segunda-feira, dezembro 31, 2018

Bye-bye 2018





A manhã foi atarefada. Toda ela daqui para ali, a tratar das mil coisas que, ao longo dos dias de trabalho, vão ficando para trás. Quando à hora de almoço liguei à minha mãe e contei das minhas andanças ela disse: 'a vida dos reformados é isso, a andar de um lado para o outro a tratar de coisas'. Respondi que a diferença é que podem ir fazendo, diluindo os afazeres ao longo de dias, enquanto eu tenho que tratar de tudo num único dia, por atacado.


Depois, já tarde, fomos almoçar à praia e dar um passeio à beira-mar. Mas, às tantas, deu-me uma tal pancada de sono que não via a hora de chegar a casa e dormir um pouco. Só que, já perto de casa, apanhámos um estúpido de um carro mal estacionado que nos impedia a passagem; por muito que apitássemos -- e para meu desepero e fúria do meu marido -- não apareceu o dono. Parece que há cada vez mais pessoas que não se importam de incomodar os outros. Intriga-me esta tendência. As pessoas está, genericamente, a tornar-se cada vez mais egoístas e parvas? Não sei. O que sei é que, se estivesse sozinha no carro, a esta hora ainda lá estaria travada, sem conseguir passar. O que nos valeu foram as peripécias e manobras de alto risco empreendidas pelo meu marido, incluindo pôr-me a mim a mandar parar o trânsito numa rua para ele sair em sentido proibido. Enfim, lá conseguimos resolver o imbróglio e chegar a bom porto. O problema é que, com isso, espertei. Ainda me deitei mas debalde, o sono tinha-se esvaído.


Daqui a nada tenho que me ir arranjar para me preparar para os festejos da passagem de ano. Mas parece que não estou muito convencida, como se ainda não estivesse completamente certa de que já passou um ano desde a última vez. Isto parece que está a andar depressa demais. Nem sei bem com que é que me distraí para o tempo ter passado sem ter dado por ele. 

Sei que foi, para mim, um ano do caraças sendo que, em boa verdade, com os dados de que disponho não possa dizer que foi mau pois pode muito bem ter acontecido que o valente pontapé que dei no que se estava a perspectivar tenha surtido efeito e que, no acto, e até involuntariamente, tenha aberto portas que antes nunca tinha pensado sequer que poderia transpor. Mas não sei. Se há coisa que posso concluir é que nunca se sabe tudo e que o que parece pode não ter nada a ver com a realidade. Há jogos de espelhos, silêncios, segredos, jogadas palacianas -- dos quais raramente alguém se apercebe. Penso que posso também concluir que, em não querendo alinhar com alguma situação, mesmo que isso implique correr todos os riscos, não deveremos claudicar. Se o não é para ser não, que o seja de frente, sonoro, inequívoco. E, se o que queremos é outra coisa, então que avancemos, sem medo, com convicção. E digo isto sem saber qual o desfecho da minha petite histoire mas também não me preocupo pois o que for soará e cá estarei para fazer frente aos imprevistos e para lutar pelas minhas ideias.


De resto sei outra coisa. Os mais flexíveis, os que têm a coluna vertebral muito dúctil, os que gostam de ser informadores, conselheiros e que dão tudo para comer à mão do dono são os que se aguentam melhor nos corredores, bastidores e ratoeiras. Podem vir vendavais e tormentas que todos soçobrarão menos eles. Mas um dia virá em que a maré muda e que quem vem de novo não se queira ver rodeado de lambe-cus. E então serão inapelavelmente despejados no esgoto dos irrelevantes que não ficam na história.

Fica o quê?


Ficam as boas pessoas, as pessoas generosas, bem intencionadas, bem formadas, boa onda, com sorriso franco, com sentido de humor. São essas as pessoas que realmente interessam. Percorro de memória as pessoas com quem lidei neste ano que está prestes a passar; seja em contexto pessoal, social, profissional ou virtual, confirmo: há qualquer coisa que separa as pessoas de personalidade informe, as que são tóxicas, azedas, paranóicas, vulgares, das pessoas genuínas, simpáticas, francas, com sentido de humor, inteligentes. À medida que o tempo passa por nós, passa cada vez mais depressa. É, pois, natural que nos vamos tornando mais selectivos, manifestando as nossas preferências pelas pessoas junto das quais nos sentimos bem, cujas palavras nos tocam, acordam, incentivam ou abraçam.

É a pensar nas pessoas boas que me têm acompanhado nesta minha jornada que escrevo este post.


