quarta-feira, novembro 28, 2018

Truques


A minha filha era uma querida. Ainda é. Mas referia-me a quando era pequena. Acordava a rir, brincava sossegadinha, portava-se bem. Só era do piorio para comer. Na altura, eu estava a experimentar as primeiras manifestações dos meus dotes maternais e, destes, destacava-se a preocupação em alimentá-la bem. Mamou enquanto quis mamar. Andava e falava, mudava de peito sozinha. Mas, a comer comida normal, era um castigo. Vagarosa, vagarosa. Ainda é. Mas também nunca queria nada. Como eu não ficava descansada enquanto ela não comesse aquela dose que eu achava imprescindível, fazia de tudo para a distrair e, à traição, ia-lhe enfiando comida pela boca abaixo. Aquelas refeições eram uma odisseia. E duravam, duravam...

A seguir veio o meu filho. O oposto. Não queria mamar, nem ao peito nem biberão. Só queria comida. Mas não de bebé. As papas davam-lhe vómitos. Tinha que ser comida de adulto. Por vezes comia tão de seguida que chegava ao fim e vomitava. Eu ficava numa aflição. Ia-se a refeição que lhe tinha preparado e leites e papas está quieto. Talvez por isso, por perceber a minha aflição quando o via vomitar, aprendeu a chantagear-me. 

Por exemplo. Quando ela tinha três anos e picos e ele uns meses, eu chegava do trabalho, ia buscá-los ao colégio e, ao chegar a casa, tinha que fazer o jantar. Ela, uma fofa mais linda, ou se deitava no chão, atrás do sofá, e adormecia ou punha-se a brincar com as bonecas. A ele punha-o no carrinho ou sentava-o na cadeira da papa e dava-lhe brinquedos. E ele, acto contínuo, atirava os brinquedos para o chão. E ou eu interrompia o que estava a fazer e apanhava os brinquedos para lhe dar ou ele punha a mão pela goela abaixo e puxava os vómitos. Por mais que eu me zangasse, era isto. Mas com um bebé  não a vale a pena a gente dar grandes explicações, a coisa não resulta. Se eu me fartava e achava que aquilo não podia ser e, portanto, que não podia estar, a toda a hora, a fazer-lhe a vontade, ele enfiava a mão de tal forma pela garganta baixo que vomitava mesmo. 

Não há explicação para o que era aquilo. É que, ainda por cima, ele nunca quis chucha. Portanto, era assim.

Era um bebé brincalhão, bem disposto -- desde que fizesse e que lhe fizessem o que lhe dava na bolha. E, claro, eu tinha que o prender muito bem à cadeira ou ao carrinho para não se raspar de lá pois, a toda a hora, tentava fugir só que, como ele era e eu a ter que fazer o jantar, tinha que tê-lo debaixo de olho.

Quando ele nasceu, como é normal, dormia no berço. Mas era tão irrequieto que eu estava sempre à espera que ele caísse de lá. Então, comprámos uma caminha grande para a minha filha, e ele foi dormir para a caminha onde ela dormia, uma caminha de grades. Ela gostou imenso de aos três anos já ter o seu quartinho de menina grande e ele passou a dormir nessa cama. Mas, aos nove, dez meses, passou a chorar toda a noite, a querer sair da cama. Eu passei a ficar parte da noite sentada no chão ao lado da cama dele, para tentar que ele dormisse. Mas mal eu saía de lá, ele punha-se de pé e tentava sair da cama. Eu ficava num desespero. O meu marido tentava mas não conseguia, não tinha paciência para as fitas que ele fazia. Nós perdidos de sono e ele, bebé que ainda nem andava, a querer pirar-se da cama. O pior é que se eu não ia para o pé dele, punha-se a puxar os vómitos. Se eu não ia logo, chegava lá, estava vomitado. De madrugada, eu perdida de sono e a ter que lhe mudar a roupa e a roupa da cama.

