terça-feira, março 30, 2021

Mulheres como eu

 


São invisíveis. Habitam a noite, esgueiram-se pelos passeios, pelos pinhais da beira da estrada, pelas esquinas da vida. Ou recebem em casa, quando a têm. Há terras em que estão às portas, convidando quem passa. Outras vezes escondem-se, disfarçam-se.

Por vezes vêm de destinos longínquos. Vinham em busca de uma vida melhor. Algumas nasceram em famílias desestruturadas ou, simplesmente, foram vítimas da má sorte.

O mundo divide-se em grupos. Não serei a pessoa mais indicada para o exercício. Mas, a meu ver, consigo identificar alguns.

Há uns quantos que se acham acima de todos, outra estirpe, uma estirpe que se acha tão acima das restantes que não quer nem saber de mais nada. Habitam o Olimpo e isso basta-lhes. Há, depois, uma parte do mundo que, afortunadamente, não tem de que se queixar e que louva a vida. Todos os dias me sinto agradecida por, até agora, ter feito parte desse grupo. E há aquela parte do mundo, uma parte crescente, que, com ou sem razão, sorri para as selfies, ficciona vidas de ilusão, exibe ao mundo as suas insignificantes vitórias, procura ser universalmente seguida, procura avidamente a aprovação nem que seja através de um 😊 ou de um 👍. E há os outros, os muito discretos, os remediados, os que não têm muita razão para se sentir felizes mas que a vão levando, pouco falando, existindo sem sobressalto e gerindo bem a angústia. E depois há os outros, os silenciosos, os que querem que ninguém os reconheça, os que preferem ser desconhecidos e ignorados, os que aprendem a controlar a vergonha ou a revolta, os que tentam aprender a racionalizar a vida que a má sorte lhes reservou, os que apenas tentam sobreviver.

Tenho muita pena das mulheres que se prostituem. Respeito-as e lamento que usem o seu corpo como instrumento ao dispor de quem não as respeita. Não consigo sentir, no meu íntimo, repulsa ou condenação. Tenho apenas um sentimento de profunda solidariedade. São mulheres como eu.


Amber



Faith


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Fotografias de Mark Laita que também realiza estes vídeos

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Desejo-vos um dia bom

1 comentário:

Paulo B disse...

Ainda hoje na minha corridinha passei por uma mulher que claramente o estava a fazer. É tão triste e tenho sempre vontade de fazer alguma coisa. Pergunto-me tantas vezes se não poderia fazer alguma coisa... Sei lá perguntar se posso ajudar de alguma forma na construção de uma outra forma e viver.
Não fazendo nada, ao menos que fale da minha preocupação com essa ideia que se anda por aí a formar de legalizar o lenocínio (porque é disso que se trata essencialmente o reconhecimento da prostituição como atividade económica). Temo que aí sim acabe a esperança. A minha e a que essas mulheres (e alguns homens) possam ter.