A palavra de calão é cristalina. Melhor ainda, muitas vezes, a palavra de calão, ou seja, o palavrão, cristaliza. Instala-se então na língua como uma tiara na cabeça de uma princesa, para não usarmos a equívoca imagem de um broche todo feito à mão no vestido da rainha de Inglaterra. Passa desse modo a ser concorrente daquelas admiráveis expressões idiomáticas que nos põem a ver Braga por um canudo. Nasce, assim, o palavrão idiomático.
O palavrão idiomático embeleza a língua, cumulando-a com as bênçãos da imaginação popular. Usa do oxímoro, da homofonia, é hábil na metáfora e na metonímia, joga na aliteração e recorre, quando lhe dá a preguiça, à desgarrada rima ligeira, até porque quanto mais prima, mais se lhe arrima.
O palavrão é o assalto do povo ao Palácio Imperial da Língua, levando de arrasto dois ministérios. Primeiro, o Ministério da Imaginação, área de governação já tradicionalmente sob tutela (ou, na mínimo, protectorado) do poder popular. Mas depois, prosseguindo a vaga insurrecional, o povo toma também conta do Ministério da Libertinagem, lambuzando-se a turbamulta com o tabu, a blasfémia, as delícias do obsceno, a coprofilia.
O palavrão, na boca popular, advoga uma ideologia igualitária e põe cara e cu de olhos nos olhos. O palavrão idiomático cuida dos seus e tem uma política de habitação, dando casa mesmo ao caralho mais velho. O palavrão idiomático é também defensor de um serviço nacional de saúde: a uma trombose prefere uma trombada.
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O palavrão é, convenhamos, uma libérrima utilização da linguagem. Dir-se-ia até, uma nua utilização da linguagem, que nos entra, porta dentro, despida do traje de cortesia, da sua requintada casaca, da elegante cinta. O palavra é a linguagem em cuecas ou, porventura, sem elas; é a linguagem gorda, sem regime dietético; é a linguagem que já não cuida de esconder a raiz da sua vulgaridade, autorizando-se tudo o que é baixo, rústico, grosseiro e rude. Os dicionários chamam-lhe também gíria e calão, acentuando o seu cunho ofensivo e agressivo.
O palavrão é o destemido herói que visita, sem inibições morais, todas as mais proibidas e sagradas fendas, colinas, picos, matas, dunas e enseadas do corpo humano. Na boca do palavrão, todo o sagrado é profano, e as transformações que têm lugar no nosso metabolismo também não lhe são estranhas, nem o intimidam ou impressionam. Para o palavrão, o mais hiperbólico, duro ou cruel disfemismo é tal qual limpar o rabinho a meninos.
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[Excertos não sequenciais de 'O pequeno livro dos grandes insultos' de Manuel S. Fonseca. As expressões dos três posts abaixo, o da Baronesa da Perna Aberta, o do cornudo da ordem de S. Cornélio, e os Alfacinhas sem tomates, também]
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2 comentários:
Confesso que estes são os posts que menos gosto. Não digo asneiras e não gosto de as ouvir. Nem gosto das imagens que acho agressivas e grosseiras. Mas enfim...
Nos meus blogues preferidos, procuro a beleza e conhecimento. Gosto de aprender e posts destes não me trazem nada de novo ou interessante. (Mas calculo que este tipo de posts traga mais leitores...)
Gostos não se discutem...
Eu, aqui, gosto muito dos posts de livros e dos "In Heaven".
Beijinhos e continuação de boa semana:))
Olá UJM.
Adorei.
Em terapia também costumo dizer aos pacientes "aqui há palavras, palavrinhas e palavrões", para que possam exprimir o mais aproximado à verdade do seu sentir.
Um abraço.
(Vou ler os os posts em atraso ;) )
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