Não sei se escreverei mais algum post ainda em 2018. No dealbar de 2019 tentarei aqui vir para vos desejar um bom ano novo. Mas, até lá, vou já formulando votos de que nos continuemos a encontrar por aqui, com saúde, com alegria, com disposição para ir em frente. E que os que estão doentes melhorem ou, pelo menos, sofram menos, e que os que estão tristes voltem a encontrar os caminhos da felicidade e que os que estão desmotivados descubram como arrncar de si o torpor e o desalento -- e que todos os dias que aí vêm sejam dias que valham a pena ser vividos.

E agora, co vossa licença, vou ali passar o meu lindo vestido a ferro para estar apresentável quando o Novo Ano der as caras.


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[Mais imagens no Bored Panda]

As minhas diletantes oliveiras




Ontem ao fim da tarde, acabei o trabalho que fiz no olival do meu melhor amigo. As oliveiras podadas (arreadas ou arriadas como aqui se diz) deu um outro aspecto à terra. De cuidado, de zelo. Ficámos ali um pouco a olhar aquilo, o perfil da serra ao fundo, o cheiro de ervas aromáticas trazido no vento, e dá gosto ver as coisas cuidadas.
[Soliplass dixit em comentário lá mais para baixo]  

O nosso vizinho da ponta da estrada tem cavalos, burros, vacas, ovelhas. Se calhar também galinhas. E tem oliveiras. E talvez tenha outros cultivos. Ali a seguir ao verão, creio, quando calha ter algum assunto para trocar connosco, inevitavelmente vemo-lo com pressa e diz que vai para a azeitona. Nessas alturas essa é a sua prioridade. Este ano o filho veio ajudá-lo. No outro dia o meu marido perguntou-lhe se o ano tinha sido bom, se tinha dado muita azeitona e, para meu espanto, ele converteu a colheita em litros de azeite. Pensávamos que ele venderia as azeitonas à cooperativa mas, afinal, contou que não, que deixa lá a azeitona e que depois vai buscar o azeite. Contou que não há produtos químicos, que é tudo puro. O meu marido perguntou se tinha para vender. Eu estava receosa, receei que saísse dali um azeite escuro, ácido, mal saboroso. Ele descansou-me, que era bom, pouco ácido mas que podíamos levar um garrafão para vermos se gostávamos. Trouxémos. Bom. Claro, parece ouro líquido, bom, macio. Já lhe pagámos. demos uma garrafa à minha filha, outra ao meu filho e o que ficou para nós quase se acabou. Fiquei mesmo impressionada. Quem diria? aquele vizinho é cheio de surpresas.


Do nosso terreno avistamos um belo olival na parte descendente do vale. Olho-o com gosto. Tão bonito. Se calhar é o dele. Também na estrada a caminho de lá passamos por vários outros olivais. As oliveiras muito bem cuidadas, em corredores muito alinhados, todas bem tosquiadas, a terra limpinha por baixo. Olho-as com admiração: há ali uma amostra de um mundo organizado e limpo.


Aqui in heaven nada é assim, aqui tudo cresce onde lhe apetece. Temos oliveiras. Têm nascido. Desengonçadas umas, desempoeiradas outras. Vamos podando, mas tal como podamos as outras árvores, sem técnica, sem conhecimento de preceitos, apenas para que fiquem mais arejadas. São bravias, se calhar vieram de outras paragens. As copas misturam-se com aroeiras, com azinheiras. Namoram umas com as outras em plena liberdade.

Para nossa surpresa algumas já dão azeitonas. São azeitonas pequenas, com caroços grandes. Não as apanhamos porque não saberíamos o que fazer-lhes. Já nos explicaram mas não sei, não levo muita fé, não sei se azeitonas nascidas de árvores selvagens serão boas. De certa forma, parece-me até quase um sacrilégio, não sei se elas dão frutos apenas para seu próprio prazer, não sei se faria sentido apanharmo-los sem os sabermos tratar com dignidade.


Gosto muito delas, das oliveiras. São árvores de folhinha bem definida, clarinhas, brilham ao sol, as ramagens tèm uma densidade que deixa passar a luz, ficam prateadas.

Não olho para elas como uma fonte de rendimento mas como umas árvores bonitas. Existem pela gosto e graça de existirem. São umas diletantes. Como eu. Não sei se uma mão profissional poderia fazer alguma coisa delas. Nem sei se umas dez oliveiras dariam alguma coisa que se veja. Ou se deveriam ser enxertadas. Não faço ideia. Por enquanto existem apenas, leves, sedutoras, úteis apenas por serem belas.


