quinta-feira, setembro 15, 2011

Passos Coelho diz que vai reduzir mais de 1.700 dirigentes da função pública (só na Administração Central) - terá feito as contas todas? E não ouço nem a oposição nem os jornalistas a questionarem. É o que faz sermos portugueses, lá dizia o Fernando Pessoa


Nas empresas, quando se fala em reduções de pessoal, fazem-se contas, muitas contas.

As pessoas não vão para o desemprego de livre vontade. Para irem, as figuras mais usadas são a do despedimento colectivo, a extinção de posto de trabalho ou a negociação. Seja como for, há lugar a indemnização (até ver falamos de 1 mês por cada ano de trabalho).


No caso hoje anunciado an Assembleia da República por Passos Coelho, incidindo a redução nos dirigentes, admite-se que já trabalham há uns anitos e que têm um ordenado acima da média, pelo que a indemnização não deve ser pequena. Como são >1.700, estaremos a falar certamente em muitos milhões de euros. Ou seja, quando Passos Coelho fala de uma economia de 100 milhões de euros, duvido que esteja a descontar os custos dos despedimentos.

Mais: nas empresas, quando se tem que reduzir pessoas (coisa que, do que conheço, as empresas tentam evitar até mais não poderem e só o fazem quando não há alternativa), geralmente saem as que trabalham há menos tempo e as que ganham menos e isto, claro, para reduzir a verba das indemnizações porque, se as empresas estão com a corda na garganta, tomara terem dinheiro para pagar aos que ficam, pagar segurança social e impostos, pagar a fornecedores. Isto é, muitas vezes não têm dinheiro para pagar indemnizações.

Por isso, acontece, quando as empresas estão descapitalizadas, com problemas de tesouraria, atrasarem a redução de pessoal ou fazem-no de forma faseada.

Pasmo, por isso, com o anúncio de Passos Coelho: há free cash flow para investir nas indemnizações desta gente toda? E isto vai ser one time shot ou é para ir acontecendo? (Ou será que apenas conversa?)

Mais: Em gestão, analisa-se o custo de oportunidade. Exemplifico. Tenho aqui 100 milhões para investir. Qual o melhor sítio para o investir? Invisto em verbas para despedimentos (e sabendo que essas pessoas depois irão ainda receber subsídio de desemprego, ou seja, que isto vai implicar um agravamento de custos)?, é preferível isso ou é preferível cortar noutro tipo de custos (por exemplo em estudos, pareceres, assessorias, comunicação, etc)? ou é preferível pegar nessa verba e atribuir subsídios para ajudar a criar empresas?

É preciso fazer as contas todas. E fazê-las com seriedade e competência.

Não quero dizer que não haja necessidade de reduzir redundâncias, mas que isso seja analisado com pés e cabeça e tendo em conta a falta de dinheiro que há no país pelo que não deve ser gasto de forma populista e precipitada.

(E nem quero agora questionar se, sendo funcionários públicos, podem ser 'reduzidos')


Ok, já perceberam as minhas dúvidas, não é? Então agora deixem-me que partilhe convosco:



'Das feições de alma que caracterizam o povo português, a mais irritante é, sem dúvida, o seu excesso de disciplina. Somos o povo disciplinado por excelência. Levamos a disciplina social àquele ponto de excesso em que coisa nenhuma, por boa que seja – e eu não creio que a disciplina seja boa – por força que há-de ser prejudicial.

Tão regrada, regular e organizada é a vida social portuguesa que mais parece que somos um exército do que uma nação de gente com existências individuais. Nunca o português tem uma acção sua, quebrando com o meio, virando as costas aos vizinhos. Age sempre em grupo, sente sempre em grupo, pensa sempre em grupo. Está sempre à espera dos outros para tudo. E quando, por um milagre de desnacionalização temporária, pratica a traição á Pátria de ter um gesto, um pensamento, ou um sentimento independente, a sua audácia nunca é completa, porque não tira os olhos dos outros, nem a sua atenção da sua crítica.

Parecemo-nos muito com os alemães. Como eles, agimos sempre em grupo, e cada um do grupo porque os outros agem.

Por isso aqui, como na Alemanha, nunca é possível determinar responsabilidades; elas são sempre da sexta pessoa num caso onde só agiram cinco. Como os alemães, nós esperamos sempre pela voz da autoridade – acatar criaturas que ninguém sabe porque são acatadas, citar nomes que nenhuma valorização objectiva como citáveis nomeou para as responsabilidades da acção. Como os alemães, nós compensamos a nossa rígida disciplina fundamental por uma indisciplina superficial, de crianças que brincam à vida. Refilamos só de palavras. Dizemos mal só ás escondidas. E somos invejosos, grosseiros e bárbaros, de nosso verdadeiro feitio, porque tais são as qualidades de toda a criatura que a disciplina moeu, em quem a individualidade se atrofiou.

(…)

Somos incapazes de revolta e de agitação. Quando fazemos uma ‘revolução’ foi para implantar uma coisa igual ao que já estava. Manchámos essa revolução com a brandura com que tratámos os vencidos. E não nos resultou uma guerra civil, que nos despertasse; não nos resultou uma anarquia, uma perturbação das consciências. Ficamos miserandamente os mesmos disciplinados que éramos. Foi um gesto infantil, de superfície e fingimento.

