domingo, agosto 18, 2013

Já que a Anabela Mota Ribeiro não me faz o Questionário Proust, faço-o eu a mim própria. Quer não tem cão, caça com gato. [Mas, depois de ter respondido a tanta pergunta, tenho a dizer que acho isto uma coisa mesmo chata. E será que, depois deste absurdo exercício de narcisismo, alguém vai ficar a conhecer-me melhor? A minha personalidade estará patente no que respondi? Não faço ideia] ---- > texto revisto por causa de uma irrelevância



Usei as perguntas tais como Anabela Mota Ribeiro as fez a Clara de Sousa (peguei nesta entrevista apenas porque foi a última publicada (*), puro comodismo meu, mas as perguntas são sempre as mesmas, o que pode variar são as observações mas, enfim, não alteram o sentido da pergunta).

Já agora, para quem não saiba o que é isto do Proust Quest (Proust Questionnaire), digo muito brevemente que é um conjunto de perguntas que, supostamente, permite que se perceba melhor a personalidade de quem responde. O que isso tem a ver com Marcel Proust e os pormenores da coisa podem ser vistos por exemplo aqui, na Wikipedia



Então, vamos lá a isso.


Proust disse que uma necessidade de ser amado e cuidado era a sua característica mais marcante. Mais do que ser admirado. Qual é a sua?


- Talvez querer fazer tudo o que me apetece enquanto posso. Tenho muito consciente a noção da finitude. Não quero nunca iludir-me: a vida é curta e, por vezes, rasteira-nos. Não sei quanto tempo vou viver, nem sei quanto tempo vou viver sem limitações físicas. Por isso, se me apetece dizer parvoíces, digo, se me apetece passear no campo, entre as árvores escuras, ouvindo os sons da noite, iluminada apenas pelo luar, ando, se me apetece pintar, pinto, se me apetece ser excessiva na demonstração dos meus afectos, sou. São exemplos inócuos, estes que dei, mas são exemplos. No entanto, tenho também sempre muito presente o não fazer nada que prejudique outras pessoas. Mas preconceitos, inibições, receio de ser censurada, hesitações, ou protelar o que me apetece para melhores dias, etc, isso não é comigo. 

Qual é a qualidade que mais aprecia num homem? Proust falou de “charme feminino”...


- Inteligência com humor. Não é apenas nos homens que aprecio isto mas, num homem, então, é fundamental. Não tenho paciência para burros, mas é que não tenho mesmo. Apetece-me ignorá-los, fingir que nem os vejo. (Imaginem o que é para mim viver num País governado por quem o governa. Não vejo noticiários há uns dois dias, pelo que me poupei ao sacrifício de ver aqueles inteligentes que devem andar a desfilar pelo Pontal. Agora que escrevi isto, fiquei na dúvida: aquilo é festa só de um dia ou é o fim de semana todo, uma coisa tipo festa do Avante? Não sei). Adiante. Dizia que não suporto burros. Mas há outra casta de homens para os quais também não tenho paciência: os cepos, sem sentido de humor. Uma pessoa diz uma coisa na maior ironia e eles respondem a sério, não perceberam que era ironia nem têm sentido de humor para encaixar e dar o troco. Uns chatos do piorio. Ou os inteligentes armados em intelectuais, carapaus de corrida, uns chatos de primeira, todos prosa, citações, grandes tiradas.


E numa mulher? Ele mencionou “franqueza na amizade” – golpe baixo para as mulheres ou sagaz comentário?


- Sim, a franqueza. Aprecio mulheres francas. Mas também aprecio a generosidade. Não gosto de mulheres mesquinhas, quezilentas, que infernizam a vida aos outros (aliás não gosto nem de mulheres nem de homens assim - desperdiçam a própria vida e chateiam os outros - e para quê?). Gosto de mulheres que mostram alguma superioridade na capacidade de perdão; ou de aceitação. Não descurando o que pensam, são, no entanto, capazes de aceitar os outros nas suas diferenças.


Ternura, desde que acompanhada de um charme físico..., era o valor mais precioso nas amizades de Proust. E nas suas?


