sábado, novembro 02, 2024

Há coisas que só vistas

 

Durante toda a minha vida, escolhi por mim o que vestia fosse para o que fosse. Todos os dias eu saía de casa como se fosse um dia especial pois todos os dias frequentava locais em que toda a gente se arranjava muito bem e sentir-me-ia deslocada se me apresentasse arranjada de forma desatenta ou informal.

Vestia-me com cuidado, tudo a condizer (ou a contrastar, consoante o objectivo) sapatos adequados, maquilhagem no tom. 

Claro que quando havia mega reuniões ou encontros do Grupo ou situações em que eu ia falar para as 'massas', tendo os 'holofotes' sobre mim, tinha especial cuidado. Nessas alturas, claro que, na véspera, à noite, experimentava vários outfits, fazia uma pré-selecção, e depois pedia a opinião ao meu marido. Era frustrante para mim pois eu gostaria que ele olhasse com atenção, pensasse um pouco. Mas não. Eu aparecia e ele dizia logo 'acho bem'. Depois, eu mudava e aparecia com outra roupa, e ele, instantaneamente, dizia: 'A primeira'. Eu mudava para a toilette seguinte e acto contínuo, ele dizia: 'Pode ser.'. Ou seja, não se concentrava, não tinha paciência. Eu tinha que insistir bastante, mas ficava sempre com a sensação de que ele queria era ir jantar pelo que não tinha paciência para as minhas experimentações. 

Agora que estou reformada, a minha vida felizmente simplificou-se de forma radical. Mesmo quando vamos passear, ou almoçar fora ou a algum encontro ou a alguma situação em que faz sentido arranjar-me um pouco melhor, só tenho que ir ao roupeiro e escolher um conjunto que me agrade.

Mas depois há aquelas situações especiais. Aí tenho mesmo que caprichar um bocadinho. Não dá para ir muito casual e o registo informal está fora de questão. 

Uma coisa tenho muito clara, nesta e noutras condições: não vou comprar nada. Portanto, só tenho que saber escolher. Hoje, antes de chegarem os meus netos, estive a experimentar toilettes. 

Acabei por me fixar em duas. Uma baseada em tons azuis escuros e outra em tons azeitona. Fotografei-me e mandei à minha filha. Rejeitou liminarmente as duas. Na sequência disso, devo ter estado à vontade uma hora a trocar de calças, de blusa, de casaco, de sapatos. Finalmente, quando me parecia que inequivocamente era aquela, a minha filha voltou a rejeitar. Agora parece que já nos fixámos numa delas, com outra como alternativa. 

No fim, a cama tinha calças, blusas, casacos, tudo fora dos cabides, uma maçada de todo o tamanho para voltar a arrumar tudo. Ocorreu-me a paciência que aquelas pessoas que trabalham nos provadores da Zara ou de outras lojas de grande movimento têm que ter para passar horas a arrumar roupa que os outros despem e para ali deixam de qualquer maneira. Enfim.

Mas, com a short list de duas toilettes, agora tenho que convencer o meu marido a ser cooperante e dizer a sua opinião. Gostava que fosse ele a desempatar (mas não estou com muita esperança).

E ainda tenho que ir cortar o cabelo e, desta vez, a ver se vou mesmo à cabeleireira. Em quatro anos acho que só fui uma vez. Mas para um corte mais radical e para a situação que é, não posso arriscar nos meus amadorismos. 

Claro que, no meio de tanta desgraça. eu estar nisto é coisa abaixo de parva. Mas a vida tem destas coisas, muitas facetas, e, excepto em situações limites, há espaço para tudo.

Tirando isso, tive ajuda na cozinha, dois dos meninos colaborando, e, talvez com a excitação de tê-los ali, cada um a fazer a sua coisa, a falarem alto, numa alegria, o cão, que nunca liga patavina, desta vez também quis ver o que se passava e pôs-se de pé, duas patas na bancada, para espreitar e para ver se apanhava alguma coisa. Foi uma aventura para o pôr dali para fora pois obviamente quer estar onde estão as suas 'ovelhinhas'. A cozinha tem duas portas e uns corriam por uma porta e ele atrás e eu e o meu marido a fecharmos a porta e todos a quererem entrar pela outra e nós a tentarmos barrar-lhe a passagem mas, claro, eu a precisar de entrar. Há coisas que deveriam ser filmadas pois só vistas.

E agora que estou aqui na sala a ver uma coisa assustadora, os vídeos falsos gerados por Inteligência Artificial, uma coisa que me preocupa para além da conta (um dos habilidosos dizia que com um gasto mensal de vinte e poucos dólares, conseguia fazer não sei quantos vídeos -- ou seja, toda a tecnologia à disposição de toda a espécie de crápulas, de mercenários, de malucos, de agarrados que precisam de dinheiro, de psicopatas, de fascistas, etc), só me apetece continuar no registo das frioleiras, das futilidadezinhas inofensivas, que não me desgastam os neurónios, que não cansam a minha beleza.

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As imagens foram photoshopadas com muita graça por Volker Hermes

E um bom fim de semana para todos

2 comentários:

ccastanho disse...

Há coisas nas mulheres que não entendo.
A propósito de roupa. Não entendo o porquê de um blazer, por exemplo, só voltar a ser vestido um mês depois?! O que significa ter no mínimo um roupeiro só para blazer. O que significa, que, com a quantidade de roupa da minha mulher, já ocupou praticamente todos os roupeiros da casa e a minha roupa estar num roupeirinho como se eu fosse um "sem abrigo" nesta casa. É verdade que reformada, já pouco ou mesmo nada compra de roupa--também não tem muito onde a meter, verdade se diga-- mas a que tem, muita já nem veste.
Sapatos?! Bom, é melhor nem falar. E nesta matéria continuo a ser "o sem abrigo desta casa" espaço para os meus...vai lá vai.
Ténis?! Há uns tempos, a meu pedido, começou a contar por alto, quantos pares tinha...não digo o numero, mas dois dígitos muitíssimo bem medidos há espalhados pelo primeiro e segundo andar.
É verdade, e o seu a seu dono, agora já passa pela " stradivarius" e olha para o lado para não haver tentações.
Adoro ver uma mulher bem arriada, mas porra, tanta roupa, é exagero das mulheres.

Um Jeito Manso disse...

Oh, Ccastanho, agora parecia mesmo o meu marido a falar. Podia ter sido ele a escrever o que escreveu pois queixa-se exactamente da mesma coisa (que a minha roupa ocupa tudo e que a roupa dele tem que ficar num canto, que tenho não sei quantos sapatos a mais, que não percebe para quê tanta coisa que já pouco visto, etc, etc, etc...). E a verdade é que, em minha defesa, não tenho muito a dizer... Reconheço que falam verdade...

Um bom resto de domingo!