sexta-feira, abril 06, 2012

Vítor Gaspar e Miguel Relvas na Assembleia da República, a propósito dos subsídios de Natal e de férias, nitidamente a gozarem com o pagode. Para nos livrarmos de temas deprimentes, proponho 'exercícios zen' : Passagem e Como se desenha uma casa, segundo Manuel António Pina, e as longas pernas de Sylvie Guillem em A Dama das Camélias


A intervenção de Vítor Gaspar na manhã de quinta feira no Parlamento foi indecorosa (assinalei a palavra manhã porque, de tarde, os Senhores Deputados concederam-se tolerância de ponto, enquanto em grande parte da função pública e praticamente em todas as empresas privadas se trabalhava...).

O risinho alarve de Miguel Relvas enquanto Vítor Gaspar parodiava o pasmo de toda a gente, falando da subtracção dos subsídios por mais uns anos como se isso não significasse pobreza e aflição para tanta gente, incomodou-me. Aliás, isto é mau demais, incomoda-me de mau que é.

Medidas tomadas à socapa, medidas mal explicadas, previsões erradas, estratégias erradas, tudo mal, tudo excessivamente mal. 

Descoordenação, falta de respeito, falta de jeito, falta de elegância, falta de educação, falta de competência, falta de experiência, falta de inteligência e, como se isso fosse pouco, ainda o descaramento, o fazerem dos outros parvos. Inaceitável.

Nem consigo falar mais disto. Maça-me. Fatiga a minha beleza. Tende, até, a desestabilizar-me.

Por isso, Caríssimos, vou mas é para um spa intelectual. A propósito: no outro dia, quando ia passar na rua, registei o seguinte excerto de conversa. Uma mulher de uns quarenta e picos - cabelo de um louro mal conseguido, seguramente convencida que estava bem maquilhada, saia bem acima do joelho, bota alta (e só não digo que parecia estar a fazer o trottoir porque há um número significativo de mulheres que ganha a vida de outra forma e que se veste assim, vá lá a gente perceber porquê), com umas unhas curtas pintadas de um encarnado eléctrico - falava ao telemóvel, de forma francamente audível embora com um inoportuno efeito sopinha de massa: 'Olha, eu já me deixei disso, já sei o que é que a casa gasta, é sempre assim, e sabes o que é que faço? Faço um exercício zen.' E sorria, um ar superior, contente por saber fazer exercícios zen.

Portanto, vamos lá todos fazer aqui um exercício zen.

Hoje ao fim do dia, gaivota cruza  um céu magnífico, sobre a Ponte 25 de Abril, sobre o Tejo, sobre Lisboa


                                      Com que palavras ou que lábios
                                      é possível estar assim tão perto do fogo,
                                      e tão perto de cada dia, das horas tumultuosas e das serenas,
                                      tão sem peso por cima do pensamento?

                                      Pode bem acontecer que exista tudo e isto também,
                                      e não só uma voz de ninguém.
                                      Onde, porém? Em que lugares reais,
                                      tão perto que as palavras são demais?

                                      Agora que os deuses partiram,
                                      e estamos, se possível, ainda mais sós,
                                      sem forma e vazios, inocentes de nós,
                                      como diremos ainda margens e como diremos rios?

Hoje, quando anoitecia, o Cristo Rei (abraçando uns e virando as costas a outros) recortava-se sobre um céu glorioso

Legenda para um possível Cristo Rei

Quando todos os homens nos traíram
ou fugiram
ou ficaram
com as mãos vazias de respostas

o céu do nosso Tejo
se envergonha
e em arabescos escurece
e tu Cristo que te deste
em amor
sem condições

ao menos tu
não nos vires as costas e o olhar
dá-nos sim razões
para poder
(como tu)uma vez mais
RESSUSCITAR



[Poema da autoria da Leitora 'Era uma Vez' publicado em comentário aqui abaixo]

O poema entre as fotografias chama-se Passagem, pertence ao livro 'Como se desenha uma casa' e é de Manuel António Pina. Abaixo o escritor fala deste livro e é sempre um prazer ouvi-lo a falar.



E, porque já estava com saudades de Sylvie Guillem, fui revê-la e, claro, partilho convosco este vídeo. Aqui Sylvie faz a Dama das Camélias e enlaça Nicolas le Riche, conduzindo-o a fantásticos momentos de dança e de amor. Aprendam com ela (mas, sejam vocês homens ou mulheres, apenas tentem reproduzir com um fisioterapeuta ao vosso lado - a menos que sejam bailarinos, claro).


