Dormem agora os cinco na casa do lado a que, pomposamente, gosto de chamar estúdio. A alvorada será cedo. Adormecem cedo, acordam cedo. Adormeceram aqui e mais tarde foram, meio a dormir, para a outra casa.
O meu marido acha que estava um mocho na figueira que está ao pé da cozinha. Foi lá fora e ouviu um piar que antes nunca tinha ouvido. Bateu no tronco ou não sei quê, não percebi bem, e depois ouviu um bater de asas sem conseguir levantar voo. Acho que não devia tê-lo feito. Para que foi ele assutar o pássaro? Ele diz que queria saber que piar era aquele. Gosto da ideia de ter um mocho ou uma coruja aqui à porta de casa.
Hoje aconteceu uma coisa. Quando me levantei, fui comer figos à figueira grande que há lá em baixo e que, de tão grande, chega cá acima (esta ao pé da cozinha é brava). Quando estava a lamber-me com eles, uns dourados e outros rubros, ouvi o meu marido lá em baixo: 'Anda cá ver o que aconteceu à figueira'. Quis que me dissesse o que era mas não, quis que eu fosse ver. Fui. Nem percebi bem. Ela é enorme, está carregada de figos maduros, as pernadas tombam pelo chão. De longe não percebi nada de anormal. Disse para eu me aproximar. Um horror. Tal o peso que o tronco se rachou ao meio, na vertical, e metade da árvore estava vergada até ao chão. Fiquei cheia de pena como se fosse um animal de muita estimação. Não sei se a metade de pé sobreviverá só com meio tronco e com aquela superfície aberta, exposta ao ar. Tomara que sim. E ele, coitado, andou o dia quase todo a serrar os ramos da metade tombada da árvore para os poder transportar. Apanhou um grande alguidar de figos e a maior parte ficou lá caída. Aliás caíam com o tronco a ser serrado, ou rebentavam-se com os impulsos. Uma pena. O meu marido disse que, se calhar, não deveríamos deixar que tivessem tantos troncos ou troncos daquela envergadura, deveríamos desbastar as figueiras. Mas dá pena. É que rapidamente passam de árvores nuas e tristes a árvores pujantes e prenhas e, logo de seguida, a carregadas de filhos. Em que momento se deveriam cortar? Quando estão nuas, tristes e inofensivas? Quando começam a renascer? Quando os filhos lhes despontam? Não sei. Em qualquer altura parece crueldade.
Perto da hora do almoço fomos a uma pequena -- nem sei bem como lhe chamar, talvez empresa -- empresa de tratamento de pedras. Quando choveu muito, alguma telha deve ter ficado desencontrada e deixou acumular água. Então repassou água do telado e caíu aqui em cima do móvel onte está a televisão.
É um móvel antiquíssimo, nem sei bem como designá-lo, talvez louceiro. Era de uma tia do meu marido ou da avó, nem ele sabe quem é que levou o móvel lá para casa. Sei que, quando morreu a tia que era solteira e morava na casa dos pais, avós do meu marido, este foi um dos móveis com que ficámos.
E a água danificou um pouco a madeira do tampo. Então, lembrei-me de lhe pôr, em cima, uma pedra mármore. Aqui, nas redondezas encontra-se tudo. Perdida no meio da serra que se avista daqui, lá estava aquela pequena oficina. Uma patroa, um empregado, pedras na rua, um barracão onde o empregado corte e faz o polimento. Escolhi a pedra, dei as medidas, decidi o acabamento. Hoje, ainda estávamos só nós, fomos lá buscá-la. Trinta euros. O móvel fica ainda mais bonito.
O bebé é que ainda não descobriu os tesouros que lá se escondem. Louças antigas que vieram de lá, revistas, sei lá que mais.
Tão pequenino, o bebé e já aprendeu a adorar estar cá. Anda à aventura, a descobrir cada pormenor. O tempo todo está a dizer 'A póta' e a querer ir lá para fora. Agora de noite, eu dizia-lhe: 'Agora não, agora não se pode, está de noite' e ele encolhia os ombros, punha a cabecinha de lado, conformado. Mas, passado um minuto, fazia nova tentativa. De vez para vez que cá está, são notórios os progressos. Da sala de jantar para a sala da televisão há uns degraus. Já os desce na maior. Senta-se e aí vem ele. A subir é nas calmas, é mesmo a pé. E só queria que o vissem a fazer moche ao irmão. O pai diz~lhe: 'Faz moche ao mano!'. O mano deita-se no chão e ele atira-se, todo maluco, ar de folião, para cima do mano. E fartam-se de rir os dois. Aliás, rimo-nos todos.
