sexta-feira, outubro 15, 2021

A moda dos Retiros

 


Alguém me falou numa reportagem que, no outro dia, passou na televisão sobre retiros. Fui à procura, pus a antar para trás e vi uns bocados, o suficiente para achar que por cada boa ideia que aparece há sempre quem logo a transforme em treta.

Quando era pequena, ouvia os meus pais falarem de alguns colegas que iam para retiros, coisa da igreja. Falavam disto como se fosse clube de uns quantos e como se de coisa esotérica se tratasse. Se calhar, a minha mãe, havendo lá conhecidos e amigos, se sentisse tentada a ir, creio que mais pelo convívio do que pela espiritualidade. Mas o meu pai era visceralmente avesso a essas coisas e não havia atenuante ou aliciante que o fizesse ultrapassar a brotoeja que essas coisas lhe causavam.

Quando, sem o saber, vivi numa casa de raparigas da Opus Dei, apercebi-me que faziam muitos retiros. Convidavam-me, por vezes de forma algo insistente, para os frequentar. Eram umas raparigas cinzentas, com saias pelo joelho, camisas abotoadas até ao pescoço. Eram todas boas alunas, beatas, sonsas. Cercavam-me para que participasse nas actividades da Casa -- o jantar com o Prior, o debate sobre o aborto, o Retiro, etc Claro que nunca participei em nada e até hoje ainda estou para perceber porque quiseram lá ter-me. Pensaram que me convertiam? Mas porque estariam interessadas nisso? Não percebi e não percebo. De vez em quando, à sexta-feira, lá iam todas para só regressarem no domingo à noite. Iam para o retiro. Antes preparavam farnel. Era o tipo de coisas que a animava. Vinham de lá em êxtase.

Quando comecei a trabalhar, o meu primeiro chefe, pessoa simpática e muito dada à igreja, organizava formação a casais e dinamizava retiros. Muitas vezes tentou aliciar-me. Dizia que, se eu vencesse as minhas barreiras, ia gostar. Nunca quis vencê-las pelo que, obviamente, nunca pus os pés em tal coisa. Quando lhe perguntava em que exactamente consistiam esses retiros, ele sorria, dizia que conversavam, que trocavam experiências. Se eu contava ao meu marido, ele gozava, sorria com malícia: 'Ui... cenas de grupo...', como se a cena religiosa fosse, afinal, para esconder cenas de sexo em grupo, orgias desenfreadas. Por isso, quando o meu chefinho tentava aliciar-me, eu tinha que me esforçar para não me rir, imaginando-o em animadas cenas de sexo em grupo.

Mais recentemente, uma colega que pratica ioga começou a ir, pelo menos uma vez por ano, para um retiro na serra, num mosteiro. Deixava o telemóvel à porta, não podia levar computador nem falar com ninguém enquanto lá estivesse. Ela gostava, dizia que era uma tranquilidade imensa. De vez em quando vai para Barcelona, também para retiros destes.

Conheço uma pessoa que, há uns três anos, foi para um retiro na Índia. Não gostou. Diz que era mercantilismo puro, um retiro turístico, mais fancaria do que espiritualidade. No fim, apresentou reclamações e jurou para nunca mais.

Conheço um outro, rapaz dado a desportos radicais e com uma profissão paga a peso de ouro, que foi fazer um mês de retiro na Tailândia, longe de tecnologias, longe da civilização.

Muitas vezes já aqui o referi: o isolamento num mosteiro ou seja onde for a mim não me choca. Acho que até me atrai.

Poder não me preocupar com nada, poder estar em paz, em silêncio, jardinar, regar, ouvir os passarinhos, não ter que me preocupar com o que fazer para o almoço ou para o jantar ou, em alternativa, estar na cozinha a cozinhar para uma dúzia ou uma vintena de pessoas, estar longe de notícias ou intrigas, ter tempo para ler ou para, simplesmente, estar ao sol -- tudo isso me agrada.

Mas não me imagino posta em círculo, de vestido até aos pés e todas a outras também de vestido até aos pés, não me imagino a fazer ou a ouvir rezas, não me imagino a ouvir alguém com conversas da treta como se fosse coisa das profundidades, não me imagino organizada em grupinhos e tarefinhas como se tivéssemos regredido ao tempo da escola infantil. Não me imagino. 

