segunda-feira, maio 07, 2018

Sócrates, Pinho, a Justiça, a populaça




Assusta-me ver como há tantas pessoas que condenam na praça pública sem necessidade de julgamentos de verdade. Assusta-me ver a superficialidade de grande parte da população que se acha dona da verdade e da capacidade de julgar, dispensando provas, contraditórios, testemunhos. Assusta-me perceber como qualquer pessoa pode, na realidade, tornar-se vítima de processos que se julgariam apenas possíveis na imaginação de escritores. Assusta-me ver como é fácil trucidar alguém, lançando notícias no Correio da Manhã. Assusta-me perceber como tanta gente confunde os planos e da censura ética, baseada em factos conhecidos, tão facilmente parte para a condenação judicial no pelourinho da comunicação ou das redes sociais, e isto com base em partes de factos, as partes que alguns jornalistas seleccionam.

Assusta-me ver como, da simples defesa do funcionamento do Estado de Direito em todas as suas vertentes, há quem infira que, quem o faz, é incondicional de A ou de B e, de imediato, essas pessoas sejam incluídas na claque de A ou de B e, provavelmente, tão 'culpados' quanto eles.


Do caso Sócrates, tal como agora do caso Pinho ou de qualquer outro, a minha posição é a mesma de sempre: para julgar existem os tribunais e, até prova em contrário, todas as pessoas são inocentes. 

E não é qualquer um que é juiz nem é qualquer um que está em condições de decretar sentenças. É preciso ter formação e é preciso estudar os casos.

Nem eu, nem o Dâmaso, nem a maior maioria de quem fala (ou escreve ou sentencia contra qualquer dos arguidos mais conhecidos) é juiz ou conhece todas as peças dos processos. Portanto, não me sinto habilitada a pronunciar-me -- e assusta-me ver como os cuidados que eu tenho são ignorados pela maioria das pessoas. 

O que digo desde sempre é o mesmo: que quem for culpado, seja condenado. Que até ser condenado pelos tribunais, ninguém o seja na praça pública. E que seja devido respeito a todos os cidadãos.

Os tempos estão mais para o populismo e para a consequente regressão democrática do que para a ponderação e recato que situações complicadas requereriam, mas a mim não me verão a percorrer o caminho mais fácil. Não alinho em julgamentos populares.


Fui crítica em relação a situações dúbias em termos éticos e que, no entanto, eram aceites pela comunidade:

  • Gente 'influente' nos meios do poder, com uma boa 'agenda' (leia-se: 'contactos'), era (e já não é?) convidada a fazer parte de conselhos de admistração, conselhos fiscais, mesa da assembleia geral ou cargos de assessoria de tudo o que era grande empresa. Ninguém comenta(va), tudo normal.
  • Deputados em part-time têm poiso em tudo o que era (e já não é?) escritórios de advogados ou cargos aqui e ali -- e, enquanto isso, decidiam e legislavam sobre dossiers sensíveis. Tudo normal para o comum dos mortais. 
  • Deputados e jornalistas a passearem por aqui e por ali, pagos por empresas (e não: não era só o BES que pagava essas moromias!) -- tudo normal. Ontem e, presumo, ainda hoje. 

Ninguém diz nada ou, se dizem, falam baixinho. Uma situação que se presta à promiscuidade, aos jogos de favores -- e tudo a céu aberto. E ninguém vê até algum cair nas malhas das suspeições e ficar na mó de baixo.

Quantos dos meninos do Expresso e de outros jornais que hoje tanto comentam estes casos não andaram a viajar à conta, a andar de barco à conta, em bons hotéis à conta, em bons restaurantes à conta? Corrijo: andam. Poderia dizer nomes. Poderia porque sei. A hipocrisia dos que falam do alto da sua cátedra contra A ou B incomoda-me sobremaneira, especialmente por saber como sabem ser servis para com quem os leva a conhecer do bom e do melhor. 


Outra coisa. Que o BES empregou meio mundo era mais que sabido. E dava garantias de reingresso a todos quantos de lá saíam para cargos políticos. Mas qual a novidade disso? E, na verdade, qual o mal disso? Se alguém tem um bom emprego numa empresa, vai largar essa estabilidade folgada para se ir enfiar num governo sujeitando-se a trabalheiras, maçadas e decréscimo de nível de vida e arriscando-se, quando de lá sair, a ficar desempregado? Só se for maluco. Além do mais, para essa empresa, é bom ter de volta, aos seus quadros, alguém cujo CV terá sido enriquecido pela experiência e pelos contactos adquiridos. Mas, e que mal pergunte... era só o BES que fazia isso...? Olhem que não... olhem que não... Alguém que pesquise o que se passava com todas as outras grandes empresas verificará que, afinal, não era só no BES que isso acontecia.

Não conheço pessoalmente nem Sócrates nem Pinho, excepto por ter estado para aí umas duas vezes em eventos nos quais ambos estiveram. Deles apenas posso falar enquanto cidadã, por me ter sido dado assistir à governação que cada um, a seu nível, levou a cabo. O juízo que fiz sobre Sócrates, em particular, expressou-se nas urnas.

Se fosse amiga pessoal dele, teria questões a colocar-lhe pois há aspectos que vieram a lume na sua conduta pessoal que me deixam um bocado perplexa. Mas não sou sua amiga, nem pessoal nem sem ser pessoal.

A nível criminal, espero que a Justiça funcione pois estou curiosa para saber qual o desfecho do processo Marquês. Estou mesmo muito curiosa para saber quais as provas que existem pois, até hoje, ainda não ouvi falar de uma única.

Quanto aos pilares do Estado de Direito, espero que se mantenham firmes e saudáveis apesar de toda a onda de populismo que por aí grassa e pelo gosto de espectáculo e de pisar quem cai em desgraça que a populaça sempre demonstrou.

E, tirando isso, por hoje, nada mais a dizer.


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Fotografias deste domingo feitas in heaven
Guardian angels de The Triumph of Time and Truth (HWV 71) de George Frideric Handel (1685-1759) com Sophie Bevan como soprano
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