sexta-feira, setembro 07, 2018

Tempo de verão já com um certo toque de outono.
Retrato de outro dia de férias, hoje com um drama inside




Dormem agora os cinco na casa do lado a que, pomposamente, gosto de chamar estúdio. A alvorada será cedo. Adormecem cedo, acordam cedo. Adormeceram aqui e mais tarde foram, meio a dormir, para a outra casa.

O meu marido acha que estava um mocho na figueira que está ao pé da cozinha. Foi lá fora e ouviu um piar que antes nunca tinha ouvido. Bateu no tronco ou não sei quê, não percebi bem, e depois ouviu um bater de asas sem conseguir levantar voo. Acho que não devia tê-lo feito. Para que foi ele assutar o pássaro? Ele diz que queria saber que piar era aquele. Gosto da ideia de ter um mocho ou uma coruja aqui à porta de casa.

Hoje aconteceu uma coisa. Quando me levantei, fui comer figos à figueira grande que há lá em baixo e que, de tão grande, chega cá acima (esta ao pé da cozinha é brava). Quando estava a lamber-me com eles, uns dourados e outros rubros, ouvi o meu marido lá em baixo: 'Anda cá ver o que aconteceu à figueira'. Quis que me dissesse o que era mas não, quis que eu fosse ver. Fui. Nem percebi bem. Ela é enorme, está carregada de figos maduros, as pernadas tombam pelo chão. De longe não percebi nada de anormal. Disse para eu me aproximar. Um horror. Tal o peso que o tronco se rachou ao meio, na vertical, e metade da árvore estava vergada até ao chão. Fiquei cheia de pena como se fosse um animal de muita estimação. Não sei se a metade de pé sobreviverá só com meio tronco e com aquela superfície aberta, exposta ao ar. Tomara que sim. E ele, coitado, andou o dia quase todo a serrar os ramos da metade tombada da árvore para os poder transportar. Apanhou um grande alguidar de figos e a maior parte ficou lá caída. Aliás caíam com o tronco a ser serrado, ou rebentavam-se com os impulsos. Uma pena. O meu marido disse que, se calhar, não deveríamos deixar que tivessem tantos troncos ou troncos daquela envergadura, deveríamos desbastar as figueiras. Mas dá pena. É que rapidamente passam de árvores nuas e tristes a árvores pujantes e prenhas e, logo de seguida, a carregadas de filhos. Em que momento se deveriam cortar? Quando estão nuas, tristes e inofensivas? Quando começam a renascer? Quando os filhos lhes despontam? Não sei. Em qualquer altura parece crueldade.

Perto da hora do almoço fomos a uma pequena -- nem sei bem como lhe chamar, talvez empresa -- empresa de tratamento de pedras. Quando choveu muito, alguma telha deve ter ficado desencontrada e deixou acumular água. Então repassou água do telado e caíu aqui em cima do móvel onte está a televisão. 
É um móvel antiquíssimo, nem sei bem como designá-lo, talvez louceiro. Era de uma tia do meu marido ou da avó, nem ele sabe quem é que levou o móvel lá para casa. Sei que, quando morreu a tia que era solteira e morava na casa dos pais, avós do meu marido, este foi um dos móveis com que ficámos. 
E a água danificou um pouco a madeira do tampo. Então, lembrei-me de lhe pôr, em cima, uma pedra mármore. Aqui, nas redondezas encontra-se tudo. Perdida no meio da serra que se avista daqui, lá estava aquela pequena oficina. Uma patroa, um empregado, pedras na rua, um barracão onde o empregado corte e faz o polimento. Escolhi a pedra, dei as medidas, decidi o acabamento. Hoje, ainda estávamos só nós, fomos lá buscá-la. Trinta euros. O móvel fica ainda mais bonito.

O bebé é que ainda não descobriu os tesouros que lá se escondem. Louças antigas que vieram de lá, revistas, sei lá que mais.