- A intemporalidade. A não necessidade de assiduidade. Não tenho paciência para as amizades que são cheias de 'temos que combinar almoçar', 'temos que combinar isto e aquilo'. A amizade boa é aquela que se manifesta nos momentos certos. Uma palavra dita quando se sente que o outro sente falta dela. Um gesto quando se intui que vai fazer bem. Sair de cena quando não faz falta estar-se. Reaproximarmo-nos quando fizer sentido mesmo que seja anos depois. E o encontro ser tão natural como se tivéssemos estado juntos na véspera. Não fazer perguntas quando o silêncio deve ser respeitado. 


Vontade fraca e incapacidade para entender, foi a resposta que deu quando lhe perguntaram qual era o seu principal defeito. Partilha destes defeitos? E que outros pode apontar?


- O meu maior defeito, segundo os outros me apontam, é a falta de paciência para suportar aquilo de que não gosto. A questão é que nem tenho paciência para disfarçar. Baldo-me imenso a encontros, almoços, festinhas sociais, coisas assim, porque não tenho paciência para conversa mole, trivialidades, gente que fala sem parar, que me cansa de tanta vacuidade, que diz coisas à toa. Ou quando estou em reuniões de trabalho e há gente que fala, fala, sem dizer nada, que empata, enrola, não dança nem sai da pista, fico numa impaciência que geralmente me leva a dizer coisas à bruta. Tenho uma certa fama de, de vez em quando, ser bruta como as casas. Nada a fazer.

Qual é a sua ocupação favorita? Amar, disse ele...


- Viver. Dito assim parece uma resposta estúpida, eu sei. Mas é a verdade. Viver dá-me muito prazer. Viver e fazer a cada momento o que de melhor posso - porque nem sempre posso fazer o que me apetece, claro. Mas agora, por exemplo, depois das 2 da manhã, depois de um dia maravilhoso (in heaven, com os meus amores e amorzinhos), o que me apetece é estar aqui a escrever - e, apesar do sono, é o que estou a fazer. Quando estou no carro, numa fila que não acaba, poderia apetecer-me largar o carro ali mesmo e ir a pé - mas isso não posso. Mas mesmo nessas alturas, ouço música, olho a paisagem, penso em coisas que me agradam. E, por isso, muitas vezes, quando estaciono, não consigo sequer lembrar-me se estava muito trânsito. A cada momento, viver o melhor possível. Caminhando, fotografando, lendo, escrevendo, pintando, cozinhando, nadando, e, claro, claro, amando, amando sempre, amando muito.


Qual é o seu sonho de felicidade? A resposta de Proust é esquiva: não fala de molhar madalenas no chá e diz que não tem coragem de o revelar... Mas que não é grandioso e que se estraga se for posto em palavras. O que é que compõe o seu quadro de felicidade?





- Estar em casa e ver a luz através da janela, estar rodeada pelos meus amores, abraçar os que amo, saber que estão bem, que são felizes, e viver cercada por livros, plantar árvores e vê-las crescer, imaginar caminhos, desenhá-los, caminhar depois por eles, cozinhar e pôr a comida na mesa e ver a família comendo, repetindo com gosto, conversando, leve e feliz. 


O que é que na sua cabeça seria a maior das desgraças? Proust respondeu, aos 20 anos: “Nunca ter conhecido a minha mãe e a minha avó”. Mas aos 13 respondeu apenas quando lhe perguntaram pela maior dor: “Ser separado da mamã”.


- Não quero nem falar, seria terrível, insuportável. 


Quando lhe perguntaram o que é que gostaria de ser, respondeu: “Eu mesmo”, aos 20, e Plínio, o Novo, aos 13. As suas respostas seria diferentes? Quem gostaria de ter sido aos 13 anos? E agora?


- Aos 13 eu não sabia o que queria ser, talvez psicóloga. Por essa altura já tinha desistido de ser cabeleireira. Aos 20 sabia que não queria ser professora, queria trabalhar numa empresa grande, embora em nenhuma função em particular, apenas trabalhar numa empresa grande. De facto, tenho exercido muitas funções, díspares, mas sempre em empresas grandes. Tenho sorte, faço o que queria. Mas hoje sei que poderia fazer outras coisas. Penso, aliás, que um dia ainda as hei-de fazer.


Proust gostaria de viver num país onde a ternura e os sentimentos fossem sempre correspondidos. O país onde gostaria de viver existe deveras? Onde fica?


