sábado, abril 07, 2012

Dia de milagres, de aparições e, in heaven, a natureza perdeu a vergonha, é um festim


Música, por favor

Eva Cassidy - Cheek to Cheek




Pois é, meus Caros, talvez hoje devesse falar-vos de pecados e expiações, de perdão, de ressurreição, ou seja, de motivos apropriados à época que atravessamos. Mas não estou suficientemente inspirada para isso.

Por ressurreição: quando o meu filho era pequeno, acho que com uns 6 anos, tinha umas aulas de Religião e Moral (chamar-se-ia assim ou isso era quando eu andava na escola?) que não sei se eram curriculares, se era porque o colégio era diocesano. Nessa aulas, ele dava cabo da cabeça da professora. Quando eu ia às reuniões de pais ouvia sempre as peripécias. Uma vez, por época da Páscoa, a professora da dita disciplina contava-lhes a história da ressurreição quando o meu filho a interrompeu: 'eu acho que ele não tinha morrido, devia estar só desmaiado'. E dali não saíu. Ela bem tentou prosseguir mas ele não percebia, não aceitava as explicações e não deu tréguas, ela já não sabia que mais argumentos usar.

Pessoalmente, dado que também sou mais dada a racionalismos, tive sempre a maior dificuldade em explicar-lhes a situação. Se eu cedia e dizia que que se calhar estava mesmo desmaiado, já ele e a irmã me questionavam acerca de outros pormenores a que eu me via aflita para esclarecer, um castigo. Lembro-me que, quando eu própria andei na catequese, também não digeri nada bem o fenómeno.

Hoje relevo os pormenores e penso apenas que o que há que retirar da história é que devemos sempre esperar que as coisas fiquem melhores, quiçá que aconteça um milagre (porque os milagres acontecem!). E, sobretudo, que se deve lutar até ao fim mesmo que as consequências sejam temíveis, que não se deve abdicar das convicções nem agir contra a consciência, que se deve lutar pela liberdade, que a liberdade de todos vale a vida de alguns. E foi isso que sempre ensinei aos meus filhos (enfim, acho que não dei muito ênfase à parte de 'valer a vida' não fosse dar-se o caso de derraparem para o lado extremista da vida).

Adiante.

Milagres?! , perguntar-se-ão vocês. De que género?!

De muitos géneros e só não desato aqui a exemplificar porque hoje estou pouco inspirada. 

Por isso, vou ficar-me por singelas aproximações. Duas muito singelas aproximações avistadas esta sexta feira.


Nem mais: um cão! Em pleno Tejo, Lisboa iluminada em fundo, um cão nadava no Tejo.
Tenho visto navios de carga, cacilheiros, barcos a motor, veleiros, peixes, gaivotas, troncos de árvores,
pneus, de tudo (até uma mulher, numa noite terrível) mas um cão... ? Pois lá andava ele,
nadando na maior como se fosse a coisa mais natural desta vida.

E mais à frente, quando olhava para o ar perseguindo o voo livre das gaivotas, outra miragem, desta vez em forma de flores.


Neste telhado nascem flores. De uma velha casa, paredes enrugadas, peles velhas e gastas, eis que,
no telhado, despontam flores amarelas. A primavera a evidenciar-se nos mais improváveis lugares

Assim é, pois, a vida: imprevista para quem a queira descobrir, entediante para quem não se dê ao trabalho de lhe desvendar as subtilezas. 

Adiante que não tenho competência para filosofias. Mais vale que, rural como sou, me limite a falar de coisas simples.

Oliveiras, por exemplo. Gostaria de também ser capaz de falar de oliveiras errantes mas, hélas, não tenho a competência do Pedro Bidarra, o Jardineiro Triste que com tanta competência, no outro dia, se lamentou ali no recanto das tristezas agora em onda de epitáfios. 

É que, nem de propósito, hoje de tarde passei por um belo campo de oliveiras. Começava a chover na altura mas o céu enganava, quase parecia azul (e, ao ver a fotografia, quase duvido que me tivesse molhado toda para as fotografar, mas molhei-me mesmo) e a terra estava coberta de pequenas flores amarelas. Apenas as oliveiras pareciam desoladas. É certo que as folhas começam agora a despontar mas, meu Deus, que desoladas elas me pareceram assim, frágeis, despidas. Porque é que um campo de oliveiras parece tantas vezes um lugar de perdição e tristeza?


Nesta  fotografia não se vê a erva florida, apenas o céu que quase parece radioso
Mas as oliveiras... parecem-me corpos expostos, perdidos. Tomara que fiquem frondosas.

Mas a surpresa maior estava para chegar. Agora estou in heaven, a terra na qual gosto de mergulhar, terra e pedras, ventos desabalados, temperaturas extremadas, hoje o ar estava frio, muito frio, mas, senhores, a primavera chegou, chegou e instalou-se.

