domingo, dezembro 30, 2018

O bicho misterioso e o mocho sorridente





Pois em verdade vos digo. O bicho misterioso continua por cá. Há pegadas frescas, terra revolta. Andámos a tentar descobrir de onde vem mas ainda não descobrimos.  As marcas aparecem do nada e para o nada desaparecem. Hoje há pegadas ao longo dos caminhos, grandes, redondas, fundas. Como se estivesse a correr pois o impacto é bem marcado. 


Depois como se estivesse à procura de alguma coisa enterrada. Dá ideia que escava à superfície.


Haveremos de descobrir. Ou talvez não. Há tantos mistérios que permanecem mistérios e aos quais a gente se habitua que se nunca descobrirmos também não faz mal. Agrada-me a ideia de que este meu bocado de terra seja o bocado de terra também de outros seres. Pássaros, lagartixas, coelhos, gatos, se calhar veados, se calhar raposas.

Não sei se come os cogumelos pois os que estavam a semana passada desapareceram sem deixar rasto. Só dois sobrevivem. Mas são diferentes. Os outros eram redondinhos, a campânula aberta. Estes parecem a brincar. Só falta serem encarnadinhos com pintinhas brancas. E, já agora, duas freirinhas vestidas de freirinhas, debruçadas, de cestinha no braço, a cantarem 'um cogumelo... dois cogumelos...'. Destes nunca por aqui tinha visto. A menos que sejam dos outros mas estejam pendidos. Mas nunca tinha visto cogumelos assim aqui, in heaven.


Mas, seja o que for o bicho misterioso, não assusta os pássaros. Por aqui andam, voando e desfrutando a sua infinita liberdade. Cantam, cantam.

Hoje estava um sol ameno, muito bom. Na rua é que se estava bem. A casa gelada. Agora a lenha crepita mas a casa ainda não aqueceu o suficiente. 


Portanto, durante o dia, andei a passear por entre as árvores e arbustos, as flores começando a despontar, os ramos de alecrim cheios de pontinhos brancos que se transformarão em florzinhas lilases. Gosto de andar assim, sozinha, em silêncio, devagarinho. Há zonas em que há miríades de pequenos insectos. Quando passo num caminho cá de cima e olho as árvores lá em baixo, vejo nuvens deles. É bom. São amigos da polinização. Todas as formas de vida são boas. Estes cintilam à luz do poente que se avizinha


Os montes à volta são imponentes e ao fim do dia ficam azulados até que se diluem no horizonte, pálidos e perfeitos. Manchas imensas tragadas pela noite com os seus lobos, os seus bichos nocturnos e secretos.

Mas isso é à noite, agora, E se eu espreitar para fora nada verei. O meu marido veio dizer-me que a noite está estrelada. Foi lá fora buscar mais lenha. Não lhe faz impressão andar às escuras por aqui. Quis que eu fosse ver o céu mas eu tenho estado aconchegada com a mantinha, a ler a descrição de alguns dos melhores perfumes lançados este ano e, depois, Viagens, selecção de Jorge Vaz de Carvalho de textos de Virginia Woolf, e tive preguiça de me levantar para ir ver o céu. Mas agora estou com pena. Daqui a nada ainda vou espreitar. Não se pode virar as costas a um céu estrelado. Sei lá se um dia não deixaremos também de ter céus estrelados à nossa porta?

Mas, quando andei a passear, ainda era de dia. Pendurei mais um espanta espíritos debaixo do telheiro e fotografei mais um novo habitante.  Aqui parece que está a sorrir mas acho que não, tem é um ramo à frente da cara.


Foi um dos presentes de Natal do meu marido. Fez as delícias de toda a gente com todos a gozarem, dizendo que ele já se rendeu à minha maluqueira. Eu, confesso, adorei. Mexe a cabecinha, nunca pára sossegado (refiro-me ao mocho, não ao meu marido). Espero que não espante os passasrinhos (continuo a referir-me ao mocho) e, por isso, para evitar alguns efeitos colaterais, está num lugar mais ou menos abrigado. 

Agora vou beber um chá de camomila a ver se me aqueço. Daqui a nada talvez volte.

14 comentários:

bea disse...

:) um cházinho de camomila faz sempre bem. Também tenho um mocho a olhar por mim, mas não é tão espampanante como o seu e é menos bonito; não terei a quem me tornar, comprei-o eu.

Anónimo disse...

Ah come on Heavenly Lady, agarre-se ao seu mocho (perdão, ao seu marido) e vá lá fora espreitar.
Há lá coisa "mai linda" do que observar uma Starry, starry night...

Noite feliz!

🌲L

Um Jeito Manso disse...