Hoje, enquanto andava à procura delas para as fotografar descobri mais uns três ou quatro pés, ainda frágeis, troncos finos, todas vergadas, a quererem evidenciar-se no meio do alecrim, talvez a quererem ombrear com os cedros. Não sei se vingarão, se calhar sim, como todas as outras. Também não sei se um dia se tornarão úteis ou se se manterão assim, turistas acidentais, diletantes. Não sei. As árvores aqui têm vontade própria, elas saberão qual o seu melhor destino.


Temo que, ver estas minhas oliveiras assim, neste aparente (e real?) caos, deve ser um desconsolo para si, Soliplass. Mas não me recrimine: não é falta de cuidado, acredite. É apenas a minha peculliar forma de gostar delas. Talvez um dia eu saiba tornar-me aquilo que gostava de ser, uma verdadeira camponesa mas, por agora, não passo disto, uma diletante meio maluca...

Mas, então, não é que descobri outra gruta in heaven?
Esta é mini mas, ainda assim, é uma gruta. E nela se hão-de esconder outros mistérios.


Continuo a andar a escrutinar cada pequeno bocado, olhando atentamente a terra, as flores, as pedras. É claro que sou um bocado míope mas, por isso mesmo, tenho que me aproximar, desviar arbustos, espreitar. 

Pelo sim, pelo não, levei um pau. Escolhi um pequeno e levezinho para não me atrapalhar nas fotografias. Mas, quando estava num lugar mais isolado, lá mais para o fundo, ouvi um barulho. Talvez um coelho a fugir. Em condições normais não me atrapalharia. Dá-me, sim, para me arrepiar, só isso, uma impressão que se inscreve na pele, aqueles ruídos quase orgânicos têm um efeito em mim que não sei explicar. Mas agora, com a perspectiva de me aparecer um javali pela frente, pensei que aquele pauzinho não me serviria para nada. Fui, então, à procura de um maior e mais forte. E estava nisto, a andar a ver se descobria um pau quando dei com um buraco que nunca tinha visto.



Ainda não há muito tinha descoberto outra gruta, uma grutinha, um buraquinho muito perfeitinho. Esta agora parece ser maior. Noutra altura ter-me-ia posto lá mais perto, teria lá enfiado o pau para ver até onde ia. Agora não, não me arrisco. Não sei o que se esconde dentro das rochas. É como se o meu heaven tivesse o lado visível, o dos caminhos cobertos de caruma, as árvores e os arbustos que estão tão grandes, os pássaros e as flores, e um lado invisível, secreto, com grutas onde se abrigam animais, seres magníficos que saem à noite para explorarem a superfície.

Gosto cada vez mais deste meu bocado de terra, como se tivesse nascido aqui, como se tivesse nascido daqui, saído de dentro dos rochedos, de debaixo da terra.


Uma vez houve um vendaval e caíram algumas árvores, entre elas um pinheiro muito grande que vi ajoelhado por terra como um cavalo grande e moribundo, ou um grande cedro que tombou e acabou por ser cortado. Senti um desgosto como se fossem pessoas da minha afeição.  Nos dias de calores intensos e incêndios temi, temo sempre, que um dia o fogo devore anos da minha vida, destrua este pedaço de natureza que sinto que nasceu das nossas mãos. Nessas alturas, desejando que este meu bocadinho de céu consiga viver, belo e intacto para todo o sempre,  interrogo-me se seria capaz de sobreviver a uma possível destruição. E penso que sim, que continuarei a viver e que continuarei a sentir-me agradecida por todo o tempo em que me tem sido dada a possibilidade da fruição desta comunhão profunda com uma natureza da qual sinto que sou parte integrante. Toda a felicidade que senti ao longo dos tempos e que se mantém intacta dentro de mim é um capital muito meu, viverá sempre no meu íntimo, recriar-se-á enquanto me for dada a graça da memória.


E, enquanto tudo vive e se reproduz e morre e renasce e eu aqui dentro destes acontecimentos espantosos, vou descobrindo a harmonia essencial que habita em cada abertura na rocha, em cada ramo que se desenha como um elegante arabesco, em cada visão da serra assombrosa e protectora que me rodeia, em cada flor que desponta espontaneamente, em cada canto das muitas aves que daqui fizeram a sua casa, em cada barulhinho de um animal a fugir ou de um pássaro alvoroçado a esvoaçar por entre as ramagens, em cada sino que ouço ao longe vindo de uma qualquer aldeia aconchegada nas faldas da grande montanha azul.

Tirando isso, vou experimentando os prazeres também simples de cozinhar, de fazer tapetes, de ler -- de simplesmente existir.

Ao levantar-me encontrei assim o poiso onde tinha estado à noite: tapete, lãs, livro, uma estola quentinha, a mantinha em que me tinha enroscado, almofadas, Uma desarrumação. Vestígios da minha presença.