Que me perdoem os vencidos da vida, os amargurados que odeiam flores coloridas e perfumadas, que desprezam quem se deleita com tão primários e rústicos prazeres, que me perdoem, mas eu sou assim: meio terra, meio árvore, meio mulher. 

Ah! Acham que me apanharam em falta... que a soma de três metades dá mais que uma, em boa verdade dá uma e meia... 

Pois é, meus amigos mas é que eu sou mesmo mais que uma. E, ao que enumerei, haverá ainda que juntar: meio gaivota, meio fundo do mar, meio punhado de palavras. Ou seja, adivinharam...: meio doida.

Adiante, pois. Vejam com os vossos próprios olhos - só aparições: um limoeiro no qual nascem cachos de flores lilases.


É que não sou só eu que sou meia doida. Vejam bem a glicínia, completamente doida.
Numa euforia que ninguém segura, eis que trepa pelo limoeiro, se enleia no candeeiro, nos arbustos -
um escândalo de cor e exuberância

Dirão vocês que não chovia nada, que sonhei, que com estas cores só podia estar um sol dourado, um dia de verão. Então vejam, olhem bem este lírio do campo que nasceu encostado a uma outra flor. Claro que não sei o nome desta flor nem sei se o lírio do campo é mesmo um lírio. Mas tem cara de lírio, não tem?

Reparem nas gotas de chuva. Choveu ou não...? e não são lindas estas cores, uma coisa quase feérica, não acham? Ah, perco-me de roda destas flores. 


Para me armar em erudita (a ver se não desperto sorrisos caridosos por me  acharem uma triste destituída do ponto de vista estético e intelectual) vou fazer de conta que não são flores, não senhor: (ce n'est pas une pipe, diria o outro), isto é uma pintura da Georgia O'Keeffe 

Poderia ainda falar-vos do cheiro impúdico das flores das laranjeiras e até mostrar-vos fotografias em que elas parecem brancas, virginais, poderia mostra-vos mais coisas assim, coisas vulgares para uns, milagres para mim. Mas não vos maço mais.

E por hoje, meus Caros, não passo disto, como vêem não estou inspirada. Tenham um sábado muito bom, está bem?

13 comentários:

Tété disse...

Santa Páscoa Jeitinho e que Deus a conduza sempre nessa adorável e sábia "doidice".
Grande beijo

Anónimo disse...

Temos umas glicíneas também por cá, que bonitas ficam nesta época!
E temos 2 excelentes rapazes na casa dos vintes que "decidiram aceitar o conselho do Miguel Reles" e pisgaram-se do País (ou será Relvas?). Encontraram emprego fora deste rectângulo angustiado, para nosso desgosto, mas é a vida!
Também adoro peixe! E grelhadinho com sal e limão, hum!
Como também sou mais racional e nada dado a místicas religiosas, assim desejo-lhe um Domingo bom em família.
Em tempos comprei lá por fora uns livros divertidíssimos sobre as tais Cocottes e ficaram-me na memória os seus, delas, feitos!
Cordialidade,
P.Rufino

margarida disse...

"Glicíneas"? As minhas 'flores-da-Páscoa' têm esse nome? Adoro-as..., em frente à casa havia uma quinta enorme e sobre o muro, enleadas no gradeamento (ambos belíssimos), surgiam estas flores a anunciar a Páscoa e a Primavera. São flores do passado, da infância, da memória mais sensível.
Como conseguir colocá-las por aqui, é o meu próximo desafio de jardinagem (logo a seguir ao transplante das árvores da casa).
:)
Estes seus jardins imagéticos, sonoros e verbais, são muito inspiradores...
Uma boa Páscoa. Mil vezes.

Isabel disse...

Para quem está com falta de inspiração...

Adorei o texto e as fotos.
Adorei essa doidice e ruralidade inspiradora.
Um beijinho e Boa Páscoa

Maria disse...

Jeitinho amiga:
Quem duvidar que chove, é louco.
A terra, as árvores, a erva, as flores e nós, ganhamos vida, quando depois da seca, vem a chuva. Tudo se torna mais nítido. As glícinias molhadas de chuva, deixando cair algumas gotas, são lindas. E o aroma que libertam? Em miúda, gostava de me pôr por baixo delas, esfregá-las na cara, na roupa. Já nessa altura, adorava perfumes.
Em Tomar havia muitas. Pendiam dos muros, das pérgolas, nas árvores.
Goze os seus dias in heaven.
Mande-me um cheirinho a campo, por favor.
O canito conseguiu chegar ao fim?
Está quentinho, aqui. Depois de ontem ter tido um dia agitado, hoje estive no meu cantinho. Vi um filme, sobre as guerras do Ultramar. Isto, em mim, é obsessão.
Quero saber sempre mais. Depois, fico amargurada.
Beijinhos
Mary

Um Jeito Manso disse...

