quinta-feira, agosto 26, 2021

A alternativa é ficar com os pés no ar

 



Tenho uma confissão a fazer. 

O sofá que tínhamos na sala da televisão, in heaven, era antigo e já afundava. Eu virava as almofadas do assento para ver a sensação de afundanço diminuía mas a idade não perdoa em todas as raças e géneros, incluindo sofás. Portanto, resolvemos trocá-lo. 

Tratámos disso num dia em que andávamos a ver se encontrávamos uma mesa que estendesse até mais de três metros de comprido. Mas as poucas que faziam a proeza, partindo de um tamanho discreto, eram mal jeitosas. Por isso, quando fomos em demanda do sofá já o meu marido tinha esgotado a paciência. Qualquer um lhe parecia bem desde que se livrasse daquilo. Fico aborrecida pois não há vez em que a gente tenha que tomar uma decisão relevante que ele não esteja já numa impaciência que não consegue controlar.

Às tantas, vimos um que era da cor, do material e com o tamanho e tipo desejável: lavável, clarinho, largo e com dois assentos com sistema de relax. Ou seja, cabendo três pessoas à vontade, quando estamos aqui os dois, cada um pode rebater o seu lugar como quiser que amigo não empata amigo. O meu marido disse: é isto, está resolvido. E eu sentei-me nele para experimentar. A senhora fez a demonstração e achei o máximo. Pedi que ele testasse. Recusou-se. Disse-lhe: mas vamos comprar um sofá sem veres se achas confortável? Ele disse que não precisava de testar, que com certeza que era bom, que servia. Fiquei chateada. Entretanto, no meio da contrariedade, reparei que, quando em posição normal, eu não chegava com os pés ao chão. Disse-lhe isso. Não ligou patavina. Acho que disse que se arranjava um banco para eu pôr os pés. A empregada disse que não era preciso banco pois o sofá levanta a parte de baixo. Tentei perceber como me adaptaria mas o meu marido já queria tratar da encomenda, pagar o sinal, raspar-se dali para fora. O costume. 

O sofá já cá está. Se me encosto atrás não chego com os pés ao chão. O meu marido desata-se a rir. 
No outro dia, um conhecido nosso, ao almoço, falou do dono de uma empresa que conhecemos, uma empresa que tem dois nomes. Não vou dizer o nome tal e qual mas imaginem que é Rocha & Bela. Contava ele que Rocha era o nome do dono. E acrescentou que o Rocha casou com uma mulher muito baixa, dizia que era pouco mais que uma anã. O meu marido disse: 'A Bela'. O nosso interlocutor confirmou: 'A Bela'. 
Pois bem. Agora, ao ver-me com os pés no ar, o meu marido diz que não tem culpa que eu seja do tamanho da Bela.

Se o reclino fico óptima, o sofá transforma-se numa confortável chaise-longue. Só que, mal isto se estica, logo eu me deixo dormir. Uma luta para estar aqui, reclinada, e a escrever... não vos digo nada. 

E tenho outra questão. Em situação social, uma pessoa não se vai pôr toda esparramada no sofá. Nas, aí, fico como? A fazer sala e com os pés no ar...? O meu marido, disfarçando o ar de gozo, diz: 'Eu não tenho problema'. Caraças. Tenho eu. Se eu ainda tivesse esperança de crescer... agora assim... 

Só tenho coisas que me ralem.

Tirando isso, a televisão também deixou de apanhar sinal, ou seja, não há televisão. Não sei se a caixinha da TDT se estragou ou o quê. Presumo que a tenham tratado mal durante o processo das pinturas. 

O termos optado por pintar a casa toda, por dentro e por fora, cá para mim está ao nível da minha decisão de fazer artroscopia aos dois joelhos ao mesmo tempo. Tinha problema num deles e, convencida que aquilo era só fazer uns furinhos para espreitar lá para dentro, embora do segundo praticamente não tivesse queixas, assim como assim, já que tinha que ser anestesiada, viam-se logo os dois. Tudo na boa, sem pensar nas consequências. Quando acordei e vi que tinha um saco com sangue que escorria de um dreno em cada joelho e quando percebi que, para me pôr de pé, não havia um em bom estado em que me pudesse apoiar, é que percebi a burra que tinha sido.

Assim com isto. Parte das coisas fomos nós que retirámos para o estúdio e o que ficou os pintores encarregaram-se de mudar de sítio. Portanto, primeiro que tudo volte ao devido lugar tem sido o fim da picada. Agora a seguir vêm os das janelas. Portanto, toca a retirar tudo o que esteja perto. E a seguir toca a limpar tudo, outra vez.

Mas, trabalhos esforçados à parte, a casa está uma graça. Mais clara, mais luminosa, aspecto mais arejado. A minha filha está cá a fazer as suas decorações. Ela e os meninos também andaram nas pinturas. Subsistem na cor original da madeira os móveis mais antigos mas o aspecto geral é de leveza. Acho que com as janelas brancas ainda melhor vai ficar.

Como estou a trabalhar ao mesmo tempo, ainda não tive tempo de ir passear lá por baixo. E estou cansada. Mas quem corre de gosto não cansa. E fico feliz da vida por ver como os meninos também gostam de cá estar e como hoje gostaram de andar a lixar e pintar móveis.

O pior mesmo é o sono e, aqui no sofá, não ter posição. Ou me reclino e deixo-me dormir ou me sento normalmente e fico com os pés no ar. Sou eu e a Bela.

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Fotografias de Guy Bourdin

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Um dia feliz.

Divirtam-se. Descansem. Descontraiam.

2 comentários:

Maria disse...

O que me fartei de rir com o seu post! Peço desculpa, mas está mesmo cómico... No meio de tanto trabalho, faz bem algum humor! Felicidades na sua nova casa. Maria

Um Jeito Manso disse...

Olá Maria,

Ri-se porque, com certeza, não está com os pés no ar enquanto escreve...

E, sim, Maria, acima de tudo, que prevaleça o sentido de humor. Para coisas tristes já basta o que basta, não é?

Obrigada pelos seus bons votos.

Desejo-lhe um sábado à maneira.