Tão pequenino, o bebé e já aprendeu a adorar estar cá. Anda à aventura, a descobrir cada pormenor. O tempo todo está a dizer 'A póta' e a querer ir lá para fora. Agora de noite, eu dizia-lhe: 'Agora não, agora não se pode, está de noite' e ele encolhia os ombros, punha a cabecinha de lado, conformado. Mas, passado um minuto, fazia nova tentativa. De vez para vez que cá está, são notórios os progressos. Da sala de jantar para a sala da televisão há uns degraus. Já os desce na maior. Senta-se e aí vem ele. A subir é nas calmas, é mesmo a pé. E só queria que o vissem a fazer moche ao irmão. O pai diz~lhe: 'Faz moche ao mano!'. O mano deita-se no chão e ele atira-se, todo maluco, ar de folião, para cima do mano. E fartam-se de rir os dois. Aliás, rimo-nos todos.
Ah, e no meio da ida ao supermercado e à pedra e das limpezas (hoje foi dia de vidros e do forno e do micro-ondas e de varrer lá fora), antes deles chegarem, ainda consegui ler um pouco dos Diários. Estou mesmo a vê-la a levar tareia dos leitores menos dados à ironia e à maldadezinha se aquilo fosse escrito num blog. Eu vou lendo e, de cada vez que leio alguma coisa a que um dia queira voltar ou transcrever aqui, vou fazendo uma dobrinha no canto da folha. O drama é que quase não há folha sem dobrinha.
E agora, se me permitem vou dar o expediente por encerrado e retirar-me para os meus aposentos onde o meu compagnon de route já deve ir no quinto sono.
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As fotografias são de Russell James e estão aqui porque calhou ver fotografias dele e pensei que não era tarde nem era cedo. À falta de melhor, ficavam já aqui -- e se alguém for tão insensível a ponto de achar que não têm nada a ver e que mais valia que aqui não estivessem pois, olhem, uma vez mais paciência, nada a fazer. É fecharem os olhos e fazerem o favor de imaginar outras mais adequadas: passarinhos, florzinhas. Eu podia ir procurar das minhas mas, a sério, já não consigo. Sorry.
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Ah, é verdade. Não percam o vídeo do post que se segue que mostra um acontecimento surpreendente e que, se vira moda, só pode trazer-nos melhor qualidade de vida. Vejam mesmo, está bem?
2 comentários:
As fotos que mostra, são quase sempre belas. Têm a ver com o prazer do olhar. E já está. O nu é das coisas mais bonitas de ver e a mim que sou de eminente religiosidade, dá-me sempre para uma acção de graças, uma gratidão sem limite ao(s) Criador(es) de coisas e pessoas tão harmoniosas e a todos os intervenientes na beleza que contemplo, incluindo-a também a si UJM porque mostra. A gente nunca agradece de forma suficiente a beleza que os olhos e a alma vêem. Como nunca agradece as pessoas que passam por nós e ficam; e nos agarram sem mão ou braço; e nos ajudam a sustentação no mar da vida por vezes tão árduo.
Quanto ao desbaste da figueira, coisa que de facto nunca vi fazer, as nossas, até dar a veneta a meu pai e as arrancar a todas contra a vontade de minha mãe que não era vista nem achada para mandar ou desmandar no que quer que fosse, mesmo que tivesse sido trazido e plantado por si, como era o caso das figueiras, pois dizia eu que as nossas apenas cresciam livres e ajoujavam na época dos frutos, sem nunca haver desbaste. Mas as árvores têm grande poder de recuperação. Aconteceu o mesmo a uma que tenho e não é árvore de fruto; sarou, cresceu mais e hoje aquela ferida lacerada no tronco é só um lugar sem pele dura, mas já moreno. A sua figueira vai sarar e continuar a dar figos doces. Depois me diz.
Mas, querendo desbastar, talvez a primavera. Ou, mais avisado, o recurso ao goole que tudo sabe.
Olá Bea,
É isso. A beleza, o milagre que é esta existência, tudo isso eu não me canso de exultar, de mostrar, de festejar. Não gosto de fazer de conta que não vejo a maravilha que é esta vida. No meio de problemas, de tristezas, de tudo o que nos cerca, eu tento sempre levantar a cabeça e procurar o milagre da beleza e da vida para me ajudar a seguir em frente, tentando ser feliz. E se puder ajudar a que mais pessoas o sejam, então, para mim, isso é o encantamento total.
Obrigada pelas suas palavras, Bea. E já estou a querer acredita que a minha figueira vai conseguir sarar a sua ferida e sobreviver.
Um abraço, Bea, e um sábado muito bom.
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