domingo, fevereiro 24, 2019

In heaven, sem gravidade




Tenho trabalhado muito. Ao fim de semana, trabalho pesado. Serrar, arrastar troncos. Durante a semana, dose pesada para além de sol a sol. Sem parar. Na sexta-feira cheguei a casa muito tarde. Adormeci de um sono pesado logo depois. Este sábado aqui, in heaven, dormi durante uma hora a seguir ao almoço. Depois foi de novo trabalho pesado, até à noite. 

Entre muitas outras coisas, o meu marido abateu um pinheiro grande. Estava muito junto a outro e, face à legislação, achámos melhor não arriscar. Além do mais, apesar de alto, estava franzino. Presumo que o outro, agora livre de concorrência, se desenvolva mais. Resisti muito a esta decisão que, no íntimo, considero um pouco criminosa. Tenho muito respeito por árvores. Mais do que respeito, tenho veneração. Mas neste caso tento convencer-me que foi uma boa decisão. 


Para quem não esteja bem a ver uma operação deste tipo, talvez não seja óbvio perceber o risco que comporta. Pelo tamanho, estava fora de questão cortá-lo directamente pela base. Ao cair destruiria muita coisa. Então, o meu marido atou uma corda de nylon bem forte à parte de cima, que ia ser cortada, e eu fui para bem longe segurar a corda. Encostou, então, a escada ao tronco e serrou o tronco. Não foi nada fácil porque cortou bem alto e não é fácil serrar um tronco grosso com o braço esticado ao alto. Entretanto, eu estava a puxar, com toda a força, para garantir que não caía para cima dele. Quando cortou completamente, empurrou e eu dei um puxão com toda a força e o grande tronco despenhou-se lá de cima, tombando com grande fragor na terra. Preparava-me eu para soltar a corda quando o ouvi gritar por ajuda: Rápido!, gritava ele. Olhei e só não desatei a rir porque não sabia como é que aquilo ia acabar. Com a força da queda do tronco, a escada tinha-se soltado e ele estava lá em cima abraçado à árvore e com um pé a prender a escada. Fui a correr mas, como estava muito longe e com arbustos pelo meio, ainda demorei um bocado. E ele, lá de cima: 'Rápido!. Quando cheguei ao pé, nem percebi como é que ele conseguiu segurar-se. Lá encostei a escada ao tronco e lá ele desceu. Depois cortou o grande tronco, que ainda teria uns três metros, pela base.

Há bocado, aqui no sofá, ainda nos rimos com a figura dele abraçado à árvore, lá em cima. Um Tarzan. Só tive pena de não ter fotografado. Quando ele estava a gritar 'rápido!' eu deveria ter tido: 'aguenta que eu vou buscar a máquina para captar o momento para a posteridade e, olha, quando eu apontar, diz o teu melhor cheeeeeseeee''.  Mas, pronto, fui boazinha.

Enfim. Peripécias da vida no campo. Felizmente, até ver, sempre sem gravidade.


E a gente limpa e limpa e limpa as árvores e elas crescem, crescem, crescem, a aparecem rebentos por todo o lado. Não se dá conta. Que milagre é este é coisa que não se percebe. Como é que esta fina camada de terra pedregosa assente em rocha consegue alimentar todas estas árvores, arbustos, flores e musgos é fenómeno para o qual a minha mente não encontra explicação.

Ao anoitecer, enquanto arrastávamos o resultado das podas, enormes e infinitos ramos de cedros e de pinheiros e de aroeiras, ouvia-se o canto dos pássaros. É fantástico como gostam tanto de cantar ao cair da noite. Imagino que algumas drogas produzam um efeito semelhante ao que sinto em momentos assim, quando estou num contacto tão íntimo com a natureza, caminhando no crepúsculo, aspirando o ar limpo e perfumado: uma felicidade agradecida, uma paz imensa.

Felizmente o jantar foi o resto do almoço, não deu trabalho. A seguir ao jantar, fiquei, outra vez, cheia de sono. E o domingo vai outra vez ser um dia de trabalhos. E a semana, idem.


Felizmente aproxima-se uma semana que vai ter um feriado e, só de pensar nisso, já me parece que vai ser mais fácil de aguentar até lá. 

Este domingo o meu marido levantar-se-á bem cedo como é seu costume e irá fazer o seu passeio matinal, certamente entre as penumbras e os orvalhos, verá cores e ouvirá sons que eu, a dormir, não saborearei. Depois dir-me-á que não sei o que perco. Sei, sei. Mas prefiro estar aqui, agora, a usar a noite para escrever e, portanto, quando ele madrugar, estarei eu a sonhar sonhos bons. Depois irá queimar todo aquele imenso amontoado que juntámos. E eu, quando me levantar, também tenho muitos trabalhos para fazer lá fora. 

E cá dentro também. Tenho que varrer e limpar a casa, lavar as casas de banho, limpar a cozinha. Devia varrer lá fora mas não vou ter tempo, fica para outra vez. 

E hoje não peguei no tapete de arraiolos e, quando peguei no Escritor Fracassado, apesar de estar a gostar bastante, ao fim de umas quantas páginas, estava a dormir. É o lado que me custa desta vida de trabalho que anda a deixar-me pouco tempo para o lazer.

Mas c'est la vie. E está bem assim.


[As fotografias foram feitas este sábado in heaven; e, lá em cima, é Natalie Merchant com Verdi Cries]

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E, a propósito de 'sem gravidade ', tenho aqui um vídeo fantástico. Há algum tempo que mal vejo os mails. Não tenho podido. Mas há bocado estive a ver uma série deles, alguns com mais de uma ou duas semanas. Os meus Leitores a quem estou a dever respostas não se zanguem: não é falta de interesse. Acreditem que é falta de tempo mesmo. Ainda não respondi mas já os li a todos. Um continha este vídeo que agora partilho convosco. Algumas imagens são de Portugal. Vejam porque é mesmo extraordinário. E eu, que vou daqui para a cama, só espero sonhar que sou eu que ali vou. 

E muito obrigada ao Leitor que mo enviou pela permanente simpatia e generosidade.

Gravity is Overrated | Weightless


[Sem gravidade -- só a alegria de voar sobre a beleza dos lugares]


A todos desejo um feliz dia de domingo.

4 comentários:

Unknown disse...

Ainda bem que tudo acabou bem, foi só um susto, pena foi não ter tirado uma foto com ele dependurado no galho, feliz Domingo para vocês

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Mais uma bela aguarela! Ainda bem que tudo correu bem, apesar do susto.

Um bom domingo.

Um Jeito Manso disse...

Olá Abel,

Pois foi. Contado não se acredita. E não estava pendurado num galho não senhor: estava abraçado ao trono a uns três metros de altura e com um pé a tentar segurar a escada. Está bom de ver porque é que ele é my heroe, não é?

Uma boa segunda-feira par si, Abel!

Um Jeito Manso disse...

Olá Francisco,

Foi mais um momento memorável, daqueles que me farão rir por muitos e bons anos.

Quer dizer... quando o vi ali, assim, receei não hegar a tempo e que ele se estatelasse cá em baixo... Mas, como correu bem, só me dá vontade de rir. Nem sei como é que ele conseguiu tal proeza...

Uma bela semana para si, Francisco!