E já cá volto para mostrar as minhas oliveiras. Tenho essa pendência com o Soliplass.

domingo, dezembro 30, 2018

Madrugar à conversa convosco






Não sei o que é isto hoje que a casa parece que não quer aquecer. Estou com um aquecedor a óleo aqui à minha beira e com a salamandra a queimar lenha como se não houvesse amanhã -- e a sala continua fria.

Ainda não há muito tempo tínhamos que comprar lenha. Mais recentemente comprávamos ao vizinho da ponta da estrada mas, antes de sabermos que ele tinha lenha a mais, íamos comprar a um lugar de que já uma vez aqui falei, um lugar muito estranho. Por vezes, algumas memórias minhas assomam como se quisessem que eu as revivesse mas algumas parecem-me improváveis, como se eu estivesse a ficcionar. Aquele homem silencioso e rude, aqueles cães enormes que ladravam e rosnavam ameaçadoramente sem que o homem tentasse acalmá-los, aqueles barracões cheios de lenha coberta por grandes oleados onde facilmente se poderiam esconder meliantes ou onde aquelas feras poderiam devorar presas indefesas sem que delas restasse algum vestígio é daquelas memórias que me parece saída de um filme de terror. Mas talvez aquele lugar, que existe na realidade, seja apenas um lugar muito pobre e o homem alguém a quem a vida não sorriu.


Mas isso era de quando as nossas árvores ainda eram pequenas. De repente, o lugar alterou-se. As árvores cresceram muito, a terra que, antes era castanha e seca, agora é fofa, escura, fértil e cobre-se de musgo, folhas secas, e dela brotam flores, arbustos, As pedras que antes tinham a superfície seca à vista agora também se cobrem de musgo, e nascem fetos, há heras a cobrir alguns rochedos. Toda a paisagem agora é outra. Estou a escrever e a pensar: do meu amor nasceu um bosque.


Temos, pois, lenha que não acaba. Levantei-me agora mesmo para ir pôr mais um tronco na salamandra. Cheira muito bem esta lenha. Quando chegámos, a casa estava gelada mas cheirava muito bem, a boa lenha queimada. Azinheira, cedro, pinheiro. Não sei se aroeira. Há madeiras que não queimam bem. Por exemplo, o meu marido não quer aproveitar a madeira da figueira, tenho ideia que diz que não arde. Mas deve arder, se calhar leva é mais tempo a pegar-lhe o fogo. Não sei.


Fico muito contente, orgulhosa mesmo, como se as árvores terem deitado tanto corpo fosse um pouco obra minha. Mas não quero parecer pretensiosa. A natureza não se deixará influenciar pelo amor de uma mulher. E, no entanto, as árvores sentem, comunicam entre si e são, acredito nisso, seres sábios, fortes e sensíveis, seres superiores. Quem sabe não se sentem mesmo felizes por se sentirem tão amadas e, como as pessoas que são felizes e criativas quando se sentem estimadas, também elas, as minhas queridas árvores, desataram a crescer e agora chamam os pássaros e dão abrigo a musgos, arbustos e flores? Quem sabe?


Faço perguntas cuja resposta desconheço. Sou bicho inferior, só sei fazer perguntas, não descubro resposta para quase nenhuma.

Estive a fazer o tapete enquanto via televisão mas está a dar um filme que não é adequado ao meu estado de espírito e as alternativas não são muito melhores. Por isso, voltei aqui para escrever e para plantar mais algumas fotografias que fiz durante a tarde. Fotografo tudo porque tudo me maravilha. Enquanto não levar um susto de algum javali, continuarei neste meu doce flanar.


Hoje de manhã fui cortar o cabelo à cabeleireira. Queria coisa mais profunda e estruturada do que as tesouradas que lhe dou em casa. Estou com uma grande vontade de fazer uma coisa nova, apresentei uma proposta, coisa arrojada, ousada mesmo, e tenho que estar preparada para a defender. No meu íntimo sei que joguei uma cartada arriscada, dir-se-ia de improvável sucesso. E, no entanto, sei que quero que aconteça e sei que, quando quero assim uma coisa, não descanso enquanto não a tenho nas minhas mãos. Perguntei ao meu marido: 'E se não consigo?'. Ele disse: 'Se não consegues sabes o que tens a fazer'. Sei.

Mas porque sinto que, de uma maneira ou de outra, alguma coisa vai mudar, decidi que tinha que mudar de corte de cabelo para melhor sentir que aí vem uma vida nova.


