Marcelo não queria eleições, claro. Vai acabar coroado de dissoluções e de ingovernabilidades. Mas não pensou nisso quando dissolveu a Assembleia quando havia uma maioria absoluta. Tivesse ele aceitado Centeno como Primeiro-Ministro e não estaríamos onde estamos.
Mas, enfim, leite derramado.
Também achou uma burrice sem tamanho (burrice ou cavalice, como se queira chamar) o Mentenegro ter avançado com a Moção de Confiança. Mas não foi ele que andou com o Mentenegro ao colo até o pôr lá? Claro que depois percebeu que tinha feito mal, que o Luís não é flor que se cheire. Mas tarde demais.
Agora, na comunicação ao País, tentou alertar o País para que se o Parlamento tinha mostrado que não confiava no Primeiro-Ministro, não era colocando o Luís outra vez na berlinda que o problema ficaria resolvido. Como muito bem disse, quando se perde a confiança e quando o que paira é uma dúvida ética, nada a fazer. A mácula está e estará lá.
As notícias sucedem-se, todos os dias um jornal traz uma notícia nova e a conclusão vai sempre desembocar no beco ético a que Marcelo se referiu: Mentenegro é o típico videirinho, pequeno chico-esperto, daqueles que pensa que sabe como fazer para passar por entre os pingos da chuva, que sabe como usar as meias palavras para que, quando vierem dizer que mentiu, ele dizer que os outros é que não perceberam bem.
Vai acabar mal, claro que vai. E não estou a rogar praga nem a fazer futurologia. Estou apenas a ser racional. Trabalhei parte da minha vida em modelos, frequentemente modelos previsionais, modelos que tinham por base estatísticas e probabilidades. Quando a informação chega até mim, mentalmente estabeleço correlações, vejo padrões, analiso desvios... percebo onde é que a coisa vai dar.
Um indício é coisa pouca. Da mesma forma que com dois pontos se traça uma recta, dois indícios já são qualquer coisa, já desenham uma linha de pensamento ou de actuação. E se com três pontos já se traça um plano, com três indícios o esquema começa a perceber-se. A partir de quatro pontos passamos para outras dimensões e o mesmo se passa com quatro ou mais indícios.
E depois há outra coisa: o que é verdadeiro, explica-se facilmente. Quando há mil explicações e quase todas, para parecerem muitas, já não são senão palha, a gente começa a perceber que alguma coisa está a querer ser ocultada. Se eu quiser mostrar as obras que fiz na minha casa, dou uma explicação clara e concreta. Se eu quiser ocultar, apareço com um dossier enorme cheio de papéis que, obviamente, numa conferência de imprensa vai ler. Só uma auditoria experiente, capacitada para perceber de construção e de contabilidade e de legislação consegue entender. Da mesma forma, se eu quiser explicar o que faz uma empresa minha, chego lá e explico: fazemos isto e aquilo, temos x clientes que são estes e estes, o que fazemos para cada um é isto e aquilo, facturamos tanto e tanto, a nossa estrutura de custos é esta, as contas de exploração e o balanço são estes. Tudo simples e clarinho. Mas, se eu quiser lançar a confusão, vou dizer que tenho um terreno com não sei quantos metros quadrados, com duas oliveiras e mais outro que se situa em Rabal e que tem isto e aquilo. E se eu quiser falar da minha idoneidade e da minha moral, vou para a frente das câmaras e sozinha, sem uma corte atrás, explico tudo direitinho, não vou dizer que montei uma empresa com uma estrutura, quando toda a gente sabe que uma empresa que faz consultoria jurídica não se monta com uma educadora de infância e dois filhos adolescentes, mesmo que um deles tenha jeito para a informática. E se eu fizer obras em casa, furando a placa, para transformar dois andares num duplex, não vou dizer que fiz o que tinha que ser feito, quando afinal parece que disse que eram obras interiores que não careciam de licença e não disse que ia mexer na estrutura do edifício. E falam os jornais também nas contas dos dinheiros que não batem certo e depois ninguém percebe ao certo se há para ali dinheiro não declarado ou o quê.
E se eu quisesse que não subsistissem dúvidas, pedia à Autoridade Tributária (ou porventura, também a outro qualquer organismo) que auditasse as contas da empresa. Pois se Mentenegro diz que nunca tirou de lá dinheiro nenhum, seria interessante que se comprovasse que não é de lá que sai o pagamento da água, da luz, das comunicações, dos combustíveis, da limpeza da casa, dos restaurantes, de viagens, um 'ordenado' da mulher, se calhar também um 'ordenado' para um ou para os dois filhos, quiçá uma 'renda' da casa, e sabe-se lá que mais. Se eu não tivesse nada a esconder, teria imediatamente fornecido a contas descriminadas da empresa.
E mostraria também, com o consentimento dos clientes, qual o trabalho efectivamente prestado. Seria interessante saber que trabalho é que a Solverde e demais clientes (como a gasolineira que pagou 230.000 € quando tem 12.000€ de lucro e, pelas contas do ano seguinte, parece que não beneficiou nada de tal trabalho) contratam para ser feito pela Inês Patrícia. Seria interessante não numa de voyeurismo mas, sim, para esclarecer tão bizarro mistério.
Há um acumular de dúvidas que mancham a credibilidade de Mentenegro. Vota-se em alguém em quem se confia.
Um político a sério, perante estas dúvidas, demitir-se-ia e tentaria provar, fora de cargos de poder, que é inocente e impoluto. Não arrastaria o governo, o partido e o País.
A dimensão de um homem (ou de uma mulher) vê-se, sobretudo, na forma como enfrenta os desafios: se é com verticalidade, de peito feito, com grandeza.
Mentenegro escondendo-se atrás da mulher e dos filhos, depois atrás do Governo, a seguir atrás do PSD, mostra ser um pequeno homem, alguém que não deveria estar na política.
O outro, que é gozado por todo o lado, roubava malas no aeroporto. depois continuou a dizer-se inocente e a manter-se no Parlamento. Este, a ser verdade tudo o que tem sido noticiado e não desmentido, joga num tabuleiro diferente, porventura mais rentável e um pouco, apenas um pouco, mais sofisticado.
Só espero que a campanha que vai ser feita, em que mentem, mentem descaradamente, se gabam do que herdaram do Governo do PS (do excedente orçamental e dos projectos e trabalhos em curso, muitos dos quais interrompidos com a interrupção do Governo socialista), em que se vitimizam, seja desmascarada. Julgo que o mais eficaz será através do humor, através de memes que circulem nas redes sociais, que estejam nas ruas.
A política deve ser deixada para quem a executa com grandeza, com verdade, com honestidade, com verticalidade, com carácter. E não é o caso desta gente do actual PSD.