sexta-feira, março 05, 2021

Homens & Mulheres

 



Grande parte da minha vida profissional tem sido passada maioritariamente entre homens. Conheço bem a sua maneira de agir, em geral. Em lugares de gestão ou de poder, a larga maioria, a esmagadora maioria, é de homens. Durante muitos anos eu era a única mulher numa equipa de gestão totalmente masculina. Aliás, toda a sociedade foi, até há não muito, uma sociedade maioritariamente dominada por homens. Se calhar até deveria dizer: até aos dias de hoje. Basta ver a percentagem de mulheres que, por cá, já ocuparam os primeiros lugares da hierarquia de Estado. Se arredondar às unidades, zero. Na Igreja, então, o atraso de vida é ainda maior. Nas Forças Armadas, idem.

No entanto, tenho que reconhecer que, apesar de tudo, tem havido consideráveis avanços. Custa até pensar como, até não há muito, as mulheres não podiam votar ou careciam de autorização do marido para exercer direitos que hoje parecem básicos.

Mesmo se me situar no domínio das artes, ao longo dos tempos, quantas mulheres artistas ocultaram a sua identidade pois também não era aceitável que as mulheres pudessem ombrear com os homens na criação artística?

Como foi possível que os homens exercessem tão absurdo domínio durante séculos é enigma dificilmente explicável.

Com o pretexto da sua maior força física e com notável espírito de corpo, os homens blindaram todo o espaço que tinham ocupado recusando a entrada das mulheres. No fundo, os homens sentem-se intimidados perante as mulheres. Sentem-nas imprevisíveis, destemidas, versáteis, ousadas, persistentes, determinadas e sabem que, perante uma mulher desinibida e focada num objectivo, pouco podem. Temem-nas, não o duvido. Sabem que, além disso, as mulheres encerram mistérios, sabem de manhas ancestrais e sabem fazer uso de forças que lhes nascem das entranhas. Os homens temem as mulheres por tudo o que elas são.

Podem os homens, nos bastidores, fazer grupo, uns com os outros, fingir que desdenham delas, ensaiar ares de superioridade, gozar com o que dizem ser os seus humores ou hormonas. Mas é tudo disfarce. No fundo, sabem que jamais terão pior adversário do que uma mulher que lhes faça frente.

Pretextos, enredos, intrigas, tudo tem servido para manter as mulheres a bom recato, inofensivas à força. Quando penso que tempos houve em que o sangue menstrual era pensado como impuro, motivo de repulsa, motivo para o afastamento das mulheres... Como é possível? Impuro o sangue que sai do ventre de uma mulher? Como pode ser impuro? Quando penso que talvez ainda hoje se preterem mulheres para algumas funções por poderem ter filhos, afectando a sua produtividade... Como é possível...? Há lá mérito maior do que poder gerar uma vida? Como falar de improdutividade a propósito de alguém que produz uma vida? 

Só por ignorância, obscurantismo ou muito medo alguém pode pensar assim. 

Gostava de ainda poder ver, no meu País, uma mulher como Primeira-Ministra ou como Presidente da República. Ou, no mundo, uma mulher como Papisa, talvez não entre os luxos do Vaticano mas num lugar modesto.

O mundo seria um lugar tão mais de paz, tão melhor, haveria tanta mais criatividade e generosidade se houvesse mais mulheres em lugares de poder. 

Eu sei que a própria palavra 'poder' tem más conotações, como se fosse sinónimo de ganância, prepotência, nepotismo, coisas que tais. No masculino, de facto, muitas vezes é bem assim, Mas 'poder', no sentido que aqui refiro, significa apenas influir ou determinar o rumo das coisas. 

Por isso, foi com particular prazer que ouvi as palavras de Eduardo Galeano no vídeo abaixo. E a música que acompanha as palavras também é de se lhe prestar atenção.


La vida según Galeano



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Fotografias de Alba Yruela ao som de O viridissima virga, Hildegard Of Bingen

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Uma boa sexta-feira.

17 comentários:

luis disse...