Olá Bea,

Já bebi o meu chá de camomila e já estou mais aconchegada. Daqui a nada acho que vou fazer outro, antes que volte a arrefecer.

O meu mocho é gaiteiro, sempre a olhar para todo o lado e é grande, penso que em tamanho natural. No outro dia vi um pequenino, muito perfeitinho, de ter dentro de casa. Se calhar o seu é assim. E hoje vi um divertido, as patas pareciam perninhas, uma perna cruzada sobre a outra e com um narizinho adunco e com óculos. Achei um piadão. Mas resisti a trazê-lo. E não era caro, era 5 euros.

Abraço, Bea.

Um Jeito Manso disse...

Olá ms TL

E não é que já fui mesmo? Ele voltou a adentrar-se pela noite, em busca de mais lenha, que isto hoje aqui consome, consome e não aquece a casa, e ele foi por aí, de lanterna, buscar mais umas braçadas de lenha.

E eu assomei à porta e vi a noite estrelada. Mas depois vim logo para dentro e fechei logo a porta não vá o bicho secreto aparecer-me aqui a espreitar.

Uma noite descansada

Anónimo disse...

Ujm,
Quão grandes são as marcas das patas? Ocorreu-me poder ser um saca-rabo. Também os há por aqui. Há uma década atrás, só apareciam pelo Alentejo, quando muito pouco mais acima, hoje estão espalhados pelo país todo. E, pior, comem algumas perdizes, o que é uma chatice para quem é comensal delas (como eu).
Boa noite!
P.Rufino

Soliplass disse...

Isso parece rasto e fuçar de javali. As minhas terras (e não tão longe assim da povoação) estão cheias dessas pegadas e de terra revolvida. Há muitos por todo o lado.

Um Jeito Manso disse...

Olá P. rufino,

Credo, que isso paece ser bicho mau. E sabe? Vou confessar a minha ignorância: nem sabia da existência de tal bicho. Umas pegadas terão o tamanho da palma de uma mão, outras da mão inteira embora essas sejam as mais fundas, não sei se é o efeito de enterrar mais. Fui informar-me e vejo que são carnívoros, haveriam de comer coelhos. E ainda não vi vestígios de coelhos mortos, dá ideia que é bicho que revolve a terra.

Inclino-me para o palpite do Soliplass. se bem que também não é coisa boa ter javalis a andarem por aqui. Se um dia me cruzo com algum morro de medo.

Ainda acabo mesmo por instalar câmaras nocturnas para ver o que se passa por aqui.

Uma noite boa, de preferència sem saca-rabos a rondarem-lhe a casa... (credo, que medo)

João disse...

Javali. Pelas unhas, pelo peso e pela terra "lavrada".
João

Um Jeito Manso disse...

Pois é, Solilass, na volta é isso mesmo.

Aqui há tempos o vizinho que mora no 'casal' â entrada da estrada perguntou se não temos ouvido barulho durante a noite. Diz que ouvia barulho de corrida, um barulho pesado, coisa que até metia medo. Pôs-se uma noite com o cunhado e com o filho à espreita e a meio da noite, para espanto deles, viu uma vara de javalis a correr. Diz que vinham da direcção da serra e iam lá para baixo, em direcção ao riacho.

Não ouvimos, temos sono pesado. Mas fez-me isso um bocado de impressão pois nunca imaginei tal coisa por estas bandas.

Mas agora que fala nisso... E eu, com as azinheiras, tenho a terra sempre cheia de bolotas. Na volta andam por aqui a comer bolotas, a desenterrar as que já estão misturadas com a terra.

Espero é que depois se vão embora, que não fiquem por aqui. Na volta escondem-se na gruta grande. Será que, se vivessem aqui, durante o dia estavam escondidos e silenciosos? É que, quando ando a cirandar por aí, nunca vi nada que se pareça. Coelhos a correrem, sim. Ou gatos a escaparem-se na maior subtileza. Agora javalis...

E se o uma pessoa dá de caras com um faz o quê? Xô... xô... É que nem de gritar eu seria capaz, petrificada de medo. Será que mordem as pessoas...?

Ai...

O vizinho no outro dia voltou a falar de usar a burra paar guardar o rebanho, para evitar que as raposas se aproximem e eu também fiquei espantadíssima. Raposas por aqui? E ele disse que sim. Também fiquei espantada. Mas raposas eu gostava de ver por aqui, acho um bicho lindo, gostava de estar perto de uma.

Olhe, Soliplass, agora ainda estou mais curiosa (e com algum medo).

Um Jeito Manso disse...

Olá João,

Com essa assertividade já desempatou. Javali. Pronto: está feito.

(E eu com alguma secreta vontade de que fosse um veado, desses cujo avistamento está apenas ao alcance de quem se aventura pelos meandros das serranias...)