- Não sou dada a utopias nem a ideais. Maça-me até a perfeição. Vivo em Portugal e é aqui que quero viver. Se me acontecer ter que viver algum tempo noutro país, sei que quererei sempre voltar para cá. Apesar de tudo.


Quais são os seus escritores preferidos? No momento em que respondeu, Proust lia com especial prazer Anatole France e Pierre Loti.




- Muito difícil responder a isto. Também não sou dada a eleitos. Escritores de que gosto há muitos. Seria ridículo escolher um ou outro. Ao acaso apenas alguns: Clarice Lispector, Hélia Correia, Eça, Jorge Luís Borges, Yourcenar, Thomas Mann, Pedro Tamen, Manuel António Pina, Herberto, Sophia - e vou parar porque estes não são os preferidos, são apenas alguns dos que muito gosto.


E os poetas? Ele mencionou dois, e um deles faz parte das listas eternas: Baudelaire.


- Que pergunta... Então os poetas não são escritores? Já mencionei alguns na resposta anterior. Mas são muitos. A poesia para mim é a simetria perfeita da matemática. A expressão destilada, perfeita das coisas. Venero os poetas. Citei aqueles na pergunta anterior mas poderia ir por aí fora. Não o fazendo e apenas para não deixar a pergunta sem resposta substantiva, acrescento dois: Luís Filipe Castro Mendes e Jorge Carreira Maia.


Qual é o seu herói de ficção preferido? Aos 13 anos, Proust falou de Sócrates e Maomé como figuras históricas de eleição... E aos 20, referindo-se às mulheres, elegeu Cleópatra.




As ligações perigosas dão sempre pares memoráveis


- Outra vez... Preferências é coisa que não joga comigo, é estreitar muito o que é imenso. Há tantas coisas de que gosto que reduzi-las apenas para dar uma resposta é coisa em que não alinho. Mas, vá lá, alguns exemplos, e repito-me uma vez mais: apenas exemplos. Aos pares: Marquesa de Merteuil e o Visconde de Valmont; Lara Antipova e Yuri Jivago; Karen Dinesen Blixen e Denys George Finch Hatton. São exemplos. Podia puxar pela cabeça e referir mais umas dezenas. E, claro, não tem que ser aos pares. Muitas vezes são personagens que se destacam na sua individualidade. Adriano seria, por exemplo, um deles (e estou, claro, a lembrar-me das suas memórias ditas pela Yourcenar). Mas para que faria esse absurdo exercício? Ficariam de fora outros tantos, muitos outros tantos. Mas quero juntar um outro par, ou melhor mais dois personagens que 'me enchem as medidas': Lisa e Bart Simpson, talvez até mais o Bart. Mas também todos os outros membros da família. 


Quem é o seu compositor preferido? Aos 13 anos, escreveu Mozart, aos 20 Beethoven, Wagner, Schumann. Mas Proust não podia conhecer Tom Jobim ou Cole Porter...


- Fogo... estou quase a desistir. Maçada, isto. Todos os referidos na pergunta e mais cem. E Leonard Cohen. E Rodrigo Leão. E José Afonso. E tantos, tantos mais. 


Proust não foi contemporâneo de Rothko. E escolheu Da Vinci e Rembrandt como pintores favoritos.



"Amor vincit omnia", Caravaggio, 1602 c.


- E continua... Mas vá lá... Rothko, sim, o absurdo de uma cor que nos atrai de forma incompreensível. E a luz de Van Gogh. E as sombras, a sujidade, o vício de Caravaggio. E Paula Rêgo, controversa. E Picasso desbragado. E Balthus, perverso. E cem mais.



The Golden Years, Balthus, 1945

(A primeira imagem que encabeçou o Um Jeito Manso;
acho que esta menina tem muito de mim - e não me perguntem porquê)


Quem são os seus heróis da vida real? Ele apontou dois professores.


- Os desempregados. Não sei como vivem. Não sei como continuam vivos, não sei como encontram forças para se manterem vivos. Curvo-me perante eles. 


“Das minhas piores qualidades”, respondeu o escritor da “Recherche” quando lhe perguntaram do que gostava menos. E no seu caso?