E, na cabeleireira, foi aquela diversão de sempre. Disse ao meu marido: 'Se lá pusessem uma câmara a gravar e difundissem via televisão, haveria de ser programa líder de audiências'. O que aquelas mulheres dizem, o que riem, a forma como dizem que dão a volta aos maridos, a forma truculenta como falam umas das outras ou como relatam as suas pequenas rebeldias do dia a dia, fascina-me. Tudo demasiado irreal, tudo extremamente divertido. Eu estava a ler as revistas que não perco por nada quando lá estou mas com um olho nas celebridades e outro naquelas fantásticas conversas. O mundo real é surreal. Tenho pena quando vejo que estou quase despachada.


No carro, à vinda para cá, adormeci completamente. Sabem-me mesmo bem estes sonos que me desligam do mundo. Só acordei quando já estavamos a caminho do supermercado da cidade mais perto aqui da aldeia. Há lá peças de carne que não encontro na 'minha' cidade e já estou a aprovisonar mantimentos para o almoço de Ano Novo. O meu marido, como é um apressado e gosta de planear tudo, até já sugeriu que eu cozinhasse já algumas coisas ou que, pelo menos, adiantasse já as cozeduras. Claro que não vou fazer isso, ia lá servir comida a saber a coisa já feita? Vou congelar e faço no dia, excepto uns petiscos que são de demorada confecção que, esses, farei de véspera.

E estou a sentir que preciso de férias. Aliás, estamos os dois. Mas nem eu nem ele podemos agora. O que me vale é que quando me apanho com um ou dois dias de descanso, aproveito muito bem, estico o tempo, sorvo cada instante com vagar, contemplo com minúcia a beleza de cada pequena coisa.


E agora vou dormir. Já viram bem isto? Estou para aqui a escrever de gosto, nem dou pelo tempo a passar. O lume espevitou, a sala finalmente parece mais quentinha. Estou com uma manta quentinha nas pernas e sinto-me confortável. Em contrapartida o Leonardo DiCaprio, coitado, continua ali naquela dolorosa labuta, a rastejar no meio do gelo e de sangue.  E, quem sabe, a esta hora, ali fora,  sob o belo céu estrelado, andam javalis a revolver a terra à procura de bolotas.

... e eu, se não me detenho, continuo nisto. Daqui a nada são três da manhã, não tarda começa a madrugar e eu ainda para aqui nesta conversa vadia convosco. Santa paciência para mim mesma.

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O bicho misterioso e o mocho sorridente





Pois em verdade vos digo. O bicho misterioso continua por cá. Há pegadas frescas, terra revolta. Andámos a tentar descobrir de onde vem mas ainda não descobrimos.  As marcas aparecem do nada e para o nada desaparecem. Hoje há pegadas ao longo dos caminhos, grandes, redondas, fundas. Como se estivesse a correr pois o impacto é bem marcado. 


Depois como se estivesse à procura de alguma coisa enterrada. Dá ideia que escava à superfície.


Haveremos de descobrir. Ou talvez não. Há tantos mistérios que permanecem mistérios e aos quais a gente se habitua que se nunca descobrirmos também não faz mal. Agrada-me a ideia de que este meu bocado de terra seja o bocado de terra também de outros seres. Pássaros, lagartixas, coelhos, gatos, se calhar veados, se calhar raposas.

Não sei se come os cogumelos pois os que estavam a semana passada desapareceram sem deixar rasto. Só dois sobrevivem. Mas são diferentes. Os outros eram redondinhos, a campânula aberta. Estes parecem a brincar. Só falta serem encarnadinhos com pintinhas brancas. E, já agora, duas freirinhas vestidas de freirinhas, debruçadas, de cestinha no braço, a cantarem 'um cogumelo... dois cogumelos...'. Destes nunca por aqui tinha visto. A menos que sejam dos outros mas estejam pendidos. Mas nunca tinha visto cogumelos assim aqui, in heaven.


Mas, seja o que for o bicho misterioso, não assusta os pássaros. Por aqui andam, voando e desfrutando a sua infinita liberdade. Cantam, cantam.

Hoje estava um sol ameno, muito bom. Na rua é que se estava bem. A casa gelada. Agora a lenha crepita mas a casa ainda não aqueceu o suficiente. 


Portanto, durante o dia, andei a passear por entre as árvores e arbustos, as flores começando a despontar, os ramos de alecrim cheios de pontinhos brancos que se transformarão em florzinhas lilases. Gosto de andar assim, sozinha, em silêncio, devagarinho. Há zonas em que há miríades de pequenos insectos. Quando passo num caminho cá de cima e olho as árvores lá em baixo, vejo nuvens deles. É bom. São amigos da polinização. Todas as formas de vida são boas. Estes cintilam à luz do poente que se avizinha


Os montes à volta são imponentes e ao fim do dia ficam azulados até que se diluem no horizonte, pálidos e perfeitos. Manchas imensas tragadas pela noite com os seus lobos, os seus bichos nocturnos e secretos.

