Quando aqui chegamos a primeira impressão quando a porta se abre é o cheiro. Melhor: o perfume. Não sei definir que perfume é. Sei que a sensação que desperta é boa. Tudo me acolhe. A casa fechada, silenciosa, em paz, na penumbra, perfumada. Muito agradável. Do lado da sala, a janela, virada a oeste, deixa entrar uma luz dourada que a atravessa e chega até ao hall. Umas boas vindas douradas e perfumadas. Digo que cheira bem e o meu marido diz que é bom regressar aqui. E é mesmo. Quando chego ao quarto da minha filha, e que agora é o meu quarto de vestir, o perfume é mais evidente, um mix de perfumes suaves, bons. Desde o dia 13 de Março que não me perfumo. É das coisas que, de vez em quando, tenho saudades. Brincos ainda ponho. Não consigo estar numa vc (videoconferência) sem me arranjar. No outro dia, o bebé ficou espantado: porque é que estás assim? 'Assim' era com um tonzinho nos lábios, um framboesa natural com um leve brilho, um tonzinho nas pálpebras superiores para ficar um smoky ligeiro. Expliquei: vou ter uma reunião. Ele ripostou, como que a corrigir-me: uma call. Pensei que, para ele. talvez não fizesse grande sentido mas tenho para mim que, em contexto profissional, o dress code não deve ser exactamente o 'trazer por casa'. E, portanto, visto-me, penteio-me, ponho uns brinquinhos, passo um brilhozinho nos lábios, uma sombra, quase nude, nos olhos. Talvez seja quase como uma barreira. Esta não sou eu tal e qual, esta sou eu com alguma distância. Talvez um dia destes passe a pôr um esguinchinho de cheirinho bom.
Aconteceu uma coisa, esta tarde. E vou confessar porque isto é anónimo. Tive uma vc bem chata. Mais do que chata, estúpida. Inútil. De faz-de-conta. Sendo o assunto importantíssimo, por não o saberem agarrar, optaram pelo do costume: consultoria e dinheiro para cima. A acompanhar, pessoas que não pescam boi do assunto. Portanto, tudo aquilo é uma fantasia. O tipo de coisa que me tira do sério, que me encanita, que me dá brotoeja, que faz com que eu fique à espera que alguém 'make my day'. Mas desta vez deu-me para outra coisa: para não me chatear. É uma premiêre mas acho que está na altura de começar a dar descanso à consciência. Reunião com magna participação. Não sei quantos mas, no mínimo, uma dúzia. Por não saberem o que dizer, puseram o pobre do consultor a fazer toda a despesa. Aos poucos, todos foram retirando a imagem. Nem som nem imagem de vivalma excepto do pobre coitado que, com voz monocórdica e sem qualquer interrupção dos demais participantes,ia desfiando os slides. Enquanto isso, eu ia trocando mensagens divertidas com um outro que também estava a (não) participar e que decidiu, meanwhile, tratar de assuntos mais concretos. O meu marido foi-se sentar ao meu lado, na mesa, a trabalhar. Volta e meia eu ia conversando com ele. Ninguém na reunião me via, ninguém me ouvia. Às tantas a reunião acabou sem que se tivesse percebido o que é que ali se tinha passado. Acabou quase meia hora mais cedo. Só abri o microfone para dizer adeus. E disse ao meu marido. Para a próxima, sento o bebé no meu lugar e, no fim, abro a câmara e aparece ele. O meu marido disse: ou eu. Fartei-me de rir. Havia de ter piada, no fim da reunião, em vez de mim, aparecia ali um ilustre desconhecido. A seguir ele sugeriu outra coisa mas essa já eu não posso dizer aqui, só posso dizer que haveria de deixar toda a gente de boca aberta, sem reacção. Imagino eu.
Bem. Voltando aos perfumes. Sempre que aqui estou, olho os meus perfumes com alguma saudade. Também nunca mais pus relógio. Nunca saía de casa sem relógio. Contudo, ele não funciona bem. Está sempre com horas de atraso. Em tempos, longínquos tempos, um colega dizia-me: 'Usa-o como uma jóia, não é?'. Sim, uma jóia. Não é apenas a estética, é também o peso, a habituação àquela presença elegante e silenciosa ali no meu braço.
Nas vcs verifico que a grande maioria dos meus colegas ou das pessoas com quem me encontro por esta via estão em casa. Alguns voltaram ao escritório mas rapidamente retornaram a casa. Não encontram grande vantagem em deslocar-se até ao escritório. Claro que os operacionais estão no terreno, sempre estiveram. Mas a malta que pode estar em casa -- a trabalhar, a consumir mais água, mais electricidade, etc, e a proporcionar ganhos às empresas (ouviu senhor comentador que acha que se devem cortar os ordenados aos trabalhadores em teletrabalho?) -- opta por estar em casa.
Mas há excepções: dois colegas, ambos com várias crianças pequenas em casa e ambos quase doidos com isso, optaram por fazer meio-dia no escritório. Ambos dizem que precisam de desanuviar. Acredito.
E eu estou para aqui a escrever mas, como deve dar para perceber pois notoriamente não estou a dizer coisa que avance a direito, estou francamente cansada. Tirando aquele bocado daquela reunião super-importante em que descansei a mente, tive várias outras reuniões e vários telefonemas e muita outra coisa e tudo junto tornou-se demais. Cheguei ao fim do dia exausta. Agora tenho os dedos em roda livre, vão-se esticando e encolhendo, saltando e dançando e eles lá sabem por onde anda. Escolhem as teclas e, por sorte, o que sai são palavras que existem. Não tenho ascendente sobre os meus dedos, nem quero. Estou out.
Fui.
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Fui.
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As fotografias mostram Life Cycles Of Different Living Things
Christiane Karg interpreta Felicissima quest’alma de Handel
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Um bom sábado
3 comentários:
Bom dia:- Gosto de passar e sentir o perfume de uma mulher. Gosto de relógios. De brincos, gosto de ver nas mulheres. E pronto. Desejando um
.
Bom fim de semana
Cumprimentos
Por favor, não veja nisto qualquer crítica ou reparo, pois é apenas a manifestação de uma estranheza: mas não se perfuma se estiver sozinha ou se estiver só com o seu marido? Não se perfuma quando vêm os seus filhos e os seus netos? Só pinta os olhos se tiver uma call? Se estiver sozinha com o seu marido, não se arranja? É por isso é que o mundo não se entorna. Eu desde nova, quando saio da casa de banho de manhã, saio arranjada, pintada e perfumada. Esteja sozinha ou esteja a casa cheia de gente, vá sair ou fique em casa. Nem me passaria pela cabeça que fosse de outra maneira.
Olga
À excepção dos saltos mais altos, arranjo-me de forma semelhante à de quando estava em trabalho presencial, incluindo o perfume (só não o uso quando vou à praia).
Aliás, tenho cuidados idênticos comigo, quer esteja ou não a trabalhar, mesmo que seja um dia em que esteja sozinha. O saber que vou aparecer ou que vou cruzar-me com outros, ou que vou estar sozinha, não influencia de forma relevante no modo como me arranjo.
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