domingo, junho 29, 2025

Quando o casamento deixa de ser um simples casamento

 

Tive vontade de completar o título com "... e passou a ser uma grande palhaçada" mas contive-me. Cada um sabe de si. Além disso, não se podem analisar as coisas independentemente do tempo em que ocorrem. As circunstâncias vão formatando as mentes.

Para mim um casamento é a formalização de uma união que, de alguma forma, já existe. Cada um já tem que saber que é com o outro que quer viver e formar família. Pode até acontecer que isso já esteja a acontecer sem que o 'papel passado' faça qualquer falta. 

Se fosse hoje, provavelmente não me tinha casado pois passava bem sem a cerimónia e sem a festa. Simplesmente, parece que, naquela altura, era normal as pessoas casarem-se. Casei-me sem sequer nos ocorrer que poderíamos, simplesmente, viver juntos. Mas também não sei se, na altura, a união de facto já tinha o enquadramento que hoje tem. E, de resto, também não sei se hoje estar-se casado é igual, em termos de direitos, a viver em união de facto. Se houver algum inconveniente, também não vejo que o casamento faça mal.

Mas, seja como for, para mim o casamento é uma formalização, um acto administrativo, e pode ser também um momento de reunir família e amigos dos dois lados para que se conheçam e convivam.

Já contei que o meu casamento foi decidido e tratado creio que num mês. Fomos ao notário e perguntámos qual a primeira data disponível. E foi nessa data que ficou. Era uma sexta-feira e nem pensámos que poderia ser um transtorno, o meu pai é que me censurou por isso (mas também foi uma censura relativa e, além disso, compreendi o que ele dizia, que era dia de trabalho, que as pessoas teriam que tirar um dia de férias). Depois fomos escolher um sítio para o copo de água. Vimos uns dois ou três e optámos por um lugar simpático, na cidade, com uma ementa que nos agradou. O fotógrafo foi um amigo da faculdade. Para a toilette, achei-me 'mascarada' de noiva se usasse um vestido todo produzido (que era o que havia) e por isso optei por uns jeans justinhos brancos, umas sandálias em cor nude, e uma túnica branca em organza bordada também a branco, um modelo Augustus. Depois é que percebi que era totalmente transparente. Naquela altura isso seria um bocado descabido. Por isso, usei por baixo, um top de algodão, ultrafino, de alcinhas ultrafinas. Tudo simples, sem qualquer complicação ou artifício. 

Os casamentos dos meus filhos não foram nada disto, foram grandes festas, creio que talvez umas duzentas pessoas em ambos os casos, locais preparados, com música, com reportagem fotográfica de qualidade, tudo num outro comprimento de onda. Mas, ainda assim, românticos, muito alegres, muito genuínos: a festa foi feita por eles e pelos convidados.

Agora, quando vejo os casamentos transformados em eventos, organizados como se fossem espectáculos de entretenimento e diversão, espaços e momentos de exibição, fico um pouco incomodada. Já nada têm a ver com a partilha de uma decisão íntima.

O casamento do Bezos com Lauren Sánchez é o cúmulo dos cúmulos do que, em minha opinião, é um anti-casamento. Tomados e ungidos pelo ultra poder da sua ultra galáctica fortuna conceberam o casamento como uma ultra ficção. Para disfarçar a ultra arrogância, doaram dinheiro e convidaram os convidados a fazerem doações. Os ultra ricos a darem esmola aos pobrezinhos, à cidade pobrezinha quase a afundar-se, ao planetazinho pobrezinho tão cheio de problemazinhos climáticos e o escambau. E os convidados incluem a rainha dos reality shows e da cinturinha de vespa e respectivas sisters e recauchutada mamã, a rainha das entrevistas, uma rainha supostamente a sério, o rei dos pc's, o rei do titanic e mais toda a espécie de exemplares do showbizz e arredores. Faltou o candidato a nobel da paz, o dos belos e grandes feitos, o da boquinha de rosa e mãozinhas de  bebé. Foi pena. A coisa teria ficado mais composta. Não sei quem celebrou o acto, se terá sido um cardeal escolhido a dedo ou se dispensaram a bênção divina. Tanto faz. E o que se viu foi que, depois de ter ajudado a eleger o tal que faltou, depois de se muscular e injectar para ser um eternamente jovem, o todo poderoso noivo resolveu dar o cinéfilo nó com a sua insuflada e reluzente noiva na terra da morte em veneza e isso, só por si, já seria uma heresia sem perdão.

Mas, neste mesmo dia, o instagram mostrou-me um outro casamento. Tudo filmado pela Madalena Abecassis. Talvez fosse o casamento de um primo. Um reality show a céu aberto. No meio do copo de água (e será que ainda se chama copo-de-água a uma cena destas?), apareceram uns polícias. 'Vem aí a bófia!', gritou alguém, creio que ela. E, de repente, os polícias não eram polícias, eram dançarinos disfarçados de polícias. Não sei se chegaram a fazer strip se ficaram assim mesmo. O que sei é que algemaram pessoas, apontaram armas à cabeça dos convidados. E toda a gente ria, tudo bem bebido, tudo descontrolado, tudo numa histeria colectiva, e ela sempre a filmar, tudo a festejar o facto de estar com uma pistola apontada à cabeça. E eu, vendo isto, interrogo-me: é isto um casamento? O que é que se celebra assim? 

Confesso: vi sem acreditar no que estava a ver. A perversão ou a distorção de valores parece não ter limites. Não são só os governantes que fazem coisas incompreensíveis. São os cidadãos, os que elegem governantes perigosos, são os cidadãos que, no seu dia a dia, revelam ter mentes viradas do avesso, uma perversão colectiva que parece avançar sobre a consciência das pessoas como uma imparável mancha de óleo.

Tudo isto é demasiado chocante para mim.

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Felizmente ainda há protestos. Mas são devorados, engolidos pelo buraco negro da perversão.

Jeff Bezos and Lauren Sanchez's wedding underway in Venice | BBC News

Reality stars, actors, royals and A-listers have travelled to Venice for the lavish wedding of Amazon founder Jeff Bezos and TV presenter Lauren Sanchez. 

Oprah Winfrey, Orlando Bloom, Kylie Jenner and Ivanka Trump were just some of the celebrities seen on the boats and streets of the Italian city on Thursday and Friday. 

But the event has attracted protests from a variety of groups in Venice, including locals fighting over-tourism to climate change activists. 

The festivities are expected to last three days, ending with a large party for the married couple and their hundreds of guests on Saturday.


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Desejo-vos um belo dia de domingo

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