Mas isso é à noite, agora, E se eu espreitar para fora nada verei. O meu marido veio dizer-me que a noite está estrelada. Foi lá fora buscar mais lenha. Não lhe faz impressão andar às escuras por aqui. Quis que eu fosse ver o céu mas eu tenho estado aconchegada com a mantinha, a ler a descrição de alguns dos melhores perfumes lançados este ano e, depois, Viagens, selecção de Jorge Vaz de Carvalho de textos de Virginia Woolf, e tive preguiça de me levantar para ir ver o céu. Mas agora estou com pena. Daqui a nada ainda vou espreitar. Não se pode virar as costas a um céu estrelado. Sei lá se um dia não deixaremos também de ter céus estrelados à nossa porta?

Mas, quando andei a passear, ainda era de dia. Pendurei mais um espanta espíritos debaixo do telheiro e fotografei mais um novo habitante.  Aqui parece que está a sorrir mas acho que não, tem é um ramo à frente da cara.


Foi um dos presentes de Natal do meu marido. Fez as delícias de toda a gente com todos a gozarem, dizendo que ele já se rendeu à minha maluqueira. Eu, confesso, adorei. Mexe a cabecinha, nunca pára sossegado (refiro-me ao mocho, não ao meu marido). Espero que não espante os passasrinhos (continuo a referir-me ao mocho) e, por isso, para evitar alguns efeitos colaterais, está num lugar mais ou menos abrigado. 

Agora vou beber um chá de camomila a ver se me aqueço. Daqui a nada talvez volte.

sábado, dezembro 29, 2018

As principais questões de beleza colocadas ao Google em 2018:
espelho meu, espelho meu...




O que tenho a declarar em minha defesa é que quase tudo o que é preocupação de beleza me passa ao lado. E digo 'defesa' só para disfarçar porque, a bem dizer, nem sei que diga. É que fico até apreensiva. Um destes dias dou por mim a parecer saída de uma qualquer gruta perdida no tempo, com uma aparência idêntica à da nossa Irmã Lucy -- a famosa australopiteca -- completamente deslocada face à beleza sofisticada das minhas contemporâneas. 

Até tive que fazer pesquisas para perceber de que se trata pois não apenas não consumo como não sei do que se trata (obviamente também não inalo). 

Como o texto original está em francês e é longo e como estive a trabalhar até a esta hora -- e estou que nem posso, capaz de ceder à tentação de me enroscar numa mantinha, me chegar para trás e me pôr a ver televisão durante meio minuto e, a partir daí, dormir uma boa soneca antes de me põr a caminho da minha deliciosa caminha -- vou atalhar. Vou ao tradutor do google e ele que faça das suas.

Vou apenas mudar uma ou outra palavra porque o tradutor parece que só conhece o português abrasileirado. Por exemplo, vou pôr pestanas em vez de cílios. Mas sei que o que a seguir vos apresento não é obra asseada, até quase parece português digno de um jovem licenciado 
(que ainda hoje recebi um mail de um que é considerado pelos RH como um jovem talento com elevado potencial uma frase que rezava assim: "enviee lhe uma sugestão para fazer-mos uma circular")

E, já agora, vocês, minha gente, sabiam que pestanas é o que está a dar...? Eu não, não sabia de nada.  Há todo um mundo paralelo que desconheço. Vivia na ignorância que o meu olhar pode ser recauchutado, aprofundado: pestana extensa como penacho, alçada, sobrancelha bem desenhada e penteada.


Mas então lá vai disto: o artigo todo traduzido a la minute. As imagens não constam do texto original, estão aqui por iniciativa minha, para o caso de também precisarem de ajuda para perceberem qual a cena. E vou inserir os links que constam do artigo caso queiram adquirir cultura avançada.

Google just shared the top 10 beauty questions of 2018 — so we did you the favor of answering them


Les dix questions beauté les plus posées sur Google en 2018


O mecanismo de busca listou os problemas de beleza que foram mais apresentados em 2018. A lista, que surpreenderá mais de um, é indicativa das preocupações estéticas de nossa sociedade, onde a beleza primeiro passa pela visão.


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1. Como aplicar pestanas postiças magnéticas?
[What?!?!?!?!

