O dia foi bom, bom, doce. Calorzinho bom, um solzinho suave. De manhã, para além de termos ido fazer as compras da semana e de termos feito dois transplantes de vasos, fomos caminhar na praia. Manhã de calor. O mar bonito, o areal imenso, o sol sereno.
O nosso país é maravilhoso. Não sei como há quem, sem razão que o justifique, mostre desprezo por um bocado de terra e mar de tamanha beleza, falando com desprezo de Portugal e dos Portugueses. Custa-me muito isso. Não é justo. E mesmo as pessoas. Cada um de nós tem defeitos e virtudes, quem os não tem?, mas, globalmente, somos gente boa, boa onda, tranquila, com alguma sabedoria de vida. Claro que também alguma irresponsabilidade e inconsequência à mistura (mas há povos perfeitos? só se for no reino dos céus) mas não podemos esquecer-nos que somos um país que descobriu a liberdade há poucas décadas depois de viver outras tantas num buraco sombrio. E, antes disso, salvo um período de agitação política, éramos um país no canto do mundo e teremos que recuar muito para nos encontrarmos como aventureiros, visionários. Mas quem de nós ainda pensa nisso? A história do nosso país está fixada no nosso adn? Não faço ideia. Sei, sim, que somos gente de bem, gente que gosta de gostar, que gosta de acolher as diferenças, que gosta de perdoar e abraçar -- e mesmo aqueles de quem se guardam mágoas são respeitados e recebidos em paz.
Desta vez os meninos arranjaram uma brincadeira nova. Meus queridos meninos, cada vez mais crescidos. Enquanto os adultos estavam no jardim do lado de trás da casa, eles montaram arraiais na parte da frente.
Estranhando não sabermos o que andariam a tramar, fui por e apareci-lhes vinda de dentro de casa. Um deles gritou: 'Arroz de frango! Arroz de frango!' e logo todos se levantaram e me atacaram, uns com espadas de espuma, outros com outras armas. Uns gritavam: 'Segurança! Segurança!', outros simplesmente tentavam assustar-me. O bebé perfeitamente alinhado com os mais velhos. Aliás, nem é correcto ainda tratá-lo por bebé. Mas só aqui o faço. Ainda no outro dia me apareceu ao telefone identificando-se por nome próprio e apelido. Desatei a rir e disse-lhe: 'Senhor engenheiro!'. Do outro lado, uma gargalhada. Menino mais esperto. Mas, resumindo: fui escorraçada. Ainda consegui perguntar a um deles: 'Mas o que se passa aqui?'. Apressadamente, esclareceu-me: 'Temos um clube secreto'. Só depois de ter sido expulsa é que reparei que tinham levado para lá uma espreguiçadeira, um colchão de água de escorregar na relva e pareceu-me ver ainda outros objectos que não identifiquei.
Já antes tinha sido a hora do lanche. Este supermercado, já contei, tem pães de toda a espécie, uns com carnes, broa com chouriço, empadas. E pães de deus, croissants. E, se era para a desgraça, já que os sumos e os iogurtes eram light, até trouxemos pastéis de nata e bolinhos recheados com chocolate. Claro que também coloquei na mesa fruta, maçãs e uvas, mas, claro, não tiveram grande saída.
Gosto de os ver a olhar para a mesa e a gostarem de tudo, a quererem provar tudo, a pedirem um pouco de quase tudo.
E vê-los juntos, bem dispostos, os meninos na brincadeira e nós rindo-nos com eles, enche-me de felicidade.
No sábado estivemos com a minha mãe, não o grupo todo mas metade. Fomos passear, lanche no parque, todos também quase sempre de máscara. Os meninos queixam-se: andam de skate e trotinete, transpiram, têm calor e, portanto, sempre que podem e andam à larga, obviamente tiram a máscara. Mas quando se chegam perto dos avós ou da bisavó têm o cuidado de nos proteger, protegendo-se também.
Tenho receio de que, com tantos meses sem abraçarem e beijarem os avós, acabem por se desabituar. O afecto requer cultivo atento e assíduo. Quando as manifestações de afecto se interrompem, parece que a espontaneidade se perde. Esta pandemia está a durar tempo demais e, pelo que se antevê, ainda teremos quase um ano disto pela frente. Tomara que seja menos, tomara que surja cura milagrosa que a torne uma brincadeira de crianças. Mas, enquanto isso, o tempo arrasta-se e a vida continua -- e os nossos hábitos vão forçosamente sofrendo alterações e, francamente, não sei se todas no melhor sentido.
Mas, enfim, não dramatizemos que o tempo não está para frescuras.
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As imagens mostram pinturas de Seurat que vêm ao som de I'm a fool to want you numa interpretação conjugada entre Angelina Jordan e Billie Holiday.
E, se me permitem, partilho convosco um daqueles vídeos de que gosto muito: não percebo o que ali se passa mas, independentemente disso, prendem-me. Não precisamos de perceber tudo para gostar. Há ali uma paz que me inspira e que me convoca para uma maior comunhão com a natureza.
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