sábado, fevereiro 22, 2020

O Governo Sombra, o Pedro Mexia e Rothko, o Vasco Pulido Valente.
E o tempo que passa.




Uma vez mais, estive a ver o Governo Sombra. No outro dia fiquei surpreendida e hoje confirmo que  parece que mudaram ligeiramente de registo. Parece que estão um pouco mais atilados. Se calhar é porque estão todos mais velhos, já terão ganho mais noção de quão efémero é o poder que têm. Talvez seja o tempo a fazer o seu trabalho também sobre eles. Até o João Miguel Tavares parece ligeiramente mais ponderado. Ainda não aprendeu a pensar mas, enfim, parece que já consegue elaborar melhor as tentativas de raciocínio. Acresce que se apresenta mais composto, quase civilizado, cabeça rapada e todo em noir. O Ricardo Araújo Pereira também parece não querer fazer, a toda a hora, o papel de palhaço de serviço. Só às vezes. Quando fala a sério, percebe-se que é capaz de ter qualquer coisa interessante lá dentro. E Pedro Mexia continua equilibrado e com ideias estruturadas pelo que se ouve sempre com interesse até porque se aprende sempre com ele. E estou a dizer isto sem estar a prender-me, particularmente, ao sentido do que defendem mas à qualidade da argumentação ou, pelo menos, à forma como falam sobre os assuntos da semana. Não concordo com muito do que dizem mas para se gostar de ouvir outros a conversarem ou, inclusivamente, para participar na conversa, não é forçoso que todos alinhem pela mesma cartilha.
Sei que o facto de dizer estas coisas pode parecer confuso aos olhos dos fundamentalistas que acham que se digo que simpatizo com o Pedro Mexia, assumido simpatizante do CDS, ou se me mostro mais tolerante com o João Miguel Tavares, conhecido descerebrado que pensa com o nariz (Mexia dixit), é porque tenho motivações secretas. E digo isto pois hoje recebi um mail dando-me conta de uma coisa feia. Para que eu visse com os meus próprios olhos, um Leitor a quem agradeço enviava-me um link para um comentário num outro blog no qual um comentador relativamente habitual do Um Jeito Manso escreve aparentemente sobre mim, mas escreve com a maledicência a escorrer-lhe das mãos, deturpando o sentido do que escrevi e acrescentando que 'o teor de alguns posts já antes era estranho e as respostas a certos comentários eram por vezes provocatórias e nem sempre correctas' e concluía, 'Passarei ao largo desse local daqui em diante'. Não refiro o nome dessa pessoa, ou melhor as duas letras com que se assina, nem coloco o link para o dito comentário pois não me agrada dar palco a gente cobarde e estúpida que não apenas treslê em vez de ler como, em vez de ter a frontalidade de me dizer aqui o que pensa, vai, qual vizinha, fazer fofoquice nas minhas costas. Mas adiante que com gente que age assim não faz sentido que se perca mais tempo do que já perdi. E acho bem que não volte a pôr aqui os pés -- que gente que pensa e escreve com os pés não faz cá falta nenhuma.
Mas, volto ao Governo Sombra só para dizer que, quanto ao moderador, o que tenho a dizer é que estava mais arranjadinho do que o vi ali pela hora de almoço, desfraldado e com ar meio despassarado. Mas nada contra os desfraldados e despassarados.
E, por falar no Pedro Mexia, estive agorinha mesmo a ler o que ele escreve sobre Rothko (na crónica 'O vermelho e o negro' integrada no Livro 'Imagens Imaginadas') e revi-me totalmente nas suas palavras. Fiquei foi muito admirada pois tinha para mim que ele ficaria indiferente a uma pintura a que aparentemente apenas os intutivos e os que sentem com as vísceras seriam sensíveis. Não os exclusivamente racionais. Mas, pelos vistos, ou não é bem assim ou ele não é cem por cento racional. A pintura de Rothko é, de facto, luminosa e ambígua. O que ali está tem a ver, também para mim, com a ideia de acesso a um mundo vedado ou com a ideia de um memorial perpétuo.
O programa de hoje acabou, justamente, com o Pedro Mexia. O livro de hoje foi escolha sua e era um livro de crónicas de Vasco Pulido Valente. Hoje, ao ouvir as notícias, fiquei triste com a saída de cena de mais um. Ninguém cá fica, é bem certo. Mas faz impressão. É tudo tão passageiro, tão sem nexo se visto nesta perspectiva. Mas, enfim, é o que é. No entanto, quando se vai alguém ligado à cultura, parece que a perda é bem maior. Era tão corrosivo, ele. Tinha graça nesse seu excesso de ironia, nessa sua transbordante verrina. Inteligente, capaz de imagens destruidoras mas de uma eficácia brutal. Ia-se para uma crónica dele com a curiosidade de quem quer saber em cima de quem é que ele ia deitar o copo de veneno, sendo certo que o copo de veneno podia ir disfarçado de muitas e engenhosas maneiras. Não há nada como uma pessoa inteligente, culta, bem humorada e de verbo fácil. E, quando mais uma pessoa assim desaparece, inevitavelmente olha-se à volta e percebe-se que não há muitos mais com aquela verve e aquele frutuoso mau feitio e que isso é uma pena. Parece que o nosso mundo se vai extinguindo, tornando-se mais cinzento e triste. Mas claro, isto que digo é um lugar comum, apenas aceitável se me esquecer que essa não é a equação certa pois também nós, um dia, nos iremos e os que vêm a seguir a nós já não estão nem aí. Apenas lerão os sucedâneos do Instagram ou do TikTok que, fiquei a saber ontem, é o que está a dar junto dos mais novos. Portanto, coração ao largo e siga o baile.

-----------------------------------------------------------------------

E, por falar em equilíbrios instáveis e em coisas que, se pensarmos bem, não fazem grande sentido -- como andar a gente uma vida inteira a querer aperfeiçoar-se para depois ir desta para melhor -- não vem nada a propósito mas deixem que partilhe este vídeo. É uma construção efémera e inútil. Mas o trabalho que lhe deve dar e a beleza que tem... Coisas que são para a gente ver e apreciar sem pensar muito nelas. Digo eu.


_______________________________________________________

As pinturas são de Bela Silva e não faço ideia de porque é que me apeteceu trazê-las para um post em que se fala de Rothko tal como não faço a mínima de porque é que me apeteceu ter o Mr. Bojangles a fazer-me companhia. São cenas.

E queiram aceitar o meu convite e descer até onde se festeja a alegria de viver e a sabedoria dos acasos.

--------------------------------------------------------------------

3 comentários:

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

O VPV, apesar de sobejamente embirrante, tem uma escrita fantástica.

Qualquer dia também tenho de dar uma chance ao Governo Sombra.

Um belo fim-de-semana.

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Aliás, tinha...

Um Jeito Manso disse...

Olá Francisco,

O Vasco Pulido Valente era daqueles seres que não tinham nada a perder e, portanto, já se divertiam com o efeito das suas palavras, sem querer saber dos efeitos. Por vezes irritantemente sectário mas geralmente satírico e acutilante de dar gosto e sempre tudo principescamente escrito.

Quanto ao Governo Sombra parece que estão mais contidos e que aquilo já não é palhaçada pegada. Mas também posso ter tido sorte. Contudo, claro, o João Miguel Tavares jamais deixará de ser o João Miguel Tavares.

Abraço!