^^  §  ^^

Tenham, meus Caros, uma Sexta Feira verdadeiramente Santa. Ou, se não for santa, que não seja excessivamente pecadora. Ou, então, que seja e que se divirtam  - vocês é que sabem.

12 comentários:

A Matéria dos Livros disse...

O poema e vídeos que nos oferece são mesmo um bálsamo para estes tempos tão maus.

Tenha uma Boa Sexta-feira!

Pôr do Sol disse...

Cara Jeitinho,
Sempre vivi com o sentido da res- ponsabilidade muito presente, quer pessoal quer profissionalmente.
Quando errava, quando cometia um LAPSO, tentava remediá-lo e se fosse chamada a atenção por isso achava justo. Hoje uma derrapagem no valor do orçamento apresentado, é um buraco normal, aceitável, o que se disse ontem hoje pode-se desdizer que é tudo normal, não há responsabilidade nem palavra, o que é isso de honra? A classe(?) politica não tem classe nem nada de bom como muito bem diz, mas é bem dificil alhearmo-nos disso mesmo que nela não tivessemos votado.
Acabam com certos feriados porque o momento é de trabalho, mas são tão catolicos assim que se recolhem na tarde de 5ªfeira?
O facto é que nos deprime só de pensar que País deixaremos aos nossos netos.
São desabafos que mais não são que chover no molhado.
Valha-nos os seus passeios guiados

Anónimo disse...

Talvez seja tempo para que aqueles que no Parlamento riram, de forma alvar, gozando, como muito bem diz, com o pagode, tivessem a coragem de explicar que uma grande parte dos nossos sacrifícios porque passamos se deva ao facto de uma certa “dívida privada”(da Banca) ser de uns tantos 175 mil milhões de euros, dados do mesmo FMI que nos empresta a juros agiotas. E que somos nós, a esmagadora maioria dos contribuintes que a terá de pagar. Com a diferença que esta maioria faz sacrifícios que os administradores da dita Banca não fazem, nunca fizeram, nem fará. Rir de quem passa pelo que esta tal maioria está a passar, sem os tais subsídios, reduções salariais, na saúde, etc é de gentinha sem princípios, de gente reles. E ainda vamos em Abril e já temos correcções ao Orçamento. Esperem por Dezembro! Com um PIB em queda, pergunta-se: como sair do buraco? Só com juros muito mais baixos, que só um BCE tinha obrigação de permitir. Entre outras soluções. Enfim, estamos da mão de gente incompetente (e patética), pelo menos no que respeita à forma como nos fazer sair desta situação.
Impagavel, essa do Zen!
Ouvindo e vendo a Dama das Camélias, recuo no tempo e pergunto-me que encantos teve Marie Duplessis (famosa Cocotte daquela época) para ter influenciado de tal forma Dumas Filho (que como é sabido veio a escrever a sua Margarida Gautier baseado na figura de Duplessis, de quem foi amante). A jovem e bela Marie ainda veio a partilhar o seu (célebre) leito com (o sedutor)Franz Liszt. E célebre ficou pois Verdi (esses extraorinário compositor, cujas obras encantam qualquer mortal) ter-se-á inspirado na história da Dama das Camélias para compor a Traviata.
A minha 6ªFeira não terminará Santa pois “ao que me dizem, o jantarinho será...carne”.
P.Rufino

PS: a sua indignação relativamente ao que aqui escreve e denuncia fez-me bem à alma. Ainda bem que há mais gente...mal disposta com esta “gente”!

patricio branco disse...

"entre 2009 e 2016, os juros da nossa dívida pública vão subir de 4903,8 milhões de euros para quase 10000 milhões de euros. Uma subida de quase 5000 milhões de euros. Algo como 2,8% do PIB actual. Para podermos perceber o que este aumento dos juros representa, vale a pena relembrar que o TGV Lisboa-Porto estava projectado em cerca de 3,6 mil milhões de euros (sem derrapagens de custos). Por isso, a partir de 2012, vamos pagar um TGV de juros todos os anos só para servir a dívida pública que acumulámos nos últimos anos."

de alvaro santos pereira no seu blogue, em junho do ano passado (interrompeu o blogue quando foi para ministro, é pena)

Anónimo disse...

O seu blog é sempre lindo. Há dias em que se excede em beleza. Hoje é um desses dias.
Obrigado por amenizar a vida de quem o lê.

Desejo-lhe uma Boa Páscoa.

ERA UMA VEZ disse...