- Esse Proust, credo, parece que não via muito além dele próprio. Eu aquilo de que gosto menos é capaz de ser da hipocrisia. E da mentira dita com descontracção, olhos nos olhos: acho um perigo. Da maldade: tenho medo das pessoas que são más.


Que talento natural gostaria de ter? As respostas de Proust são óptimas: “Força de vontade e charme irresistível”!


- Gostava de saber tocar piano. Nunca consegui. A minha filha toca, aprendeu com uma facilidade impressionante. Eu que lhe ensinava tantas coisas, não apenas não sabia ensinar-lhe isso, como não conseguia aprender. Mas nem os mínimos. Colcheias, semi-colcheias, tra-la-la. Zero. Mas nem tocar de ouvido. Nunca consegui, escusado. E tanto que gostava de saber, de deixar os meus dedos voarem sobre o teclado. 


Como gostaria de morrer? “Um homem melhor do que sou, e mais amado”.


- Proust era mesmo um lírico. Eu sou mais simples: a dormir, sem dar por nada. Pensando melhor, não, que pregaria um susto a quem desse por mim. Por isso, talvez sentada, a ler ou a olhar pela janela, na boa, sem sofrer, sem incomodar os outros, sem me aperceber. 


Qual é o seu actual estado de espírito? “Aborrecido. Por ter que pensar acerca de mim mesmo para responder a este questionário”. Pensar em quem é traz-lhe aborrecimento?


- O meu actual estado de espírito? Será preciso responder? Farta de estar aqui a responder a isto. Não me tinha apercebido que isto era tão comprido, senão não me tinha metido nisto, que seca. (Pensar em quem sou traz-me aborrecimento? perguntam. Não, nenhum. Gosto de ser quem sou)


Proust era condescendente em relação às faltas que conseguia compreender. Quais são aquelas que irreleva?


- Irrelevo (isto é, não perdoo) o que é feito com irresponsabilidade ou com maldade, prejudicando os outros. Por exemplo, irrelevo a devastação que o Governo de Passos Coelho tem levado a cabo no meu País.
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Volto e esta resposta pois fiquei a pensar que, ao responder, atribuí à palavra irrelevar o sentido oposto ao de relevar, ou seja, quis dizer não desculpar. Contudo, parece-me agora que o sentido mais comum que a ela se atribui é o de tornar irrelevante. Por isso, respondo de novo.
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- Irrelevo (no sentido de não dar importância) a atitudes de efeito pouco significativo tomadas no calor de uma discussão ou decorrentes de uma maneira de ser precipitada (por exemplo, disparates ditos ou feitos quase sem pensar e de que, ainda por cima, regra geral, os seus responsáveis por eles se vêm a arrepender)



Por fim, preferiu não responder qual era o seu lema, temendo que isso lhe trouxesse má sorte... É supersticioso como Proust? O que é que o faz correr?


- O meu lema não sei qual é, talvez viver bem e contribuir para que os outros vivam também melhor. Voar. Abraçar. Dar. Coisas assim. O que me faz correr? Acho que não corro. Não tenho pressa, vivo cada instante, degustando-o, e isso é incompatível com correrias. Caminho, aspiro o perfume do ar, deixo o meu pensamento voar.


Acabou? Ufffffff. Parecia que não acabava. Bolas.


[Não vou rever. Passa das 3 da manhã, imagine-se. Que coisa tão comprida esta, credo. Por isso, já sabem, é como nas outras vezes: se encontrarem erros graves, por favor, avisem-me, está bem? Se forem vírgulas ou letras trocadas, por favor, relevem, sim?] 

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E, para não darem a visita por perdida - que isto de lerem isto tudo também deve ter sido uma seca das antigas - aqui vos deixo Leonard Cohen.





U2 & Leonard Cohen,  Tower of Song
(uma ao acaso)


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Entretanto, agora de manhã, que vim aqui dar uma rápida vista de olhos, reparei que a Clara de Sousa já não é a última, já lá está uma nova entrevista da Anabela Mota Ribeiro, seguindo o Proust Quest., agora com a Guta Moura Guedes. Mas vou ter que deixar a leitura disso para mais tarde, que os meus afazeres não podem esperar. Estar agora aqui no computador é uma frescura incompatível com os trabalhos pesados a que tenho que deitar mão.


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E tenham, meus Caros Leitores, um domingo muito feliz!!!!!!!!!


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