Um dia, deixei. Estava exausta. Quando lá cheguei estava a cama toda vomitada e ele com as mangas molhadas até ao cotovelo, com mucosidades, de tanto enfiar as mãos na boca. No dia seguinte, a minha vizinha do andar de cima, compungida, disse: 'O menino não está bem, pois não...? Ouvi-o a vomitar a noite toda...' Fiquei sem saber como explicar. 

Outra vez, apanhei um susto horrível. Ouvia-o a puxar os vómitos, a chorar, a fazer barulho, a cama a balouçar. O meu marido dizia que não podíamos alimentar aquilo, que o deixasse que um dia haveria de se cansar. E, de facto, calou-se. Adormeci. Quando acordei, estranhei o silêncio. Como sempre, às escuras, fui espreitá-lo. A cama vazia. Tive um momento de pânico. Gritei pelo meu marido, apavorada. Acendemos a luz, não o via. Às tantas vejo-o caído no chão, como que a dormir. Não se imagina o medo, nem sei o que me passou pela cabeça. Aproximei-me morta, morta de medo. Mas, felizmente, estava bem, a dormir. Dormiu até de manhã, no chão. Não imagino como foi lá parar, se se atirou de cabeça, se conseguiu cair devagarinho. Era um bebé e a cama era alta.

Na manhã seguinte resolvemos fazer uma experiência: pô-lo a dormir na cama da irmã, uma cama de corpo e meio, sem qualquer protecção. E ela foi dormir para o sofá. Ela, dorminhoca como era, dormiu lindamente. E ele também, a noite toda.

Pensámos: na volta é isto, não quer dormir numa cama de criança. É que ainda não falava. Encomendámos outra cama grande. E as noites passaram a ser um descanso. Nunca caíu da cama. Pelos vistos, aos dez meses resolveu que havia de dormir numa cama de gente grande, como a irmã. Cada um em seu quarto. 

Quando o vejo agora, paciente, bom pai, com três filhos irrequietos, opiniosos e teimosos penso que, talvez por ter sido como foi quando era pequeno, é agora tão compreensivo e disponível para os filhos.

E lembrei-me disto ao ver a fotografia que abaixo vos mostro e que, tal como a dos gémeos do post abaixo, provém do post dedicado aos truques que os pais arranjam para lidar com os filhos, no Bored Panda  


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E queiram descer até ao post seguinte que o truque para reconhecer os gémeos também é o máximo

4 comentários:

Maria disse...

ahahahahh
pelo que descreve eu tenho um mix desse seu rapaz: detestar papas (e ainda bem seio-o hoje), provocar o vómito como manipulação, saltar da cama e encontrar de manhã esparramado no chão
e muito mais
um delicia o se texto
Como esta, Jeitinho?
Beijos

Um Jeito Manso disse...

Olá Maria,

Este seu comentário deixa-me de boca aberta. Será que percebi bem? Está a dizer que não apenas detesta papas, como, se a conversa não lhe agrada, enfia as mãos nas goelas e puxa o vómito...? Ui... mas em público...? E salta da cama e acorda, de manhã, no chão....? Sério? Mas fica toda dorida dos trambolhões, não...?

Ou não percebi bem o que escreveu?

E estou bem, sim senhora. Estou em dívida para consigo, as minhas desculpas, mas o tapete anda a tirar-me o tempo que eu reservava para o paleio...

Uma boa quinta-feira. E a ver se amanhã, se a coisa não lhe correr de feição, faz o favor de não puxar os vómitos, ouviu...?

Maria disse...

https://tenor.com/view/younger-tv-younger-tvland-hilary-duff-big-laugh-gif-5898628

já li umas 3 vezes a sua resposta e já choro e tanto rir

https://tenor.com/view/happy-drunk-gif-7724577

Maria disse...

faltaram 3 palavrinhas
pelo que descreve eu tenho, nos meus filhos, um mix desse seu rapaz

É o que faz escrever à pressa

https://tenor.com/view/rindo-gif-8089646