Teresa-Teté,

Muita obrigada. Tomara que sim, que me mantenha sempre um bocado desalinhada (para não dizer amalucada...).

Uma boa Páscoa também para si, Lady with a pretty smile!

Um Jeito Manso disse...

Olá P. Rufino,

Quem tem glicínias convive de perto com a perfeição. Adoro as minhas (também são dois pés que já se enroscaram por todo o lado e que, vaidosas como são, se penduram em tudo o que é sítio, exibindo os seus belos cachos lilases).

Os meus filhos felizmente estão por cá, posso tê-los (não debaixo das minhas asas que eles já são grandes demais para isso) mas muito perto de mim. Tomara que sempre tenham possibilidade e que, podendo escolher, optem por ficar cá. Sou uma mãe galinha que tem tido a sorte de o poder ser pelo que nem quero pensar no que seria se algum fosse para longe. Mas, de qualquer forma, mais vale trabalharem onde escolherem, seja onde for, do que não terem trabalho e sentirem-se desmotivados. Acima de tudo a sua motivação, realização, felicidade.

Boas leituras, boas jardinagens, bom cabrito assado, bom domingo e que a Páscoa signifique esperança em melhores dias.

Um abraço.

Um Jeito Manso disse...

Margarida,

As glicínias são um pézinho que cabe em qualquer lugar. Depois vão crescendo, enroscando-se, trepando. Se tiver um telheirozito, ou algo em que elas possam pendurar-se fica lindo. Senão que tenha uma outra árvore por perto que elas vão para cima, adoram exibir-se.

Anunciam a primavera, têm uma cor maravilhosa, é impossível uma pessoa ficar indiferente a uma beleza assim.

Já lhe desejei mil vezes também uma boa Páscoa pelo que agora desejo apenas que estes sejam para si verdadeiros tempos de renascimento.

Um Jeito Manso disse...

Isabel,

Sempre tão amável. Na maior parte dos dias antes de começar a escrever, ainda não sei sobre o que vai ser. Ontem estava já a escrever e ainda sem saber o rumo que aquilo ia levar. O que vale é que os dedos já sabem o caminho, escrevem eles sozinhos.

Talvez seja o ar do campo que leva o meu pensamento...

Boa Páscoa, Isabel!

Um Jeito Manso disse...

Mary,

Tomar é uma cidade linda, gosto imenso.

Antes dos blogues ia lá algumas vezes comprar lãs para tapetes de Arraiolos, há lá uma loja óptima.

Os alcatruzes da roda e aquela sua fotografia são, então, de lá...?

Também gosto de andar por baixo das glicínias, de as olhar de todos os ângulos possíveis, fotografo-as. São belas e perfumadas.

Quanto às 'guerras do Ultramar' eu também tenho curiosidade mas não gosto de ver, custa-me. Cada vez mais evito ver (ou ler) coisas que me angustiam. Cada vez estou mais selectiva no uso do tempo. Se calhar há uma dose de alienação nisto mas paciência. Prefiro coisas que me põem bem disposta ou que me surpreendem ou que me deixam a pensar mas sem angústias.

Não lhe mando um cheirinho de campo porque a esta hora já não estou no campo, já estou aqui na cidade, embora também pertinho do céu.

Um beijinho Mary.

Olinda Melo disse...

Não estava inspirada? Então o que é isto que acabei de ler, de ver,de apreciar? :) Uma explosão de vida, com o seu olhar clínico em relação a tudo o que brota onde quer que seja. A sua objectiva não perdoa e presentea-nos com estes autênticos milagres.

Obrigada

Beijo

Olinda

Um Jeito Manso disse...

Querida Olinda,

Sempre tão compreensiva, tão simpática.

Estava sem saber sobre o que escrever, foi saindo, foi-se escrevendo sozinho, fui relacionando com as fotografias que tinha tirado, a coisa acabou por se fazer por si própria.

Mas agradeço na mesma, como se tivesse sido uma coisa suada...

Um beijinho, Olinda, e um belo Domingo de Páscoa!

Maria disse...

Jeitinho amiga:
Claro que, a foto, o nome, eu, somos Tomarenses,digo, Nabantinos, digo, Patos Bravos.
Adoro a minha terra, é o meu in heaven e sinto-me desenraizada, desde que de lá saí.
Quanto às Guerras do Ultramar, vivi-as, como se lá estivesse. Perdi amigos, vi voltar outros doentes e marcados, no corpo e no espírito.
O Pai do meu genro esteve em todas as frentes. Esta Páscoa, o filho, trouxe-me um livro dele e um filme, que me fizeram voltar a esse tempo.
Vi o Filme e estou a ler o livro.
Fico obcecada,pelas histórias da História. Este, além de tudo, fala de Salgueiro Maia, meu colega de Colégio, capitão de Abril, que, acima de todos admiro.
Está explicado. O marido continua a dormir, o cão idem. Vou ver o post de hoje.
Beijinho
Mary