Portugal precisa de um indisciplinador. Todos os indisciplinadores que temos tido, ou que temos querido ter, nos têm falhado. Como não acontecer assim, se é da nossa raça que eles saem? As poucas figuras que de vez em quando têm surgido na nossa vida política com aproveitáveis qualidades de perturbadores fracassam logo, traem logo a sua missão. Qual é a primeira coisa que fazem? Organizam um partido… caem na disciplina por uma fatalidade ancestral.'


Olha para o que lhe deu, dirão os meus amigos, achando que a uma hora destas me deu para dissertar.

Pois.

Mas lamento desiludi-los, meus Caros, não fui eu que disse, foi Fernando Pessoa em 'Os Portugueses, a opinião pública' da Alma Azul

Fernando Pessoa por Júlio Pomar

6 comentários:

margarida disse...

Dear...
'penso eu de que', o que ele pretende é 'despromover' essas pessoas, não 'despedir'.
Voltam atrás na carreira, capisce?
Passam do 12 para o 9.
Hã? De génio, não?
Assim, recebem menos.
mas, lá está, 'penso eu de que'...
(como, em tempos, me sucedeu, imagino que a outros também possa acontecer...)

Um Jeito Manso disse...

Será?

Não percebi que fosse isso. Mas, sendo, reduz 100 milhões?

Vamos ver. Eu sou tão céptica em relação à forma como analisam as coisas, parece-me que é tudo em cima do joelho, tudo para inglês ver, ou melhor, para a Merkel ver.

Mas o que diz é que baixam de escalão, baixam de ordenado, voltam atrás no tempo, passam a estar ao nível dos subordinados, é isso?

Amanhã vou ver se percebo.

Seja como for, tudo isto é um tenebroso para quem passa por elas.

Helena Sacadura Cabral disse...

Na Irina - raio de nome, lembra girino/a - já tinha reparado porque a garina passou num anúncio televisivo vezes sem conta.
Compreendo o drama da D. Dolores que pode ver as suas receitas diminuídas sem que consiga expressar a sua raiva numa língua que a "nora" entenda. As maninhas - caras larolas, mas corpos de fugir, seguem a cartilha materna. Ai não!
Quanto ao Passitos, eu preferia que ele falasse menos, aparecesse menos, fizesse mais. É o conselho que dou à família, se é que alguém me ouve...
Também ontem não percebi bem, mas hoje vou ler os jornais a ver se entendo melhor. Sempre fui boa Matemática mas, de há seis anos para cá, as minhas contas não batem com as de ninguém...

Isabel disse...

Será que ando distraída e não me apercebi que os senhores do Governo já criaram alguma coisa para pôr o país a produzir? Criaram medidas para combater o desemprego?
É que não os vejo a fazer mais nada a não ser extinguir, fechar, criar novos impostos para os trabalhadores...
Façam alguma coisa de bom para bem dos cidadãos deste país. Ficamos todos a ganhar.
Isabel

Um Jeito Manso disse...

Olá, Helena!

Eu não faço ideia como é a família da menina Irina lá sua terra natal. Pode ser que não difira muito do clã Aveiro e, assim, não se sentirá desintegrada.

Mas se for diferente, com a vivência internacional que tem, deve sentir-se muito estranha no meio das manas, do cunhado, da D. Dolores e do padrasto do CR7.

Quando fui à net procurar uma foto do clã apanhei com cada fotografia... cada toilette... coisas do além. Será que a Girina Aveira não dá umas aulinhas de moda ao sector feminino do clã?

Quanto ao adjunto do Miguel Relvas, tenho dificuldade em levar a sério o que quer que seja que ele diz porque diz o que calha, consoante a pessoa com quem esteve antes e consoante o que, no momento, lhe parece conveniente. No outro dia saíu daqui a favor dos eurobonds para, depois de estar com a Frau Merkel, dizer que eurobons nem pensar. Agora que o Durão Barroso as está a defender, sempre quero ver o que vai ele dizer.

Deve ser nisto que o Kundera tinha em mente quando inventou a expressão 'a insustentável leveza do ser'

Quanto à forma como vai arranjar 100 milhões de euros com a redução dos cargos dirigentes ainda não se percebeu. Li hoje o jornal Económico e o Diário Económico e tentei ver também nos telejornais e fala-se de várias hipótese - mas hipóteses em aberto.

Ou seja, penso que devem ter pensado que tinham que aparecer com um número cabalístico, coisa que ficasse no ouvido e alguém deve ter dito: 100 milhões. E o Gaspar, Moedas e companhia devem ter dito, 'Boa. 100 milhões é um número bom'.

Agora como lá chegam, quando, de que forma, etc,... isso ainda vão ver (pelo menos foi o que percebi).

Isto não está bom para quem pensa com base em números, não!

Um Jeito Manso disse...

Olá Isabel,

Está como eu. parece que estamos numa rua descendente que acaba num poço e só sentimos que nos estãoa empurrar ladeira abaixo.

Ainda agora voltei a ouvir a Directora-Geral do FMI a insistir para as economias injectarem recursos para se criar emprego, para animarem a economia, para se fugir a sete pés da recessão cavada.

E aqui só se ouve falar em redução, em fechos, em aumentos de impostos e isto é um círculo vicioso perigoso.

Veja-se o que aconteceu na Grécia. Portaram-se mal, é um facto. Só que o tratamento é ainda mais fatal. Parece que estamos a ser sugados para um buraco terrível.

Aqui entre nós o Álvaro em vez de andar a reanimar a economia no País, anda enfiado no ministério a reduzir serviços.

Fico doida com isto. E preocupada, e desiludida.

Mas, enfim, pode ser que um dia consigamos sair desta.