E já tivemos uma primeira-ministra: Maria de Lurdes Pintassilgo, entre Julho de 1979 e Janeiro de 1980. E marcou indelevelmente a política portuguesa, sendo, maids tarde, candidata à Presidência da República em 1986.
Já agora, concordo inteiramente com o conteúdo do seu comentário e sou seguidor do blogue.
Luís

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Riqueza,
Realmente ainda somos muito bichinhos, mesmo, achamo-nos o ser dos seres mas custa-nos libertar dos mecanismos puramente animais.

Viva as mulheres de fibra, sem recatos e intrépidas. As mulheres da minha família, felizmente, são dessa tempera.

Um belo dia.

PS: Tenho andado baldadas hehe
Muito trabalhinho, for good!

Estevão disse...

Mas não deve ter sido sempre assim.
Se foi a Eva que levou o Adão a dar a trinca na maçã, como nos tem vindo a dizer a Santa Madre Igreja, então era a Eva quem usava calças. E o coitado do Adão só obedecia.
Aninda poderá haver resquícios desta obediência nestas cinco sociedades matriarcais,

https://www.hypeness.com.br/2017/10/estas-5-comunidades-contemporaneas-sao-totalmente-governadas-por-mulheres/

se é que os hostels e os aeroportos do Montijo ainda não estão lá instalados. Um homem a ser seduzido por uma mulher para esta avaliar o seu desempenho sexual, só pode ser obra divina.
Por cá, a ocidente, o Adão virou choninhas-machão e a Eva virou excisão. Tudo a bem da nação..
Por ironia do Belzebu, sempre que um grupo de homens cria uma sociedade onde as mulheres não podem entrar, mesma que seja uma sociedade secreta, mais cedo do que tarde uma mulher entra lá pela mão ou ao colo de um homem.
Agora que está tudo descoberto, já podem comercializar a pílula masculina, penso eu de que ..

João Lisboa disse...

Papisa?... A indiscutível superioridade das mulheres, nessa matéria, deveria manifestar-se por uma declaração na qual que deixassem bem claro que, nunca por nunca, estariam dispostas a fazer parte de tal associação de malfeitores!

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Se na Santa Madre Igreja ainda há quem fale de Evas e Adães como se tivessem existido, nunca se devem ter dado ao trabalho de ler as introduções dos livros nem as notas biblico-pastorais.
Mas, partindo do mito, é verdade, o macho acaba por fazer uma figura de totó pau-mandado que doi, prova provada que a "valentia" machista não passa de uma coisa de menino birrento a pensar que manda.

Bom fim de semana.

Tiago Gonçalves disse...

Para além do exemplo de Maria de Lurdes Pintassilgo, bem relembrado pelo Luís, tivemos as rainhas D. Maria I e II, como chefes de Estado, cada qual com sua vida cheia de peripécias. E não esquecer a "rainha Dona Tareja", mãe de Afonso Henriques..

Anónimo disse...

Quem fez dos homens homens desses, foram as suas próprias mães. E tinha que haver umas mutações genéticas. As mulheres deviam deixar de escolher homens desses para procriar.
:)

Um Jeito Manso disse...

Olá Luís,

Sim, tivemos. Mas porque foi exemplar único eu disse que, arredondado às unidades, o rácio nº mulheres/nº total de governantes, seria zero. Uma percentagem abaixo de insignificantes.

Mas foi marcante, apesar de breve.

Onde há agora uma mulher em quem se vote para Primeira-Ministra...? Não há. E é uma pena.

Um bom domingo, Luís.

Um Jeito Manso disse...

Olá Francisco,

Os homens, em geral, são formatados pela sociedade, uma sociedade machista, para serem fortes, para irem à luta, para se desenvencilharem por si, para protegerem. E, por isso, porque não querem assumir fraquezas, não pedem ajuda, temem o não, gostam de se mostrar tribais. Por isso e por muito mais, acabam com receio das suas fraquezas, acabam a esconder os seus medos. E isso enfraquece-os. E como geralmente, para se defenderem, atacam, acabamos por viver numa sociedade que incentiva a beligerância.