Tão pequenino, o bebé e já aprendeu a adorar estar cá. Anda à aventura, a descobrir cada pormenor. O tempo todo está a dizer 'A póta' e a querer ir lá para fora. Agora de noite, eu dizia-lhe: 'Agora não, agora não se pode, está de noite' e ele encolhia os ombros, punha a cabecinha de lado, conformado. Mas, passado um minuto, fazia nova tentativa. De vez para vez que cá está, são notórios os progressos. Da sala de jantar para a sala da televisão há uns degraus. Já os desce na maior. Senta-se e aí vem ele. A subir é nas calmas, é mesmo a pé. E só queria que o vissem a fazer moche ao irmão. O pai diz~lhe: 'Faz moche ao mano!'. O mano deita-se no chão e ele atira-se, todo maluco, ar de folião, para cima do mano. E fartam-se de rir os dois. Aliás, rimo-nos todos.

Ah, e no meio da ida ao supermercado e à pedra e das limpezas (hoje foi dia de vidros e do forno e do micro-ondas e de varrer lá fora), antes deles chegarem, ainda consegui ler um pouco dos Diários. Estou mesmo a vê-la a levar tareia dos leitores menos dados à ironia e à maldadezinha se aquilo fosse escrito num blog. Eu vou lendo e, de cada vez que leio alguma coisa a que um dia queira voltar ou transcrever aqui, vou fazendo uma dobrinha no canto da folha. O drama é que quase não há folha sem dobrinha.

E agora, se me permitem vou dar o expediente por encerrado e retirar-me para os meus aposentos onde o meu compagnon de route já deve ir no quinto sono.


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As fotografias são de Russell James e estão aqui porque calhou ver fotografias dele e pensei que não era tarde nem era cedo. À falta de melhor, ficavam já aqui -- e se alguém for tão insensível a ponto de  achar que não têm nada a ver e que mais valia que aqui não estivessem pois, olhem, uma vez mais paciência,  nada a fazer. É fecharem os olhos e fazerem o favor de imaginar outras mais adequadas: passarinhos, florzinhas. Eu podia ir procurar das minhas mas, a sério, já não consigo. Sorry.

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Ah, é verdade. Não percam o vídeo do post que se segue que mostra um acontecimento surpreendente e que, se vira moda, só pode trazer-nos melhor qualidade de vida. Vejam mesmo, está bem?

2 comentários:

bea disse...

As fotos que mostra, são quase sempre belas. Têm a ver com o prazer do olhar. E já está. O nu é das coisas mais bonitas de ver e a mim que sou de eminente religiosidade, dá-me sempre para uma acção de graças, uma gratidão sem limite ao(s) Criador(es) de coisas e pessoas tão harmoniosas e a todos os intervenientes na beleza que contemplo, incluindo-a também a si UJM porque mostra. A gente nunca agradece de forma suficiente a beleza que os olhos e a alma vêem. Como nunca agradece as pessoas que passam por nós e ficam; e nos agarram sem mão ou braço; e nos ajudam a sustentação no mar da vida por vezes tão árduo.

Quanto ao desbaste da figueira, coisa que de facto nunca vi fazer, as nossas, até dar a veneta a meu pai e as arrancar a todas contra a vontade de minha mãe que não era vista nem achada para mandar ou desmandar no que quer que fosse, mesmo que tivesse sido trazido e plantado por si, como era o caso das figueiras, pois dizia eu que as nossas apenas cresciam livres e ajoujavam na época dos frutos, sem nunca haver desbaste. Mas as árvores têm grande poder de recuperação. Aconteceu o mesmo a uma que tenho e não é árvore de fruto; sarou, cresceu mais e hoje aquela ferida lacerada no tronco é só um lugar sem pele dura, mas já moreno. A sua figueira vai sarar e continuar a dar figos doces. Depois me diz.

Mas, querendo desbastar, talvez a primavera. Ou, mais avisado, o recurso ao goole que tudo sabe.

Um Jeito Manso disse...

Olá Bea,

É isso. A beleza, o milagre que é esta existência, tudo isso eu não me canso de exultar, de mostrar, de festejar. Não gosto de fazer de conta que não vejo a maravilha que é esta vida. No meio de problemas, de tristezas, de tudo o que nos cerca, eu tento sempre levantar a cabeça e procurar o milagre da beleza e da vida para me ajudar a seguir em frente, tentando ser feliz. E se puder ajudar a que mais pessoas o sejam, então, para mim, isso é o encantamento total.

Obrigada pelas suas palavras, Bea. E já estou a querer acredita que a minha figueira vai conseguir sarar a sua ferida e sobreviver.

Um abraço, Bea, e um sábado muito bom.