segunda-feira, julho 23, 2018

A forma em U da curva da felicidade em função da idade.
[Sim, é verdade, a meia-idade é uma altura charneira na vida das pessoas: a partir daí é sempre a melhorar]





Não consegui desenvolver porque o sono me apeou pelo que, de novo, aqui estou para a mesma lide.

Poderia dar o meu testemunho mas hesito porque acho que quem frequenta a blogosfera tende a preferir temas pesados, confissões de alta solidão, de peso a mais, varizes a explodir, costas curvadas de tanta escoliose, abandonos, dor de corno, cabelo espigado, unhas partidas, calos e joanetes, ataques de bílis. Por isso, sei bem que aparecer eu aqui sem dramas desse calibre, automaticamente me desabilita de ser levada a sério.

Mas, pronto, arrisco. Quem dá o que tem a mais não é obrigado e eu dou o conhecimento de uma realidade que mais ou menos conheço: a minha. Note-se: não por me achar exemplar mas por facilidade, escuso de me pôr a inventar.


Não por mérito, esforço ou resultado de terapia, mas sim por simples genética nunca fui dada a aflições ou inquietações. Não tento aprofundar o conhecimento de mim própria nem dos outros e isso, desde logo, tira-me ralações de cima.

Seja por isso ou por alguma deformação cerebral, a verdade é que não apenas não guardo ressentimentos como não me dá para carpir sobre o que poderia ter feito e não fiz ou para gostar de quem não gosta de mim (talvez porque me estou nas tintas para quem não gosta de mim) ou para querer o que não consigo alcançar -- e, portanto, a verdade é que não guardo memória de períodos da minha vida em que me tenha sentido infeliz. Sou uma pessoa simples e dos simples, como se sabe, é o reino dos céus (. Talvez não por acaso, parte do meu tempo seja vivida aqui, in heaven).

Uma vez, teria eu uns quarenta e poucos, na conversa com uma pessoa, disse-me ela que quem, aos quarenta, diz que o corpo não começou a dar de si e a dar toda a espécie de problemas, está a mentir. Calei-me caladinha mas pensei que a mim o corpo parecia igual ao que estava aos trinta: não me dava problemas de maior.

Agora já não digo o mesmo. Não que me pregue grandes partidas mas porque o seu formato já não é o mesmo do que era há décadas. Olho para vestidos ou blusinhas que vestia aos quarenta e tal e pasmo: eu cabia ali dentro? A minha cinturinha era daquele little tamanhinho? 

Era tamanho 36. Depois fixou-se no 38. Julguei que assim ficaria para todo o sempre. Mas não.

Com a menopausa, o corpo parece que alargou, que ganhou volume. Mais: as rugas começam a aparecer (e tanto mais quanto somos de rir amiúde) e os músculos começam a perder a elastecidade própria da juventude. Mas isso não me aflige. A menos que nos vamos retocando, preenchendo, repuxando ou enxertando o corpo vai ganhando as marcas do tempo. As coisas são o que são.

E, corpo à parte, no resto também tudo tranquilo.

Nunca fui ambiciosa no sentido de ter fisgado algum lugar pelo que, se isso antes não era tema, muito menos o é agora. Nem no sentido de ter um carro de luxo, um barco de alto calibre, um palacete no vale do Tejo, um jactinho com piloto de carne e osso, lindo e atlético, os filhos casados com os herdeiros do Aga Khan. Nunca tive pretensões a nada que não pudesse obter sem esforço ou que não dependesse directamente de mim pelo que nunca me senti frustrada por não o alcançar.

Sou despreocupada e feliz como sempre fui. Não quer dizer que o seja sempre -- mas sou-o na maior parte do tempo. E sou mais agora do que era quando era mais nova. A minha qualidade de vida emocional tem aumentado ao longo do tempo.

Tenho fúrias destemperos, irritações. Toda a gente as tem e eu não sou excepção. Mas passam sem deixar rasto. Tenho preocupações como todas as pessoas as têm, algumas bem pesadas, mas não as procuro nem me deixo afundar nelas.

E, cada vez mais, dou valor a tudo o que de bom me rodeia.

A natureza, a beleza, os afectos, um bom livro, uma música bonita, o silêncio, o perfume que paira no ar, os sorrisos -- tudo isso me traz serenidade e felicidade.

E as estatísticas comprovam que este é o padrão. É a chamada curva em U da felicidade.

A linha da felicidade em função da idade -- versão simplificada

A mesma coisa mas juntando 7 grandes estudos que, como se vê, coincidem no padrão

Orégãos a secar na sala de jantar
Na juventude e no estado adulto, até se atingir a dita meia-idade, há um crescendo de preocupações que, pelo que se vê nas estatísticas, não deixa saborear a vida. A felicidade tomba, o nível de satisfação vai escorregando por aí abaixo. Será a preocupação com o trabalho, a dificuldade em conciliar vida profissional e vida pessoal, as dificuldades com filhos pequenos ou adolescentes. Ou dificuldade em pagar a casa ou em arranjar um trabalho de que se gosta. Coisas assim. Muito compreensível.

Contudo, a partir da meia-idade, a felicidade e a qualidade de vida melhoram para a maioria das pessoas.

Prova-se ainda que as pessoas que se sentem felizes vivem mais anos. A felicidade dá saúde, afasta a sombra do fim que se avizinha.

Mais: está provado que as pessoas com 50, 60 ou mais anos encontram mais facilmente novas companhias do que quando tinham 20, 30 ou 40.

Portanto: a meia-idade é uma altura de viragem mas os melhores anos não estão para trás: estão, sim, por vir.

Claro que, olhando o segundo gráfico, o mais detalhado, dá para perceber que, de vez em quando, à medida que a idade caminha no sentido da longevidade, alguns declives, algumas quebras na linha crescente da felicidade podem acontecer. Podem ser perdas, doenças. É natural. Mas logo se recupera; e a tendência, sempre, é que a satisfação com a vida vá aumentando. A vida é uma coisa boa -- e isso é a sabedoria (que a idade nos vai trazendo) que nos ajuda a perceber.

Lá fora, Pedro Mexia
Cemitério de Elefantes, Dalton Trevisan
+ o meu biquini

E é isto que tenho a dizer sobre o mito urbano da 'crise da meia-idade' ou outras tretas que formatam negativamente a vida das pessoas. 

E bora mas é atirar os maus astrais para trás das costas -- o que não quer dizer que sejamos uns frescos e fofos, descerebrados e levianos. Ou seja, estarmos de bem connosco e com a vida não significa que não estejamos alerta e não nos ergamos de cada vez que pinte uma injustiça, uma trapalhada, uma pinóia que tresande. 

Inteiros e erguidos na defesa dos valores que defendemos, contra tudo e contra todos -- assim devemos ser e estar. A nossa consciência sempre limpa.

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E, agora, dancemos

Ímã - Grupo Corpo


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[Fotografias feitas este domingo, in heaven]


1 comentário:

Unknown disse...

O melhor da vida é ser sempre grata, sem lamentações e nem arrependimentos. Ver as situações negativas como lições de vida.