sábado, setembro 08, 2018

Avante?




Já o contei. Uns colegas diziam que a Festa do Avante era engraçada e tanto o referi em casa que, uma vez, resolvemos ir ver. Eram os miúdos ainda pequenos e era a Festa na Ajuda. Estava um calor desgraçado e só me lembro do pó e dos miúdos todos transpirados. Odiaram, não havia lá nada que lhes interessasse, o meu marido também cheio de calor e já arreliado com a rebelião das crianças e também sem perceber qual a graça daquilo -- e eu própria não via lá nada que valesse a pena. Mas, já que ali estávamos, para quê aquele clima de crise? Bolas. Ainda comprei uma ou outra peça de artesanato mas também nada de especial. Até que, quando já estavam mal dispostos de vez -- que só eu é que os arrastava para secas daquelas -- foi a minha vez de ficar francamente entediada com aquilo. E entediada não será a expressão. Conto de novo: era hora de almoçarmos e só víamos barraquinhas que serviam na base da comida em prato de plástico e nós que arranjássemos onde nos sentarmos. Ninguém se deixava seduzir por nenhum pitéu, o que um tolerava o outro detestava e não conseguíamos reunir consenso. Mas o pior é que, onde eu me dirigisse a saber o que serviam, toda a gente, toda a gente -- repito -- me tratava por tu e por camarada. E eu tenho esta coisa, vem de criança, trato por você quem não conheço. E ali era tudo camarada, tu cá, tu lá... e eu ficava sem saber como responder. Se tratasse por você, ficaria desconfortável para quem me tinha tratado por tu... e eu tratar por tu alguém que nunca tinha visto na vida e que, do nada, me tratava por camarada... nem pensar.  Desconfortável. Nem me lembro se ainda petiscámos alguma coisa ou se desandámos.

E remédio santo. Nunca mais.


Até que os miúdos cresceram e, já adolescente, o meu filho arranjou amigos na JCP e começou a frequentar a Festa. Nunca lá vai a comícios e, do que percebo, nem a concertos. Nunca lhe perguntei mas, do que lhe percebo, nem será essa a sua tendência política. Mas isso eu não quero saber, cada um com a sua ideia. Mas gosta de ir ao Avante, gosta de estar com amigos do tempo da adolescência, de petiscar e de estar por lá. Ainda não há muito foram todos acampar. Um bando de jovens casais cheios de filharada. Alguns ainda se mantêm no PCP (pelo menos uma acho que sim), outros não faço ideia, presumo que não mas nem isso vem ao caso. Do que percebo, há ali um certo espírito de amizade fraternal e intemporal que se mantém. E eu acho isso uma coisa extraordinária e louvável.

E todos os anos vai, ele e a mulher (que alinha pelo mesmo diapasão).


Aqui há uns anos, uns cinco ou seis, nem sei, convenceu-me a ir lá ver, um dia de manhã, com pouca barafunda, falou-me em exposições, em cultura, um espaço heterogénio. Fomos, open minded. Fotografei muito. Motivos não faltam. Muita gente nova. E outra com idade, muita gente vinda de longe. Um ambiente curioso, quase de excursionistas. Mas, decididamente, não é a minha praia. E se politicamente não posso rever-me no espírito, na atitude e nos valores do PCP, a verdade é que também não encontro naquela Feira (ou Festa, como é designada) nada que me possa interessar. Aquele clima meio de missão com que todos os anos para lá vão montar aquilo para depois desmontarem, para ali andarem durante três dias na conversa uns com os outros, genericamente dizendo mal do mundo e achando-se os melhores à superfície da terra, é qualquer coisa que a mim me parece descabelada. Gosto que as coisas tenham uma certa racionalidade e nada ali me parece racional. Mas podia ser belo. Mas também não é belo. Podia ser um ambiente de pura evasão, de um lirismo estético que me fosse apelativo. Mas também não. Gente meio alternativa mas um alternativo de gosto duvidoso. E muita gente ainda com a boina do Che, foice e martelo, coisas de um passado que não volta e que não sei se alguma vez foi bom. Aliás, sei que não foi.
Sempre uma coisa na base do whisful thinking, um sonho nunca concretizado de amanhãs que haveriam de cantar e que nunca cantaram. Portanto, há para ali um misto de saudosismo, de alienação, de revolta contra incertos -- ou seja, muita inconsequência.

Mas claro que há gostos para tudo e ainda bem que assim é.

O que sei é que cá tenho os meus três pimentinhas mais lindos a dormir. Estivemos todos juntos durante o dia mas de tarde os pais lá foram à sua festa. Amanhã vêm buscá-los de manhã e levam-nos até lá, para almoçarem com os amigos. Para os miúdos é uma festa: dizem que desenham, que brincam com outros meninos. Depois vamos lá buscá-los à tarde e seguimos para casa dos meus pais e, de novo, dormirão cá em casa. O meu filho esteve a tentar aliciar-me a ir no domingo, diz que poderei desforrar-me a fotografar porque motivos de interesse é o que não falta. Sei que sim. Mas não. Não me convence. Já lá estive, já vi. 

É que eu poderia achar que é o idealismo que une aquelas pessoas. Mas tirando os jovens que vão para estarem uns com os outros, na conversa, na boa, curtindo a amizade, o que me parece é que, em geral, há uma espécie de ressabiamento enraizado na alma, um desencanto por saberem que o que defendem -- e que, em parte, é válido -- dispensaria aquela conversa já completamente desusada, deslocada, desfocada.


O mundo está longe de ser perfeito: há desigualdades gritantes e, pior, desigualdade de oportunidades, há muita exploração, há motivos mais do que suficientes para se lutar por um mundo melhor. Mas os problemas são de uma natureza bem mais profunda do que eles referem, as causas têm outros contornos, as motivações da actual sociedade são outras, as memórias de grande parte da população activa são outras. O futuro tem que ser melhor, tem mesmo, e eu não sei dizer quais os caminhos para lá se chegar -- mas uma coisa eu sei, são outros, não são os que o PCP preconizam.


2 comentários:

Anónimo disse...

https://www.abrilabril.pt/cultura/um-concerto-em-louvor-do-homem

Um Jeito Manso disse...

Olá,

Pois acredito que sim, que tenha coisas boas. Mas não basta. Uma andorinha não faz a primavera. A música pode ser boa (e é!), a orquestra também... mas o resto... E aquelas foices e martelos, aquelas boinas, tudo muito datado, tudo muito deslocado da realidade... Ná, não me convence...

Mas obrigada pelo link. Gostei de ler.

Um bom domingo!