalista (creio que já vai em 75% do tempo de carreira) e muito pouco profissional da profissão que representa, resolveu reivindicar um palanque dourado para os da dita classe profissional.
Tendo, durante anos, praticamente toda a população sofrido cortes de rendimentos e visto a sua vida andar para trás, muitos ganhando agora menos do que ganhavam muitos anos atrás, o dito sindicalista resolve fazer finca fé, marcar greves, fazer manifestações e chantagear o governo caso este não abra uma exepção para que os ditos profissionais recuperem integralmente tudo o que perderam nesses anos.
O dito sindicalista, chantageador-mor do regime,
um dos inimputáveis do regime (e é deliberadamente que cito Henrique Raposo), está a fazer o que sempre fez e, segundo ele e quem o apoia, estará a fazer bem.
O que não falta por aí é gente que encabeça causas, usando descontentamentos legítimos para desencadear lutas ilegítimas -- e que acha que faz muito bem.

O que não falta por aí é gente egoísta, destituída de ética. Veja-se o caso dos enfermeiros, que fizeram greves às cirurgias, não querendo saber de agravar a saúde de quem não tem nada a ver com a guerra sindical, admitindo mesmo que a sua acção sindical poderia causar mortes. Veja-se o caso dos motoristas de mercadorias perigosas que não se importaram de parar o país, muito menos com disparidades face a outros trabalhadores com quem hoje se comparam, exigindo para si próprios um aumento para o dobro do que ganham.
Cada um terá argumentos legítimos para se queixar e para pedir mais. Mas o que ninguém de bem pode é fazer exigências egoístas, cuja satisfação exigirá sacrifício de outros. Está aí a linha vermelha que deve ser respeitada.
Mas, dizia eu, o dito sindicalista resolveu erguer um palanque dourado para os seus representados que pretendem ter privilégios que outros não teriam e que teriam que ser pagos pelos contribuintes (contribuintes esses em que grande parte deles tem idêntico capital de queixa e que muito gostaria de também de se ver ressarcido e não de, uma vez mais, ser chamado a pagar mais).
Diria eu que gente de bem não faz reivindicações dessas. Mas o dito sindicalista faz. Faz ele, faz a sindicalista laranja da Ordem, faz o empresário-advogado sindicalista que, ao que parece, anda com a justiça à perna.
É o sindicalismo que temos.
O Governo, onde felizmente está gente responsável, cedo percebeu o óbvio: se fizer a vontade a esses profissionais terá que ir buscar o dinheiro a algum lado e só há um lado: o erário público. Cristalino. Ou corta noutros serviços públicos ou aumenta impostos. Aritmética elementar. Mas o Governo percebeu mais: se abre uma excepção para estes, logo a seguir virão outros. E outros. E outros.
Outros que, de resto, já aí estão. Também quero! Também quero! - é o que ouve e lê por todo o lado. #Je Suis Professor. #Todos somos filhos da Fenprof, #Todos queremos o mesmo.
De resto, assim o exige a Constituição. Não há tratamentos de privilégios para umas classes e para outras não.
E, a repôr tudo a todos o que se perdeu durante os anos de austeridade, quando se fizessem as contas, estar-se-ia outra vez a braços com uma equação impossível.
Mas não é apenas a FenProf, a CGTP: há depois os partidos que gostam de se dizer defensores dos trabalhadores e que, para pouca sorte dos trabalhadores, não apenas não têm visão abrangente, como não sabem fazer contas e, ainda por cima, fazem vista grossa à ética quando lhes convém. Fazendo de conta que o dinheiro nasce do chão ou que cai do céu e que agora é só um bocadinho e que o que vem a seguir não é para aqui chamado e que, se se der agora a estes e mais alguém quiser o mesmo, eles também apoiam porque contas e sentido de responsabilidade não é com eles, resolveram ir também para cima do palanque dourado. De braço dado com o dito sindicalista, falando a uma só voz, resolveram avançar no parlamento.

E aí, porque a capacidade de se ser disparatado é ilimitada e a vergonha também, os dois partidos ditos de direita, PàFs unidos, os mesmos que, quando no governo, trataram os ditos profissionais abaixo de cão (sem que o dito sindicalista piasse), saltaram também para cima do palanque e fizeram coro com as esquerdas e com o sindicalista de rabo pelado.
Face a isso, o Governo reagiu como se exige a um Governo responsável: disse que, se é para dar cabo cabo das contas públicas, se é para voltar a tempos incertos, de aumento de défice e, logo, de aumento da dívida pública, se é para se voltar ao tempo dos cortes e dos aumentos de impostos, então não será com o Governo do PS. Um murro na mesa muito bem dado e muito bem explicado.
E agora, tendo acontecido o óbvio, o palanque apinhado e ameaçar ruir com as esquerdas & direitas reunidas -- Jerónimo, Catarina, Cristas e Rio, os estarolas encostados -- o que fazem os ditos partidos de esquerda? E os de direita?
Ora bem.
Os de direita, em especial os do PSD, estão em estado de estupor catatónico. Não sabem explicar como se meteram em tamanho caldinho. Olham uns para os outros e não sabem o que dizer. Vêem-se na fotografia de braço dado com a CGTP, com o PCP e com o BE e ficam perplexos com a sua própria imagem. Consta que já há canelada, pontapé e encontrão, todos a acusarem-se uns aos outros.