Legenda possível para um Cristo Rei
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Quando todos os homens nos traíram
ou fugiram
ou ficaram
com as mãos vazias de respostas

o céu do nosso Tejo
se envergonha
e em arabescos escurece
e tu Cristo que te deste
em amor
sem condições

ao menos tu
não nos vires as costas e o olhar
dá-nos sim razões
para poder
(como tu)uma vez mais
RESSUSCITAR

Um Jeito Manso disse...

Olá Leitora Contemplativa,

Muito obrigada pelas suas palavras e ainda bem que gostou. Quando estou enfurecida, depois de refilar a plenos pulmões, só me apetece refugiar-me na beleza das palavras, das imagens, dos gestos. Apesar da mediocridade e do desalento temos sempre a beleza e é nela que eu me refugio.

Um bom sábado, Leitora!

Um Jeito Manso disse...

Olá Pôr do Sol,

Vejo-os a acho que nem ao menos têm vergonha na cara. Fazem porcaria e, depois, ainda querem fazer de nós parvos. Revolto-me com isto.

E os deputados que exemplo dão ao País a quem se pede trabalho e mais trabalho? Vão para casa a gozar a tolerância que não foi concedida aos outros... É preciso descaramento.

Mas, enfim, teremos sempre a beleza dos rios, dos céus, das cidades, dos campos, das palavras, das danças - e isso, até ver, ninguém nos pode tirar.

Um beijinho, Sol Nascente!

Um Jeito Manso disse...

Olá P. Rufino,

Carne numa sexta feira que se quer sem ela...?

Eu foi só peixinho e nem foi por me querer santa que para isso não levo jeito nenhum, foi mesmo porque cada vez como mais peixe e menos carne, pelo menos muito menos carne vermelha que isso já está mais que provado que não dá saúde nenhuma.

Quanto ao resto: quanto mais ouço as notícias, quanto mais leio sobre o estado do País mais aflita fico - como é possível um País estar entregue a gente desta, que mente descaradamente, que faz asneiras a um ritmo alucinante, que vai retalhar e desfazer-se das empresas, que vai deixar tudo de pantanas...? Como é isto possível?

E como é possível que não haja oposição? Como?

Mas olhe, que fiquem ao menos as sedutoras (e sedutores!), com ou sem camélias, para encher de graça a vida de quem as rodeia. Há coisa mais aliciante do que conviver ou conhecer a história dos grandes sedutores?

Escuso de dizer que já fiz copy past para o documento de word em que estou a coligir as referências a sedutoras que tão cientificamente aqui faz o favor de deixar. Confesse: tem uma biblioteca inteira dedicada às grandes sedutoras da história? Alguma explicação deve haver para tão profundo conhecimento.

Um bom sábado para si, P. Rufino e tente redimir-se do pecado que hoje cometeu.

Um Jeito Manso disse...

Caro Patrício Branco,

O que é feito do Álvaro, agora que fala dele? O desemprego a disparar desta maneira e dele nem a sombra... dele que é o ministro do emprego... Na volta, desistiu e anda por aí na blogosfera sob pseudónimo.

Quanto à dívida é um facto - de tal forma a economia definhou e de tal forma o despesismo se instalou, é um facto.

Por isso as agências de rating colocam a nossa dívida como lixo. Teria a economia que crescer a sério para gerar riqueza que desse para pagar isto (ou isso, ou reestruturar a dívida).

Seja como for, a solução passará por cortar despesa inútil e estimular a economia. Fazer como este governo está a fazer que é atacar pelo lado da austeridade é estrangular a economia - e isso anula todas as hipóteses de se sair desta.

E, se souber do Álvaro, se o vir por aí, avise, sim?

Um Jeito Manso disse...

Olá Caro(a) Anónimo(a),

Muito obrigada pelas suas palavras, são muito simpáticas.

O que faço, faço com muita sinceridade, sem disfarces, expondo as minhas opiniões e os meus gostos. Claro que são subjectivos mas é com carinho que aqui os exponho.

Agradeço muito a visita e as palavras.

Uma boa Páscoa também para si e para os seus!

Um Jeito Manso disse...

Erinha,

Muito obrigada pelo belo poema, tão ajustado à época, tão ajustado à fotografia.

Ao lê-lo fiquei até comovida pois é, de facto, a melhor legenda que a fotografia podia ter, nesta época da Páscoa. Vou lá colocá-lo onde sugeriu, com os meus agradecimentos.

Boa Páscoa, Erinha!