sábado, agosto 06, 2022

Avó e neta

 

Fui ontem fazer compras com a minha menininha linda. Adora fazer compras. Eu agora já estou a deixar-me disso -- não quero, não preciso -- mas, ainda assim, não posso esconder, é coisa de que gosto. Chegar a uma loja, deitar um olhar panorâmico, um vol d'oiseau clínico, perceber onde está aquilo que pode interessar, depois ir até lá, pegar na peça, imaginá-la em mim, ver-me ao espelho, depois seleccionar o que pode ter a hipótese de ir até ao provador. O gosto de coisa nova, eu com uma imagem nova. Coisa boa.

Assim é ela, a minha menininha.

Como presente de aniversário, compras. Afinal já está crescida, já vai fazer doze anos. Em vez de lhe oferecer roupa para a rentrée escolar, coisa que faz sempre falta, a possibilidade de ser ela a escolhê-la. 

Tal como acontece comigo, ela não teme o que é diferente. Também não lhe ocorre temer a opinião alheia. Ao contrário das crianças desta idade que querem, sobretudo, alinhar-se com a opinião dominante no grupo de amigas, ela sente-se especialmente atraída pelo que é diferente. 

Por exemplo. Na secção de adultos, viu uma saia comprida. Adorou. Fiquei na dúvida. Será? Olha que não sei... Será que vai ficar bem? Toda eu dúvidas. Ela não. Dúvidas nenhumas. Eu gosto. Pegou para provar. Também na secção de adulto, uns calções elegantes em azul marinho. Gostei. Vou provar. Vi um macacão em tecido fino, levemente plissado, de alças, calças soltas e largas, decote assimétrico, em azul claro turquesa e verde água, um pendant perfeito com a cor dos olhos. Ela estava a provar umas calças de ganga, pretas, levemente à boca de sino, esfiapadas nos joelhos quando lhe levei o macacão à cabina. Olhou, apreciadora, e disse: 'Eu gosto...'. Pegou nele para provar a seguir. Quando vestiu, fez uma pose ao espelho, saiu para mostrar ao mano do meio e ao avô que desesperavam no interior da loja. Fez uma pose. Eles olharam, ar surpreendido, fizeram ar aprovador. Foi o que lhe bastou. Foi para o provador: 'Gosto. Levo.'

Quando eu tinha a idade dela não havia todo este abundante pronto-a-vestir. Muitas coisas que usei eram feitas a partir de modelitos avistados em revistas de moda. Escolhia, íamos a lojas de tecidos desencantar algum que se adaptasse, íamos à modista com os materiais e a revista. Vestia-me de maneira diferente das minhas colegas e ainda hoje me lembro bem de vestidos bem engraçados, por exemplo um que tinha o corpo em malhinha em fio de linha preta e saia às flores muito coloridas e manguinha curta igual. Ou de um conjuntinho de calções curtinhos com uma camisa igual, de manga curta, tudo em azul claro com malmequeres pequenos em branco. Dava um nó à frente com as pontinhas da camisa. Não queria cá saber do que as outras meninas pensavam.

Esta minha menininha é, também nisto, uma mini me

Agora diz que, quando for grande, quer ser gestora -- porque quer mandar. Diz isso.

Avisei-a que mandar nem sempre é coisa boa. Muitas vezes não sabemos, ao certo, o que melhor decidir. Todos à espera da nossa decisão e nós cheios de dúvidas. Outras vezes, achamos que estamos a fazer bem e as pessoas, afinal, não concordam, criticam-nos, acham que decidimos mal. Ela encolheu os ombros. Disse que não se importava. Antes dizia que queria ser pediatra e eu isso achava melhor. Mas sabe lá a gente o que é melhor. Eu, desde cedo, depois de me passar a vocação de merceeira e a de cabeleireira, imaginava-me em ambiente empresarial, a decidir, a mandar. Pelos vistos, ela sente o mesmo apelo. Se se mantiver nesse rumo, nem sabe a vida de chatices que a espera.

Agora dorme aqui ao meu lado. Deita-se, vira-se de lado e adormece. Não lhe incomoda a luz ou o barulho. Até nisso é parecida comigo. Quando tenho sono, também basta encostar-me. O sono desce instantaneamente.

Os manos dormem no quarto dos rapazes. O urso cabeludo dorme a sono solto no corredor. Mas os meninos não são os únicos a pernoitar. Tem mais. Na volta ainda devia ter era mais camas...

Quando viu a toalha em cima da mesa grande, o mais pequeno exclamou: 'A toalha dos anos...?'. Referia-se à toalha de exterior -- que parece de tecido mas é plastificada -- que a minha filha me ofereceu pelos anos e que foi usada nos meus anos, nos anos do meu filho, nos anos do menino mais crescido. Passou a ser a toalha dos anos. Hoje não festejámos nenhum aniversário mas, não tarda, estará a ser usada de novo com esse propósito.

E eu, depois de uma semana de trabalho, só penso que felizmente já estou com um pé no fim de semana. Trabalhar em Agosto é coisa que sabe a disparate, a coisa de gente destituída, gente que não sabe fazer mais nada do que trabalhar, coisa do mais contranatura que há. Felizmente tenho a maltinha por perto e, com eles, o ar de festa e de férias está sempre presente. Tão bom.

E estou é capaz de também me encostar já aqui e deixar-me ficar a dormir, tal neta, tal avó. 

Ah, já contei? De um lado tem um brinquinho, do outro tem dois. Não quer cá saber se dói, se não dói. É para fazer, faz-se. Queria mais um piercing ali daquele lado e agora já o tem. Coisa mais linda, mais fofa, mais decidida.

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A magnífica fotografia, que me deu o mote para o que escrevi, é da autoria de Joseph-Philippe Bevillard (Ireland) e mostra Julann e a neta Lucia. Foi feita em Birr na Irlanda. Foi feita este ano e pertence à série 'Mincéirs'

"Julann and her granddaughter Lucia just got dressed for a wedding. As part of their lifestyle and custom, all members of the family are dressed in flamboyant style, the little girls mimic their mother's and other siblings' fashion. Hairpieces, high heels, full makeup, false tan, nails, and eyelashes are showcased by all ages."

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Desejo-vos um bom sábado

Saúde. Alegria. Paz 

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