Uns dirão que não leram o que votaram, outros que estavam com uma piela, outros que estavam a dormir, outros que tinham apanhado uma ganda moca. Explicações articuladas não se ouvem.
Ouvi até que o PSD já pondera recuar. O cúmulo da barracada, da frouxice, coisa mesmo de corno-manso. Mas isso ainda é capaz de ser o melhor que lhes pode acontecer: fazerem-se passar por parvos. Tudo o resto, é capaz de ser ainda pior.
Quanto ao CDS, já ninguém quer saber das contradições em que se mete -- caminha a passos largos para a irrelevância total, abrindo cada vez mais a porta ao poupulismo.
E os de esquerda? Bem. Aí é de a gente se fartar de rir. Prendem-se às minudências da coisa, ocultam o que pensam do fundo da questão, todos eles diz-que-diz-que -- que não é bem assim, que as contas não são bem essas, que há um ponto e vírgula deslocado, um algarismo trocado, que não é para já, é só para quem vier depois, que o Governo não está a ver bem, que o Costa é um exagerado e quem o apoia um fundamentalista. Fazem de conta que o dinheiro virá do céu (e omitem o facto de que será aumento não conjuntural mas estrutural e que, se se der o dinheiro a esses, todo o resto da malta vai querer o mesmo e o dinheiro necessário para tudo... upa, upa). Ouvi-los a defenderem a medida, zero. Ninguém pia. O que eu gostava de ouvir era que viessem dizer abertamente bem da coisa, que defendessem com todas as letras as suas ideias:
A gente quer que estes sejam privilegiados. E a gente quer que se aumentem os impostos a todos para dar este privilégio a estes. A gente quer porque quer e ninguém tem nada a ver com isso. E se mais alguém quiser privilégios a gente também apoia. A gente está aqui para exigir privilégios para uns às custas dos impostos de todos mas disso, do aumento dos impostos para pagar privilégios, a gente não quer falar. E quem não nos apoiar é um fundamentalista-socialista.
Isso é que era: serem claros, honestos, mostrarem como pensam, mostrarem a sua 'arte' a fazer contas.
E depois há também os que vêm dizer que o
Costa é um artista, um exagerado, um encenador, que está a fazer aproveitamento político da situação, a colher dividendos do tiro no pé que os outros artolas deram. Mas como não haveria de fazê-o? Como? Alguém me explica? Então o Costa vê uma tropa fandanga de irresponsáveis, a esquerda de braço dado com a direita e com o sindicalista-mor ao colo, todos a darem tiros nos próprios pés e a prepararem-se para darem um tiro no equilíbrio das contas públicas... e ficava a fazer-se de morto? Devem estar a brincar. É que nem era preciso ser um político inteligente, experiente e responsável como ele é: mesmo um panhonha a dormir não podia deixar de reagir face a uma palhaçada destas. O Costa reagiu? Claro que sim e não fez senão bem. Reagiu e reagiu muito bem. Reagiu e o País só tem a agradecer-lhe.
E o Marcelo?
O Marcelo caladinho, caladinho. Na surdina dos corredores muito se deve conspirar, muitos cenários se devem equacionar. E, cá para mim, tudo passa pelo Rio. Nas crises estapafúrdias há sempre que encontrar um idiota para ser sacrificado. Talvez Rio ainda venha a passar à história como o alpaca expiatório. Mas Marcelo, para além de estar mais do que arrependido por ter dado corda ao Nogueira e aos que querem minar o Governo, é construtivo: deve andar a ver como, diplomaticamente, sem que ninguém saia como o palhaço de serviço, conseguir que a coisa aborte,
Quanto aos sindicatos da CGTP (e os da UGT, claro, que são outros inúteis), o PCP e o BE deveriam dar um passo atrás e, em vez de obcecadamente andarem a diabolizar o Costa e a culparem o PS por tudo o que se passa, deveriam ver-se ao espelho e interrogarem-se:
- O que é defender os trabalhadores nos tempos de hoje?
- Deverão cingir-se tão exclusivamente aos funcionários públicos?
- Não serão esses uns privilegiados face a todos os outros?
- Quais são os grandes desafios que o mundo de trabalho hoje enfrenta?
- Como apoiar os mais jovens?
- Como conciliar a vontade que as empresas têm de renovar os quadros com o retardar da idade da reforma?
- Como conciliar as possibilidades de trabalho remoto que as tecnologias proporcionam com os horários, processos e mentalidades de trabalho que ainda são os de antigamente?
- Como fomentar a natalidade sem prejudicar a vida profissional das mulheres que são mães?
- Como conseguir dar formação aos trabalhadores, agora que a transformação digital avança a passos largos, não havendo recursos suficientes para tal?
- Etc.

Talvez se interiorizarem isto e muito mais vejam como são absurdas e até pueris as suas greves, os seus argumentos e as suas lutas.
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Mas, se estou a ver mal, pois que venham daí mais contributos para ajudar a gente ver mais claro
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