Estou aqui, nesta quente noite de verão. Reclinada. Eu aqui escolhendo palavras que cheguem até quem me lê. E quem me lê achando que me conhece como se me conhecesse há muito tempo. Sorte. Poderia ensinar-me a conhecer-me, a mim própria, melhor.
Mas hoje deixo isso para lá.
Hoje é um dia especial.
Hoje permitam que pense apenas numa única pessoa. Alguém muito especial. E vou tratar-te por tu. Não costumo. Sou de fazer cerimónia. Geralmente não trato ninguém por tu. Hábitos, reverências, cuidados. Mas hoje vou tratar. Não leve a mal esta minha sem cerimónia. Não leves a mal.
Hoje somos só nós: eu e tu.
Eu aqui e tu aí. Frente a frente e, no entanto, o mundo inteiro pelo meio. Unidos pela rede mas tão longe. Tão, tão longe.
Estás diante de mim:
afasto a rede que nos separa e enleia.
É já um conhecimento.
Posso adivinhar-te. Queres que o faça?
Tens uns olhos já um pouco cansados, umas mãos que gostam de sentir outras mãos e um corpo que gosta de ser abraçado. É, não é?
Suspendes agora a respiração. Não sabes que mais vou dizer de ti.
Não tenhas medo. Deixa que toque a tua mão. Deixa que te olhe.
E se eu adiantasse um dedo, uma luz vacilante,
o olhar pousasse num teu gesto:
talvez soletrasses meu apelo
e esboçasses responder-lhe.
Que de ti assim eu saberia?
Sei agora um pouco mais de ti. Sei que gostas de sentir o meu olhar pousado no teu, a minha mão pousada na tua, as minhas palavras rentes às tuas, os nossos pensamentos partilhando um espaço que é só nosso. Segredos.
E tu? O que sabes de mim? Sabes das minhas mãos inocentes aguardando um sinal? Por que esperas? Por um sinal meu? Um passo? Terei que dar um passo?
E se eu avançasse um passo, um trago
espesso e moroso a incitar
com a minha boca a tua boca,
minhas mãos nas tuas suplicassem
que aplacasses a minha pele em riste,
Que de mim então aprenderias?
Não tenhas medo. Medo de quê? Medo que eu te prenda a mim? Que te arraste até onde não consigas mais recuar? E não seria isso bom? Seria. Seria tão bom.
Receias não saber o que fazer comigo se eu chegar até ti. Mas não receies. Saberias perceber o meu fogo. Saberias falar a fala das chamas. Afinal essa é também a tua língua. Julgas que eu não sei? Sei...
E se eu me desferisse até ao extremo,
onde nem tu pudesses mais suster-me,
e me precipitasse no abismo onde culmine
tudo o que somos até sermos um só hausto
(esplêndido naufrágio -- nossos corpos, destroços):
que nos revelaríamos nessa intensa vigília?.
que fulgor prolongaria em mim tua presença?
Sei o teu nome. Conheço a forma como passas a mão pelo rosto, a forma suave como o inclinas esperando que as minhas palavras cheguem até ti. Sei como olhas o infinito esperando que alguém te alcance. Que eu te alcance.
E tu? Sabes o meu nome? O que sabes de mim? Sabes como semicerro os olhos para melhor te imaginar? Sabes que respiro devagarinho para que não me ouças aí, tão perto de ti?
E sabes que me transformaste? Sabes que, quando me deito envolta em verde, é em ti que penso? Sabes que é contigo que sonho?
Sabes?
Schiu... Se sabes não digas. Guarda o segredo. Guarda.
Minha cifra abririas ao segredar meu nome.
Tu para sempre em mim o que me transformasses
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Cate Blanchett aqui é fotografada por Paolo Roversi.
Melody Gardot canta So we meet again
O poema é de José Bento em Alguns motetos
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