Em 2018, as pestanas experimentaram um pico de popularidade, tornando-se aliados para estender o visual com uma pose cada vez mais simples e intuitiva. Nossas melhores dicas em colocar pestanas postiças em minutos.

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2. O que é um elevador de pestanas?
[What?!?!?!?!

Sempre na era do tempo, o conselho em torno dos olhos desperta um grande interesse. Como aplicar o seu rímel? Aqui estão os passos para um resultado perfeito.

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3. Como remover as pestanas postiças?
Para não danificar as pestanas, é importante usar uma boa técnica. Três ingredientes são essenciais: o solvente para cola de pestanas falsas, removedor de maquilhagem ou óleo de coco, amêndoa mineral ou doce também permite remover a cola e a maquilhagem. Você apenas tem que escolher um produto adequado para evitar atacar a área dos olhos.

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4. Que cor de cabelo é a melhor para mim?
Antes de adotar uma coloração rosa como algumas estrelas este ano, é melhor aprender sobre as contraindicações, incluindo aquelas reveladas por 60 milhões de consumidores que alertam sobre a toxicidade dos corantes capilares.

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5. Como fazer olhos de corça?
Estamos acompanhando o caso há muito tempo e o controle do delineador não terá segredo para você, graças ao conselho de Miky.

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6. Como remover a maquilhagem, a não ser com lenços de limpeza?
Há muitas maneiras de fazer isso com água micelar, óleos ou cremes. O importante é escolher o seu removedor de acordo com o seu tipo de pele.

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7. Como aplicar aloe vera?
Suas virtudes de hidratação e regeneração de células são comprovadas. E há as perguntar sobre receitas caseiras, cremes, cuidados com os cabelos ... E outros métodos diferentes de usar esta planta suculenta.

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8. Como colar as sobrancelhas?

Este método do Japão gerou grande interesse no Instagram com o lançamento de um gel preenchido com fibras sintéticas. Nós nos perguntamos se essas extensões realmente funcionam.

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9. Como organizar um gesso com efeito de maquilhagem? 
[NB: Estou em crer que esta foi mais uma das fails do tradutor do google. Cá para mim a pergunta não é nada deste disparate mas, sim, como evitar que a cara parece coberta de gesso] 
Esta é uma das questões existenciais em beleza. Um ingrediente para remediar isso: escolha sua base e evite erros ao aplicar.

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10. Que corretivo usar?
Ele se tornou uma necessidade em nossa vaidade. Para um contorno de olhos perfeito, a nossa receita de corretivo caseiro.


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E hoje, meus queridos Leitores e Leitoras, não levem a mal mas passa bem da uma e meia da manhã e hoje trabalhei tanto, tanto, comecei aqui no blog tardíssimo e estou mesmo perdida de sono. Mais: uma vez não consigo responder aos comentários. Aceitem as minhas desculpas.
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Um belo sábado

sexta-feira, dezembro 28, 2018

Balanço do ano:
2018 em revista à moda de Um Jeito Manso





Não quero que venham ao engano. Vou já avisando que não vou ser capaz de dizer coisa que se aproveite. Gostava de saber dizer alguma coisa, a sério. Quando for grande quero ser apertadinha, organizadinha, bem alembradinha. Mas, infelizmente, ainda não cheguei lá.

Não me lembro de nada sobre coisas importantes deste ano que está a dar as últimas. Se se puserem a dizer coisas aqui à minha frente acho que me vou lembrando mas eu, por mim, não consigo. Não consigo discorrer sobre o passado de forma limpinha, hierarquizadazinha, sequencial -- só se for aos bochechos ou às arrecuas. Para mim o que passou, passou, e, quanto muito, decanto para deixar sair as impurezas e reciclo o que resguardei. E só guardo o que é bom, o que envelhece bem.


E depois tenho outra fraqueza: sou míope, vejo as coisas de forma esbatida, impressionista. E gosto.  Desabituei-me de usar lentes ou óculos. Já me habituei a não ver os pormenores. Prefiro assim, ganhei-lhe o gosto: das coisas prefiro ver a grande mancha, não quero saber de malhas caídas, pegões, ruguinhas de nada, nodoazinha imberbe na gravata, inofensivas minudências. Juntando isso àquilo de decantar não sobra muito. 


Portanto, dizer o quê de 2018? 

Não sei bem. Juro que não. Talvez que não foi mau de todo. Acho até que foi bom. Não me lembro agora exactamente dos sucedidos para me ter ficado esta impressão mas também confesso que geralmente acho que os anos são bons. Por maus que sejam, no conjunto acho-os bons. Mas também não sei bem explicar porque digo isto. Na volta é porque o meu corpo larga muita serotonina e o meu cérebro amanha-se logo com ela e é com cada piela que só visto, e eu, à conta disso, toda peace and love.