No documentário, um marmanjão armado em monge dizia as maiores banalidades com a cabeça rapada e o traje de alguém acabado de chegar do Tibete mas cujo sotaque rasteiro revelava que não fazia a mínima ideia de onde fica esse tal de Tibete. Depois apareceu outro falando de energias e de outros conceitos que, no contexto, são, no mínimo, etéreos e infantis. E depois uma outra falava de coisas também naquela base da maluqueira fofinha envolta em cenas zen. 

Não é a minha praia.

Primeiro, tinha que ser misto. Retiro só de mulher para mim não teria graça. Nem percebo que cena é essa de estarem só mulheres, todas um ar vagamente retrohippie, certamente todas vegetarianas ou vegans, todas parecendo levitar na maionese. Não percebo qual a graça. Deve ser uma seca mas uma seca das valentes. 

Para além disso, retiro para ser bom de verdade, teria que ter massagem. Se penso em estar num retiro, penso logo nisso: massagem, de preferência ao ar livre, ao sol. De preferência perto de laranjeiras em flor. Música de fundo, sim. Podia ser canto gregoriano, sim, que é sexy para valer. Mas podia também ser blues ou jazz. 

Obviamente, nem pensar em camaratas só de mulheres ou quartinhos individuais tipo cela. Isso também não estaria com nada. Até poderiam ser quartinhos individuais mas só se noutro quartinho individual estivesse alguém que eu pudesse visitar a meio da noite. Não está no espírito da coisa? Temos pena.

Ao ver o documentário e ao ver a procura danada que têm ocorreu-me que ora aí está um belo nicho de mercado para quem queira investir: um Retiro

      • sem conotações de espécie alguma 
      • onde ninguém se saia com teorias de cão de caça 
      • onde seja proibido as pessoas porem-se em círculo, de mãos dadas. 
Ou seja,

      • um lugar tranquilo, 
      • com actividades para quem queira 
      • ou lugares para descanso ou passeio para quem esteja afim é de mandar as actividades para o espaço, 
      • com liberdade total para cada um (desde que não colida com a liberdade dos outros)
      • em contacto com a natureza

Escrevo isto e penso nas Termas de Entre-os-Rios para onde fomos durante uns anos quando os miúdos eram pequenos e tinham alergias respiratórias. Eles iam fazer aqueles tratamentos e eu andava com eles. Ou iam para o parque infantil e nós íamos tomar conta deles. Na verdade, pouco tempo de descanso eu tinha. Mas gostava. Gostava daquela comida com sabor a campo e a norte, gostava daquela paisagem verde e linda, gostava dos rios, gostava de tudo ali. Volta a meia penso que gostava de lá voltar, a passar férias. Tenho ideia que tinham tratamentos para outras coisas, jactos de água, quiçá banhos de imersão. Tudo isso me parece bom. 

Deve haver outros sítios assim, mas mais cosmopolitas, melhor apetrechados. Mas era o lado nada cosmopolita de Entre-os-Rios que me agradava. Ao fim de semana, chegavam ao parque das Termas vendedores ambulantes que traziam toalhas bordadas, bolos regionais. E eu gostava de andar por ali. 

De vez em quando, os miúdos estavam saturados dos tratamentos e, então, baldávamo-nos e íamos passear a Amarante ou á Quinta da Aveleda ou por aí. Depois regressávamos e havia aquelas refeições saborosíssimas.

Um retiro deve ser assim. 

Um lugar simples, agradável, tranquilo, sem ninguém a maçar-nos ou a querer entreter-nos.

E que tenha jardins, recantos, zonas de sol mas também de penumbras e sombras, lagos, caminhos bons para passear, perfumes, silêncios, pássaros, regatos, segredos inconfessáveis, pecados sem arrependimento. E em que se possa dormir até à hora que se quiser. E boa comida. 

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As fotografias foram obtidas na net e mostram sítios onde se deve estar bem. 

Arvo Pärt - Solitudine - stato d'animo

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Desejo-vos um dia feliz

Saúde. Boas notícias. Esperança. Tranquilidade.

1 comentário:

Lucy disse...

Bom dia HJM. Ah e uma caminhada na serra, inesquecível uma que fiz na Freita,era Outono, almoçamos em cima das pedras no meio do rio -o corpo cansado de bom a cabeça dopada dopada.