Mulata escura, talvez uns trinta e tal anos, reboluda, de grande e arrebitado rabo, anca generosa, perna substantiva, amplos seios verdadeiramente laudatórios. Toda ela ostentava o orgulhoso corpo que tinha conseguido enfiar dentro de um fato de lycra em amarelo quase dourado, apertado a meio com um cinto cor de cobre. O salto era alto, a malinha de mão tinha bonecos estampados sobre uma pequena superfície reluzente e falava ao telefone num brasileiro gostoso, perguntando à amiga se ainda tinha aquele esmalte azul. A amiga não deve ter percebido logo porque ela foi mais precisa: aquele piquinininho azul que estava lá na mesinha piquinina da televisão. Penso que disse: aquele vidrinho piquinininho azul. Aí a outra deve ter dito que sim pois a ampla mulata rejubilou enquanto explicava que tinha encontrado esmaltes de todas as cores mas nenhum naquele azul que fica bem com a roupa que ia levar para ir na casa da doutora. Falava muito alto, ria, jorrava exuberância. Pela conversa pareceu-me perceber que ia conhecer a dona da casa onde precisariam de uma empregada.
Eu ia atrás dela no corredor do centro comercial a caminho da escada rolante e assim continuei na escada, uns dois degraus acima dela. Não podia deixar de ouvir. De resto, estava fascinada com aquela mulher tão orgulhosa da sua aparência, tão alegre, tão confiante. À luz dos meus formatados conceitos estéticos diria que ela tinha o dobro do peso, usava roupa demasiado garrida, justa demais, os saltos eram altos de mais, a carteira garrida demais, as unhas gaiteiras demais, aquele cabelo liso demais, comprido demais e arruivado demais.
Se o que percebi estava bem percebido, iria apresentar-se à possível patroa. Não sei se a roupa azul que pedia um esmaltinho a condizer seria mais discreta, não sei se viraria outra, uma mulher normalizada, e ou se iria assim, gloriosa, provocante, espaventosa.
Pensei: fosse eu jornalista e meteria conversa, pediria sessão fotográfica, pose indecente ou, para contraste, pose sonhadora, pediria que me levasse a sua casa, que me mostrasse a decoração do seu quarto, o armário da roupa. E quereria saber da família, de amores -- ávida das histórias suculentas que dali certamente sairiam. E, se ela costumasse sair para dançar à noite, eu quereria conhecer os passos e os reboleios, quereria vê-la reluzente e ainda mais liberta, quereria vê-la de volta a casa, transpirada, saciada, pronta para se atirar na cama.
Mas não sou jornalista. Por isso, saí dali para o parque de estacionamento enquanto ela foi para a porta da rua, talvez para a paragem de autocarro. Deve ter ido a casa da amiga para poder pintar as unhas de azul e eu, insignificante, praticamente invisível, fui enfiar-me numa torre de vidro junto de homens cujo dress code não deixa espaço para a ousadia, para a cor.
Quando a vi no centro comercial e agora, a pensar nela, lembrei-me dos sapeurs congolenses que conheci através do E. que tantas coisas me tem dado a conhecer. E agora, ao procurar um vídeo com os sapeurs, apareceram-me também outras figuras típicas, os pachucos. Que graça.
José de la Rosa, aka Pachuco Nereidas
Jocelyn Armel Le Bachelor
E viva la vida!