Não são todos os homens, felizmente, mas muitos dos que se chegam onde lhes cheire a poder acabam por blindar a 'coutada'.

Aos poucos as coisas vão mudando. Mas muito devagarinho...

Um feliz domingo, Francisco. Com sol e praia.

Um Jeito Manso disse...

Olá Amofinado,

O seu comentário deixou-me confusa. Pareceu-me perceber em si uns certos laivos de machismo disfarçados de humor... Acertei? No fundo, no fundo acha que esta minha conversa tem qualquer coisa de feminismo e as feministas tendem a ser umas fundamentalistas... certo...? Portanto, Adão e Eva e isto e aquilo... Está bem, está.

Não conhecia essas comunidades que refere (e agradeço que mas tenha dado a conhecer) e também é verdade que, em países em que a condução do governo está entregue a mulheres, tudo corre melhor. Seria bom que os homens abrissem a guarda e, sem condescendências paternalistas, aceitassem, na boa, que as mulheres podem e devem ter espaço para tornar as coisas um pouco melhores.

Um belo dia de domingo, Amofinado.

Um Jeito Manso disse...

Olá João,

Por isso disse: não no Vaticano. Estou certa que, com uma mulher à frente, a Igreja seria outra coisa. Penso que uma mulher mudaria de tal maneira as coisas que não haveria sequer lugar a paralelismos.

E, repare, digo-o sendo agnóstica.

Um belo dia de domingo, João.

Um Jeito Manso disse...

Olá Tiago,

Não recuaria à Monarquia embora não renegue a história do meu país. Mas penso que, para este efeito, é preferível pensar no período já da República em que há liberdade para nos organizarmos e para poderemos escolher quem nos representa.

Mas, tem razão, recuando no tempo, temos algumas excepções sendo que uma, justamente, nos nossos primórdios. Bem lembrado.

Um bom domingo, Tiago.

Um Jeito Manso disse...

Olá Anónimo,

Não é coisa individual. Tenho um filho com mente aberta e que, do que lhe conheço, é tudo menos machista. Mas não se pode falar em casos individuais nem tão-pouco a mentalidade de uma pessoa é totalmente fruto dos genes ou da educação que recebeu dos pais: há a sociedade e a aculturação que gera.

É um percurso. Pode acontecer é que, um dia destes, no meio do percurso, apareça uma mulher que mostre que, afinal... uma mulher não se fica atrás dos homens... antes pelo contrário...

Um bom domingo.

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Muito devagarinho, sem dúvida, por isso há um longo caminho a percorrer no derrube de divisões que nos colocam ainda na selva.

Um rico domingo. Hoje por lá passarei, irei ler na missa.

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

No tal devagarinho lá se chegará, assim espero.

Um abraço!

João Lisboa disse...

"com uma mulher à frente, a Igreja seria outra coisa"

Independentemente do facto - do qual estou absolutamente convencido - da superioridade das mulheres, a verdade é que, por cada Jacinda Ardern, existem dez Margaret Thatcher. E Golda Meir. E, e.... A natureza humana é o que é e, no essencial, parece-me assexuada.

Além de que isso não é assim tão diferente de afirmar que "com uma mulher à frente, a máfia seria outra coisa". Mas para que serviria a igreja (ou a máfia) transformada "noutra coisa"? Se é para a mirífica "solidariedade" - designação actualizada da velha "caridadezinha" com que se aliviava as almas - a igreja, enquanto tal, só tem de se integrar no que já existe. Até porque, como "catalizador do Bem", parece não ser indispensável: https://lishbuna.blogspot.com/2021/02/parece-que-ainda-necessita-de.html

Bom domingo.

Tiago Gonçalves disse...

Olá de novo UJM!

Relativamente ao regime da Primeira República, ironicamente, após o gesto de ousadia de Carolina Beatriz Ângelo em 1911, legislou no sentido de impedir o direito de voto feminino.

Um bom domingo UJM1