Tirando a minha mãe que fica sempre meio baralhada no meio do trânsito, em especial quando anda nas vias mais frequentadas, dos outros só o urso não conhece a cidade. Contudo, o nosso conhecimento não nos salva. Quando não se conhece bem o pedaço para onde se vai, se não levamos um bom gps é certo e sabido que vamos andar às voltas sem atinar com a estrada onde virar. Portanto, salva-nos o Waze. E ainda assim, está bem, está... Por vezes é preciso tomar decisões na hora e, no meio de várias faixas preenchidas em contínuo, se a gente pensa que é para virar lá mais à frente e, afinal, é antes, quantas vezes já não conseguimos virar para lá...
Quando chegámos à clínica, tudo muito automatizado, desde a inscrição até à entrada para os gabinetes, pensei que a minha mãe sozinha não conseguiria orientar-se. Habituada a ser autónoma, está contudo muito virada para o mundo analógico. Ali, ou as pessoas já estão programadas para encarreirarem naquela lógica ou, então, vão sentir-se perdidas.
Mas as coisas começam logo antes. Ao entrarmos para o parque, o meu marido não viu o botão da via verde. Mas, às tantas estava à espera de um botão, e aquilo já está uns passos mais à frente e já não funciona com botão. Tirou um bilhete.
Lá vi, na big e prá frentex caixa negra, discreto, quase invisível, o símbolo de um telefone. Carreguei. Ao fim de um bocado, uma voz saiu da máquina. Perguntei onde é que enfiava o bilhete. A voz disse-me que se encostava ao sítio onde estava uma luz âmbar. O meu marido encostou e no visou apareceu uma verba. Lá conseguimos pagar e, com o bilhete pago, lá nos dirigimos para a saída.
Posso ainda contar um outro episódio.
E eu pensei também que dito desta forma também dá que pensar: este mundo ainda é o mundo da minha mãe mas como poderá ele orientar-se se lhe faltarem as lojas físicas?
E eu? Quanto tempo levarei até sentir-me obsoleta, incapaz de me encaixar no mundo virtual em que os humanos já só se manifestam a partir de máquinas e em que as lojas tendem a não ser físicas.
E hoje, ao ler A torneira, pensei que também já me aconteceu ver uma bela torneira, sem dúvida uma interessante peça de design, mas não fazer ideia de como manejá-la. No meu caso só me ocorria que devia haver um botão ou comando algures, mas, por razões estéticas, completamente oculto. A sensação de impotência e desadaptação bem vincadas...
Todo o mundo caminha aceleradamente para a digitalização, para a desmaterialização, para a sofisticação cada vez mais abstracta e vai deixando para trás os que não conseguem acompanhar o passo.
Isso ou o que me aconteceu no outro dia. Deitei-me com o telemóvel carregado. De manhã estive a ver as mensagens e as notícias. Tranquilo. Nos noventa e tal por cento de bateria. E, de repente, desligou-se. Tentei ligá-lo e nada. Até que, na fracção de segundo entre tentar ligá-lo e ele desligar-se instantaneamente consegui ver que estava com 0% de bateria. Não encontro explicação. Só que, depois, não consegui carregá-lo pois o que tinha comigo era para carregá-lo via PC e o PC também se tinha avariado. Portanto, fiquei totalmente incomunicável e incapaz de interagir com imensas coisas.
Numa situação destas, que pode acontecer a qualquer um, como é que um cidadão sobrevive neste mundo como o nosso?
E se esta conversa tem a ver com coisas comezinhas, imagine-se com a inteligência artificial. Como conseguiremos acompanhar o passo sem sermos cilindrados? Já não vai ser possível travar a força do mar com as mãos. Só vejo uma hipótese: hibernar.
How to stop AI going rogue
Artificial intelligence is improving so fast that no one knows what it might be capable of. It brings huge opportunities, but also huge risks. Arjun Ramani, The Economist's global business and economics correspondent, explains what could go wrong.
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