E é isso mesmo, a terra parece que fica lavrada, revolvida. Mas será que só andam por aqui de noite?

Olha se, quando por aí no maior bucolismo, sozinha, a fotografar florzinhas, vejo um grupo deles a vir na minha direcção...? Será que devo andar com um pão na mão para desatar à espadeirada...? E não estou a brincar... não sei mesmo como se lida com uma situação dessas.

Agora é que não vou mesmo espreitar mais o céu estrelado...

soliplass disse...

Isso não é gado bom para encontros minha cara. Machos grandes, com presas desenvolvidas (dentes caninos de baixo que crescem ao lado da boca e cortam que nem navalhas) ou fêmeas com crias podem ser perigosos se atacam. Se der com eles o melhor é afastar-se sem barulhos ou subir uma árvore, em último caso.

E porque estamos quase, aproveito para lhe desejar bom Ano Novo. Que o próximo lhe traga tudo de bom e a nós mais reportagens do seu "pedaço de céu". Pessoalmente, é coisa que me encanta, o seu amor por essas suas pedras e terra e árvores. Contrasta com o abandono e desleixo que por todo o lado vemos e que dói ver.

Ontem ao fim da tarde, acabei o trabalho que fiz no olival do meu melhor amigo. As oliveiras podadas (arreadas ou arriadas como aqui se diz) deu um outro aspecto à terra. De cuidado, de zelo. Ficámos ali um pouco a olhar aquilo, o perfil da serra ao fundo, o cheiro de ervas aromáticas trazido no vento, e dá gosto ver as coisas cuidadas.

Se oliveiras tiver no seu pedaço, tem aqui um voluntário. Pelo que vi das suas fotos, pelo perfil da serra e pelo tipo de pedra, imagino que nem fique muito longe.

Um abraço,

Anónimo disse...

Então é mesmo javali. Cuidado com eles, como adverte uma sua Leitora. O nosso feitor lá na Berira-Alta teve um encontro com um macho grande que investiu contra o trator onde ele se encontrava, felizmente a salvo. Mas, uma miúda de 14 anos foi atacada por outro e ficou com uma perna em muito mau estado e teve de ir para Coimbra. Uma chatice. Na Serra da Estrela, ao finzinho da tarde, já os tenho avistado, em grupos, à distância. Aquilo era um bom chumbo e depois aproveitar-lhes a carne para um belo petisco. Bem cozinhado, com uma boa receita, é divino!
Renovo BOM ANO, com muita saúde e paz!
P.Rufino

Um Jeito Manso disse...

Olá Soliplass,

Gostei de ler o que escreveu, esse gosto no trabalho feito, essa admiração pela beleza das árvores e da serra e pelos cheiros bons do campo. Sei muito bem do que fala. Quando por aqui ando, sinto esse permanente deleite.

Sei bem como são essas terras com as oliveiras bem aparadas, alinhadas, a terra lisa por baixo. Vejo-as com grande respeito. do meu terreno vejo um outro que é assim e que, volta e meia, fotografo. Embora eu gostasse de ter oliveiras assim, tratadas e geometricamente arrumadas, não sei se alguma vez seria capaz de manter essa disciplina. Parece que comigo só o desalinhamento é que funciona bem.

Mas já vou fazer um post para lhe mostrar.

E um ano belíssimo para si, meu Caríssimo Lenhador que se faz ao mar e que desencanta leituras e livros e nos mostra as paragens por onde anda a lê-los e que, por vezes, desata aos pontapés nos preconceitos provincianos de alguns portuguesinhos.

Saúde!

Um Jeito Manso disse...

Olá P. Rufino,

Quando comprámos isto, a mulher do senhor que nos ajudou a fazer algumas pequenas obras disse-me um dia: há por aí muito coelho, em querendo tem sempre com que fazer uma caldeirada.

Quer crer que fiquei estupefacta, até chocada?

Eu a saber que havia coelhinhos e, acto contínuo, ela a dizer-me para os matarmos e comermos... Claro que era apenas o sentido prático de quem vive no campo. E eu não sou vegetariana... Mas sei lá, acho que seria incapaz de comer animal de lá: coelho ou perdiz (que as há com fartura) ou, credo..., javali... Nem pensar...

A menos que, para me defender, lhe desse uma paulada fatal na cabeça... Mas, ainda assim, não sei não. Só se o meu vizinho para quem essas coisas são banais, o esfolasse e me aparecesse com bifes e um lombo parecendo que tinham vindo directamente do supermercado.

E um BOM ANO NOVO também para si, P. Rufino. E que o fogo não volte a rondar-lhe a porta! Nunca mais!