Podia falar de ter estantes novas e os livros organizados que é coisa que me deixa mesmo feliz e que foi coisa marcante na minha vida ou de ter retomado os tapetes de arraiolos que é coisa que me motiva muito  mas isso é capaz de ser muito petite histoire, coisa daquelas que não é para vir no jornal. Só se falasse do novo presidente de Angola que está a dar com os outros em malucos e a mudar aquilo tudo mas, não sei porquê, ainda não percebi bem qual é a dele já que antes era vice do outro e parecia unha com carne. Tenho que perceber melhor qual é a cena. Ou podia falar dos jaunes de duas patas que andam a fingir que são herdeiros dos soixante-huitards e a virar poubelles e a partir vidros mas, para isso, preferiria falar dos meus cogumelos amarelinhos e frágeis mas, se falo deles, a caruma ruiva ou o musgo verdinho ou as flores fofinhas ou a aragem nas árvores ou o canto dos pássaros ainda me rifam, todos enciumados. Ná, um risco desses eu não corro. Ou podia falar de não ter havido muita seca nem muitos incêndios mas não gosto muito de gabar de coisas boas porque parece que atrai. Podia também falar da maluqueira do brexit ou dos estarolas dos italianos sempre a puxarem-lhes o pé para o chinelo e a elegerem comediantes ou parvalhões ou do atraso de vida que para ali vai nos brasis com um bolsonaro e suas crias à roda do próprio rabo com a sua inconsequência e incompetência mas parece-me um bocado deselegante vir para aqui dizer mal dos outros, coisa de vizinha. Não. Nessa não me apanham.


É que, por mais que tente, não me ocorre nada assim de muito relevante. Alguém que me ajude... Devia ir tirando apontamentos ao longo do ano para, no final, não vir para aqui fazer estas figuras. É que se, ao menos, conseguisse elencar as melhores músicas, os melhores filmes, as melhores exposições, as melhores danças, as barbas mais larocas avistadas por aí, a voz mais caliente ouvida wherever, os deputados menos baldas e as deputadas menos bardajonas, as toilettes menos estapafúrdias da judite, os actos menos mediáticos do nosso ubíquo vocês-sabem-quem, os actos menos esclerosados do seu antecessor, as enfermeiras menos cavacas, as sindicalistas mais avoilas, os homens mais sexys da blogosfera, as bloggers mais mal-comportadas que por aí andam... mas, assim de repente, não saberia bem como descalçar a bota. Para isso precisava de ter critérios bem artilhados, fundamentação escorreita, raciocínio isento. E essa não é a minha praia: eu sou toda de predilecções, sou toda dada a xodós que me embotam a neutralidade. Não me arrisco.

Embora, para ser franca, o que eu gostava, mas gostava mesmo, era de ser capaz de ser como o Henrique que faz coisas surpreendentes e que só não fazem com que me torne sua devota porque, cá para mim, ele não é lá muito santinho que se ponha num altar. Portanto, adiante.
Embora pudesse falar noutros que também me cativam, os matreiros. Mas não, não caio daí com essa facilidade. Pode parecer que não, mas gosto mesmo é de de me fazer de difícil. 
Quanto muito posso dizer que gostava muito que ter notícias da Ana, de saber que está bem. E gostava que voltasse a escrever. Mas isso não tinha a nada a ver com o tema deste post.

Portanto, lamento mas daqui não sai mesmo nada que se aproveite. Uma tristeza. Devia esforçar-me mas sou avessa a esforços, nasci para a leveza, coisas pesadas derreiam-me as cruzes. Vou mas é ficar à espera que os outros os façam, que têm uma competência que eu não tenho. Balanços, quero eu dizer, balanços bem feitinhos de 2018.

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Agora uma coisa garanto eu que sou: bem formada. Não gosto que venham ao engano. Por isso, para ter com que receber condignamente quem, tão ingenuamente, daqui se acercou, vou partilhar um vídeo muito surpreendente, daqueles que me dão vertigens nos pés, impressões na alma. Uma capela no céu. Coisa de fazer doer a minha ausência de fé.


E para fazer pendant com o espírito do momento, uma carol boa de ouvir -- ou não tivesse o carimbo de qualidade da presença da menina Natalie Merchand.


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Isto há coisas: tudo o que é maluco vem ter comigo. Hoje foi Rafael Silveira, um menino brasileiro que só faz coisa assim, coisa boa. As imagens mostram obras dele.

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Dias felizes. Saúde. Alegria. Boa onda, minha gente.