sexta-feira, novembro 25, 2022

Um jardim muito especial para curar as agruras de um dia sombrio

 


Quando me levanto costumo ir abrir as janelas que o meu marido ainda não abriu. Gosto especialmente de abrir a do quarto dos rapazes e a do quarto das meninas. Dão ambas para o jardim de trás de que, embora não tenha flores, gosto mais. O relvado estava cheio de laranjas. As laranjeiras estão carregadas e, com a chuva (e o bicho da laranjeira, segundo fui aqui informada no outro dia), caem que se fartam. Uma pena. 

Está tudo verdinho, verdinho que é um gosto.

No corredor lateral, onde já conseguimos puxar a glicínia de lado a lado -- fazendo um telheiro que, na primavera, espero que se encha de cachos floridos em delicado lilás -- há agora no chão, caídas, inúmeras folhinhas douradas. Estão ensopadas ou a nadar, tanto choveu. Pensei: até parece que é outono. E enquanto andava, quase de noite, pus-me a tentar perceber a quantas andamos. Não foi difícil lá chegar: estamos mesmo no outono. Mas hoje o dia mais me pareceu inverno, sombrio, sombrio. Ainda bem que tem chovido e era bom que assim continuasse. Mas custa-me muito que fique de noite tão cedo. E custa-me que às quatro e tal já tenha que acender a luz para poder trabalhar.

E custa-me que o tempo passe tão depressa. Daqui a nada estamos em dezembro, daqui a nada estamos mesmo no inverno, daqui a nada estamos a entrar no natal e, pouco depois, estamos a desaguar no próximo ano. O tempo num corre-corre que não tem parança. 

E eu penso nisto e só me ocorre que, se ao menos conseguisse dormir até que o sono se extinguisse, era tudo tão melhor. Ainda hoje estava a dormir descansadamente quando me toca o telemóvel. Era daquelas chamadas que tinha mesmo que atender. Já aqui contei: não há pior para mim. Passar do sono profundo a uma conversa normal no espaço de um segundo é daquelas coisas que me deixa indisposta. Os neurónios têm que se pôr em formatura quando deveriam era estar a espreguiçar-se na maior lentura. 

E daí em diante foi sempre a abrir, com telefonemas sobrepostos. Vários sobre o mesmo tema: uma má notícia que nos deixou desiludidos, preocupados. Vários telefonemas tinham por propósito perguntar-me se já tinha sabido. E o dia acabou da mesma maneira: telefonemas com o rescaldo da má notícia da manhã. E um outro com alguém cuja voz e estado de espírito me traz preocupada.

O meu marido quis ir caminhar para a beira da praia. De noite, uma humidade densa, permanentemente a chuviscar... mesmo bom para andar a passear (e, por favor, pressintam a ironia com que o digo). Mas ele quis e eu alinhei. Contudo, estive sempre ao telefone. Quase uma tortura. Mas não deixo que transpareça por respeito por quem me liga. 

E, no fundo, apesar de tudo e bem vistas as coisas, o dia foi bom: os meus meninos que têm estado tão atrapalhados, uma gripe das danadas ou uma das so called viroses, não sei, estão melhores, a menina crescida que toma conta deles parece que escapou, a outra menina grande que já vai na terceira covid do ano também está quase fina e lá em casa parece que mais ninguém foi contagiado e, last but not least, o menino grande que estava fora regressou são e salvo. E, portanto, de que me queixo? De nada. Tenho é que me dar por feliz e sentir-me agradecida. E estou.

E ainda mais uma coisa: encontrámo-nos à hora de almoço com uma pessoa que é pro em cães da raça do nosso. Gostou muito dele, achou-o obediente, bem comportado, sem pingo de agressividade. Vim de lá toda contente. Isto, apesar de, pelo meio, ter tido que atender duas chamadas do arco da velha.

Agora, cansada, a escrever enquanto tento libertar a cabeça das preocupações diárias, fiz zapping e apareceu-me uma das mais sinistras figuras do comentário luso, aquele tal major-general que frequenta os meios pró-Putin e que não é capaz de condenar a actuação criminosa do psicopata com loucas aspirações imperialistas e que, perante o drama pelo qual os corajosos ucranianos estão a passar, retorce o raciocínio para disfarçar a ausência de compaixão pelo sofrimento que as televisões mostram. Tive que fugir imediatamente daquele canal. O mal, seja sob que forma se manifeste, faz mal à saúde de quem está por perto. E ter a cara e as palavras desta criatura sinistra aqui na minha sala é como ter veneno a escorrer-me em cima. Que horror. 

Vou à procura de jardins. Se fosse de dia e se tivesse tempo, ia para a Gulbenkian ou para o Jardim Botânico ou, até, para a Estufa Fria.

Creio que já contei que, quando adquirimos aquela terra pedregosa cheia de mato ressequido que tinha uma casa escura, com móveis escuros, a que agora chamo heaven, comecei a frequentar viveiros para escolher árvores e arbustos em miniatura. Ia sobretudo aos viveiros da Câmara de Lisboa, nos Olivais, e aos do Ministério da Agricultura ali na Azambuja (nunca me lembro se é Chamusca ou Azambuja, confundo os nomes e agora não me apetece ir ao google procurar). As jardineiras e jardineiros já me conheciam, conversávamos sempre um bocado. Eles de botas de borracha, aventais, e eu, chegando de carro, de salto alto. Ora ia à abertura, o mais cedo possível, ora ia à hora de almoço. Ou seja, sempre na continuação de um dia de trabalho. Mas o que eu adorava andar por ali a perguntar pelas manhas e maus hábitos de cada espécie, a escolher cada rebento, a avaliar como ficariam quando crescessem. Mil vezes pensei que seria feliz se fosse jardineira.

Se há vídeos ou filmes completos que gosto de ver são os que envolvem jardins ou jardinagem. O vídeo que abaixo partilho é uma maravilha. Vejam, por favor. Respirem devagarinho e sintam a beleza deste jardim.

Touring Paolo Pejrone’s Enchanting Italian Gardens | Visitors’ Book

The World of Interiors presents Visitors’ Book with Paolo Pejrone. A master of his craft as a landscape designer, Paolo Pejrone welcomes us into his secluded gardens nestled in the hills of Piedmont, Italy.

As we tour Paolo’s botanical paradise, we develop a deep understanding of his Arcadian retreat: “As time passed, year after year, it has become a sort of nursery in which I have experimented with many plants”. Watch the full episode of Visitors’ Book as we explore Paolo Pejrone’s captivating gardens, guided by pendulous evergreen and expertly defined jewel-toned passages.


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A fotografias são da autoria de Katarzyna Załużna e vêm na companhia de Loreena McKennitt que interpreta Huron Carol

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Um dia bom
Saúde. Serenidade. Paz.

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