quinta-feira, agosto 09, 2018

Quando a street art é levada demasiado a sério




Bem. Rodrigo Pratas à parte, bombeiros, ignições, postos de comando e água versus gel para atacar as chamas também à parte, numa das rápidas fugas pelos canais de televisão na ânsia de descobrir sítio onde se pudesse respirar, fomos parar a Bragança e às suas grandes obras de arte de rua. Um senhor, com legítimo orgulho, falava da transformação da cidade, dos artistas, do turismo que aquilo puxava. 


Gostei. E percebi que estou a ficar velha, velha como as velhas são. Se calhar não é por ter mentalidade de velha -- que acredito que não tenho (mas juízos em causa própria não são muito credíveis) -- mas por já ter vivido muitos anos. É que, agora, ao escrever isto, tive vontade de dizer: ainda a arte de rua era coisa de delinquente ou vandalizador de paredes, e já eu andava à cata delas, fotografando, elogiando. Já nem sei quantos anos tem que escrevi para a presidência da autarquia propondo que abrisse a cidade aos artistas, disponibilizando paredes, muros e jardins e praças e largos para colocar esculturas, painéis de azulejos, explicando que enriqueceria a cidade, a animaria com um espírito de modernidade, que atrairía o turismo cultural. Recebi de volta uma carta de circunstância, cortês e oca.
Um filho da mãe que eu tinha por meu amigo e que mais não é do que o sabujo-mor que eu já sabia que ele era dizia-me, como se me avisasse: ter razão antes de tempo é tão mau como não ter razão., ou pior. Isso atrofiava-me, fazia-me ter pena de ter razão antes de tempo porque, na verdade, quando se pensa aquilo em que ninguém acredita, a gente sente-se triste, isolada na sua consciência.
Mas não faz mal. Mais vale pensarmos que ainda bem que aquilo em que acreditamos acaba por merecer reconhecimento.

E, no mesmo dia em que vi as paredes de Bragança transformadas numa galeria a céu aberto, vi esta outra, não por cá mas também não sei onde. Só que esta não correu bem. Talvez muito realista, talvez muito propícia ao desastre. Um túnel muito convidativo com um papa-léguas mesmo ali à espreita para atravessar. Claro que os carros que levaram a obra muito a sério se espetaram contra a parede, constatando tarde demais que a obra era de arte e não de engenharia civil (embora, em engenharia civil, se chamem 'obras de arte' a coisas como pontes e túneis). E foi de tal maneira que obrigaram a tapar a obra de arte com tinta, pintando o muro todo por igual. Acontece.


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E a música lá em cima não tem nada a ver com nada mas soa-me bem e gosto do vídeo.

Recomendo que criem um abaixo-assinado para acabar com o jornalismo feito por criaturas como o tal Rodrigo Pratas de que falo abaixo. 

Eu, entretanto, vou dar uma vista de olhos ao livrinho que comprei hoje e que me palpita que deve ser a meu gosto. A encadernação é. Mas o conteúdo não lhe deve ficar atrás: Ver é um todo, entrevistas e conversas 1951-1988, Henri Cartier-Bresson

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