sexta-feira, agosto 10, 2018

Jadav Payeng, o homem que plantou uma floresta.
E eu, esta mulher que plantou um pequeno bosque.





Não há muito tempo fui entrevistada por duas psicólogas. Varreram-me a alma (varreram no sentido de scannear). Ora perguntava uma, ora outra, ora intervinha uma, ora atacavam as duas. Nem dava tempo a pensar. Pimba, pimba, pimba. Gosto de coisas destas. Não me importava nada de estar do lado de lá, a descobrir os meandros da vítima. Mas também não me importo de ser posta à prova, de ser a vítima.

Mas, no meio daquilo -- uma tarde inteira -- pede-me uma que descreva alguma coisa marcante que eu tenha feito, alguma coisa que tenha ficado. Pensei logo numa certa coisa mas certifiquei-me: 'A nível profissional?'. Elas disseram que sim. E eu fiquei com pena porque aquilo em que estava a pensar era a nível pessoal.

Conto embora acredite que adivinham.

Uma das coisas que mais prazer me deu fazer (deu e dá) -- e que haverá de me sobreviver -- foi a transformação de um terreno pedregoso com mato rasteiro e uma casa numa ponta, numa quinta rodeada por um bosque. Não sei se é correcto chamar agora quinta ou chamar bosque. Mas era o que eu idealizava e, para mim, é isso que agora existe. Já mil vezes aqui falei disso e já mil vezes contei a luta que tive que travar durante anos para conseguir levar a minha adiante. Quando o Um Jeito Manso atingiu 1 milhão de leitores, o meu filho falou nisso, relatando alguns aspectos mais pitorescos dessa árdua e empolgante fase. 

Inventei caminhos, muros, murinhos, bancos, zonas de descanso, zonas de sombra, zonas de meditação, zonas de leitura -- e agora tudo isso existe. Não usufruo da maneira que imaginei mas, para mim, o prazer está em imaginar e fazer, não propriamente em 'ter' ou 'usar'.

E imaginei grandes cedros, grandes pinheiros, grandes azinheiras, grandes eucaliptos, grandes ciprestes, e grandes arbustos de madressilva, alecrim, rosmaninho, as barreiras de rocha cobertas de hera e, também, orégãos, louro, e tudo o que ali, naquela terra, medra como se não houvesse amanhã. Imaginei e plantei e reguei e desbastei e cuidei como se fossem crianças a precisar de amparo e carinho.

Os pássaros começaram a procurar a minha casa, os coelhos já lá estavam e mantiveram-se, os gatos foram aparecendo, as lagartixas adoram andar ao sol e sei lá o que mais por lá há.

Já não tenho onde plantar mais nada e o meu marido, quando anda a esfalfar-se a desramar árvores e arbustos, ganha fúrias comigo por eu não ter descansado enquanto não florestei o terreno de ponta a ponta. Depois de me ter contrariado e tentado demover durante anos e anos, a verdade é que se habituou a amar aquele pedaço de terra tanto quanto eu. Mas claro que não é capaz de o assumir.

Se o terreno fosse o dobro ou o triplo do que é, a esta hora eu andaria a tratar de lá fazer o que fiz a este: desenhos de novos espaços, a ver onde haveria de ir comprar aquelas espécies de árvores que teria em mente, a avaliar quantos anos demoraria a vê-las garbosas e adultas. Assim tenho que me limitar a manter e a tentar conter a força desmesurada da natureza que aqui habita.

Podia também falar da casa, que era escura e triste e que hoje é luminosa, aberta ao exterior, ou do alpendre, do forno de lenha, do pequeno abrigo, do relógio de sol, da fonte, do grande portão de ferro que desenhei e que acho tão bonito, dos recantos... e da capela, pela qual lutei durante anos. 

Mas é o bosque, os caminhos atapetados, as copas frondosas e ondulantes, os mil verdes, os mil cheiros, a sombra acolhedora, o canto dos pássaros -- que mais me enchem de orgulho.

Não comparo com o ter feito, amamentado, acompanhado de perto, tão, tão de perto, dentro do coração, ao alcance dos meus abraços, os meus filhos que adoro ou, agora, amores dos meus amores, os meus queridos netos. Isso é outro campeonato e está fora de qualquer competição. 

Quando falo com amor e orgulho do meu heaven não estou a dizer que é mais ou menos do que sinto em relação aos meus amores. Não há comparação possível nem tem que haver. O meu coração e a minha alegria ou capacidade para me sentir realizada têm espaço mais do que suficientes para acomodar várias e distintas situações.


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E hoje deu-me para voltar, uma vez mais, a este tema que me é tão caro porque li, de novo, sobre Jadav Payeng, o homem que tem dedicado a vida a plantar uma floresta.  Apesar de já uma vez aqui ter colocado um vídeo sobre a sua história, trago-o de novo. Emociona-me de uma forma que não imaginam.


Transcrevo do Bored Panda:
The largest river island in the world, Majuli, may disappear. Over the last 70 years, Majuli has shrunk by more than half and there are concerns it will be submerged in the next 20 years. The island is under constant threat due to the extensive soil erosion on its banks. The reason for this is thought to be the large embankments built in towns up the Brahmaputra river to protect them during the monsoon season which redirect the devastating fury of the river to the islet. Since 1991, over 35 villages have been washed away. And while Indian authorities are trying to figure out how to save the island, its life may have even been shorter if it wasn’t for one local environmental activist.
In 1979, Jadav Payeng, then 16, encountered a large number of snakes that had died due to excessive heat after floods washed them onto the tree-less sandbar. Then and there, Jadav made it his life’s mission to save Majuli from erosion by planting trees. Working tirelessly every day, he has planted 550 hectares of forest – larger than Central Park in New York City (340 hectares). That forest is now home to Bengal tigers, Indian rhinoceros, and even a herd of over 100 elephants regularly visit it every year. 
As pessoas genuínas que se dedicam a propósitos simples como este de que aqui se dá conta emocionam-me. Partilho-o convosco. Espero que também gostem.



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As fotografias foram feitas in heaven

Lá em cima Philippe Jaroussky interpreta "Cara, la dolce fiamma" de Johann Christian Bach

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